Homilias JOÃO PAULO II 1770


NA CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS NA SOLENIDADE


DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS


E DO "TE DEUM" EM ACÇÃO DE GRAÇAS


Quarta-feira, 31 de Dezembro de 2003




1. Te Deum laudamus! É assim que a Igreja canta o seu reconhecimento a Deus, enquanto ainda rejubila pelo Natal do Senhor. Nesta sugestiva celebração da tarde, chama-nos a atenção o encontro ideal do ano solar com o ano litúrgico, dois ciclos temporais que subentendem duas dimensões do tempo.

Na primeira dimensão, os dias, os meses e os anos sucedem-se em conformidade com um ritmo cósmico, em que a mente humana reconhece o sinal da Sabedoria divina criadora. Eis por que motivo a Igreja exclama Te Deum laudamus!

2. A outra dimensão do tempo, que a celebração desta tarde nos recorda, é a da história da salvação. No seu fulcro e ápice encontra-se o mistério de Cristo. Foi o que acabou de no-lo lembrar o Apóstolo Paulo "Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho" (Ga 4,4). Cristo está no cerne da história e do cosmos; é o novo Sol que despontou no mundo, nascendo "do alto" (cf. Lc Lc 1,78), um Sol que tudo orienta para o fim último da história.

Nestes dias, entre Natal e o primeiro dia do ano, estas duas dimensões do tempo entrelaçam-se com uma eloquência singular. É como se a eternidade de Deus viesse visitar o tempo do homem. Assim, o Eterno faz-se um "instante" presente, para que a repetição cíclica dos dias e dos anos não termine no vazio da insensatez.

3. Te Deum laudamus! Sim, louvamos-te, ó Pai, Senhor do céu e da terra. Agradecemos-te porque enviaste o teu Filho, que se fez um pequeno Menino, para dar plenitude ao tempo. Isto foi do teu agrado (cf. Mt Mt 11,25-26). Nele, teu Filho unigénito, Tu abriste para a humanidade o caminho da salvação eterna.

Elevamos a ti a nossa solene acção de graças pelos inúmeros benefícios que concedeste ao longo deste ano. Louvamos-te e damos-te graças, juntamente com Maria, "que ofereceu ao mundo o Autor da Vida" (Antíf. lit.).

4. Estimados fiéis da Diocese de Roma, é justo que a minha palavra se dirija agora directamente a vós! Estais aqui para elevar em companhia do Papa o vosso louvor e a vossa acção de graças a Deus, Doador de todo o bem.

Dirijo a minha saudação cordial a cada um de vós. Dirijo-a de maneira especial ao Cardeal Vigário, ao Monsenhor Vice-Gerente, aos Bispos Auxiliares e a quantos trabalham activamente ao serviço da Comunidade diocesana. Saúdo as Autoridades italianas e o Presidente da Câmara Municipal de Roma, a quem agradeço a agradável presença.

1771 Hoje encontra-se aqui connosco o Ícone de Nossa Senhora do Divino Amor, precioso dom da Comunidade de Roma ao Papa. Estou-vos profundamente grato por isto. Na coroa da Virgem estão encastoadas vinte pedras preciosas, em correspondência dos vinte Mistérios do Santo Rosário, depois que aos quinze Mistérios tradicionais pedi que fossem acrescentados os cinco Mistérios da Luz. Desejo que este Ícone seja venerado no novo Santuário de Nossa Senhora do Divino Amor. À Virgem confio, de maneira particular, o compromisso pastoral que, ao longo destes anos, a Diocese está a assumir em benefício da família, dos jovens e das vocações de especial consagração.

A todos repito aquilo que pude escrever em 1981, na Exortação Apostólica Familiaris consortio "O futuro da humanidade passa pela família!" (n.
FC 86). Confio à Mãe de Deus e São José, seu Esposo, a minha oração a Jesus, para que inspire a Diocese de Roma a promover estratégias pastorais adequadas para os nossos tempos, orientadas para todas as famílias da Cidade e para os noivos, que se preparam para o matrimónio. Possa a família corresponder cada vez mais plenamente ao projecto que Deus tem para ela desde sempre!

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs, mais um ano está a terminar rapidamente. Já vislumbramos o ano de 2004, que se entrevê no horizonte. Sobre o ano que está a findar e sobre o que daqui a poucas horas se iniciará, invoquemos a salvaguarda maternal de Maria Santíssima, pedindo-lhe que continue a orientar o nosso caminho.

