Homilias JOÃO PAULO II 1581

VISITA PASTORAL À UCRÂNIA


CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


E BEATIFICAÇÃO DE DOIS SERVOS DO SENHOR


Lviv, 26 de Junho de 2001







1. "Fazei o que Ele vos disser" (Jn 2,5).

O trecho do Evangelho, há pouco proclamado, apresenta a primeira intervenção de Maria na vida pública de Jesus e põe em realce a sua cooperação na missão do Filho. Em Caná, no decurso das bodas nupciais em que tomam parte Maria, Jesus e os seus discípulos, vem a faltar o vinho. Manifestando a sua fé no Filho e indo em auxílio dos dois jovens esposos em dificuldade, Maria pede ao Salvador que providencie, realizando o primeiro milagre.

"Que temos nós com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou" (Jn 2,4) responde-lhe Jesus. Perante estas palavras, Maria não esmorece e, dirigindo-se aos serventes, diz: "Fazei o que Ele vos disser" (Jn 2,5). Ela renova a sua confiança no Filho e vê premiada a sua intercessão com o milagre.

O episódio evangélico convida-nos hoje a contemplar Maria como "Auxílio dos cristãos", em todas as necessidades. Seria instrutivo percorrer as vicissitudes do povo fiel para reconhecer os sinais da protecção maternal de Maria, sempre solícita pelo bem dos seus filhos. Poderíamos recolher muitos testemunhos das intervenções de Maria na salvaguarda de cada um e da comunidade. Mas podemos recolher os testemunhos mais belos na vida dos vossos santos.

Fixemos hoje o nosso olhar em dois filhos desta Terra, que tiraram da devoção à Virgem Santíssima o estímulo para um caminho de perfeição, hoje solenemente reconhecido. São o Arcebispo José Bilczewski e o sacerdote Zygmunt Gorazdowski. Ambos nutriram um profundo amor pela Mãe do Senhor. A sua vida e o seu serviço pastoral foram uma contínua resposta ao seu convite: "Fazei o que Ele vos disser". Heroicamente obedientes aos ensinamentos do Senhor, percorreram o caminho estreito da santidade. Ambos viveram aqui em Lviv, quase no mesmo período e hoje hoje são inscritos juntos no Álbum dos Beatos.

2. Ao recordá-los, é-me grato saudar-vos a todos vós aqui presentes. Saúdo, de modo especial, os Senhores Cardeais Marian Jaworski e Lubomyr Husar, os Bispos da Conferência Episcopal Ucraniana e os do Sínodo dos Bispos da Igreja greco-católica ucraniana. Além disso, saúdo-vos a vós, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e quantos estais activamente empenhados nas várias actividades pastorais. Uma saudação afectuosa aos jovens, às famílias, aos doentes e a toda a Comunidade aqui espiritualmente reunida para acolher a mensagem espiritual dos novos Beatos.

1582 Estou feliz porque a Arquidiocese de Lviv obteve o segundo Arcebispo Beato. Depois de Jacob Strzemie, que orientou este povo nos anos de 1391-1409 e foi beatificado em 1790, é hoje elevado à glória dos altares um outro Pastor desta Arquidiocese, José Bilczewsky. Não é este um testemunho da continuidade da fé deste povo e da bênção de Deus, que lhe manda Pastores dignos da sua vocação? Como não agradecer a Deus por este dom concedido à Igreja de Lviv?

Do Arcebispo D. José Bilczewsky recebemos o convite a viver com generosidade o amor de Deus e do próximo. Foi esta a regra suprema da sua vida. Desde os primeiros anos de sacerdócio, cultivou uma ardente paixão pela Verdade revelada, que o conduziu a fazer da investigação teológica uma via original para traduzir em comportamentos concretos o mandamento do amor para com Deus. Tanto na vida sacerdotal, como nos vários e importantes cargos desempenhados na Universidade "João Casimiro" de Lviv, sempre soube testemunhar, juntamente com o amor a Deus, também um grande amor ao próximo. Alimentou uma particular atenção aos pobres e cultivou respeitosas e cordiais relações quer com os colegas, quer com os estudantes, que lho agradeceram sempre com grande estima e afecto.

