Homilias JOÃO PAULO II 1635


NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NO DOMINGO DE RAMOS


24 de Março de 2002




1. "Pueri Hebraeorum, portantes ramos olivarum...
Os jovens hebreus, levando ramos de oliveira, / foram ao encontro do Senhor".

1636 Canta assim a antífona litúrgica, que acompanha a solene procissão com os ramos de oliveira e de palmeira neste Domingo, chamado precisamente dos Ramos e da Paixão do Senhor. Revivemos o que aconteceu naquele dia: eram muitos os jovens entre a multidão que exultava à volta de Jesus, que montado num jumento entrava em Jerusalém. Alguns fariseus gostariam que Jesus os fizesse calar, mas Ele respondeu-lhes que se eles se calassem, gritariam as pedras (cf. Lc Lc 19,39-40).

Também hoje, graças a Deus, é grande o número dos jovens aqui na Praça de São Pedro. Os "jovens hebreus" tornaram-se jovens e moças de todas as nações, línguas e culturas. Sede bem-vindos, caríssimos! Dou a cada um de vós a minha cordial saudação. O encontro de hoje projecta-nos no próximo Dia Mundial da Juventude, que será realizado em Toronto, cidade do Canadá entre as mais cosmopolitas do mundo. Já se encontra lá a Cruz dos Jovens que há um ano, por ocasião do Domingo de Ramos, os jovens italianos entregaram aos seus coetâneos canadianos.

2. A Cruz está no centro da liturgia de hoje. Vós, queridos jovens, com a vossa atenta e entusiasta participação nesta solene celebração, demonstrais que não vos envergonhais da Cruz. Não temeis a Cruz de Cristo. Ao contrário, sentis por ela amor e veneração, porque é o sinal do Redentor morto e ressuscitado por nós. Quem crê em Jesus crucificado e ressuscitado leva a Cruz como um triunfo, como prova evidente de que Deus é amor. Com a doação total de si, precisamente com a Cruz, o nosso Salvador venceu definitivamente o pecado e a morte. Por isso aclamamos com júbilo; "Glória e louvor a ti, ó Cristo, que com a tua Cruz redimiste o mundo!".

3. "Por nós, Cristo fez-Se obediente até à morte, / e morte de cruz. / Por isso Deus o exaltou / e lhe deu o nome que está acima de qualquer outro" (Aclamação ao Evangelho). Com estas palavras do apóstolo Paulo, que já ouvimos na segunda leitura, elevámos há pouco a nossa aclamação antes do início da narração da Paixão. Elas exprimem a nossa fé: a fé da Igreja.

Mas a fé em Cristo não é previsível. A leitura da sua Paixão põe-nos diante de Cristo, vivo na Igreja. O mistério pascal, que reviveremos nos dias da Semana Santa, é sempre actual. Nós somos hoje os contemporâneos do Senhor e, como o povo de Jerusalém, como os discípulos e as mulheres, somos chamados a decidir se estar com Ele, se fugir ou permanecer simples espectadores da sua morte.

Deparamos todos os anos, na Semana Santa, com o grande cenário no qual se decide o drama definitivo não só para uma geração, mas para toda a humanidade e para cada pessoa individualmente.

4. A narração da Paixão põe em relevo a fidelidade de Cristo, em contraste com a infidelidade humana. No momento da prova, enquanto todos, também os discípulos e até Pedro, abandonam Jesus (cf. Mt Mt 26,56), Ele permanece fiel, disposto a derramar o sangue para cumprir plenamente a missão que o Pai lhe confiou. Permanece Maria ao seu lado, silenciosa e sofredora.

Caríssimos jovens! Aprendei de Jesus e da sua e nossa Mãe. A verdadeira força do homem vê-se na fidelidade com que ele é capaz de dar testemunho da verdade, resistindo a lisonjas e ameaças, a incompreensões e chantagens, e até à perseguição dura e desumana. Eis o caminho pelo qual o nosso Redentor nos chama a segui-Lo.

Só se estiverdes dispostos a fazer isto, vos tornareis o que Jesus espera de vós, isto é, "sal da terra" e "luz do mundo" (Mt 5,13-14). É precisamente este, como sabeis, o tema do próximo Dia Mundial da Juventude. A imagem do sal "recorda-nos que, mediante o baptismo, toda a nossa existência foi profundamente transformada, porque foi "temperada" com a vida nova que vem de Cristo [cf Rm 6, 4]" (Mensagem para o XVII Dia Mundial da Juventude, 2).

