Homilias JOÃO PAULO II 1589

1589 Tudo é graça! É-o, de modo singular, a vida do Sacerdote, ministro da graça divina e, por este motivo, chamado a "viver, com sentido de infinita gratidão, o dom do ministério" (Carta aos Sacerdotes, Quinta-Feira Santa de 2001, n. 10).

Caríssimos, não tenhais medo de dedicar tempo e energias ao Sacramento da Reconciliação! O Povo de Deus tem mais necessidade do que nunca de voltar a descobri-lo, na sua sóbria dignidade litúrgica, como caminho ordinário para a remissão dos pecados graves e também na sua benéfica situação "humanizadora" (cf. ibid., nn. 12-13). O Santo Cura d'Ars seja o vosso modelo e guia!

Vele sobre vós e o vosso ministério Nossa Senhora Santíssima, Mãe da Misericórdia. É a Ela que vos confio a todos e as vossas comunidades. Quanto a mim, asseguro-vos a minha lembrança constante na oração, a fim de que todos os dias possais repetir com ânimo grato: "O que é que hei-de dar ao Senhor / por tudo o que Ele me concedeu? Elevarei o cálice da salvação / e invocarei o nome do Senhor".


SOLENIDADE LITÚRGICA DA ASSUNÇÃO

DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA


Quarta-feira 15 de agosto de 2001

1. "O último inimigo a ser destruído será a morte" (1Co 15,26).


As palavras de Paulo, que acabam de ser proclamadas na segunda leitura, ajudam-nos a compreender o significado da solenidade que hoje celebramos. Em Maria, que subiu ao Céu no termo da sua vida terrestre, resplandece a vitória definitiva de Cristo sobre a morte, que entrou no mundo em virtude do pecado de Adão. Foi Cristo, o "novo" Adão, que venceu a morte, oferecendo-se em sacrifício no Calvário, em atitude de amor obediente ao Pai. Assim, Ele resgatou-nos da escravidão do pecado e do mal. No triunfo da Virgem, a Igreja contempla Aquela que o Pai escolheu como verdadeira Mãe do seu Filho unigénito, associando-a intimamente ao desígnio salvífico da Redenção.

É por isso que Maria, como é bem evidenciado pela Liturgia, constitui um sinal consolador da nossa esperança. Olhando para Ela, arrebatada na exultação das plêiades angélicas, toda a existência humana, impregnada de luzes e de sombras, se abre para a perspectiva da bem-aventurança eterna. Se a experiência quotidiana nos faz sentir directamente como a peregrinação terrestre se desenvolve sob o sinal da incerteza e da luta, a Virgem exaltada na glória do Paraíso assegura-nos que o socorro divino jamais nos faltará.

2. "Apareceu um grande sinal no Céu: uma mulher revestida de Sol" (Ap 12,1). Olhemos para Maria, caríssimos Irmãos e Irmãs que aqui vos encontrais reunidos num dia tão especial para a devoção do povo cristão. Saúdo-vos com grande afecto. Cumprimento de modo particular o Senhor Cardeal Angelo Sodano, meu primeiro colaborador, e o Bispo de Albano acompanhado do seu Auxiliar, e agradeço-lhes a sua presença. Além disso, saúdo o pároco com os sacerdotes que o assistem, os religiosos, as religiosas e todos os fiéis aqui presentes, de maneira especial os consagrantes salesianos, a Comunidade de Castelgandolfo e a das Vilas Pontifícias. Incluo no meu pensamento os peregrinos de várias línguas, que quiseram unir-se à nossa celebração. A cada um formulo votos para que viva com alegria a solenidade deste dia, rica de sugestões para a meditação.

Hoje aparece um sinal grandioso no Céu: a Virgem Maria! É dela que nos fala com linguagem profética o sagrado autor do livro do Apocalipse, na primeira leitura. Que prodígio extraordinário se apresenta diante dos nossos olhos estupefactos! Acostumados a olhar para as realidades da terra, somos convidados a elevar o nosso olhar para o Alto: rumo ao Céu, que é a nossa Pátria definitiva, onde a Santíssima Virgem espera por nós.