Virgem Maria, Rainha da Paz, obtém dias de paz para a Cidade de Roma, a Itália, a Europa e o mundo inteiro. Sancta Dei Genitrix, ora pro nobis! Mãe do Redentor, Nossa Senhora do Divino Amor, ora por nós.

Amém!





                                                                    2004





DURANTE A SANTA MISSA NA SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS


Quinta-feira, 1 de Janeiro de 2004




1. "Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho" (Ga 4,4).

Hoje, Oitava de Natal, a Liturgia apresenta-nos o Ícone da Mãe de Deus, Virgem Maria. O Apóstolo Paulo indica nela a "mulher", por intermédio da qual o Filho de Deus entrou no mundo. Maria de Nazaré é a Theotokos, Aquela que "deu à luz o Rei que governa o céu e a terra por todos os séculos" (Antífona de entrada; cf. Sedúlio).

No início deste novo ano coloquemo-nos docilmente na sua escola. Desejamos aprender dela, a Mãe Santa, a receber na fé e na oração a salvação que Deus não cessa de conceder a quantos confiam no seu amor misericordioso.

2. Neste clima de escuta e de oração, demos graças a Deus por este novo ano que ele seja para todos um ano de prosperidade e de paz!

1772 Com estes bons votos, sinto-me feliz por dirigir o meu deferente pensamento aos ilustres Senhores Embaixadores do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, presentes na celebração hodierna. Saúdo cordialmente o Cardeal Angelo Sodano, Secretário de Estado, e os meus colaboradores da Secretaria de Estado. Juntamente com eles, saúdo o Cardeal Renato Raffaele Martino, assim como todos os componentes do Pontifício Conselho "Justiça e Paz". Estou-lhes reconhecido pelo pródigo compromisso em difundir em toda a parte o convite à paz, que a Igreja proclama constantemente.

3. "Um compromisso sempre actual educar para a paz" este é o tema da Mensagem para o hodierno Dia Mundial da Paz. Ele vincula-se idealmente a quanto eu pude propor no início do meu Pontificado, reiterando a urgência e a necessidade de formar as consciências para a cultura da paz. Dado que a paz é possível desejei repetir ela é também um dever (cf. Mensagem, n. 4).

Diante das situações de injustiça e de violência que oprimem várias regiões do planeta, perante a insistência de conflitos armados, muitas vezes esquecidas pela opinião pública, torna-se cada vez mais necessário construir em conjunto caminhos para a paz; por isso, torna-se indispensável educar para a paz.

Para o cristão "proclamar a paz é anunciar Cristo, que é a "nossa paz" (
Ep 2,14); é anunciar o seu Evangelho, que é o "Evangelho da paz" (Ep 6,15); é exortar todos à bem-aventurança de ser "obreiros da paz" (cf. Mt Mt 5,9)" (Mensagem, n. 3). Do "Evangelho da paz" foi testemunha também D. Michael Aidan Courtney, meu Representante como Núncio Apostólico no Burundi, tragicamente morto há poucos dias, enquanto desempenhava a sua missão em favor do diálogo e da reconciliação. Rezemos por ele, desejando que o seu exemplo e o seu sacrifício dêem frutos de paz no Burundi e no mundo.

4. Em cada ano, neste tempo de Natal, voltamos idealmente a Belém para adorar o Menino deitado no presépio. Infelizmente, a Terra em que Jesus nasceu continua a viver em condições dramáticas. Mesmo noutras partes do mundo, não se aplacam os focos de violência e os conflitos. Porém, é necessário um esforço da parte de todos, a fim de que sejam respeitados os direitos fundamentais das pessoas, através de uma educação constante para a legalidade. Em vista desta finalidade, é preciso comprometer-se para ultrapassar "a lógica da simples justiça" e "abrir-se também à do perdão". Com efeito, "não há paz sem perdão!" (cf. Mensagem, n. 10).

Sente-se cada vez mais a necessidade de uma nova ordem internacional, que faça frutificar a experiência e os resultados alcançados ao longo destes anos pela Organização das Nações Unidas; uma ordem que seja capaz de dar aos problemas contemporâneos soluções adequadas, fundamentadas sobre a dignidade da pessoa humana, sobre um desenvolvimento integral da sociedade, sobre a solidariedade entre países ricos e países pobres, sobre a partilha dos recursos e dos resultados extraordinários do progresso científico e técnico.