Queridos jovens, não percais o vosso sabor de cristãos, o sabor do Evangelho! Mantende-o vivo, meditando constantemente o mistério pascal: a Cruz seja a vossa escola de sabedoria. Não vos orgulheis de mais nada, a não ser desta sublime cátedra de verdade e de amor.

5. A liturgia convida-nos a subir até Jerusalém com Jesus aclamado pelos jovens hebreus. Daqui a pouco Ele "deverá sofrer e ressuscitar dos mortos no terceiro dia" (Lc 24,46). São Paulo recordou-nos que Jesus "se despojou a si mesmo, assumindo a condição de servo" (Ph 2,7) para nos obter a graça da filiação divina. É daqui que brota a verdadeira fonte da paz e da alegria para cada um de nós! Encontra-se aqui o segredo da alegria pascal, que nasce do sofrimento da Paixão.

1637 Faço votos para que cada um de vós, queridos amigos, participe desta alegria. Aquele que escolhestes como Mestre não é um comerciante de ilusões, não é um poderoso deste mundo, nem um astuto e hábil pensador. Vós sabeis quem escolhestes seguir: é o Crucificado ressuscitado! Cristo morto por vós, Cristo ressuscitado por vós.

E a Igreja garante-vos que não ficareis desiludidos. De facto, mais ninguém a não ser Ele, vos pode dar aquele amor, aquela paz e aquela vida eterna pela qual o vosso coração aspira profundamente. Bem-aventurados sois vós, jovens, se fordes fiéis discípulos de Cristo! Bem-aventurados sereis vós se, em todas as ocasiões, estiverdes dispostos a testemunhar que este homem é verdadeiramente Filho de Deus! (cf. Mt
Mt 27,39).

Maria, Mãe do Verbo encarnado, sempre pronta para interceder por todos os homens que vivem sobre a face da terra, vos oriente e vos acompanhe.



SANTA MISSA CRISMAL NA BASÍLICA DE SÃO PEDRO

JOÃO PAULO II
Quinta-feira Santa, 28 de Março de 2002





1. "O Espírito do Senhor Javé está sobre mim, porque foi Javé que me ungiu" (Is 61,1).

As palavras do profeta Isaías representam o motivo dominante da Missa Chrismatis, que nesta manhã de Quinta-Feira Santa vê reunidos, em cada Diocese, todo o presbitério à volta do seu próprio Pastor. Durante este rito solene, que se realiza antes do início do Tríduo pascal, são benzidos os Óleos, que conterão o bálsamo da graça divina ao povo cristão.

"Foi Javé que me ungiu". Estas palavras evocam, em primeiro lugar, a missão messiânica de Jesus, consagrado pela virtude do Espírito Santo, tornando-se o sumo e eterno Sacerdote da Nova Aliança, estabelecida no seu sangue. Todas as prefigurações do sacerdócio do Antigo Testamento encontram a realização nele, único e definitivo mediador entre Deus e os homens.

2. "Hoje cumpriu-se esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir" (Lc 4,21). Jesus comenta deste modo, na sinagoga de Nazaré, o anúncio profético de Isaías. Afirma que Ele é o Ungido do Senhor, Aquele que o Pai mandou para dar aos homens a libertação dos pecados e trazer o alegre anúncio aos pobres e aos aflitos. É Ele que veio para proclamar o tempo da graça e da misericórdia. Na Carta aos Colossenses o Apóstolo observa que Cristo, "anterior a qualquer criatura", é "o Primeiro daqueles que ressuscitam dos mortos" (1, 15.18). Aceitando a chamada do Pai, a assumir a condição humana, traz consigo o sopro da vida nova e dá a salvação a todos aqueles que nele acreditam.

3. "Todos... tinham os olhos fixos nele" (Lc 4,20).

Também nós, como os presentes na sinagoga de Nazaré, conservemos o nosso olhar fixo no Redentor, que "nos fez reis e sacerdotes para Deus, seu Pai" (Ap 1,6). Se cada baptizado participa do seu sacerdócio real e profético, para "oferecer sacrifícios espirituais que Deus aceita" (1P 2,5), os presbíteros são chamados a compartilhar a sua oblação de modo especial.

São chamados a vivê-la no serviço ao sacerdócio comum dos fiéis. Por conseguinte, a Ordem é o sacramento graças ao qual a missão confiada pelo Mestre aos seus apóstolos continua a ser exercida na Igreja até ao fim dos tempos: portanto, é o sacramento do ministério apostólico, que comporta os graus do episcopado, do presbiterado e do diaconado.