O homem moderno, talvez mais do que no passado, tem interesses e preocupações materiais. Busca segurança e não raro experimenta a solidão e a angústia. Além disso, que dizer do enigma da morte? A Assunção de Maria é um acontecimento que nos interessa de perto, precisamente porque cada homem é destinado a morrer. Todavia, a morte não é a última palavra. Ela garante-nos o mistério da Assunção da Virgem é a passagem para a vida, ao encontro do Amor. É a passagem para a bem-aventurança celestial, reservada a quantos se empenham em prol da verdade e da justiça, esforçando-se por seguir a Cristo.

3. "Desde agora, todas as gerações me hão-de chamar ditosa" (Lc 1,48). Assim exclama a Mãe de Cristo no encontro com a idosa prima Isabel. O Evangelho acabou de nos propor de novo o Magnificat, que a Igreja canta todos os dias. Trata-se da resposta de Nossa Senhora às palavras proféticas de Santa Isabel: "Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1,45).

1590 Em Maria, a promessa torna-se realidade: ditosa é a Mãe e felizes seremos nós, seus filhos se, como Ela, escutarmos e pusermos em prática a palavra do Senhor.

A solenidade deste dia abra o nosso coração para esta exaltante perspectiva da existência. Possa a Virgem, que hoje contemplamos resplandecente à direita do Filho, ajudar o homem contemporâneo a viver, acreditando "que terão cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor".

4. "Hoje, os filhos da Igreja na terra celebram com alegria a passagem da Virgem para a Cidade superna, a Jerusalém celeste" (Laudes et hymni, VI). É assim que a Liturgia arménia canta no dia de hoje. Faço minhas estas palavras, pensando na peregrinação apostólica ao Cazaquistão e à Arménia que, se Deus quiser, realizarei daqui a pouco mais de um mês. Confio-te a Ti, Maria, o bom êxito desta nova etapa do meu serviço à Igreja e ao mundo. Confio-te a Ti o auxílio aos fiéis, a fim de que sejam sentinelas da esperança que não desilude e proclamem incessantemente que Cristo é o vencedor do mal e da morte. Ilumina, Mulher fiel, a humanidade do nosso tempo, para que compreenda que a vida de cada homem não se esgota num punhado de pó, mas é chamada a um destino de felicidade eterna.

Maria, "Tu que és o júbilo do céu e da terra", vela e intercede por nós e pelo mundo inteiro, agora e sempre!





DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


EM FROSINONE


Domingo, 16 de Setembro de 2001





1. "Dai-nos, Pai, a alegria do perdão" (cf. Salmo responsorial).

A alegria do perdão: eis a "boa nova" que a liturgia de hoje faz ressoar com vigor no meio de nós. O perdão é alegria de Deus, antes ainda de ser alegria do homem. Deus alegra-se ao receber o pecador arrependido; aliás, Ele mesmo, que é Pai de infinita misericórdia, "dives in misericordia", suscita no coração humano a esperança do perdão e a alegria da reconciliação.

É com este anúncio de consolação e de paz que venho até vós, caríssimos Irmãos e Irmãs da dilecta Igreja de Frosinone-Veroli-Ferentino, para retribuir a visita que, no dia 2 do passado mês de Dezembro, me fizestes na Praça de São Pedro, por ocasião da vossa peregrinação jubilar. Agradeço à Providência divina, que me trouxe ao meio de vós.

Estou grato ao vosso Bispo, o caro D. Salvatore Boccaccio, pelos ardentes sentimentos que manifestou em nome de todos. Conceda o Senhor frutos abundantes ao seu zelo pastoral! Sinto-me feliz por saudar, além dele, o Bispo Emérito D. Ângelo Cella, os Cardeais e Bispos aqui presentes, assim como os Sacerdotes concelebrantes, enquanto asseguro uma oração especial pelos idosos ou enfermos que se unem a nós espiritualmente. Cumprimento os Representantes do Governo italiano e as Autoridades regionais, provinciais e municipais, com especial gratidão ao Presidente da Câmara Municipal e à Administração de Frosinone. A cada um de vós, Irmãos e Irmãs aqui congregados, chegue a minha cordial saudação e o meu sincero agradecimento pela vossa calorosa hospitalidade.

