Homilias JOÃO PAULO II 1627


NA SOLENIDADE DO BAPTISMO DO SENHOR


Domingo, 13 de Janeiro de 2001


1. "Este é o meu Filho amado, que muito me agrada" (Mt 3,17).

Há pouco voltámos a ouvir na leitura do Evangelho as palavras que ressoaram do céu, logo que Jesus foi baptizado por João no rio Jordão. Foi uma voz do alto que as pronunciou: a voz de Deus Pai. Elas revelam o mistério que hoje celebramos, o Baptismo de Cristo. Aquele Homem sobre o qual desce, como uma pomba, o Espírito Santo, é o Filho de Deus que assumiu da Virgem Maria a nossa carne para a redimir do pecado e da morte.

Como é grandioso este mistério de salvação! Um mistério em que hoje são inseridas as crianças que viestes apresentar, queridos pais, padrinhos e madrinhas. Recebendo na Igreja o sacramento do Baptismo, elas hão-de tornar-se filhos de Deus, "filhos no Filho". Trata-se do mistério do "segundo nascimento".

2. Estimados pais, dirijo-me com especial afecto especialmente a vós, que destes a vida a estas criaturas, colaborando com a obra de Deus, autor da Vida e, de maneira singular, de cada vida humana. Fostes vós que as gerastes e que hoje as apresentais à pia baptismal, para que sejam regeneradas pela água e pelo Espírito Santo. A graça de Cristo transformará a sua existência de mortal para imortal, libertando-a do pecado original. Dai graças ao Senhor pelo dom do seu nascimento e deste seu renascimento espiritual.

Mas que força permite a estas crianças inocentes e inconscientes realizar uma "passagem" espiritual tão profunda? É a , a fé da Igreja, professada de modo particular por vós, dilectos pais, padrinhos e madrinhas. É precisamente nesta fé que os vossos filhos são baptizados. Cristo não realiza o milagre de regeneração do homem sem a colaboração do próprio homem, e a primeira cooperação da criatura humana é a fé com que, intrinsecamente atraída por Deus, se confia com liberdade nas suas mãos.

Hoje, estas crianças recebem o Baptismo com base na vossa fé, que daqui a pouco vos pedirei que professeis. Caríssimos, quanto amor e quanta responsabilidade há no gesto que haveis de fazer em nome dos vossos filhos!

3. No futuro, quando forem capazes de compreender, elas mesmos deverão percorrer pessoal e livremente um caminho espiritual que os levará, com a graça de Deus, a confirmar no sacramento do Crisma, a dádiva que neste dia recebem.

1628 Mas poderão elas abrir-se à fé, se não receberem um bom testemunho da mesma por parte dos adultos que as rodeiam? Estas crianças têm necessidade sobretudo de vós, caros pais; além disso, precisam também de vós, prezados padrinhos e madrinhas, para aprender a conhecer o Deus verdadeiro, que é amor misericordioso. Compete a vós introduzi-los neste conhecimento, em primeiro lugar através do testemunho do vosso comportamento nos seus relacionamentos com elas e com os outros, relações estas caracterizadas pela atenção, o acolhimento e o perdão. Compreenderão que Deus é fidelidade, se puderem reconhecer o seu reflexo, mesmo limitado e falível, sobretudo nesta vossa presença amorosa.

Como é grande a responsabilidade da cooperação dos pais no crescimento espiritual dos seus filhos! Estavam muito conscientes disto os Beatos cônjuges Luigi e Maria Quattrocchi, que recentemente tive a alegria de elevar às honras dos altares e que vos exorto a conhecer e imitar melhor. Se já é excelsa para vós a missão de ser pais "segundo a carne", tanto mais o é a de colaborar na paternidade divina, oferecendo a vossa contribuição para formar nestas criaturas a própria imagem de Jesus, Homem perfeito.

4. Neste missão comprometedora, não vos deveis jamais sentir sozinhos! Conforte-vos, em primeiro lugar, a confiança no Anjo da guarda, a quem Deus confiou a sua singular mensagem de amor para cada um dos vossos filhos. De resto toda a Igreja, a que tendes a graça de pertencer, está comprometida em assistir-vos: no Céu velam os Santos, de modo particular aqueles dos quais estas crianças têm o nome e que serão os seus "padroeiros". Na terra vive a Comunidade eclesial, em que é possível confirmar a sua fé e a sua vida cristã, alimentando-a com a oração e os Sacramentos. Não podereis dar aos vossos filhos aquilo que vós antes não recebestes e assimilastes!