5. "O amor é a forma mais alta e mais nobre de relação dos seres humanos" (Ibidem). Foi esta consciência que me orientou, ao redigir a Mensagem para este Dia Mundial da Paz. Deus nos ajude a construir todos juntos a "civilização do amor". Somente uma humanidade em que prevalecer o amor será capaz de fruir de uma paz genuína e duradoura.

Maria nos conceda este dom! Que Ela nos sustente e nos acompanhe no caminho árduo e exaltante da edificação da paz. Por isso rezamos com confiança, sem nos cansarmos Maria, Rainha da paz, ora por nós!




NA FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR NO TEMPLO

E DIA MUNDIAL DA VIDA CONSAGRADA


Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2004






"Teve que ser semelhante em tudo aos seus irmãos, para se tornar Sumo Sacerdote misericordioso e fiel" (He 2,17).

Estas palavras, tiradas da Carta aos Hebreus, exprimem oportunamente a mensagem da hodierna Festa da Apresentação do Senhor no Templo. Elas apresentam, por assim dizer, a sua chave de leitura, inserindo-a na perspectiva do mistério pascal.

1773 O acontecimento que hoje estamos a celebrar recorda-nos aquilo que Maria e José fizeram quando, quarenta dias depois do nascimento de Jesus, O ofereceram a Deus como seu filho primogénito, submetendo-se às prescrições da lei mosaica. Em seguida, esta oferenda encontraria pleno e perfeito cumprimento no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Então, Ele teria realizado a sua missão de "Sumo Sacerdote misericordioso e fiel", compartilhando até às últimas consequências a nossa sorte humana.

Na apresentação no Templo, como no Calvário, quem está ao seu lado é Maria, a Virgem fiel, co-participante do desígnio eterno da salvação.

2. A liturgia do dia de hoje inicia-se com a bênção dos círios e a procissão até ao altar, para encontrar Cristo e para O reconhecer "na fracção do pão", enquando se espera a sua volta gloriosa.

Nesta moldura de luz, de fé e de esperança, a Igreja celebra o Dia da Vida Consagrada. Quantos ofereceram para sempre a sua existência a Cristo, em ordem ao advento do Reino de Deus, são convidados a renovar o seu "sim" à vocação especial que receberam. Mas é toda a Comunidade eclesial que volta a descobrir a riqueza do testemunho profético da vida consagrada, na variedade dos seus carismas e compromissos apostólicos.

3. Com sentimentos de louvor e de reconhecimento ao Senhor por esta grandiosa dádiva, desejo saudar em primeiro lugar o Cardeal Eduardo Martínez Somalo, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que preside à Celebração deste dia. Juntamente com ele, dirijo o meu pensamento cordial a quantos participam nesta sugestiva assembleia litúrgica.

Dirijo a minha afectuosa saudação especialmente a vós, queridos Religiosos, Religiosas e Membros dos Institutos Seculares, assim como a todos aqueles que dão testemunho fiel dos valores da vida consagrada em todas as regiões do mundo.

Cristo exorta-vos a conformar-vos cada vez mais com Ele que, por amor, se fez obediente, pobre e casto. Continuai a dedicar-vos com paixão ao anúncio e à promoção do seu Reino. Esta é a vossa missão, actualmente tão necessária quanto no passado!

4. Caríssimos Religiosos e Religiosas! Que ocasião propícia vos oferece este Dia, que vos é dedicado, para confirmar a vossa fidelidade a Deus com o mesmo entusiasmo e a mesma generosidade do dia em que pronunciastes os vossos votos pela primeira vez! Repeti hoje o vosso "sim" ao Deus do Amor, com alegria e convicção. Na intimidade do mosteiro de clausura ou ao lado dos pobres e marginalizados, no meio dos jovens ou no interior das estruturas eclesiais, nas várias actividades apostólicas ou em terras de missão, Deus quer que todos vós sejais fiéis ao seu amor e vos dediqueis em vista do bem dos irmãos.

Esta é a contribuição preciosa que podeis oferecer à Igreja, para que o Evangelho da esperança alcance os homens e as mulheres do nosso tempo.