A nomeação para Arcebispo ofereceu-lhe a ocasião de dilatar sem medida os confins da sua caridade. No período particularmente difícil da primeira guerra mundial, o novo Beato surgiu como o ícone vivo do Bom Pastor, pronto a encorajar e a sustentar os seus fiéis com palavras inspiradas e cheias de benevolência. Foi em socorro dos necessitados, para com os quais nutriu uma predilecção tal que quis permanecer com eles após a sua morte, decidindo ser sepultado no cemitério de Janov em Lviv, que acolhia os restos mortais dos mais pobres. Servo bom e fiel do Senhor, animado por uma profunda espiritualidade e incessante caridade, foi amado e estimado por todos os seus concidadãos, sem distinção de confissões, rito ou nacionalidade.

Hoje, o seu testemunho brilha diante de nós como encorajamento e estímulo, para que também a nossa acção apostólica, alimentada por uma profunda oração e de terna devoção à Virgem, seja toda dedicada à glória de Deus e ao serviço da santa Mãe Igreja, para o bem das almas.

3. Esta Beatificação constitui também para mim um motivo particular de alegria. O Beato José Bilczewski permanece na linha da minha sucessão apostólica. De facto, ele consagrou o Arcebispo Boleslau Twardowski, que por sua vez ordenou bispo Eugénio Baziak, de cujas mãos eu recebi a ordenação episcopal. Hoje, pois, também eu recebo um novo e particular patrono. Agradeço a Deus por este dom admirável.

Há ainda uma outra particularidade que não pode ser esquecida nesta ocasião. O Beato Arcebispo Bilczewski foi consagrado pelo Cardeal João Puzyna, Bispo de Cracóvia. Estavam a seu lado como co-consagrantes o Beato José Sebastião Pelczar, Bispo de Przemysl e o Servo de Deus André Sheptytskyj, Arcebispo greco-católico. Não foi este um admirável acontecimento? Naquela ocasião o Espírito Santo fez encontrar três grandes Pastores, dos quais dois são proclamados Beatos e o terceiro também o será, por vontade de Deus. Em verdade, esta terra merecia vê-los em conjunto no acto solene da criação de um sucessor dos Apóstolos. Merecia vê-los unidos. Esta sua união permanece como sinal e uma chamada para os fiéis dos respectivos rebanhos, que são convidados pelo seu exemplo a construir a comunhão ameaçada pela recordação das vicissitudes históricas e dos preconceitos saídos do nacionalismo.

Hoje, enquanto louvamos a Deus pela invencível fidelidade destes seus Servos ao Evangelho, sentimos um íntimo impulso para reconhecer a infidelidade evangélica em que cairam não poucos cristãos de raiz polaca ou ucraniana, residentes nestes lugares. É tempo de tomar as distâncias em relação ao passado doloroso. Os cristãos das duas Nações devem caminhar em conjunto em nome do único Cristo, para o único Pai, guiados pelo mesmo Espírito Santo, fonte e princípio de unidade. O perdão oferecido e recebido se espalhe como bálsamo benéfico no coração de cada um. A purificação da memória histórica disponha a todos para fazer prevalecer tudo o que une sobre tudo quanto divide, para construir em conjunto um futuro de recíproco respeito, de fraterna colaboração e de autêntica solidariedade. Hoje, o Arcebispo José Bilczewski e os seus companheiros Pelczar e Sheptytskyj pedem-vos: estai unidos!

4. Durante os anos do episcopado de D. Bilczewski, viveu em Lviv a última parte da sua existência terrena também o Padre Zygmunt Gorazdowski, autêntica pérola do clero latino desta Arquidiocese. A sua extraordinária caridade levou-o a dedicar-se sem descanso aos pobres, apesar das suas precárias condições de saúde. A figura do jovem sacerdote que, esquecendo-se do grave perigo de contágio, andava sempre entre os doentes de Wojnilow e recompunha pessoalmente os corpos dos mortos de cólera, permaneceu na memória dos contemporâneos como testemunho vivo do amor misericordioso do Salvador.

Teve uma paixão ardente pelo Evangelho que o levou a tornar-se presente nas escolas, no trabalho editorial e em várias iniciativas catequéticas, sobretudo nos encontros com os jovens. A sua acção apostólica era, pois, fortalecida por um empenho caritativo que não conhecia descanso. Ele permanece na recordação dos fiéis de Lviv como o "pai dos pobres" e o "sacerdote dos desabrigados". A sua criatividade e a sua dedicação neste campo quase não teve limites. Como Secretário do "Instituto dos pobres cristãos", esteve presente em toda a parte como se levasse o grito angustiado das pessoas, a quem procurou responder, aqui mesmo em Lviv, com numerosas instituições caritativas.