Todos têm uma Mãe segundo o Espírito: é Maria Santíssima. É a Ela que confio os vossos filhos, para que se tornem cristãos autênticos; a Maria confio-vos também a vós, queridos padrinhos e madrinhas, a fim de que saibais transmitir a estas crianças o amor de que têm necessidade para crescer e para acreditar. Com efeito, a vida e a fé caminham juntas! Que assim seja na existência de cada baptizado, com a ajuda de Deus!



JOÃO PAULO II

NA SOLENIDADE DA APRESENTAÇÃO


DO SENHOR NO TEMPLO



DIA DA VIDA CONSAGRADA


2 de Fevereiro de 2002



1. "Levaram o Menino a Jerusalém, a fim de O apresentarem ao Senhor, conforme o que está escrito na Lei do Senhor" (Lc 2,22).

Quarenta dias depois do Natal, a Igreja hoje revive o mistério da Apresentação de Jesus no Templo. Revive-o com a admiração da Sagrada Família de Nazaré, iluminada pela plena revelação daquele "Menino" que como a primeira e a segunda leitura acabaram de nos recordar é o juiz escatológico prometido pelos profetas (cf. Ml Ml 3,1-3), o "Sumo Sacerdote misericordioso e fiel", que veio para "expiar os pecados do povo" (He 2,17).

O Menino, que Maria e José levam com emoção ao Templo, é o Verbo encarnado, o Redentor do homem da história!

Hoje, comemorando o acontecimento que nesse dia teve lugar em Jerusalém, também nós somos convidados a entrar no Templo, para meditar sobre o mistério de Cristo, unigénito do Pai que, com a sua Encarnação e a sua Páscoa, se tornou o primogénito da humanidade redimida.

Desta maneira, nesta festividade prolonga-se o tema de Cristo luz, que caracteriza as solenidades do Natal e da Epifania.

2. "Luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel" (Lc 2,32). Estas palavras proféticas são proferidas pelo velho Simeão, inspirado por Deus, quando toma o Menino Jesus nos seus braços. Ele preanuncia, ao mesmo tempo, que "o Messias do Senhor" realizará a sua missão como um "sinal de contradição" (Lc 2,34). Quanto a Maria, a Mãe, também Ela participará pessoalmente na paixão do seu Filho divino (cf. Lc Lc 2,35).

1629 Por conseguinte, na solenidade do dia de hoje, celebramos o mistério da consagração: consagração de Cristo, consagração de Maria e consagração de todos aqueles que se põem no seguimento de Jesus por amor do Reino.

3. Enquanto saúdo com fraterna cordialidade o Senhor Cardeal Eduardo Martínez Somalo, que preside a esta celebração, sinto-me feliz por poder encontrar-me convosco, queridos Irmãos e Irmãs que um dia, próximo ou distante no tempo, fizestes o dom total de vós mesmos ao Senhor, na opção da vida consagrada. Enquanto dirijo a cada um a minha saudação repleta de afecto, penso nas grandes coisas que Deus realizou e continua a fazer em vós, "atraindo para si mesmo" toda a vossa existência.

Juntamente convosco louvo ao Senhor, porque Ele é um amor tão excelso e belo a ponto de merecer a dádiva inestimável de toda a pessoa, na imperscrutável profundidade do coração e no desenvolvimento concreto da vida quotidiana, ao longo das várias etapas da vida.

O vosso "eis-me!", modelado em conformidade com o de Cristo e da Virgem Maria, é simbolizado pelos círios que, nesta noite, iluminaram a Basílica do Vaticano. A solenidade de hoje é dedicada de modo particular a vós, que no Povo de Deus representais com singular eloquência a novidade escatológica da vida cristã. Sois chamados a ser luz de verdade e de justiça, testemunhas de solidariedade e de paz.

4. Ainda está viva a recordação do Dia de Oração pela Paz, vivida há dez dias em Assis. Para essa extraordinária mobilização em favor da paz no mundo, eu sabia e sei que posso contar de maneira especial convosco, caríssimas pessoas consagradas. A vós, também nesta ocasião, exprimo a minha profunda gratidão.

Em primeiro lugar, obrigado pela oração. Quantas comunidades contemplativas, inteiramente votadas à oração, batendo de dia e de noite à porta do coração do Deus da paz, cooperam para a vitória de Cristo sobre o ódio, a vingança e as estruturas de pecado!