5. Contemplemos a Virgem enquanto oferece o seu Filho no Templo de Jerusalém. Aquela que tinha acolhido incondicionadamente a vontade de Deus no momento da Anunciação, hoje repete, de certa forma, o seu "Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra" (
Lc 1,38). Esta atitude de adesão dócil aos desígnios divinos caracterizará o arco de toda a existência.
Por conseguinte, Nossa Senhora é o primeiro e mais alto modelo de toda a pessoa consagrada. Dilectos Irmãos e Irmãs, deixai-vos orientar por Ela. Recorrei à sua ajuda com confiança humilde, de modo especial nos momentos de provação.

1774 E Tu, Maria, vela sobre estes teus filhos, orienta-os para Cristo, "glória de Israel, luz dos povos". Virgo Virginum, Mater Salvatoris, ora pro nobis!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NAS SOLENES EXÉQUIAS

DO SENHOR CARDEAL OPÍLIO ROSSI


13 de Fevereiro de 2004






1. "Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia" (Jn 6,54).

Enquanto nos preparamos para prestar a extrema saudação ao querido Cardeal Opílio Rossi, ouvimos ressoar no nosso espírito a solene promessa de Cristo. Uniam-nos com este nosso Irmão sentimentos de afecto e de comunhão eclesial. Com ele nos irmanava sobretudo a fé em Cristo morto e ressuscitado, fé que expressamos agora na celebração destes santos Mistérios.

Na Eucaristia, testamento de amor de Cristo, o nosso Redentor faz-se alimento e bebida espiritual para a viagem que estamos a realizar rumo à Páscoa eterna. No pão e no vinho consagrados é-nos oferecido o penhor da vida futura, que nunca terá fim. E, por conseguinte, quem comer e beber o Corpo e o Sangue de Cristo, mesmo se morrer, viverá eternamente. O querido Purpurado, do qual hoje nos despedimos, já alcançou esta meta.

2. A fé animou o longo e fecundo ministério sacerdotal do Cardeal Opílio Rossi. Quantas vezes ele celebrou o Sacrifício divino, tirando precisamente da Eucaristia a luz e a força interior para as suas opções quotidianas e para o seu apostolado! Esperamos que ele, hoje, participe no banquete do céu e veja "face a face" Cristo Senhor.

"Omnia in Christo": o Cardeal Rossi escolheu como mote episcopal estas palavras tiradas da conhecida expressão paulina: "Instaurare omnia in Christo" (Ep 1,10). Com isto, pretendia realçar que o cristão deve recolher, reunir e colocar tudo sob o domínio de Cristo.

3. Podemos dizer que, mesmo se nos limites da fragilidade humana, esta tensão total para Cristo animou o incansável serviço que ele prestou à Santa Sé nas Representações pontifícias de diversos Países na América e na Europa, e sucessivamente no âmbito da Cúria Romana.

Durante os momentos dramáticos da segunda guerra mundial, Pe. Opílio Rossi, na época Auditor na Representação Pontifícia em Berlim, prodigalizou-se, com o saudodo Núncio Apostólico, D. Orsenigo, em favor de muitos irmãos sofredores, dando-lhes coragem e alimentando neles a fé e a esperança cristã. Foi uma experiência enriquecedora de humanidade e de solidariedade em relação aos mais débeis. Procurou depois, ao longo da sua existência, transmitir esta experiência às novas gerações. De facto, estava persuadido de que os jovens deviam aprender da história do século XX uma importante lição: ou seja, que do ódio, do desprezo do próximo, da violência, do nacionalismo exacerbado, surgem apenas lágrimas e sangue.

4. Pela sabedoria demonstrada no seu serviço eclesial, juntamente com as distintas qualidades humanas e espirituais que enriqueciam a sua personalidade, foi chamado pelo meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, a fazer parte do Colégio cardinalício, e, assim, foi inserido em maior medida na vida da Igreja de Roma.

Com um novo e mais elevado título, continuou a prestar a sua apreciada colaboração na Sé Apostólica, sobretudo como primeiro Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, que dependia daquela que na época se chamava Comissão para a Família. Eu próprio, depois, o chamei para presidir à Comissão Permanente para os Congressos Eucarísticos Internacionais.
1775 Onde quer que desempenhou a sua actividade pastoral e diplomática, o Cardeal Opílio Rossi deixou a recordação de um digno ministro de Deus, que sabia "estar próximo" de todos.