Reconhecido, na hora da sua morte, como "um verdadeiro religioso, ainda que privado de votos especiais", pela sua plena fidelidade a Cristo pobre, casto e obediente, ele permanece para todos uma testemunha privilegiada da misericórdia divina. Ele é testemunha, em particular, para vós, queridas Irmãs de São José, que procurais segui-lo fielmente na difusão do amor a Cristo e aos irmãos mediante obras caritativas e assistenciais. Do Beato Zygmunt Gorazdowski aprendestes a alimentar a actividade apostólica com uma intensa vida de oração. Os meus votos são os de que possais, como ele, conciliar a acção com a contemplação, alimentando a vossa piedade com uma ardente devoção à Paixão de Cristo, um termo amor pela Virgem Imaculada e uma veneração muito especial por São José, cuja fé, humildade, prudência e coragem o Padre Zygmunt procurava imitar.

5. O exemplo dos Beatos José Bilczewski e Zygmunt Gorazdowski sirva de estímulo para vós, caros sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas, catequistas e estudantes de teologia. Penso em vós, de maneira muito especial neste momento e convido-vos a acolher a lição espiritual e apostólica destes dois Beatos pastores da Igreja. Imitai-os! Vós, que de vários modos prestais um serviço especial ao Evangelho, deveis, como eles, fazer o possível para que, através do vosso testemunho, cada homem, qualquer que seja a sua idade, origem, formação, estado social, se sinta amado por Deus no mais fundo do seu coração. Esta é a vossa missão.

1583 O vosso empenho prioritário seja amar a todos e estar disponíveis para cada um, nunca abandonando a vossa fidelidade a Cristo e à Igreja. Este é um caminho certamente cheio de dificuldades e de incompreensões, que talvez possa comportar perseguições.

Disso estão bem conscientes os mais idosos. Estão entre vós muitos que, na segunda metade do século passado, suportaram não poucos sofrimentos por causa da sua adesão a Cristo e à Igreja. Quero prestar-vos homenagem a todos vós, queridos sacerdotes, religiosos e religiosas que permanecestes fiéis a este Povo de Deus. E a vós, que agora acompanhais estes generosos operários do Evangelho procurando levar por diante a sua missão, digo: não temais! Cristo não promete uma vida fácil, mas assegura sempre a sua ajuda.

6. Duc in altum! Faz-te ao largo, Igreja de Lviv dos Latinos! O Senhor está contigo! Não temas diante das dificuldades que também hoje ameaçam o teu caminho. Com Cristo tu serás vitoriosa. Escolhe com coragem a santidade: ali está posta a premissa segura da verdadeira paz e do progresso duradouro.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, confio-vos à protecção de Maria, amorosa Mãe de Deus, que desde há séculos venerais na efígie que terei a alegria de hoje coroar. Estou feliz por também eu me poder inclinar diante desta imagem que recorda os votos do rei João Casimiro. A "Graciosa Estrela de Lviv" seja um apoio para vós e vos conduza à plenitude da graça.

Igreja de Lviv dos Latinos, intercedam por ti todos os santos e santas que enriqueceram a tua história. Protejam-te, de modo especial, os Beatos Arcebispos Jacob Strzemie e José Bilczewski, com o Padre Zygmunt Gorazdowski. Avança confiante em nome de Cristo, Redentor do homem! Amen.



Saudações

Saúdo cordialmente os Senhores Cardeais, os Arcebispos e Bispos provenientes de vários países. Dilectos Irmãos, agradeço-vos a vossa participação nestes dias que vêem a Igreja católica na Ucrânia reunida à volta do Sucessor de Pedro. A vossa presença aqui constitui um sinal eloquente e precioso da comunhão e da solidariedade das vossas Igrejas locais com os filhos da Igreja católica que vivem nesta Terra. Espero por vós amanhã, para celebrarmos juntos Cristo Senhor, seguido com fidelidade como mestre e paradigma de santidade pelos Mártires e Beatos da Igreja greco-católica.

Caríssimos, agradeço-vos a vossa alegre presença na celebração deste dia.
O meu profundo agradecimento dirige-se também para toda a cidade de Lviv, pela recepção sincera e calorosa que ontem nos foi tributada, como sinal de grande hospitalidade e abertura de coração.

Convido todos vós para a importante Beatificação dos Mártires, que terá lugar amanhã. Espero por vós também na tarde de hoje, para o encontro com a juventude. Louvado seja Jesus Cristo!