Além de o fazer com a oração, muitos de vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, edificam a paz com o testemunho da fraternidade e da comunhão, difundindo no mundo como fermento o espírito evangélico, que leva a humanidade a caminhar para o Reino dos céus. Obrigado também por isto!

Além disso, em numerosos campos não faltam religiosos e religiosas que oferecem o seu compromisso efectivo pela justiça, trabalhando no meio dos marginalizados, intervindo nas raízes dos conflitos e contribuindo, desta forma, para edificar uma paz substancial e duradoura. Onde quer que a Igreja se encontra comprometida em defender e promover o homem e o bem comum, ali estais também vós, queridos consagrados e estimadas consagradas. Vós que, para serdes de Deus de modo integral, sois também totalmente dos irmãos. Todas as pessoas de boa vontade vos estão muito gratas por isto.

5. O ícone de Maria, que contemplamos enquanto oferece Jesus no Templo, prefigura o ícone da Crucifixão, antecipando também a sua chave de leitura, Jesus, Filho de Deus, sinal de contradição. Com efeito, é no Calvário que alcança o seu cumprimento a oblação do Filho e, unida a esta, também a da Mãe. A mesma espada atravessa ambos, a Mãe e o Filho (cf. Lc
Lc 2,35). A mesma dor. O mesmo amor.

Ao longo deste caminho, a Mater Iesu tornou-se Mater Ecclesiae. A sua peregrinação de fé e de consagração constitui o arquétipo para a peregrinação de cada baptizado. É-o de maneira singular para quantos abraçam a vida consagrada.

Como é consolador saber que Maria está ao nosso lado, como Mãe e Mestra, no itinerário de consagração! Além do plano afectivo, encontra-se ao nosso lado mais profundamente a nível da eficácia sobrenatural, demonstrada pelas Escrituras, pela Tradição e pelo testemunho dos Santos, muitos dos quais seguiram Cristo no caminho exigente dos conselhos evangélicos.

1630 Ó Maria, Mãe de Cristo e nossa Mãe, agradecemos-te o cuidado com que nos acompanhas ao longo do caminho da vida, enquanto te pedimos: neste dia volta a apresentar-nos a Deus, nosso único bem, a fim de que a nossa vida, consumida pelo Amor, seja um sacrifício vivo, santo e do seu agrado.

Assim seja!





DURANTE A CELEBRAÇÃO LITÚRGICA NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS


13 de Fevereiro de 2002


1. "Rasgai o coração, e não as vestes! Voltai para Javé, vosso Deus, pois Ele é piedade e compaixão!" (Jl 2,13).

É com estas palavras do profeta Joel, que a liturgia de hoje nos introduz na Quaresma, indicando-nos na conversão do coração a dimensão fundamental do singular tempo de graça, que nos preparamos para viver. Além disso, ela sugere-nos a motivação profunda que nos torna capazes de voltar a percorrer o caminho rumo a Deus: trata-se da reencontrada consciência de que o Senhor é misericordioso e que cada homem é seu filho muito amado, chamado à conversão.

Com uma grande riqueza de símbolos, o texto profético agora proclamado recorda que o compromisso espiritual deve ser traduzido em opções e em gestos concretos; que a conversão autêntica não deve reduzir-se a formas exteriores ou a propósitos indefinidos, mas exige o empenhamento e a transformação de toda a existência.

A exortação "Voltai para Javé, vosso Deus" implica o desapego daquilo que nos mantém distantes dele. Este desapego constitui o ponto de partida necessário para restabelecer com Deus a aliança que foi interrompida por causa do pecado.

2. "Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus" (2Co 5,20). O premente convite à reconciliação com Deus está presente também no trecho da segunda Carta aos Coríntios, que acabámos de ouvir.

A referência a Cristo, colocada no centro de toda a argumentação, sugere que nele é oferecida ao pecador a possibilidade de uma reconciliação autêntica. Com efeito, "Aquele que nada tinha a ver com o pecado, Deus fê-lo pecado por causa de nós, a fim de que por meio dele fôssemos reabilitados por Deus" (2Co 5,21). Somente Cristo pode transformar a situação de pecado em situação de graça. Só Ele pode transformar em "momento favorável" os tempos de uma humanidade mergulhada e arrebatada pelo pecado, angustiada pelas divisões e pelo ódio. "Cristo é a nossa paz. De dois povos, Ele fez um só. na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio... Quis reconciliá-los com Deus num só corpo, por meio da cruz" (Ep 2,14 Ep 2,16).
Este é o momento favorável! Um momento oferecido também a nós, que hoje empreendemos com espírito penitente o austero caminho quaresmal.