"As almas dos justos estão nas mãos de Deus" (
Sg 3,1). Com esta certeza lhe prestamos agora a última saudação, enquanto gostamos de pensar que quem o acolhe são as "mãos" misericordiosas do Pai celeste. A nossa esperança, como ouvimos há pouco na primeira Leitura, "está cheia de imortalidade" (Sg 3,4).

Acompanhe-te, venerado Irmão, na passagem para o Céu, a Virgem Maria, da qual fostes filialmente devoto, a ponto de a representares no brasão episcopal com o símbolo da estrela. Seja ela, a Estrela da manhã, quem te introduz na glória da ressurreição.

Amém!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS

25 de Fevereiro de 2004




1. "Teu Pai... que vê o oculto, há-de recompensar-te" (Mt 6,4 Mt 6,6 Mt 6,18). Esta palavra de Jesus dirige-se a cada um de nós no início do caminho quaresmal. Empreendemo-lo com a imposição das cinzas, gesto penitencial austero, tão querido à tradição cristã. Ele realça a consciência do homem pecador perante a majestade e a santidade de Deus. Ao mesmo tempo, manifesta a sua disponibilidade para acolher e transpor para escolhas concretas a adesão ao Evangelho.

São muito eloquentes as fórmulas que o acompanham. A primeira, tirada do Livro do Génesis: "Tu és pó e ao pó voltarás" (cf. 3, 19), recorda a actual condição humana sob a marca da caducidade e dos limites. A segunda retoma as palavras evangélicas: "arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15), que constituem um premente apelo a mudar de vida. As duas fórmulas convidam-nos a entrar na Quaresma com uma atitude de escuta e de conversão sincera.

2. O Evangelho realça que o Senhor "vê o oculto", ou seja, perscruta o coração. Os gestos de penitência têm valor se forem a manifestação de uma atitude interior, se manifestam a vontade firme de se afastar do mal e de percorrer o caminho do bem. Eis o sentido profundo da ascese cristã. "Ascese": a própria palavra evoca a imagem do subir para metas elevadas. Isto exige necessariamente sacrifícios e renúncias. De facto, convém levar só o equipamento essencial para que a viagem não se torne pesada; estar dispostos a enfrentar todas as dificuldades e superar qualquer obstáculo para alcançar o objectivo estabelecido. Para sermos autênticos discípulos de Cristo, é preciso renunciar a si mesmos, tomar a própria cruz todos os dias e segui-lo (cf. Lc Lc 9,23). É o caminho difícil da santidade que cada cristão está chamado a percorrer.

3. Desde sempre a Igreja indica alguns meios úteis para seguir este caminho. Em primeiro lugar, é necessário a humilde e dócil adesão à vontade de Deus acompanhada pela oração incessante; são as formas penitenciais típicas da tradição cristã, como a abstinência, o jejum, a mortificação e a renúncia mesmo aos bens que são legítimos; são os gestos concretos de acolhimento em relação ao próximo, que a página do Evangelho de hoje recorda com a palavra "esmola". Tudo isto é reproposto com maior intensidade durante o período quaresmal, que representa, a este propósito, um "tempo forte" de treinamento espiritual e de generoso serviço aos irmãos.

4. A este propósito, na Mensagem para a Quaresma quis chamar a atenção, sobretudo, para as difíceis condições em que se encontram tantas crianças no mundo, recordando as palavras de Cristo: "Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe" (Mt 18,5). Com efeito, quem tem maior necessidade de ser defendido e protegido do que a criança inerme e frágil?

São numerosas e complexas as problemáticas relacionadas com o mundo da infância. Faço ardentes votos por que a estes nossos irmãos mais pequeninos, muitas vezes desamparados, sejam destinados os cuidados que lhes são devidos, graças também à nossa solidariedade. Esta é uma forma concreta de traduzir o nosso esforço quaresmal.

1776 Caríssimos Irmãos e Irmãs, é com estes sentimentos que damos início à Quaresma, caminho de oração, de penitência e de ascese cristã autêntica. Acompanhe-nos Maria, Mãe de Cristo. O seu exemplo e a sua intercessão nos levem a caminhar com alegria rumo à Páscoa.