Antes de concluir esta solene liturgia, não posso deixar de recordar aqui também duas famosas figuras ligadas a esta Terra. Em primeiro lugar, vem-me à mente São João de Dukla, cujas relíquias nos acompanham no encontro de hoje. Este filho espiritual de São Francisco exercia aqui em Lviv o papel de sentinela da custódia da Rus' de Kiev, e foi aqui que conquistou a fama de grande pregador e confessor, concluindo a sua vida nesta mesma localidade. Hoje, voltou a esta cidade para saborear, depois de cinco séculos, os frutos da sua santidade no coração deste povo fiel.

1584 Quero mencionar também a figura do Arcebispo arménio José Teodorowicz. Este insigne teólogo e pastor, homem de Estado e de Igreja, orientou com sabedoria e dedicação a comunidade arménia ao longo das primeiras décadas do século passado. Recordando-o, saúdo todos os fiéis da Igreja arménia, que desde há séculos está presente em Terras ucranianas, enriquecendo-as com a sua antiga espiritualidade e cultura. A recordação dos mártires e dos confessores arménios vos revigore na fé, na esperança e na caridade!

Daqui a pouco, coroarei a imagem, famosa pelas graças que concede, da Bem-Aventurada Mãe de Deus, Nossa Senhora de Lviv. A sua protecção acompanhe esta cidade e toda a Ucrânia!



VISITA PASTORAL À UCRÂNIA

DIVINA LITURGIA PARA A BEATIFICAÇÃO

DE VINTE E OITO SERVOS DE DEUS


27 de Junho de 2001






1. "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jn 15,13).
Esta solene afirmação de Cristo ressoa entre nós, hoje, com particular eloquência, enquanto proclamamos Beatos alguns filhos desta gloriosa Igreja de Leópolis dos Ucranianos. A maior parte deles foi morta por ódio à fé cristã. Alguns sofreram o martírio em tempos não distantes e, entre os que se encontram presentes na Divina Liturgia de hoje, não poucos os conheceram pessoalmente. Esta terra de Halytchyna, que ao longo da história viu o desenvolvimento da Igreja ucraniana greco-católica, foi coberta, como dizia o inesquecível Metropolita José Slipyj, por montanhas de cadáveres e rios de sangue".

A vossa, é uma comunidade viva e fecunda que se relaciona com a pregação dos santos Irmãos Cirilo e Metódio, com São Vladimiro e Santa Olga. O exemplo dos mártires pertencentes a vários períodos da história, mas sobretudo ao século passado, testemunha que o martírio é a medida mais nobre ao serviço de Deus e da Igreja. Com esta celebração queremos prestar-lhes homenagem e agradecer ao Senhor pela sua fidelidade.

2. Com este sugestivo rito de beatificação, é de igual modo meu desejo exprimir o reconhecimento de toda a Igreja ao povo de Deus na Ucrânia por Mykola Carneckyj e pelos seus 24 Companheiros mártires, bem como pelos mártires Teodor Romza e Omeljan Kovc e pela Serva de Deus Josaphata Michaëlina Hordashevska. Como o grão de mostarda que, ao cair na terra, morre para dar vida à espiga (cf. Jo Jn 12,24), assim eles ofereceram a sua existência, para que o campo de Deus fosse fecundado com uma nova e mais abundante messe.

Na sua recordação, saúdo todos os que participam nesta celebração, começando pelos Senhores Cardeais Lubomyr Husar e Marian Jaworski, com os Bispos e os sacerdotes das Igrejas Greco-Católica e Latina. Ao saudar o actual Arcebispo-Mor de Lviv dos Ucranianos, o meu pensamento dirige-se aos predecessores, o Servo de Deus André Sheptytskyj, o heróico Cardeal José Slipyj, o saudoso Cardeal Myroslav Lubachivskyj, que faleceu recentemente. Ao recordar os Pastores, o meu coraçao dirige-se com afecto a todos os filhos e filhas da Igreja greco-católica ucraniana, também a quantos estão unidos a nós através da rádio e da televisão de outras cidades e nações.

3. Os servos de Deus, hoje inscritos no Álbum dos Beatos, representam todas as componentes da Comunidade eclesial: entre eles, encontram-se Bispos e sacerdotes, monges, monjas e leigos. Eles foram provados de muitas maneiras por parte dos seguidores das ideologias nefastas do nazismo e do comunismo. Consciente dos sofrimentos a que eram submetidos estes fiéis discípulos de Cristo, o meu Predecessor Pio XII, com solícita participação, manifestava a própria solidariedade àqueles "que perseveram na fé e resistem aos inimigos do cristianismo com a mesma invencível fortaleza com que resistiram outrora os seus antepassados" e louvava a sua coragem por terem permanecido "fielmente unidos ao Romano Pontífice e aos seus pastores" (Carta apostólica Orientales Ecclesias, 15 de Dezembro de 1952; AAS 45 [1953], 8).