3. "Voltai para mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações" (Jl 2,12).
1631 Através dos lábios do profeta Joel, a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas exorta à conversão os idosos, as mulheres e os homens adultos, os jovens e as crianças. Todos nós devemos pedir perdão ao Senhor, por nós mesmos e pelos outros (cf. ibid., 2, 16-17).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, seguindo a tradição das estações quaresmais, hoje estamos reunidos aqui na antiga Basílica de Santa Sabina, para responder a este premente apelo. Também nós, assim como os contemporâneos do profeta, temos diante dos nossos olhos, e trazemos impressos na nossa alma, imagens de grandes sofrimentos e tragédias, não raro fruto do egoísmo irresponsável. Também nós sentimos o peso da confusão de muitos homens e mulheres, diante da dor dos inocentes e das contradições da humanidade hodierna. Temos necessidade da ajuda do Senhor, para recuperarmos a confiança e a alegria da vida. Devemos voltar para Aquele que hoje nos abre a porta do seu coração, rico de bondade e de misericórdia.

4. No centro da atenção desta celebração litúrgica há um gesto simbólico, oportunamente explicado pelas palavras que o acompanham. É a imposição das cinzas, cujo significado, fortemente evocativo da condição humana, é salientado pela primeira fórmula contemplada pelo rito: "Recorda-te que tu és pó, e ao pó voltarás" (cf. Gn
Gn 3,19). Estas palavras, tiradas do Livro do Génesis, lembram a caducidade da existência e convidam a considerar a vaidade de cada projecto terrestre, quando o homem não fundamenta a sua esperança no Senhor. A segunda fórmula, prevista pelo rito: "Convertei-vos e acreditai no Evangelho" (Mc 1,15), sublinha qual é a condição indispensável para percorrer o caminho da vida cristã: ou seja, são necessárias uma concreta transformação interior e adesão à palavra de Cristo.

Portanto, a liturgia de hoje pode considerar-se, de certa forma, como uma "liturgia de morte", que remete para a Sexta-Feira Santa, onde o rito deste dia encontra o seu pleno cumprimento. Com efeito, é naquele que "se humilhou a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz!" (Ph 2,8), que também nós devemos morrer para nós mesmos, a fim de renascermos para a vida eterna.

5. Escutemos o convite que o Senhor nos dirige através dos gestos e das palavras, intensas e austeras, da liturgia desta Quarta-Feira de Cinzas! Aceitemo-lo com a atitude humilde e confiante, que nos propõe o Salmista: "Pequei contra ti, somente contra ti, praticando o que é mau aos teus olhos". E depois: "Ó Deus, cria em mim um coração puro e renova no meu peito um espírito firme... " (Ps 51 [50], 6.12).

O tempo quaremal constitua para todos uma renovada experiência de conversão e de profunda reconciliação com Deus, connosco mesmos e com os irmãos. Oxalá a possamos obter através da Virgem das Dores que, ao longo do caminho quaresmal, contemplamos associada ao sofrimento e à paixão redentora do Filho.



NA PARÓQUIA ROMANA DE SANTO HENRIQUE

17 de Fevereiro de 2002


1. "Perdoai-nos, Senhor: temos pecado". A invocação do salmo responsorial, há pouco entoada na nossa assembleia, exprime de modo significativo o sentimento que nos anima neste primeiro domingo da Quaresma. Estamos no início de um itinerário especial de penitência e de conversão. Damos conta de que se trata de uma ocasião favorável para reconhecer o pecado, que ofusca a nossa relação com Deus e com os irmãos. "Reconheço as minhas culpas proclama o Salmista , o meu pecado está sempre diante de mim. / Contra Vós apenas é que eu pequei, pratiquei o mal perante os vossos olhos" (Ps 50,5-6). O que seja o pecado e as consequências que produz na vida do homem está bem indicado também desde a primeira página do livro do Génesis, que escutámos (cf. Gn Gn 3,1-7), Os nossos pais cederam às lisonjas do tentador, interrompendo bruscamente o diálogo de confiança e de amor que tinham com Deus. O mal, o sofrimento e a morte entram assim no mundo e será preciso esperar o Salvador prometido para restabelecer, de modo ainda mais admirável, o plano original do Criador (cf. Ib 3, 8-24).