PARA QUATRO COMUNIDADES PAROQUIAIS


DO SECTOR SUL DE ROMA


Sábado, 28 de Fevereiro de 2004





1. «Jesus... foi conduzido pelo Espírito através do deserto. Ali, foi tentado pelo demónio durante quarenta dias» (Lc 4,1-2). A narração dos quarenta dias transcorridos por Jesus através do deserto, no início da vida pública, ajuda-nos a compreender melhor o valor do «tempo forte» da Quaresma, que há pouco teve início.

Enquanto empreendemos o itinerário quaresmal, olhamos para Cristo que jejua e luta contra a demónio. Com efeito, também nós, ao preparar-nos para a Páscoa, somos «conduzidos» pelo Espírito através do deserto da oração e da penitência, para nos alimentarmos intensamente com a Palavra de Deus. Também nós, como Cristo, somos chamados a uma luta forte e convicta contra o demónio. Somente assim, com uma renovada adesão à vontade de Deus, podemos permanecer fiéis à nossa vocação cristã: ser arautos e testemunhas do Evangelho.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs das Paróquias de Santo Anselmo «alla Cecchignola», de São Carlos Borromeu na Fonte Laurentina, de São João Baptista de La Salle e de Santa Maria Estrela da Evangelização «al Torrino».

É-me grato celebrar a Eucaristia juntamente convosco, continuando, de maneira diversa, a bonita tradição da visita às paróquias romanas. Estes encontros permitem-me manifestar o afecto que me une intensamente a vós, prezados fiéis da Diocese de Roma. Nunca o esqueçais: vós estais no meu coração! Vós sois a porção do povo cristão confiado, de modo especial, aos cuidados pastorais do Bispo de Roma.

3. Saúdo em primeiro lugar o Cardeal Vigário e o Bispo Auxiliar do Sector Sul. Saúdo os Párocos: Pe. Mário Sanfilippo, Pe. Fernando Altieri, Pe. Ilija Perleta e Pe. Francesco De Franco, enquanto lhes manifesto a minha gratidão por me terem explicado, nos encontros realizados precedentemente, as várias realidades paroquiais. Saúdo os Sacerdotes e os Diáconos que os ajudam, assim como as Franciscanas Missionárias do Coração Imaculado de Maria, colaboradoras preciosas na Paróquia de São João Baptista de La Salle.

Dirijo um pensamento cordial aos componentes dos Conselhos paroquiais pastorais e dos assuntos económicos, aos catequistas, aos grupos da Cáritas, aos ministrandos e a todos os membros dos diversos grupos que trabalham activamente no seio das vossas comunidades. Gostaria de dirigir um pensamento especial aos cantores que, nesta ocasião, formaram um bonito coro interparoquial e, com entusiasmo, estão a animar a nossa assembleia litúrgica.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Os bairros onde estão situadas as vossas Paróquias encontram-se em expansão contínua e são povoados, em boa parte, por famílias jovens. Reservai-lhes um acolhimento aberto e cordial; favorecei o seu conhecimento recíproco, a fim de que as comunidades se tornem cada vez mais «famílias de famílias», capazes de compartilhar em conjunto as alegrias e as dificuldades.

Fazei com que os pais dos jovens e das jovens participem na preparação dos seus filhos para os sacramentos e a vida cristã. Tendo em conta os horários e as exigências familiares, proponde encontros de espiritualidade e de formação, tanto nos prédios como nas casas individualmente. Esforçai-vos para que precisamente as famílias sejam o primeiro lugar da educação cristã dos filhos.

Acompanhai com atenção as famílias em dificuldade ou em condições precárias, ajudando-as a compreender e a realizar o desígnio autêntico de Deus para o matrimónio e a família.

1777 5. Caríssimos! Bem sei que actualmente só dispondes de estruturas provisórias para a vida litúrgica e o serviço pastoral. Faço votos a fim de que, quanto antes, também vós possais usufruir de lugares adequados. Entretanto, porém, preocupai-vos em transformar as vossas paróquias em autênticos edifícios espirituais, fundamentados sobre a pedra angular, que é Cristo, e sempre Cristo!

A este propósito, o Apóstolo Paulo recorda-nos: «Pois se confessas com a boca que Jesus é o Senhor, e acreditas com o coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo» (
Rm 10,9). Este é o núcleo da fé, que sois chamados a proclamar com a vossa existência: Jesus morto e ressuscitado por nós! Esta é a verdade fundamental a que fazeis referência para o vosso crescimento espiritual, que deve ser constante, e para a vossa missão apostólica.