1638 Caríssimos Irmãos, hoje tomamos particular consciência deste ministério peculiar que nos foi conferido. Na Eucaristia, o Mestre divino confiou-nos a celebração do seu próprio Sacrifício, chamando-nos assim ao seu especial seguimento. Por este motivo, durante a celebração de hoje, confirmemos-lhe em conjunto a nossa fidelidade e o nosso amor e, confiando no poder da sua graça, renovemos as promessas feitas no dia da nossa Ordenação.

4. Como é grande para nós este dia! Na Quinta-Feira Santa Jesus fez de nós os ministros da sua presença sacramental no meio dos homens. Colocou nas nossas mãos o seu perdão e a sua misericórdia, dando-nos o seu Sacerdócio para sempre.

Tu es sacerdos in aeternum! Na nossa alma ressoa esta chamada, que nos faz sentir como a nossa vida está vinculada de maneira indissolúvel à sua. E para sempre!

Enquanto damos graças por este dom misterioso, não podemos deixar de confessar as nossas infidelidades. Na Carta que, como em todos os anos, desejei enviar aos sacerdotes nesta ocasião especial, recordei que "todos nós cientes da fraqueza humana, mas confiando na força purificadora da graça divina somos chamados a abraçar o "Mysterium Crucis" e a empenhar-nos ainda mais na busca da santidade" (n. 11). Caríssimos Irmãos, não esqueçamos o valor e a importância do sacramento da Penitência na nossa existênca. Ele está intimamente unido à Eucaristia e faz de nós os dispensadores da misericórdia divina. Se recorrermos a esta fonte de perdão e de reconciliação, poderemos ser autênticos ministros de Cristo e irradiar à nossa volta a sua paz e o seu amor.

5. "Cantarei para sempre o amor do Senhor!" (Liturgia da Missa crismal).

Congregados ao redor do altar, junto do túmulo do Apóstolo Pedro, enquanto damos graças pelo dom do nosso sacerdócio ministerial, rezemos por todos aqueles que foram instrumentos preciosos da nossa divina vocação.

Penso em primeiro lugar nos nossos pais que, dando-nos a vida e pedindo para nós a graça do Baptismo, nos inseriram no Povo da salvação e, através da sua fé, nos ensinaram a estar atentos e disponíveis à voz do Senhor. Juntamente com eles recordemos quantos, com o testemunho e o conselho sapiente, nos orientaram no discernimento da nossa vocação. Além disso, o que dizer dos inúmeros fiéis leigos que nos acompanharam rumo ao Sacerdócio e que continuam a estar ao nosso lado no ministério pastoral? O Senhor dê a devida recompensa a cada um!

Oremos por todos os presbíteros e, de modo particular, por aqueles que vivem no meio de muitas dificuldades ou padecem perseguições, com um pensamento especial para quantos pagaram com o seu próprio sangue a sua fidelidade a Cristo.

Rezemos por estes nossos coirmãos que não cumpriram os compromissos assumidos com a ordenação sacerdotal ou que atravessam um período de dificuldade e de crise. Escolhendo-nos para uma missão tão sublime, Cristo nunca nos deixa faltar a graça e a alegria de O seguir, tanto no Tabor como no caminho da Cruz.

Acompanhe-nos e sustente-nos Maria, a Mãe do Sumo e Eterno Sacerdote, que não chamou aos seus Apóstolos "servos", mas "amigos". A Jesus, nosso Mestre e Irmão, glória e poder nos séculos dos séculos (cf. Ap
Ap 1,6). Amen!





SANTA MISSA "IN COENA DOMINI" NA BASÍLICA DE SÃO PEDRO


JOÃO PAULO II
Quinta-feira Santa, 28 de Março de 2002


1639 1. "Ele que amava os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles" (Jn 13,1).

Estas palavras, narradas no trecho evangélico que acabamos de proclamar, realçam bem o clima da Quinta-Feira Santa. Elas fazem-nos intuir os sentimentos vividos por Cristo "na noite em que foi entregue" (1Co 11,23) e estimulam-nos a participar com profunda e íntima gratidão no solene rito que estamos a realizar.

Entramos esta tarde na Páscoa de Cristo, que constitui o momento dramático e conclusivo, longamente preparado e esperado, da existência terrena do Verbo de Deus. Jesus veio para o meio de nós não para ser servido, mas para servir, e assumiu sobre si os dramas e as esperanças dos homens de todos os tempos. Antecipando misticamente o sacrifício da Cruz, no Cenáculo, quis permanecer connosco sob as espécies do pão e do vinho e confiou aos Apóstolos e aos seus sucessores a missão e o poder de perpetuar a sua memória viva e eficaz no rito eucarístico.