2. À insidiosa acção do Maligno não foge o Messias, como narra São Mateus na página evangélica de hoje: "O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio (Mt 4,1). No deserto, Ele foi submetido a uma tríplice tentação de satanás, a que, porém, resiste com decisão. Jesus afirma com vigor que não é lícito pôr Deus à prova; não é permitido prestar culto a um outro deus; não se pode decidir por si mesmo o próprio destino. A última referência de cada crente é a Palavra que sai da boca do Senhor.

Nestas breves linhas está delineado o programa do nosso caminho espiritual. Também nós somos chamados a atravessar o deserto de cada dia, enfrentando as tentações que aparecem para nos afastar de Deus. Somos convidados a imitar a atitude do Senhor, que se volta, decisivo, para a obediência à palavra do Pai do céu e, desse modo, restabelece a hierarquia de valores segundo o projecto divino original.

3. Carísssimos Irmãos e Irmãs da paróquia de Santo Henrique! A vossa é a 301ª paróquia que tenho a alegria de visitar, prosseguindo a minha peregrinação pastoral através da nossa Diocese. Como já tive a ocasião de sublinhar, estes agradáveis encontros dominicais oferecem-me uma singular oportunidade de "exercitar de maneira concreta a minha missão de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro" (Carta ao Cardeal Camillo Ruini, 16 de Dezembro de 2001).

1632 Saúdo o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Sector, D. Dieci, o vosso activo Pároco, Dom Romano Esposito e os jovens Vigários paroquiais. Com um grato pensamento para aqueles que me dirigiram as saudações no início desta celebração, saúdo os membros do Conselho pastoral, os dos Assuntos Económicos e dos vários grupos paroquiais. Saúdo afectuosamente cada um de vós aqui presentes e faço extensivo o meu pensamento a todos os membros desta jovem e prometedora comunidade cristã, assim como a todos os habitantes do bairro.

4. A vossa é uma comunidade jovem, nascida em 1998 da "Paróquia mãe" de Santo Alexandre. É constituída em grande parte por famílias de recente formação, que se instalaram no bairro durante o último decénio. Somente a partir de Junho de 1999 foi dotada de um verdadeiro e próprio templo paroquial. Muitas crianças, muitíssimas crianças e jovens a povoam, a alegram e tornam viva.

Penso naqueles que participam nos grupos da Juventude Ardente Mariana, J.A.M., em quem percorre o itinerário para a descoberta do Baptismo, no grupo Cáritas e no Centro de escuta para idosos e extracomunitários, na "comunidade de amor", que deseja ajudar os jovens esposos e noivos a viver o sacramento cristão do Matrimónio. Penso em quantos leitores, ajudantes e componentes do coro contribuem para tornar vivas e participadas as celebrações litúrgicas.

Sei, além disso, que estais a trabalhar para ajudar as famílias e vos preocupais com a educação das crianças, em primeiro lugar as que se preparam para receber os Sacramentos da iniciação cristã, assim como os que frequentam o Oratório. Chamar os pais enquanto se propõe a catequese aos seus filhos é, indubitavelmente, uma óptima maneira de ajudar as famílias a viver em conjunto os encontros sacramentais.

Com igual generosidade sei que vos preparais para colaborar nas várias iniciativas que a Diocese de Roma tem em programa: o Encontro eclesial sobre o tema das vocações, que se realizará em Junho, como os outros encontros previstos, a partir do dos jovens na Praça de São Pedro, em 21 de Março próximo. Continuai neste caminho e Deus tornará frutuosos os vossos esforços para o bem de todos.

5. "Como pela desobediência de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos" (
Rm 5,19). Esta consoladora palavra do Apóstolo Paulo aos Romanos conforta-nos no nosso caminho espiritual. No mundo, dominado tantas vezes pelo mal e pelo pecado, resplandece vitoriosa a luz de Cristo. Ele, com a sua paixão e ressurreição venceu o pecado e a morte, abrindo aos crentes as portas da salvação eterna. Eis a encorajadora mensagem que tiramos da liturgia de hoje.

Para participar plenamente na vitória de Cristo, é necessário, porém, empenhar-se em mudar, à luz da palavra de Deus, o próprio modo de pensar e de agir.