Maria, Mãe do Redentor, testemunha privilegiada da paixão do Filho e partícipe dos seus sofrimentos, vos ajude a conhecê-lo e a servi-lo com entusiasmo generoso. Que Ela vos acompanhe no itinerário da Quaresma, para que possais saborear juntamente com Ela o júbilo da Páscoa.

Amém!





NA SANTA MISSA PARA TRÊS PARÓQUIAS


DO SECTOR OESTE DA DIOCESE DE ROMA


6 de Março de 2004




1. «Este é o meu Filho predilecto, escutai-o!» (Lc 9,35). A página evangélica de hoje torna-nos protagonistas da cena comovedora da Transfiguração de Jesus no monte Tabor. Na presença de Pedro, Tiago e João, Cristo revela a sua glória de Filho de Deus. O evangelista Lucas realça este acontecimento extraordinário fazendo-nos contemplar o rosto do Senhor que, «enquanto rezava», mudou de aspecto (cf. Lc Lc 9,29). N'Ele, resplandecente de glória, reconhecemos o escolhido, o Messias, «a luz do mundo» (Jn 8,12), que dá sentido à nossa vida. A misteriosa voz do alto convida-nos também a nós a segui-lo docilmente: «Este é o meu Filho predilecto, escutai-o!».

2. Escutar e seguir Cristo! Há vinte e cinco anos, precisamente no início da Quaresma, senti a necessidade de exortar todo o povo cristão a fazer esta experiência fundamental. «Jesus Cristo é o caminho principal da Igreja» (n. 13), escrevendo na minha primeira Encíclica Redemptor hominis, que esta tarde gostaria de entregar de novo simbolicamente a vós, caríssimos Irmãos e Irmãs das Paróquias de Santa Brígida da Suécia, de Santo Hilário e de São Máximo, Bispo.

Acolho-vos e abraço-vos com todo o afecto. Saúdo, em primeiro lugar, o Cardeal Vigário e agradeço-lhe por me ter ilustrado as vossas realidades paroquiais. Saúdo o Bispo Auxiliar do Sector Oeste e os vossos Párocos: Pe. Jean-Jacques Boeglin, Pe. Romano Matrone e Pe. Romano Maria Deb, juntamente com os Sacerdotes seus colaboradores. Dirijo uma saudação cheia de reconhecimento às religiosas e aos leigos que, de várias formas, cooperam na acção pastoral das vossas comunidades.

3. Na área de Palmarola, relativamente menos extensa de outros sectores da Diocese, contam-se três paróquias. Faço ardentes votos por que, graças também a este nosso encontro, se fortaleça em todos os paroquianos o desejo da comunhão, para que seja mais eficaz o anúncio do Evangelho aos habitantes do bairro. Infelizmente, também na área onde viveis está difundido o fenómeno das «seitas» modernas. Elas tentam conquistar sobretudo quantos se encontram em situações de dificuldade e de solidão. Neste contexto, é necessário, lançar mãos à obra numa nova evangelização forte e corajosa. É preciso que Jesus, centro da criação e da história, encontre cada ser humano, porque no mistério da Redenção «o problema do homem está inscrito com uma especial força de verdade e de amor» (Redemptor hominis RH 18).

Anunciar Cristo significa dar a conhecer a todos, mas sobretudo a quantos sofrem de pobrezas espirituais e materiais, a ternura e a misericórdia divinas.

4. Cada uma das vossas comunidades, sob a orientação generosa e iluminada dos respectivos pastores, se torne lugar de acolhimento e de solidariedade. As paróquias sejam escolas de educação para a fé autêntica, conscientes de ser os preservadores de um grande tesouro, que não é lícito desperdiçar, mas que deve ser incrementado continuamente (cf. ibid., 18).