Por conseguinte, esta celebração envolve-nos misticamente a todos e insere-nos no Tríduo Sagrado, durante o qual também nós aprenderemos do único "Mestre e Senhor" a "estender as mãos" a fim de nos dirigirmos para onde nos chama o cumprimento da vontade do Pai celeste.

2. "Fazei isto em Minha memória" (1Co 11,24). Com este mandamento, que nos empenha a respeitar o seu gesto, Jesus conclui a instituição do Sacramento do Altar. Também no final do lava-pés Ele convida a imitá-lo: "Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais também vós" (Jn 13,15). Desta forma estabelece uma relação íntima entre a Eucaristia, sacramento do seu dom sacrifical, e o mandamento do amor, que nos compromete a receber e a servir os irmãos.

Não podemos separar a participação na mesa do Senhor do dever de amar o próximo. Todas as vezes que participamos na Eucaristia, pronunciamos nós também o nosso "Amen" diante do Corpo e do Sangue do Senhor. Desta forma comprometemo-nos a fazer o que Cristo fez, "a lavar os pés" dos irmãos, transformando-nos em imagem concreta e transparente d'Aquele que se despojou "a Si mesmo tomando a condição de servo" (Ph 2,7).

O amor é a herança mais preciosa que Ele deixou a todos os que chama para O seguir. É o seu amor, partilhado pelos seus discípulos, que é oferecido esta tarde a toda a humanidade.

3. "Quem come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação" (1Co 11,29). A Eucaristia é um dom grandioso, mas é também uma grande responsabilidade para quem a recebe. Jesus, diante de Pedro que inicialmente se opõe a que Ele lhe lave os pés, insiste sobre a necessidade de sermos puros a fim de participar no banquete sacrifical da Eucaristia.

A tradição da Igreja evidenciou sempre o vínculo que existe entre a Eucaristia e o sacramento da Reconciliação. Também eu o quis recordar na Carta aos Sacerdotes para a Quinta-Feira Santa deste ano, convidando em primeiro lugar os presbíteros a considerar com renovada admiração a beleza do Sacramento do perdão. Só desta forma poderão depois fazê-lo descobrir aos fiéis confiados aos seus cuidados pastorais.

O sacramento da Penitência restitui aos baptizados a graça divina perdida com o pecado mortal, e dispõe-nos para receber dignamente a Eucaristia. Além disso, no diálogo directo que a sua celebração ordinária requer, o Sacramento pode ir ao encontro da exigência de comunicação pessoal, que hoje se tornou cada vez mais difícil devido aos ritmos frenéticos da sociedade tecnológica. Com a sua obra iluminada e paciente o confessor pode introduzir o penitente naquela comunhão profunda com Cristo que o Sacramento dá novamente e a Eucaristia leva a pleno cumprimento.

Oxalá a redescoberta do sacramento da Reconciliação ajude todos os crentes a aproximar-se com respeito e devoção da Mesa do Corpo e do Sangue do Senhor.

1640 4. "Ele que amara os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles" (Jn 13,1).

Voltamos espiritualmente ao Cenáculo! Reunimo-nos com fé à volta do Altar do Senhor, fazendo o memorial da Última Ceia. Repetindo os gestos de Cristo, proclamamos que a sua morte redimiu a humanidade do pecado, e continua a dar esperança de um futuro de salvação para os homens de todas as épocas.

Compete aos sacerdotes perpetuar o rito que, sob as espécies do pão e do vinho, torna presente o sacrifício de Cristo de modo verdadeiro, real e substancial, até ao fim dos tempos. Compete a todos os cristãos tornar-se servos humildes e atentos dos irmãos para colaborarem para a sua salvação. É tarefa de cada crente proclamar com a vida que o Filho de Deus amou os seus ""até ao extremo". Esta tarde, num silêncio cheio e mistério, alimenta-se a nossa fé.

Unidos a toda a Igreja, anunciamos a tua morte, ó Senhor. Cheios de gratidão, já vivemos a alegria da tua ressurreição. Repletos de confiança, comprometemo-nos a viver na expectativa da tua vinda gloriosa. Hoje e sempre, ó Cristo, nosso Redentor. Amen!





VIGÍLIA PASCAL

JOÃO PAULO II
Sábado Santo, 30 de Março de 2002



1. "Disse Deus: «Haja Luz». E houve luz" (Gn 1,3)

Uma explosão de luz, que a palavra de Deus fez surgir do nada, rasgou a primeira noite, a noite da criação.