Amparados pela graça divina, eles percorreram até ao fim o caminho da vitória. É um caminho que passa através do perdão e da reconciliação; caminho que conduz à luz resplandecente da Páscoa, depois do sacrifício do Calvário. Estes nossos irmãos e irmãs são os representantes conhecidos de uma multidão de heróis anónimos homens e mulheres, maridos e esposas, sacerdotes e consagrados, jovens e idosos que no decurso do século XX, o "século do martírio", enfrentaram a perseguição, a violência e a morte para não renunciar à sua fé.

Como não recordar aqui a clarividente e sólida acção pastoral do Servo de Deus, o Metropolita André Sheptytskyj, cuja causa de beatificação está a decorrer e que desejamos ver um dia na glória dos Santos? Devemos fazer uma justa referencia à sua heróica acção apostólica, para compreender a fecundidade da igreja greco-católica, humanamente inexplicável, nos anos obscuros da perseguição.

1585 4. Eu próprio fui testemunha, na minha juventude, desta espécie de "apocalipse". "O meu sacerdócio, logo no seu início, inscreveu-se no grande sacrifício de tantos homens e mulheres da minha geração" (Dom e mistério, pág. 47). Não se deve perder a sua memória, porque ela é uma bênção. Para eles vai a nossa admiração e gratidão: como um ícone do Evangelho das Bem-aventuranças, vivido até ao derramamento do sangue, eles constituem um sinal de esperança para os nossos tempos e para os que hão-de vir. Manifestaram como o amor é mais forte do que a morte.

Na sua resistência ao mistério da iniquidade pôde resplandecer, apesar da fragilidade humana, a força da fé e da graça de Cristo (cf.
2Co 12,9-10). O seu testemunho invencível revelou-se ser semente de novos cristãos (cf. Tertuliano, 50, 13: CCL 1, 171).

Com eles também foram perseguidos e mortos por causa de Cristo cristãos de outras Confissões. O seu martírio comum é um forte apelo à reconciliação e à unidade. É o ecumenismo dos mártires e das testemunhas da fé, que indica o caminho da unidade aos cristãos do século XXI. Que o seu sacrifício seja uma lição concreta de vida para todos. Não se trata, sem dúvida, de uma tarefa fácil. Ao longo dos últimos séculos acumularam-se demasiados estereótipos de pensamento, muitos ressentimentos recíprocos e demasiada intolerância. O único meio para desimpedir este caminho é esquecer o passado, pedir e oferecer o perdão uns aos outros pelas ofensas feitas e recebidas, e confiar sem limites na acção renovadora do Espírito Santo.

Estes mártires ensinam-nos a fidelidade ao duplo mandamento do amor: amor a Deus, amor aos irmaos.

5. Queridos sacerdotes, queridos religiosos e religiosas, caros seminaristas, catequistas e estudantes de Teologia! Desejo indicar-vos precisamente a vós de maneira particular o exemplo luminoso destas heróicas testemunhas do Evangelho. Sede como eles fiéis a Cristo até à morte! Se Deus abençoa a vossa Terra com numerosas vocações, se os seminários estão repletos e isto é fonte de esperança para a vossa Igreja é sem dúvida um dos frutos do seu sacrifício. Mas isto constitui para vós uma grande responsabilidade.

Por conseguinte, digo aos responsáveis: prestai um cuidado atento à formação dos futuros sacerdotes e dos chamados à vida consagrada, na linha típica da tradição monástica oriental. Por um lado, seja posto em relevo o valor do celibato pelo Reino do Céu, e por outro seja ilustrada também a importância do Sacramento do matrimónio com os empenhos com ele relacionados. A família cristã recordou o Concílio é como uma "igreja doméstica", na qual os pais devem ser para os filhos os primeiros anunciadores da fé (cf. Lumen gentium, LG 11).

Exorto todos os filhos e filhas da Igreja a procurar com empenho constante um conhecimento de Cristo cada vez mais autêntico e profundo. Seja uma constante preocupação do Clero oferecer aos leigos uma séria formação evangélica e eclesial. Que aos cristãos nunca falte o espírito de sacrifício. Nem se debilite a coragem da comunidade cristã na defesa dos ofendidos e dos perseguidos, dedicando grande atenção ao decifrar os sinais dos tempos, para responder desta forma aos actuais desafios sociais e espirituais.