2. "Deus é maior do que o nosso coração", assim cantámos na aclamação ao Evangelho. Se, na primeira Leitura, Moisés dá prova de conhecer o coração de Deus, invocando o seu perdão para o povo infiel (cf. Êx Ex 32,11-13), é porém a página do Evangelho de hoje que nos introduz plenamente no mistério da misericórdia de Deus: Jesus revela-nos a todos o rosto de Deus, fazendo-nos penetrar no seu coração de Pai, pronto a alegrar-se pela volta do filho perdido.
Testemunha privilegiada da divina misericórdia é também o Apóstolo Paulo que, como foi proclamado na segunda Leitura, escrevendo ao fiel colaborador Timóteo, apresenta a sua conversão como prova do facto de que Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (cf. 1Tm 1,15-16).

1591 Esta é a verdade que a Igreja não se cansa de proclamar: Deus ama-nos com um amor infinito. Ele deu à humanidade o seu próprio Filho unigénito, morto na Cruz para a remissão dos nossos pecados. Então, acreditar em Jesus significa reconhecer n'Ele o Salvador, a quem podemos dizer do profundo do coração: "Tu és a minha esperança" e, juntamente com todos os irmãos, "Tu és a nossa esperança".

3. "Jesus é a nossa esperança!". Caríssimos, sei que esta expressão já vos é familiar. Com efeito, é o tema do projecto pastoral que a vossa Diocese se propôs para os próximos anos. Como gostaria que a minha visita contribuísse para imprimir ainda mais esta certeza nos vossos corações!

O compromisso, as iniciativas e o trabalho de cada um e de todas as comunidades devem tornar-se testemunho evangélico, radicado na experiência jubilosa do amor e do perdão de Deus.

O perdão de Deus! Este anúncio de alegria, de que o mundo de hoje tem particularmente necessidade, esteja de modo especial no centro da vossa vida, queridos sacerdotes, chamados a ser ministros da divina misericórdia, que se manifesta excelsamente no perdão dos pecados. Desejei dedicar a Carta aos Sacerdotes na Quinta-Feira Santa deste ano precisamente ao sacramento da Reconciliação. Por este motivo, hoje entrego-vos esta mensagem em espírito, estimados Irmãos no Sacerdócio, invocando para cada um de vós e para todo o presbitério a superabundância de graças de que o Apóstolo Paulo falava (cf.
1Tm 1,14).
E vós, religiosos e religiosas, irradiai com o vosso exemplo a alegria de quem experimentou o mistério do amor de Deus, perfeitamente expresso pela aclamação ao Evangelho: "Reconhecemos e acreditamos no amor de Deus por nós" (cf. 1Jn 4,16).

4. Neste nosso tempo, é urgente proclamar Cristo, Redentor do homem, para que o seu amor seja conhecido por todos e se difunda em todas as direcções. O Grande Jubileu do Ano 2000 foi um veículo providencial deste anúncio. Contudo, é necessário continuar a percorrer este caminho. Eis por que motivo, no encerramento do Ano Santo, voltei a lançar à Igreja e ao mundo inteiro o convite que Cristo dirigiu a Pedro: "Duc in altum! Faz-te ao largo!" (Lc 5,4).

Renovo este convite também a ti, prezada Diocese de Frosinone-Veroli-Ferentino, para que te sirva de guia numa corajosa renovação espiritual, traduzida em projectos pastorais concretos. Edifica o teu presente e o teu futuro, conservando o teu olhar fixo em Jesus. Ele é tudo: tudo para a Igreja, tudo para a salvação do homem. Com o Jubileu, a Igreja universal pôs-se em busca do rosto de Cristo. Agora, ela deve sentir cada vez mais a exigência, a paixão de contemplar a luz que se difunde desse Rosto, para a reflectir no seu caminho de todos os dias: Jesus-Filho de Deus; Jesus-Eucaristia; Jesus-caridade. Jesus é a nossa esperança! Jesus é tudo para nós!