O apóstolo João escreverá: "Deus é luz e n’Ele não há trevas" (1Jn 1,5). Deus não criou as trevas, mas a luz! E o Livro da Sabedoria, revelando claramente que a obra de Deus obedece desde sempre a uma finalidade positiva, assim se exprime: "Ele criou tudo para a existência; / e todas as criaturas têm em si a salvação. / Não há nelas nenhum princípio de morte, / nem o domínio da morte impera sobre a terra" (Sg 1,14).

Naquela primeira noite, a noite da criação, tem as suas raízes o mistério pascal que, após o drama do pecado, constitui a restauração e a coroação daquele instante inicial. A Palavra divina trouxe à existência todas as coisas e, em Jesus, fez-se carne para nos salvar. E, se o destino do primeiro Adão foi retornar à terra donde viera (cf. Gn Gn 3,19), o último Adão desceu do céu para lá subir de novo vencedor, primícia da nova humanidade (cf. Jo Jn 3,23 1Co 15,47).

2. Uma outra noite constitui o evento fundamental da história de Israel: é o êxodo prodigioso do Egipto, cuja narração se lê em cada ano na solene Vigília pascal.

"O Senhor fustigou o mar com um impetuoso vento do oriente, que soprou durante toda a noite. Secou o mar, e as águas dividiram-se. Os filhos de Israel desceram a pé enxuto para o meio do mar, e as águas formavam como que uma muralha à direita e à esquerda deles" (Ex 14,21-22). O povo de Deus nasceu deste "baptismo" no Mar Vermelho, quando experimentou a mão forte do Senhor que o arrancava da escravidão, para conduzi-lo à suspirada terra da liberdade, da justiça e da paz.

1641 Esta é a segunda noite, a noite do êxodo.

A profecia do Livro do Êxodo cumpre-se hoje também para nós, que somos israelitas segundo o Espírito, descendência de Abraão graças à fé (cf. Rom
Rm 4,16). Na sua Páscoa, como novo Moisés, Cristo faz-nos passar da escravidão do pecado à liberdade dos filhos de Deus. Mortos com Jesus, com Ele ressuscitamos para a vida nova, pelo poder do seu Espírito. O seu Baptismo veio a ser o nosso.

3. Recebereis este Baptismo, que gera o homem para a vida nova, também vós, caríssimos Irmãos e Irmãs catecúmenos, provindos de diversos Países: da Albânia, da China, do Japão, da Itália, da Polónia, da República Democrática do Congo. Dois dentre vós, uma mãe japonesa e uma chinesa, trazem consigo também o filho, de modo que, na mesma celebração, serão baptizadas as mães junto com as suas crianças.

"Nesta santíssima noite" em que Cristo ressuscitou dos mortos, cumpre-se para vós um "êxodo" espiritual: deixais para trás a velha existência e entrais na "terra dos vivos". Esta é a terceira noite, a noite da ressurreição.

4. "Oh noite ditosa, única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro". Assim cantámos no Precónio Pascal, no início desta solene Vigília, mãe de todas as Vigílias.

Após a trágica noite de Sexta-feira Santa, quando «o domínio das trevas» (Lc 22,53) parecia levar a melhor sobre Aquele que é «a luz do mundo» (Jn 8,12), após o grande silêncio de Sábado Santo, em que Cristo, cumprida a sua obra na terra, encontrou descanso no mistério do Pai e levou a sua mensagem de vida aos abismos da morte, eis finalmente a noite que precede "o terceiro dia", no qual, segundo as Sagradas Escrituras, o Messias havia de ressuscitar, como Ele mesmo tinha repetidamente preanunciado aos seus discípulos.

"Oh noite ditosa, em que o Céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus!" (Precónio Pascal).

5. Esta é a noite por excelência da fé e da esperança. Enquanto tudo está mergulhado na escuridão, Deus - a Luz - vigia. Com Ele, vigiam todos que confiam e esperam n’Ele.

Ó Maria, esta é por vossa excelência a vossa noite! Enquanto se apagam as últimas luzes do sábado, e o fruto do vosso ventre descansa na terra, vosso coração também vigia! A vossa fé e a vossa esperança projectam-se para diante. Para além da pesada lápide, vislumbram já o túmulo vazio; para além do espesso véu das trevas, entrevêem a aurora da ressurreição.

Fazei, ó Mãe, que também nós vigiemos no silêncio da noite, crendo e esperando na palavra do Senhor. Encontraremos assim, na plenitude da luz e da vida, Cristo, primícia dos ressuscitados, que reina com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Aleluia!



JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DA BEATIFICAÇÃO DE


SEIS SERVOS DE DEUS


14 de Abril de 2002



1642 1. "O próprio Jesus aproximou-se e começou a caminhar com eles" (Lc 24,15). Como acabámos de escutar na página evangélica do dia de hoje, Jesus faz-se viandante, aproximando-se de dois discípulos que se dirigiam para a aldeia de Emaús. Explica-lhes o sentido das Escrituras e em seguida, tendo chegado ao destino, parte o pão com eles, exactamente como tinha feito em companhia dos Apóstolos na noite antes da sua morte na cruz. Nesse momento, os olhos dos discípulos abriram-se e eles reconheceram-no (cf. v. 31).

A experiência pascal de Emaús renova-se continuamente na Igreja. Podemos contemplar um exemplo admirável disto também na existência daqueles que, hoje, tive a alegria de elevar à glória dos altares: Caetano Errico, Ludovico Pavoni e Luís Variara, presbíteros; Maria do Trânsito de Jesus Sacramentado, virgem; Artemides Zatti, religioso; e Maria Romero Meneses, virgem.
Como os discípulos de Emaús, estes novos Beatos souberam reconhecer a presença viva do Senhor na Igreja e, vencendo dificuldades e temores, tornaram-se testemunhas entusiastas e corajosas diante do mundo.

2. Não foi com coisas perecíveis... que fostes resgatados... [mas] pelo precioso sangue de Cristo" (1P 1,18-19). Estas palavras, tiradas da segunda Leitura, fazem-nos pensar no Beato Caetano Errico, presbítero e fundador da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria.

Numa época assinalada por profundas mudanças políticas e sociais, diante do rigorismo espiritual dos jansenistas, Caetano Errico anunciou a grandeza da misericórdia de Deus, que sempre chama à conversão aqueles que vivem sob o domínio do mal e do pecado. Verdadeiro mártir do confessionário, o novo Beato passava ali dias inteiros, oferecendo o melhor das suas energias ao acolhimento e à escuta dos penitentes. Com o seu exemplo, ele estimula-nos a descobrir de novo o valor e a importância do sacramento da Penitência, onde Deus distribui a mãos-cheias o seu perdão e manifesta a sua ternura de Pai aos seus filhos mais frágeis.

"Deus ressuscitou este Jesus. E todos nós somos testemunhas disto" (Ac 2,31). Esta consciência íntima, que se tornou fé apaixonada e indómita, orientou a experiência espiritual e sacerdotal de Ludovico Pavoni, presbítero, fundador da Congregação dos Filhos de Maria Imaculada.

Dotado de um ânimo particularmente sensível, comprometeu-se com todo o seu ser na assistência aos jovens pobres e abandonados e, de maneira especial, aos surdos-mudos. A sua actividade era desempenhada em muitos sectores, do campo da educação ao das publicações, com originais intuições apostólicas e corajosas acções inovadoras. Na base de tudo havia uma sólida espiritualidade. Com o seu testemunho, ele exorta-nos a confiar em Jesus e a mergulhar cada vez mais no mistério do seu amor.

3. "Começando por Moisés e continuando por todos os Profetas, Jesus explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura" (Lc 24,27). Nestas palavras do Evangelho de hoje, Jesus manifesta-se como companheiro no caminho da vida do homem e como Mestre paciente, que sabe modelar o coração e iluminar a mente para que compreenda o desígnio de Deus. Depois do seu encontro com Ele, os discípulos de Emaús, superando o desânimo e a confusão, regressaram à comunidade cristã nascente para lhe anunciar a alegre notícia: viram o Senhor ressuscitado.

Esta espiritualidade é um elemento comum em três dos novos Beatos, que procuraram a santidade à sombra de Dom Bosco e da tradição salesiana. A elevação aos altares, do Padre Luís Variara, do Senhor Artemides Zatti e da Irmã Maria Romero constitui uma grande alegria para esta Família religiosa.

4. Da Itália, nomeadamente da Diocese de Asti, partiu para a Colômbia o salesiano, Padre Luís Variara, seguidor fiel de Jesus misericordioso e próximo dos desamparados. Desde o início, dedicou a sua energia juvenil e a riqueza dos seus dons, ao serviço dos leprosos. Primeiro salesiano ordenado sacerdote na Colômbia, conseguiu reunir à sua volta um grupo de moças consagradas, entre as quais se encontravam algumas leprosas ou filhas de leprosos e, por isso, não eram aceites nos Institutos religiosos. Com o passar do tempo, este grupo transformou-se na Congregação das Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, Instituto florescente, hoje presente em muitos países.