Neste contexto, digo-vos que seguirei com interesse o desenvolvimento da terceira secção do Sínodo da vossa Igreja, que será realizado em 2001, dedicado à leitura eclesial dos problemas sociais da Ucrânia. A Igreja não se pode calar quando está em jogo a tutela da dignidade humana e o bem comum.

6. "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jn 15,13). Os mártires que hoje sao declarados Beatos seguiram o Bom Pastor até ao fim. Que o seu testemunho não permaneça para vós simplesmente um orgulho: que ele se torne ao contrário um convite a imitá-los. Com o Baptismo, cada cristão é chamado à santidade. Nem a todos é pedida, como a estes novos beatos mártires, a prova suprema da efusão do sangue. Mas a cada um é confiada a tarefa de seguir Cristo com generosidade quotidiana e fiel, como fez a beata Josaphata Michaëlina Hordashevska, co-fundadora das Escravas de Maria Imaculada. Ela soube viver de modo extraordinário a sua adesão quotidiana ao Evangelho, servindo as crianças, os doentes, os pobres, os analfabetos e os marginalizados em situações muitas vezes difíceis e não privadas de sofrimentos.

Que a santidade seja o anseio de todos vós, queridos Irmãos e Irmãs da Igreja greco-católica ucraniana. Neste caminho de santidade e de renovamento vos acompanhe Maria, "que a todos precede à frente do longo cortejo das testemunhas da fé no único Senhor" (Redemptoris Mater, RMA 30).

Intercedam por vós os Santos e os Beatos, que nesta terra Ucraniana alcançaram a coroa da justiça, e os Beatos que hoje celebramos de maneira especial. O seu exemplo e a sua protecção vos ajudem a seguir Cristo e a servir fielmente o seu Corpo místico, a Igreja. Por intercessão deles, Deus derrame nas vossas feridas o óleo da misericórdia e do conforto, para que possais olhar com confiança para tudo o que vos espera, com a profunda certeza de serdes filhos de um Pai que vos ama ternamente.





DURANTE A IMPOSIÇÃO DO PÁLIO


A 34 ARCEBISPOS METROPOLITANOS


NA SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO


1586
29 de Junho de 2001




1. "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (
Mt 16,16).

Quantas vezes repetimos esta profissão de fé, outrora pronunciada por Simão, filho de Jonas, em Cesareia de Filipe! Quantas vezes eu próprio encontrei nestas palavras um sustento interior para prosseguir a missão que a Providência me confiou!

Tu és o Cristo! Todo o Ano Santo nos levou a fixar o olhar em "Jesus Cristo, o único Salvador do mundo ontem, hoje e sempre". Cada celebração jubilar foi uma incessante profissão de fé em Cristo, renovada de maneira coral dois mil anos depois da Encarnação. À pergunta, sempre actual, feita por Jesus aos seus discípulos: "E vós, quem dizeis que Eu sou!" (Mt 16,15), os cristãos do Ano 2000 responderam mais uma vez unindo as suas vozes à de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo".

2. "És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas Meu Pai que está nos céus (Mt 16,17).

Depois de dois mil anos a "rocha" sobre a qual foi fundada a Igreja é sempre a mesma: é a fé de Pedro. "Sobre esta pedra" (Mt 16,18) Cristo edificou a sua Igreja, edifício espiritual que resistiu ao desgaste dos séculos. Sem dúvida, sobre uma base simplesmente humana e histórica não teria podido suportar o ataque de tantos inimigos!

Com o decorrer dos séculos, o Espírito Santo iluminou homens e mulheres, de qualquer idade, vocação e condição social, para fazer deles "pedras vivas" (1P 2,5) desta construção. São os santos, que Deus suscita com uma fantasia que não se extingue, muito mais numerosos do que a Igreja indica solenemente como exemplo para todos: Cristo, Redentor do homem.

"Feliz és tu, Simão, filho de Jonas"! A bem-aventurança de Simão é a mesma de Maria Santíssima, à qual Isabel disse: "Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1,45).

É a bem-aventurança que se destina também à comunidade dos crentes de hoje, à qual Jesus repete: Bem-aventurada és tu, Igreja do ano 2000, que conservas intacto o Evangelho e o continuas a propor com renovado entusiasmo aos homens do início do novo milénio!