Nas comunidades paroquiais multiplicam-se os momentos fortes de estudo e de reflexão sobre a Palavra de Deus. Meditar, aprofundar e amar a Sagrada Escritura significa pôr-se em humilde e atenta escuta do Senhor, a fim de que a comunidade cresça em redor da mesa desta Palavra: ela ilumina as orientações e as escolhas, realça as metas a atingir mas, antes de mais nada, faz arder na alma a fé, alimenta a esperança, dá vigor ao desejo de anunciar a Boa Nova a todos. Esta é a nova evangelização, para a qual a vossa Comunidade diocesana instituiu um "Centro pastoral" especial.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! O coração é o ponto de referência do vosso itinerário espiritual e apostólico seja a Eucaristia. Efectivamente, a vida sacramental é fonte de graça e de salvação para a Igreja. Tudo parte de Cristo-Eucaristia, e tudo volta para Cristo vivo, coração do mundo, coração da comunidade diocesana e paroquial. Se conseguirdes, e faço votos para que consigais, pôr Cristo no cerne da vossa vida, descobrireis que Ele pede não só para ser recebido pessoalmente, mas para ser oferecido, dado, dispensado e comunicado aos outros. Assim, em seu nome tornar-vos-eis "bons samaritanos" ao lado dos necessitados, dos pobres, dos últimos e de muitos imigrados vindos a esta região de países distantes. Haveis de experimentar que toda a actividade pastoral dos Centros diocesanos "para o Culto e a Santificação" e "para a Ministerialidade e o Testemunho da Caridade" brota da fonte superabundante de santidade, que é o mistério eucarístico e chama a todos a tender para a santidade.

Seguindo os passos dos Santos e Santas desta terra da Ciociaria, também vós deveis ter como objectivo fundamental ser santos como o Pai celeste é Santo, como o Filho Jesus Cristo é Santo, e como é Santo o Espírito Santo que reside nos nossos corações. E santos tornamo-nos com a oração, a participação na Eucaristia, as obras de caridade e o testemunho de uma vida humilde e generosa no bem.

6. Quero dirigir uma palavra especial aos pais. Queridas mães, prezados pais, com a vossa dedicação mostrai aos vossos filhos que Deus é bom e grande é o seu amor. Indicai com uma vida honesta e laboriosa que a santidade é a vida "normal" dos cristãos.

1592 No domingo 21 de Outubro, terei a alegria de elevar às honras dos altares um casal romano: os cônjuges Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi. Esta beatificação será celebrada no âmbito do Encontro Nacional das Famílias, organizado pela Conferência Episcopal Italiana e que terá lugar em Roma, na Praça de São Pedro, na tarde de sábado 20 de Outubro e no domingo 21. Para estes dois encontros de grande significado, em que desejo participar, convido pessoalmente os Bispos, os sacerdotes, todas as famílias italianas e de maneira especial os dois novos Beatos. Será uma ocasião para reflectir sobre a vocação das famílias cristãs para a santidade e, ao mesmo tempo, para tomar maior consciência do papel social da família e para pedir às instituições que a defendam e a promovam com leis e normas adequadas.

Diocese de Frosinone-Veroli-Ferentino, sê uma família de santos! Nesta amada terra da Ciociaria, pátria de personagens ilustres e de generosos servidores do Evangelho, sê o "sal da terra" e a "luz do mundo" (
Mt 5,13-14).

Maria, Mãe da Igreja, te acompanhe com a sua intercessão para que, assim como rezaste intensamente como preparação para esta minha visita pastoral, também possas continuar a ser uma comunidade viva, sólida na fé, unida na esperança e perseverante na caridade. Amen!



VIAGEM PASTORAL AO CAZAQUISTÃO




NA PRAÇA DA MÃE-PÁTRIA EM ASTANA


23 de Setembro de 2001







1. "Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se deu em resgate por todos" (1Tm 2,5).

Nesta expressão do apóstolo Paulo, tirada da primeira Carta a Timóteo, está contida a verdade central da fé cristã. Sinto-me feliz por vo-la poder anunciar hoje a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs do Cazaquistão. De facto, vim até vós como apóstolo e testemunha de Cristo; encontro-me entre vós como amigo de todos os homens de boa vontade. Venho oferecer a todos e a cada um o amor de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Conheço a vossa história. Conheço os sofrimentos a que muitos de vós foram submetidos, quando o precedente regime totalitário vos forçou a sair da vossa terra de origem e vos deportou em condições de grave dificuldade e privação. Sinto-me feliz por poder estar hoje aqui entre vós para vos dizer que o coração do Papa está convosco.

Abraço com afecto cada um de vós, queridos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio. Em particular, saúdo o Bispo Tomasz Peta, Administrador Apostólico de Astana, e agradeço-lhe os sentimentos expressos em nome de todos. Saúdo depois os representantes das várias Religiões presentes nesta vasta região euro-asiática. Saúdo o Senhor Presidente da República, as Autoridades civis e militares e todos os que quiseram participar nesta celebração.