Artemides Zatti, coadjutor salesiano, partiu com a sua família da Diocese de Régio da Emília em busca de uma vida melhor na Argentina, a terra sonhada por Dom Bosco. Ali ele descobriu a sua vocação salesiana, que se realizou num serviço apaixonado, competente e repleto de amor pelos enfermos. Os seus quase cinquenta anos passados em Viedma representam a história de um religioso exemplar, pontual no cumprimento dos seus deveres comunitários e totalmente dedicado ao serviço dos necessitados. O seu exemplo nos ajude sempre a ser conscientes da presença do Senhor e nos leve a recebê-lo em todos os irmãos necessitados.

1643 A Irmã Maria Romero Meneses, Filha de Maria Auxiliadora, soube reflectir o rosto de Cristo que se faz reconhecer no partir do pão. Nascida na Nicarágua, realizou a sua formação para a vida religiosa em El Salvador e passou a maior parte da sua vida na Costa Rica. Esses queridos povos centro-americanos, agora unidos no júbilo da sua beatificação, poderão encontrar na nova Beata, que muito os amou, abundantes exemplos e ensinamentos para renovar e fortalecer a sua vida cristã, profundamente enraizada nessas terras.

Com um amor apaixonado a Deus e uma confiança ilimitada no auxílio da Virgem Maria, a Irmã Maria Romero foi uma religiosa exemplar, apóstola e mãe dos pobres que, sem excluir ninguém, eram os seus predilectos! A sua recordação seja uma bênção para todos, e que as obras fundadas por ela, entre as quais destacamos a "Casa da Virgem" em São José, continuem a ser fiéis aos ideais que lhes deram origem!

5. "Não ardia o nosso coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?" (
Lc 24,32). Esta surpreendente confissão daqueles discípulos que foram os primeiros a ir a Emaús teve lugar também na vocação da Madre Maria do Trânsito de Jesus Sacramentado Cabanillas, fundadora das irmãs Terciárias Missionárias Franciscanas e a primeira argentina a alcançar a honra dos altares.

A chama que ardia no seu coração levou Maria do Trânsito a buscar a intimidade com Cristo na vida contemplativa. A sua chama não se extinguiu quando, por enfermidade, ela teve de abandonar os Mosteiros em que vivia, mas perseverou com confiança e abandono à vontade de Deus, que continuou a procurar incessantemente. Então, o ideal franciscano manifestou-se como o verdadeiro caminho que Deus queria para ela e, com a ajuda de directores sábios, empreendeu uma vida de pobreza, humildade, paciência e caridade, dando vida a uma nova Família religiosa.

6. "Mostrai-nos, Senhor, o caminho da vida" (Antífona do Salmo responsorial). Façamos nossa esta invocação do Samo responsorial, que acabámos de entoar. Temos necessidade de que o Redentor ressuscitado nos indique o caminho, nos acompanhe pela senda e nos oriente para a plena comunhão com o Pai celestial.

Mostrai-nos o caminho da vida! Somente Vós, Senhor, podeis indicar-nos o verdadeiro caminho da vida, o único que nos conduz para a meta, como aconteceu com os Beatos que hoje resplandecem na glória do Céu.



NA ORDENAÇÃO DE VINTE PRESBÍTEROS NA BASÍLICA DE SÃO PEDRO


Domingo, 21 de Abril de 2002


1. "Vive o mistério que é posto nas tuas mãos" (Rito da Ordenação dos Presbíteros).

Caríssimos Diáconos, entregando-vos a patena e o cálice para o sacrifício eucarístico, dirigirei daqui a pouco estas palavras a cada um de vós. Para vós, que estais para receber a Ordenação sacerdotal, olha com afecto a assembleia, que se comprime à vossa volta, na Basílica de São Pedro. Convosco e por vós reza toda a diocese de Roma, juntamente com as Comunidades a que pertenceis.

Também eu vos saúdo cordialmente, ao mesmo tempo que dou graças a Deus pelo dom do vosso sacerdócio. Ao mesmo tempo, exprimo um vivo reconhecimento a todos os que cuidaram da vossa formação, assim como aos vossos familiares e a todos os que vos ajudaram a responder generosamente ao chamamento do Senhor. Estou certo de que continuareis a sentir-vos muito perto dele, para perseverardes no ministério sacerdotal e poderdes levar a bom termo a missão que o Senhor hoje vos confia.