"Ó Senhor, criai em mim um coração puro e renovai no meu interior um espírito recto" (Ps 50,12). Façamos nossa esta invocação do Salmista. É uma oração muito mais oportuna no tempo da Quaresma.

Criai em nós, Senhor, um coração novo! Renovai-nos no vosso amor! Obtende-nos Vós, Virgem Maria, um coração novo e um espírito firme. Chegaremos, assim, a celebrar a Páscoa, renovados e reconciliados com Deus e com os irmãos.



PELO CARDEAL CAMILO RUINI NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PARA A COMUNIDADE FILIPINA DE ROMA


NA BASÍLICA DE SANTA PUDENCIANA


"Este é o meu Filho amado. Escutai-o".


1. Com o apóstolo Pedro, digo também: "É bom estarmos aqui" (Mt 17,4), reunidos, como acontece agora, em volta do Senhor Jesus. O seu rosto resplandece como luz que penetra nesta antiga Basílica de Santa Pudenciana. Enquanto prosseguimos a peregrinação quaresmal para a Páscoa, sentimo-nos como envolvidos por uma nuvem luminosa. O Pai, do alto dos céus, diz-nos:

1633 Escutai Jesus! Porém, como Pedro, Tiago e João, também nós estamos com medo. Preferimos outras vozes, vozes da terra, pois é mais fácil escutá-las e parecem ter mais sentido. Mas só Jesus nos pode conduzir à vida. Somente a sua é palavra de vida eterna. Acolhamos o seu convite com espírito de gratidão: Não tenhais medo! Escutai a minha voz!

2. Saúdo com grande alegria todos os que estão comprometidos na Capelania católica filipina aqui em Roma, melhor conhecida como "Sentro Pilipino", que coordena 38 centros pastorais espalhados pela Cidade, vindo ao encontro das necessidades espirituais, morais e sociais de dezenas de milhar de imigrados filipinos.

Saúdo cordialmente os Senhores Cardeais Camillo Ruini, meu Vigário para a Diocese de Roma, e José Sanchez, Prefeito emérito da Congregação para o Clero. Saúdo também o Bispo Auxiliar, D. Luís Moretti e os Senhores Embaixadores das Filipinas junto da Santa Sé e da República Italiana. O meu pensamento torna-se extensivo, depois, ao vosso estimado sacerdote, Padre Remo Bati, e a quantos o ajudam na capelania filipina. Saúdo ao mesmo tempo o Reitor da Basílica, Mons. Gino Amicarelli, os fiéis presentes nesta celebração eucarística, os que estão envolvidos na obra da Associação católica internacional para o serviço à juventude, as Filhas do Oratório e as Oblatas do Menino Jesus, que celebram o 330° aniversário de fundação da sua Congregação.

O meu afectuoso pensamento dirige-se, ainda, para todos os Filipinos que vivem em Roma, na Itália e em todas as partes do mundo. É sabido como vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, estais ligados às vossas tradições e mantendes viva a vossa fé com uma assídua prática religiosa. Agradeço ao Senhor por isto e encorajo-vos a caminhar sempre nas sendas da plena fidelidade a Cristo.

3. E aqui, esta manhã, Jesus fala-nos de bênção. Indica a bênção suprema da Páscoa e olha para trás, para a bênção prometida a Abraão e aos seus descendentes.

Na primeira leitura do Livro do Génesis, Deus promete a Abraão duas coisas que parecem impossíveis: um filho e uma terra.

Abraão era rico, mas sem a promessa do Senhor, a sua vida parecia acabada simplesmente com a morte. Abençoando Abraão com um filho e com uma terra, Deus oferece-lhe uma vida maior do que a morte. Deus assegura ao "nosso pai na fé" que a última palavra não pertencerá à morte, mas à vida. Esta promessa encontra o seu cumprimento definitivo na Páscoa, quando Cristo ressuscita dos mortos.

Não é suficiente que o seio estéril de Sara dê à luz Isaac, porque a morte ainda põe em prática o seu império. A promessa feita a Abraão só se realizará quando a morte for vencida e a morte será vencida quando Cristo ressurgir para a nova vida.

4. Devemos recordar também que a promessa não foi feita só a Abraão, mas também aos seus descendentes, ou seja, a nós! Durante a Quaresma, pois, levemos a Deus tudo o que é estéril e morto em nós mesmos, todas as nossas dores e os nossos pecados, confiando no facto de que Deus, que deu um filho a Sara e que ressuscitou Jesus dos mortos, transformará quanto é estéril e morto em nós numa vida nova e maravilhosa. Todavia, isto significa que devemos abandonar muito de quanto nos é familiar.

"Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai", disse Deus a Abraão.

Muitos de vós o fizeram. Deixastes a vossa casa e a vossa família para vos tornardes, a vosso modo, uma bênção para os vossos queridos nas Filipinas, contribuindo para o seu sustento, oferecendo maiores oportunidades culturais e sociais aos vossos filhos e às vossas famílias. A separação é difícil e o preço é alto, mas é um preço que desejais pagar num mundo difícil e por vezes injusto. Porque vivemos num mundo cheio de pecado, a própria Quaresma deve tornar-se uma espécie de separação. Somos chamados a abandonar os nossos velhos percursos de pecado, que tornam estéril a nossa vida e nos condenam à morte espiritual. Todavia, muitas vezes estes percursos errados estão tão profundamente enraizados na nossa vida que é doloroso abandoná-los e procurar a terra bendita que o Senhor promete. Este arrependimento é difícil, mas é o preço a pagar para receber a bênção que o Pai promete a quantos escutam a voz de Jesus.

1634 Recordai também a promessa de Deus de que "todas as famílias da terra serão abençoadas" em Abraão. A bênção da vida incluirá todo o mundo. Por isso, nestes dias da Quaresma e nestes tempos difíceis, levemos a Deus quanto é estéril e morto no mundo. Levemos a chaga da guerra, da violência, da doença, da fome, da pobreza e da injustiça ao Deus de toda a bênção. Peçamos-Lhe que toque estes males e os transforme em vida.

5. Ao escutar Jesus, tornamo-nos disponíveis ao que São Paulo chama " o poder de Deus que nos salvou". Este poder torna-nos capazes de o encontrar. Podemos, então, dar testemunho dele com a nossa própria vida, em virtude da graça que nos transfigura interiormente. Tornar-nos-emos luminosos como o sol, "não devido às nossas obras, mas em virtude do Seu desígnio [de Deus] e graça", como o Apóstolo escreve a Timóteo (
2Tm 1,9).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, aqui está o significado da Quaresma: as nossas vidas, renovadas através da oração, da penitência e da caridade, abrem-se à escuta de Deus e ao poder da sua misericórdia. Assim, na Páscoa, poderemos descer da santa montanha e afugentar as trevas do mundo com a luz gloriosa que resplandece sobre o rosto de Cristo (cf. 2Co 4,6).

Esta é a promessa do Senhor! Possa Aquele que iniciou a sua boa obra em nós levá-la a pleno cumprimento (cf. Ph 1,6). Obtenha-no-lo a Virgem Maria, Senhora da escuta fiel e modelo de santidade em cada dia.



HOMILIA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II

PRONUNCIADA PELO CARDEAL CAMILLO RUINI

NA PARÓQUIA ROMANA DE SÃO GELÁSIO I


Domingo 3 de março de 2002



1. "Senhor... dá-me desta água, para que eu não sinta mais sede" (Jn 4,15 cf. Cântico ao Evangelho). O pedido da Samaritana confere uma mudança decisiva ao longo e intenso diálogo com Jesus, que tem lugar junto do poço de Jacob, perto da cidade de Sicar. Narra-nos isto São João na página evangélica de hoje.

Cristo pede à mulher: "dá-me de beber" (v. 7). A sua sede material é sinal de uma realidade muito mais profunda: exprime o desejo ardente que a interlocutora e os seus concidadãos se abram à fé. A mulher da Samaria, por seu lado, quando Lhe pede água, manifesta a profunda necessidade de salvação presente no coração de cada pessoa. E o Senhor revela-se como aquele que oferece a água viva do Espírito, que sacia para sempre a sede de infinito de cada ser humano.
A liturgia deste terceiro domingo de quaresma propõe-nos um maravilhoso comentário do episódio de João, quando no Prefácio diz que Jesus "teve uma sede tão ardente" da salvação da Samaritana que "acendeu nela a chama do amor de Deus".

2. O episódio da Samaritana traça o itinerário de fé que todos somos chamados a percorrer. Jesus continua ainda hoje a "ter sede", isto é, a desejar a fé e o amor da humanidade. Do encontro pessoal com Ele, reconhecido e acolhido como o Messias, surge a adesão à sua mensagem de salvação e o desejo de o manifestar ao mundo.