2. "Há um só Deus". O Apóstolo afirma em primeiro lugar a absoluta unicidade de Deus. Os cristãos herdaram esta verdade dos filhos de Israel e partilham-na com os fiéis muçulmanos: é a fé no único Deus, "Senhor do céu e da terra" (Lc 10,21), omnipotente e misericordioso.
Em nome deste único Deus, dirijo-me ao povo de antigas e profundas tradições religiosas, que vive no Cazaquistão. Dirijo-me também a todos os que não aderem a uma fé religiosa e a quantos procuram a verdade. Desejaria repetir-lhe as célebres palavras de São Paulo, que tive a alegria de ouvir de novo no passado mês de Maio no areópago de Atenas: "Deus... não se encontra longe de cada um de nós. É n'Ele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos" (Ac 17,27-28). Volta à memória o que escreveu o vosso grande poeta Abai Kunanbai: "Pode-se duvidar, porventura, da sua existência / se todas as coisas, na terra, dele dão testemunho?" (Poesia 14).

3. "Há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem". Depois de ter indicado o mistério de Deus, o Apóstolo dirige o olhar para Cristo, único mediador de salvação. Uma mediação realça Paulo noutra das suas cartas que se realizou na pobreza: "Sendo rico, Se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer pela pobreza" (2Co 8,9 Aclamação ao Evangelho).

1593 Jesus "não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus" (Ph 2,6); não quis apresentar-se à nossa humanidade, que é frágil e indigente, com a sua esmagadora superioridade. Se o tivesse feito, não teria obedecido à lógica de Deus, mas à dos prepotentes do mundo, denunciada sem meias palavras pelos Profetas de Israel, como Amós, de cujo livro é tirada a primeira Leitura de hoje (cf. Am Am 8,4-6).

A vida de Jesus foi coerente com o desígnio salvífico do Pai, "que deseja que todos os homens se salvem e conheçam a verdade" (1Tm 2,4). Ele testemunhou fielmente esta vontade, dando-se "a Si mesmo em resgate por todos" (1Tm 2,6). Dando-se inteiramente por amor, obteve-nos a amizade com Deus, perdida com o pecado. Ele sugere-nos esta "lógica do amor" também a nós, pedindo que a apliquemos sobretudo sendo generosos com os necessitados. É uma lógica que pode irmanar cristãos e muçulmanos, comprometendo-os a construir juntos a "civilização do amor". É uma lógica que supera qualquer tipo de astúcia deste mundo e nos permite fazer amizades verdadeiras, que nos recebem "nos tabernáculos eternos" (cf. Lc Lc 16,9), na "pátria" do Céu.

4. Caríssimos, a pátria da humanidade é o Reino de Deus! É bastante eloquente para nós meditar acerca desta verdade precisamente aqui, na Praça dedicada à Mãe-Pátria, diante deste monumento que simbolicamente a representa. Como ensina o Concílio Vaticano II, existe uma relação entre a história humana e o Reino de Deus, entre as relações parciais da convivência civil e a meta última à qual, por livre iniciativa de Deus, a humanidade está chamada (cf. Gaudium et spes, GS 33-39).

O décimo aniversário da independência do Cazaquistão, que celebrais este ano, faz-nos reflectir nesta perspectiva. Qual é a relação que existe entre esta pátria terrena, com os seus valores e metas, e a pátria celeste, na qual, superando todas as injustiças e conflitos, está chamada a entrar toda a família humana? A resposta do Concílio é esclarecedora: "Por isso, ainda que haja que distinguir cuidadosamente progresso terreno e crescimento do Reino de Cristo, contudo este progresso tem muita importância para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para uma melhor organização da sociedade humana" (ibid., 39).

5. Os cristãos são, ao mesmo tempo, habitantes do mundo e cidadãos do Reino do Céu. Empenham-se sem reservas na construção da sociedade terrena, mas permanecem orientados para os bens eternos, como que imitando um modelo superior, transcendente, para o realizar cada vez mais e melhor na existência de cada dia.

O cristianismo não significa afastamento dos compromissos terrenos. Se por vezes, em algumas situações de incerteza, dá esta impressão, isto deve-se à incoerência de muitos cristãos. Na realidade, o cristianismo autenticamente vivido é como o fermento para a sociedade: fá-la crescer e amadurecer a nível humano e abre-a à dimensão transcendente do Reino de Cristo, realização feita pela nova humanidade.