Na fé, fruto do misterioso encontro entre a graça divina e a humildade humana que a ela se confia, encontra-se o segredo daquela paz interior e daquela alegria do coração que precedem, de alguma forma, a bem-aventurança do Céu.

3. "Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a fé (2Tm 4,7).
1587 "Guarda-se" a fé dando-a (cf. Redemptoris missio, RMi 2). É este o ensinamento do apóstolo Paulo. Isto verificou-se desde quando os discípulos, no dia do Pentecostes, tendo saído do Cenáculo e estimulados pelo Espírito Santo, se moveram em todas as direcções. Esta missão evangelizadora continua no tempo e é a forma normal com que a Igreja administra o tesouro da fé. Todos devemos ser activamente participantes deste seu dinamismo.

Com estes sentimentos, dirijo-vos a minha cordial saudação a vós, queridos e venerados Irmãos, que hoje vos encontrais à minha volta. Saúdo-vos a vós de maneira especial, queridos Arcebispos Metropolitanos, nomeados durante o último ano e que viestes a Roma para o tradicional rito da imposição do Pálio. Provindes de vinte e um Países dos cinco continentes. Nos vossos rostos contemplo o rosto das vossas Comunidades: uma riqueza imensa de fé e de história, que no Povo de Deus se compõe e se harmoniza como numa sinfonia.

Saúdo também os novos Bispos, ordenados durante este ano. Também vós provindes de várias partes do mundo. Nos diferentes membros do corpo eclesial, que vós aqui representais, existem esperanças e alegrias, mas sem dúvida não faltam as feridas. Penso na pobreza, nos conflitos, e por vezes até nas perseguições. Penso na tentação do secularismo, da indiferença e do materialismo prático, que mina o vigor do testemunho evangélico. Tudo isto não deve diminuir, mas intensificar em nós, venerados Irmãos no Episcopado, o anseio de levar a Boa Nova do amor de Deus a cada ser humano.

Rezemos para que a fé de Pedro e de Paulo sustentem o nosso comum testemunho e nos torne disponíveis, se for necessário, a chegar até ao martírio.

4. Foi precisamente o martírio o selo do testemunho prestado a Cristo pelos dois grandes Apóstolos que hoje celebramos. À distância de alguns anos um do outro, derramaram o seu sangue aqui em Roma, consagrando-o de uma vez para sempre a Cristo. O martírio de Pedro marcou a vocação de Roma como sede dos seus sucessores naquela primazia que Cristo lhe conferiu ao serviço da Igreja: serviço à fé, serviço à unidade, serviço à missão (cf. Enc. Ut unum sint, UUS 88).

É premente este anseio à fidelidade total ao Senhor; torna cada vez mais intenso o desejo da plena unidade de todos os crentes. Dou-me conta de que, "após séculos de duras polémicas, as outras Igrejas e Comunidades eclesiais cada vez mais perscrutam com um novo olhar tal ministério de unidade" (ibid., 89). Isto é válido de modo particular para as Igrejas Ortodoxas, como pude observar também nos últimos dias, durante a minha peregrinação à Ucrânia: como desejo que se apressem os tempos da reconciliação e da comunhão recíproca.

Neste espírito, sinto-me feliz por dirigir a minha cordial saudação à Delegação do Patriarcado de Constantinopla, guiada por Sua Eminência Jeremias, Metropolita da França e Exarca da Espanha, que o Patriarca Ecuménico Bartolomeu I enviou para a celebração dos santos Pedro e Paulo. A sua presença acrescenta uma tom particular de alegria à nossa festa. Intercedam por nós os Santos Apóstolos, para que o nosso empenho conjunto possa solicitar e preparar a recomposição daquela unidade, total e harmoniosa, que deverá caracterizar a Comunidade cristã no mundo. Quando isto se verificar, o mundo terá mais facilidade em reconhecer o rosto autêntico de Cristo.

5. "Guardei a fé"! (2Tm 4,7). Assim afirma o apóstolo Paulo ao fazer o balanço da sua vida. E sabemos como a conservou: dando-a, difundindo-a, fazendo-a frutificar o mais possível. Até à morte.

Da mesma forma, a Igreja é chamada a guardar o "depósito" da fé, comunicando-o a todos os homens e a todo o homem. Por isso o Senhor a enviou ao mundo, dizendo aos Apóstolos: "Ide, pois, ensinai todas as nações" (Mt 28,19). Este mandato missionário é válido agora mais do que nunca, no início do terceiro milénio. Aliás, perante a imensidade do novo horizonte, ele deve encontrar o vigor do início (cf. Redemptoris missio, RMi 1).