É o que se verifica na continuação da narração joanina. O vínculo com Jesus transforma completamente a vida daquela mulher, que corre imediatamente a comunicar a boa nova ao povo da aldeia vizinha: "Vinde ver um homem que me disse tudo quanto fiz. Não será Ele o Messias?" (Jn 4,29). A revelação acolhida com fé pede para se tornar palavra proclamada ao próximo e testemunhada através das escolhas concretas de vida. Eis a missão dos crentes, que nasce e se desenvolve a partir do encontro pessoal com o Senhor.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Paróquia de São Gelásio! Obrigado pelo caloroso acolhimento e pelas gentis palavras que os vossos representantes houveram por bem dirigir-me no início da celebração eucarística. Saúdo cordialmente o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do sector, o vosso querido Pároco, Pe. Albino Marin, o Vice-Pároco e a todos vós, pertencentes à Comunidade paroquial, que este ano celebra o trigésimo aniversário de fundação. Faço extensivo o meu afectuoso pensamento a todos os que vivem neste populosa zona de "Rebibbia".

1635 Congratulo-me convosco por tudo o que estais a fazer, sobretudo no âmbito da catequese, da liturgia e da caridade. De facto, são estes os pilares insubstituíveis da vida cristã, que devem ser desenvolvidos usufruindo também do apoio e dos serviços de coordenação e de animação oferecidos pelas Repartições pastorais do Vicariato. Com efeito, cada comunidade paroquial cresce ainda mais unida e activa quando caminha em comunhão afectiva e efectiva com os legítimos Pastores e toda a família diocesana.

Dedicais uma atenção especial às famílias, para que possam realizar plenamente a própria vocação. Mesmo se encontrassem dificuldades na vida conjugal ou na relação entre pais e filhos, nunca deixem de se recordar daquele fundamental "sim", que foi pronunciado pelos cônjuges no dia do matrimónio. Deus nunca deixa faltar o apoio da sua graça a quantos têm confiança n'Ele.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, prossegui, portanto, na realização com dedicação daquela particular obra apostólica, tão necessária para a vida da Igreja, que é a Missão permanente. Trata-se de uma preciosa herança que surgiu da Missão da Cidade do Grande Jubileu do Ano 2000. Assumindo os problemas dos habitantes do bairro, tendes a possibilidade de lhes oferecer o testemunho concreto do amor infinito de Deus. Além das visitas às famílias e do esforço de estabelecer relações de amizade com o povo, seja vossa solicitude intensificar aquelas proveitosas experiências de formação iniciadas em favor das crianças e dos jovens, como o Coro dos meninos e o Oratório. Se infundirdes confiança nos jovens e nas moças, eles tornar-se-ão generosos apóstolos dos seus coetâneos e trabalhadores activos nas numerosas obras paroquiais.

Queridos jovens, marco encontro convosco, juntamente com os vossos amigos das outras Paróquias de Roma, na Praça de São Pedro no dia 21 de Março, como preparação para o Dia Mundial da Juventude, que será realizado em Toronto no próximo mês de Julho. Há também o Congresso eclesial diocesano de Junho sobre o tema das vocações. A vossa Comunidade paroquial também se prepara para este encontro com a reflexão comunitária, e sobretudo com a oração. Oxalá Deus faça nascer também entre vós numerosas e santas vocações sacerdotais, religiosas e missionárias, fundamentais para a vida e o futuro da Igreja.

5. "A esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido" (
Rm 5,5).

Ao dom do Espírito, simbolizado pela água viva prometida por Jesus à Samaritana, referem-se também as palavras do apóstolo Paulo, proclamadas na segunda leitura. O Espírito é o "penhor" da salvação definitiva que nos foi prometida por Deus. O homem não pode viver sem esperança.

Contudo, não poucas esperanças naufragam contra os obstáculos da vida. Mas a esperança do cristão "não desilude", porque se baseia no sólido fundamneto da fé no amor de Deus, revelado em Cristo.

Confio a Maria, Mãe da Esperança, a vossa Paróquia e o caminho quaresmal para a Páscoa. Maria, que seguiu o seu Filho Jesus até à Cruz, nos ajude a todos a ser discípulos fiéis d'Aquele que faz jorrar no nosso coração água para a vida eterna (cf. Jo Jn 4,14).



Homilias JOÃO PAULO II 1627