Este dinamismo espiritual vai buscar a sua força à oração, como recordou há pouco a segunda Leitura. E é isto que nós, nesta celebração, desejamos fazer rezando pelo Cazaquistão e pelos seus habitantes, para que este grande País, na variedade dos seus componentes étnicos, culturais e religiosos, progrida na justiça, na solidariedade e na paz. Progrida graças à colaboração, em particular, de cristãos e muçulmanos, empenhados todos os dias, lado a lado, na humilde busca da vontade de Deus.

6. A oração deve ser sempre acompanhada por obras coerentes. A Igreja, fiel ao exemplo de Cristo, nunca separa a evangelização da promoção humana, e exorta os seus fiéis a ser, em todos os ambientes, promotores de renovação e de progresso social.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, oxalá a "Mãe-Pátria" do Cazaquistão encontre em vós filhos devotos e solícitos, fiéis ao património espiritual e cultural herdado dos vossos pais, e capazes de o adaptar às novas exigências.

Distingui-vos, segundo o modelo evangélico, pela vossa humildade e coerência, fazendo frutificar os vossos talentos ao serviço do bem comum e privilegiando as pessoas mais débeis e desfavorecidas. O respeito dos direitos de cada um, mesmo quando têm convicções pessoais diferentes, é o pressuposto para qualquer convivência autenticamente humana.

Viveis um profundo e efectivo espírito de comunhão entre vós e com todos, inspirando-vos no que os Actos dos Apóstolos afirmam acerca da primeira comunidade dos crentes (Ac 2,44-45 Ac 4,32). Testemunhai a caridade, que alimentais na Mesa eucarística, no amor fraterno e no serviço aos pobres, aos doentes, aos excluídos. Sede artífices de encontro, de reconciliação e de paz entre pessoas e grupos diferentes, cultivando o diálogo autêntico, para que a verdade venha sempre ao de cima.

1594 7. Amai a família! Defendei e promovei esta célula fundamental do organismo social; preocupai-vos com este primordial santuário da vida. Acompanhai com solicitude o caminho dos noivos e dos jovens casais, para que sejam aos olhos dos filhos e de toda a comunidade sinal eloquente do amor de Deus.

Caríssimos, com alegria e emoção desejo dirigir a vós aqui presentes, e a todos os crentes que estão unidos a nós, a exortação que em vários ocasiões recordei neste início de milénio: Duc in altum!

Abraço-te com afecto, Povo do Cazaquistão, e desejo que realizes todos os projectos de amor e de salvação. Deus não te abandonará. Amen!



VISITA PASTORAL AO CAZAQUISTÃO



NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NA


CATEDRAL DE NOSSA SENHORA


DO PERPÉTUO SOCORRO


Astana, 24 de Setembro de 2001







1. O povo "...construa [de novo] o templo do Senhor, Deus de Israel" (Esd 1,3).
Com estas palavras Ciro, rei da Pérsia, ao conceder a liberdade ao "resto de Israel", dava aos refugiados a ordem de voltar a construir em Jerusalém o lugar sagrado, onde o nome de Deus pudesse ser novamente adorado. Tratava-se de um dever que os exilados acolheram com júbilo e, energicamente, encaminharam-se para a terra dos seus antepassados.

Podemos imaginar o alvoroço dos corações, a pressa dos preparativos, o pranto de alegria e os hinos de gratidão que precederam e acompanharam os passos do regresso dos exilados para a Pátria. Depois das lágrimas do exílio, "o resto de Israel", apressando os seus passos rumo a Jerusalém, Cidade de Deus, podia voltar a sorrir. Finalmente entoava os cânticos reconhecidos pelas grandes maravilhas realizadas pelo Senhor no meio deles (cf. Sl Ps 125,1-2).

2. Hoje, sentimentos análogos vibram também nos nossos corações, enquanto celebramos esta Eucaristia em honra da Bem-Aventurada Virgem Maria, Rainha da Paz. Depois da opressão comunista, também vós de certa forma como que exilados voltais a proclamar em conjunto a fé de todos. A dez anos da reconquista da liberdade, recordando as vicissitudes enfrentadas no passado, hoje cantais hinos de louvor à providente misericórdia do Senhor, que não abandona os seus filhos que vivem na provação. Há muito tempo que eu desejava o encontro deste dia, para compartilhar convosco esta vossa alegria.