2. "Vive o mistério que é posto nas tuas mãos". O que é este mistério se não a Santíssima Eucaristia? Nela "está contido todo o bem da Igreja" (Presbyterorum ordinis PO 5). Este mistério é Cristo, Pão da vida, que se deu a si mesmo "pela vida do mundo" (Jn 6,51). Este mistério é Cristo, pastor e porta das ovelhas, "vindo para que [os homens] tenham vida e a tenham em abundância" (Jn 10,10).

1644 "Bone Pastor, Panis vere"!, "Bom Pastor, Pão verdadeiro"! Assim canta o povo cristão diante do sacramento do altar, reconhecendo e adorando a presença real de Jesus, seu guia e alimento no caminho para o Reino dos céus.

Caríssimos! Já sois ministros ordenados deste mistério, que é Cristo, Pão da vida e Bom Pastor, enquanto Diáconos da santa Igreja de Deus. Mas a partir de hoje, pela graça do Sacramento que ides receber, sê-lo-eis de modo novo e singular. O carácter especial, que daqui a pouco o Espírito Santo imprimirá em vós, configurar-vos-á com Cristo Sacerdote, e assim, nos actos principais do vosso ministério, agireis em nome e na pessoa de Cristo Cabeça: "in persona Christi Capitis" (Presbyterorum Ordinis,
PO 2). É grande o dom que recebeis e grande é o mistério posto nas vossas mãos!

3. Jesus, não só vos torna participantes dos mistérios do Reino dos Céus, mas espera de vós uma fidelidade cada vez maior e conforme ao ministério apostólico que vos é confiado. Ele chama-vos para permanecerdes com ele (cf. Mc Mc 3,14) numa intimidade privilegiada. Exige de vós uma pobreza mais rigorosa (cf. Mt Mt 19,22-23) e a humildade do servo que se faz o último de todos (cf. Mt Mt 20,25-27). Pede-vos que sejais perfeitos "como é perfeito o vosso Pai celeste" (Mt 5,48). Numa palavra, o Senhor quer que sejais santos. A santidade é a perspectiva em que se deve pôr todo o caminho pastoral da Igreja (cf. Novo millennio ineunte, 30).

O tema do Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que se celebra hoje em todo o mundo é exactamente "a vocação à santidade". "Toda a vocação na Igreja está ao serviço da santidade, escrevi na Mensagem para a celebração de hoje todavia algumas, como a vocação para o ministério ordenado e a vida consagrada fazem-no de modo todo singular".

4. "Vive o mistério que é posto nas tuas mãos". Caríssimos, outro aspecto essencial do mistério, do qual estais para vos tornardes ministros, é o sacramento da Reconciliação, intimamente ligado ao da Eucaristia. Debrucei-me sobre este Sacramento na Carta que dirigi aos Sacerdotes na última Quinta-Feira Santa, e que hoje transmito espiritualmente a cada um de vós.

Caros candidatos ao Sacerdócio, sede ministros santos da misericórdia divina. Vivei, acima de tudo, para vós mesmos a graça formidável da reconciliação, como uma exigência profunda e um dom sempre concedido. Desta maneira, dareis sempre vigor e motivação ao vosso caminho de santidade e ao vosso ministério. Deus conta com a disponibilidade fiel de cada um de vós para realizar prodígios extraordinários de amor no coração dos crentes. Na fonte da reconciliação, de que deveis ser generosos e fiéis dispensadores, os baptizados poderão fazer uma viva e consoladora experiência de Cristo Bom Pastor, cheio de alegria por cada ovelha perdida e reencontrada.

Preparai-vos cuidadosamente para este ministério! Isso exige uma adequada e constante formação espiritual, teológica, litúrgica e pastoral. Para isso, também vos servirão de auxílio a sabedoria e o exemplo dos Santos.

5. "Filho, eis aí a tua Mãe" (Jn 19,27). Neste momento decisivo para a vossa vida, quero confiar cada um de vós a Maria Santíssima, Mãe do Bom Pastor, Mãe dos sacerdotes. Antes de morrer, Cristo confiou-a como herança muito preciosa a todos os seus discípulos, na pessoa do apóstolo João. E o Apóstolo levou-a para sua casa.

Caríssimos candidatos ao Sacerdócio, acolhei-a também vós como garantia segura e consoladora do amor de Cristo. Olhai constantemente para Ela, como imagem e modelo da Igreja, que servireis com todas as vossas forças.

O vosso Sacerdócio, oferecido quotidianamente a Maria, tornar-se-á um autêntico caminho de santidade. E toda a vossa existência será alegremente consagrada à glória de Deus e à salvação das almas. Assim seja para cada um de vós, com a ajuda de Deus!






Homilias JOÃO PAULO II 1635