Se São Paulo vivesse hoje, como exprimiria o anseio missionário que distinguiu a sua acção ao serviço do Evangelho? E São Pedro não deixaria sem dúvida de o encorajar neste generoso impulso apostólico, dando-lhe a sua mão direita em sinal de comunhão (cf. Gl Ga 2,9).

Por conseguinte, confiamos à intercessão destes dois Santos Apóstolos o caminho da Igreja no início do novo milénio. Invocamos Maria, a Rainha dos Apóstolos, para que o povo cristão cresça em toda a parte na comunhão fraterna e no estímulo missionário.

1588 Oxalá toda a comunidade dos crentes proclame quanto antes com um só coração e uma só alma: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!". Tu és o nosso Redentor, o nosso único Redentor! Ontem, hoje e sempre. Amen.



CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS SACERDOTES DA DIOCESE DE AOSTA


20 de julho de 2001


1. "O que é que hei-de dar ao Senhor / por tudo o que Ele me concedeu? Elevarei o cálice da salvação / e invocarei o nome do Senhor" (Salmo responsorial).

As palavras do Salmo responsorial, que acabámos de escutar, adaptam-se muito bem a esta Liturgia Eucarística, que tenho a alegria de celebrar juntamente convosco, caríssimos Sacerdotes da Diocese de Aosta. Dirijo uma saudação cordial a cada um de vós, e estou-vos grato por terdes vindo a Les Combes, onde estou estou prestes a concluir a minha benéfica permanência no meio dos montes do Vale de Aosta. Saúdo, de forma especial, o vosso Bispo e agradeço-lhe do íntimo do coração a sua atenciosa proximidade, que muito estimei. Além disso, saúdo a Comunidade salesiana que, com generosidade, me hospeda nesta casa. Renovo a minha gratidão a todos aqueles que, nestes dias, contribuíram de várias maneiras para tornar a minha permanência mais serena. Ofereço esta Celebração Eucarística por todos.

2. "A Vós oferecerei sacrifícios de louvor!" (Ibid.).

O Sacrificium laudis por excelência é a Eucaristia. Cada vez que a celebramos, oferecemos ao Pai, através do Filho no Espírito Santo, o sacrifício que lhe é agradável, para a salvação do mundo.
A vida e a missão do sacerdote estão estritamente vinculadas ao cumprimento deste Sacrifício eucarístico. Aliás, pode dizer-se que o presbítero é chamado a tornar-se um só com ele, a ser em si mesmo o Sacrificium laudis. Neste momento, penso no exército de sacerdotes santos, que se imolaram juntamente com Cristo ao serviço do povo cristão. Penso naqueles que propagaram o bom perfume de Cristo nesta vossa terra, servindo a Igreja de Santo Anselmo, à qual pertenceis. Eles "cumpriram o [seu] voto ao Senhor, diante de todo o seu povo" (Ibid.).

3. O Evangelho de hoje, tirado de São Mateus, ajuda-nos a aprofundar esta verdade, quando cita a célebre expressão que o Senhor dirigiu aos fariseus: "Se compreendêsseis o que significa: "Prefiro a misericórdia ao sacrifício" (Mt 12,7).

Na realidade, na Eucaristia torna-se presente todo o mistério da Misericórdia divina, que se revelou e se realizou na paixão, morte e ressurreição do Filho de Deus. O Sacrifício que Ele, Sacerdote da nova e eterna Aliança, ofereceu ao Pai e mandou que se perpetuasse no memorial eucarístico, não se realiza segundo a lei antiga, mas em conformidade com o Espírito, e actua a redenção da humanidade porque realiza o desígnio misterioso de Deus sobre ela.

É nesta perspectiva e neste mesmo mistério que se insere por bondade do Senhor que nos chamou também o nosso serviço sacerdotal e toda a nossa existência. Ministro de Cristo, do seu Sacrifício e da sua misericórdia: este é o Sacerdote que o próprio Cristo quis, unindo-o indissoluvelmente aos dois Sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação.

4. Caríssimos Irmãos, enquanto vos entrego de novo espiritualmente a Carta que escrevi aos Sacerdotes do mundo inteiro, por ocasião da Quinta-Feira Santa do corrente ano, rezo de maneira particular por vós e por todos aqueles que trabalham nesta Diocese. A experiência da Misericórdia divina vos santifique e vos torne ministros generosos do perdão e da reconciliação.


Homilias JOÃO PAULO II 1581