Saúdo com afecto fraterno o Senhor D. Jan Pawel Lenga, Bispo de Karaganda, que neste ano recorda o seu décimo aniversário de Episcopado. Agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu e uno-me a ele em acção de graças a Deus por tudo o que realizou para o bem da Igreja. Gostaria de visitar também a sua Diocese, mas as circunstâncias não mo permitiram. Saúdo com igual carinho o Senhor D. Tomasz Peta, Administrador Apostólico de Astana, o Senhor D. Henry Theophilus Howaniec, Administrador Apostólico de Alma-Ata, D. Wasyl Medwit, da Igreja greco-católica, e o Rev.do Pe. Janusz Kaleta, Administrador Apostólico de Atyrau. Enfim, saúdo os Superiores das Missões sui iuris, D. Joseph Werth e todos os caríssimos Prelados aqui presentes.

O meu cordial pensamento dirige-se para vós, dilectos presbíteros, religiosos, religiosas e seminaristas do Cazaquistão, do Uzbequistão, do Tagiquistão, do Quirguistão, do Turcomenistão, da Rússia e de outros países. Abraço-vos a todos, com profunda estima pelo compromisso generoso com que levais a cabo a vossa tarefa. Através de vós, desejo contactar as vossas comunidades e cada um dos cristãos que as compõem. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Aderi sempre com fidelidade ao Senhor da vida e, em conjunto, voltai a edificar o seu templo vivo, que é a Comunidade eclesial espalhada nesta vasta região euro-asiática.

3. Voltar a edificar o templo do Senhor! Eis a missão para a qual fostes chamados e para a qual vos consagrastes. Neste momento, penso nas vossas comunidades outrora dispersas e atribuladas. Estão presentes no meu espírito e no meu coração as indizíveis provações de quantos sofreram não só o exílio físico e o aprisionamento, mas também a vexação pública e a violência, por não terem desejado renunciar à sua fé.

1595 Aqui quero recordar, entre outros, o Beato Oleks Zarytsky, sacerdote e mártir, morto no "gulag" de Dolynka; o Beato D. Mykyta Budka, morto no "gulag" de Karadzar; D. Alexander Chira, que por mais de vinte anos foi o amado e generoso Pastor de Karaganda, e que na sua última carta escrevia: "Entrego o meu corpo à terra, o meu espírito ao Senhor, o meu coração a Roma. Sim, com o derradeiro respiro da minha vida, quero confessar a minha plena fidelidade ao Vigário de Cristo sobre a terra". Recordo ainda o Pe. Tadeusz Federowicz, a quem conheço pessoalmente, e que pode qualificar-se como "inventor" de uma renovada pastoral da deportação. Tenho aqui comigo o seu livro.

Nesta Eucaristia, recordamo-los todos com reconhecimento e carinho. Dos seus padecimentos, unidos à Cruz de Cristo, floresceu a nova vida da vossa comunidade cristã.

4. Como os refugiados que voltaram para Jerusalém, também vós haveis de encontrar "os irmãos que vos hão-de ajudar de maneira válida" (cf. Esd
Esd 1,6). A minha presença no meio de vós neste dia quer ser a garantia da solidariedade da Igreja universal. A não fácil empresa é confiada, com a ajuda indispensável de Deus, à vossa sagacidade, ao vosso compromisso e à vossa sensibilidade. Sois chamados a agir como os carpinteiros, os ferreiros, os pedreiros e os operários do templo espiritual a reconstruir.

Dilectos sacerdotes, o espírito de comunhão e de colaboração concreta, que sabereis realizar entre vós e com os fiéis leigos, constitui o segredo para o bom êxito desta exaltante e árdua missão. Que vos oriente no vosso ministério quotidiano o mandamento novo que vos foi deixado por Cristo, na véspera da sua Paixão: "Amai-vos uns aos outros!" (cf. Jo Jn 13,34). Este é o lema que, oportunamente, escolhestes para a minha visita pastoral. Ele compromete-vos a viver de maneira concreta o mistério da comunhão no anúncio da Palavra de vida, na animação do culto litúrgico, no cuidado das gerações mais jovens, na preparação dos catequistas, na promoção das Associações católicas e na atenção a quantos vivem em dificuldades materiais ou espirituais. É só assim que vós, em união com os vossos Ordinários e juntamente com os religiosos e as religiosas, podereis reconstruir o templo do Senhor!

5. Durante estes dez anos de reencontrada liberdade, muito se fez graças ao incansável zelo evangelizador que vos caracteriza. Porém, às estruturas exteriores deve corresponder um sólido fundamento interior. Por isso, é importante cuidar da formação teológica, ascética e pastoral daqueles que o Senhor chama para o seu serviço.

Estou feliz pelo novo Seminário, inaugurado em Karaganda para receber os seminaristas das Repúblicas da Ásia Central. Juntamente com o Centro diocesano, desejastes dedicá-lo a um sacerdote repleto de zelo, Padre Wladyslaw Bukowinski que, durante os anos difíceis do comunismo, continuou a exercer o seu ministério naquela cidade. "Fomos ordenados nao para nos pouparmos a nós mesmos escrevia ele nas suas memórias mas, se for necessário, para entregar a nossa vida pelas ovelhas de Cristo". Eu mesmo tive a sorte de o conhecer e de apreciar a sua profunda fé, a palavra sábia e a confiança inabalável no poder de Deus. A ele e a todos aqueles que consumaram a sua vida entre dificuldades e perseguiçoes, hoje presto a minha homenagem em nome de toda a Igreja.

Estes operários fiéis do Evangelho sirvam de exemplo e de encorajamento também para vós, caríssimos consagrados e consagradas, chamados a ser sinal de gratuidade e de amor no serviço ao Reino de Deus. "A vida da Igreja observava eu na Exortaçao Apostólica pós-sinodal Vita consecrata e a própria sociedade tem necessidade de pessoas capazes de se dedicarem totalmente a Deus e aos outros, por amor de Deus" (n. 105). A vós, pede-se-vos que ofereçais aquele suplemento de alma de que o mundo tem tanta necessidade.

6. Antes de serdes anunciadores, é preciso que sejais testemunhas credíveis do Evangelho. Agora que o clima político e social se libertou do peso da opressao totalitária e é para desejar que nunca mais o poder procure limitar a liberdade dos crentes ainda é forte a necessidade de que cada discípulo de Cristo seja luz do mundo e sal da terra (cf. Mt Mt 4,13-14). Aliás, esta necessidade é ainda mais urgente por causa da devastação espiritual deixada em herança pelo ateísmo militante, e em virtude dos perigos existentes no hedonismo e no consumismo de hoje.
Caros Irmãos e Irmãs, à força do testemunho deveis unir a suavidade do diálogo. O Cazaquistão é uma Terra povoada por pessoas de diversas origens, pertencentes a várias religiões, herdeira de culturas ilustres e de uma rica história. O sábio Abai Kunanbai, voz autorizada da cultura cazaque, afirmava com abertura de coração: "Precisamente porque adoramos plenamente a Deus e temos fé n'Ele, é que recorremos ao direito de dizer que devemos obrigar os outros a acreditar e a adorá-lo" (Provérbios, cap. 45).

A Igreja não quer impor a sua própria fé aos outros. Todavia, é claro que isto não exime os discípulos do Senhor de comunicar aos outros o grande dom de que são participantes: a vida de Cristo. "Nao devemos ter medo que possa constituir ofensa à identidade de outrem aquilo que é, inversamente, anúncio jubiloso de um dom, que se destina a todos e, por conseguinte, há-de ser proposto a todos com o maior respeito da liberdade de cada um: o dom da revelação do Deus-Amor" (Novo millennio ineunte, 56). Quanto mais se testemunha o amor de Deus, mais ele cresce no coração.

7. Caríssimos Irmãos e Irmãs, quando o vosso cansaço apostólico é inundado de lágrimas, quando o vosso caminho se torna íngreme e áspero, pensai no bem que o Senhor está a realizar através das vossas mãos, da vossa palavra e do vosso coração. Ele destinou-vos para aqui como dádiva ao próximo. Sabei estar à altura desta missão!

1596 E Tu, Maria Rainha da Paz, ampara estes teus filhos. Hoje eles recomendam-se a ti com confiança renovada. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que desta Catedral abraças toda a Comunidade eclesial, ajuda os crentes a comprometerem-se generosamente no testemunho da sua fé, para que o Evangelho do seu Filho ressoe em todos os quadrantes destas amadas e imensas terras. Amen!



Homilias JOÃO PAULO II 1589