1778 A Eucaristia, que edifica a Igreja como autêntica comunidade do Povo de Deus e a regenera sempre com base no sacrifício do próprio Cristo (cf. ibid., 20), esteja no centro de todos os projectos pastorais. Convido-vos sobretudo a vós, queridas famílias, a fazer referência à Eucaristia, vós que estais chamadas a acompanhar os vossos filhos nos itinenários de preparação para os sacramentos da iniciação cristã e a segui-los tanto na adolescência como em seguida, para que, crescendo, cumpram fielmente a missão que Deus lhes reservou.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Sei que as vossas paróquias ainda não possuem, para as suas actividades pastorais e sociais, estruturas adequadas. Contudo, isto não vos impeça de fazer ressoar com vigor em todos os recantos de Palmarola o anúncio que «Jesus Cristo vai ao encontro do homem de todas as épocas, também do da nossa época, com as mesmas palavras...: “conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres”» (Redemptor hominis
RH 12).

A Virgem Maria, modelo sublime de fé e de amor a Deus, vos ajude a reconhecer em Jesus o Filho de Deus e o Senhor da nossa vida. Confio-vos a ela, vós aqui presentes e os vossos programas apostólicos, assim como o itinerário quaresmal que há pouco empreendemos. Que ela nos ajude a sermos familiares «com a profundidade da Redenção que se verifica em Cristo Jesus» (Ibid., 10).

Amém!





NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM AS PARÓQUIAS


ROMANAS DE SÃO MAXIMILIANO KOLBE,


SÃO PATRÍCIO, SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE


E SANTA MARIA MEDIANEIRA


Sábado, 20 de Março de 2004


1. "Alegrai-vos..." (Antífona de entrada; cf. Is Is 66,10-11). O convite à alegria, ressoado no início da Celebração eucarística bem exprime o clima que caracteriza a hodierna liturgia. Chegamos ao quarto domingo da Quaresma, tradicionalmente chamado domingo "Laetare" e já saboreamos, de um certo modo, a alegria espiritual da Páscoa.

A exortação à alegria torna-se ainda mais íntima e envolvente ouvindo o relato evangélico que torna a propor a comovente parábola do "filho pródigo" (cf. Lc Lc 15,1-3 Lc Lc 15,11-32). No pai que abraça novamente o próprio filho "perdido", contemplamos o rosto de Deus bom e misericordioso, sempre pronto a oferecer a todos os homens o seu perdão, fonte de serenidade e de paz.

2. Abramos o coração a esta consoladora palavra de salvação, caríssimos Irmãos e Irmãs das paróquias de São Maximiliano Kolbe na Via Prenestina, São Patrício, Santa Margarida Maria Alacoque e Santa Maria Medianeira! Acolho-vos a todos com afecto. Saúdo o Cardeal Vigário e agradeço-lhe as cordiais palavras que desejou dirigir-me fazendo-se intérprete dos sentimentos de todos os presentes. Saúdo o Monsenhor Vice-Regente, os vossos zelosos Párocos: Pe. Duílio Colantoni, Pe. Arnaldo D'Innocenzo, Pe. Salvatore Uras e Pe. Tomaz Porzycki, da Sociedade de Cristo para os emigrados polacos. Estendo as minhas saudações aos sacerdotes e aos diáconos, seus colaboradores, aos religiosos e às religiosas presentes em algumas das vossas paróquias: em particular, aos Padre Monfortinos, às Irmãs de São Paulo de Chartres e às Irmãs Reparadoras do Sagrado Coração. Abraço, com afecto, todos vós aqui presentes, com um especial pensamento aos membros dos Conselhos paroquiais, aos catequistas, aos membros dos diversos grupos paroquiais e aos jovens que frequentam o catecismo.

As vossas paróquias, situadas na zona leste da periferia de Roma são chamadas a um constante esforço de evangelização. Congratulo-me com todos os que, não obstante a precariedade das estruturas, frequentam assiduamente os itinerários da formação cristã e da catequese, dedicam-se ao serviço litúrgico e da caridade para com os irmãos necessitados, assim como à preparação dos jovens para o matrimónio e para a vida familiar.

3. A presença da comunidade paroquial de Santa Margarida Maria Alacoque, em cujo território se encontra Tor Vergata, leva-nos mentalmente ao inesquecível encontro dos jovens por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, no ano 2000. No centro daquele memorável evento, sobressaía a Cruz do Ano Santo da Redenção.

Queridos jovens, fazei da Cruz a vossa referência essencial. Hauri de Cristo crucificado e ressuscitado a coragem para evangelizar o vosso mundo tão marcado pelas divisões, ódios, guerras, terrorismo, mas rico de tantos recursos humanos e espirituais. Aguardo-vos em grande número, juntamente com os vossos coetâneos de Roma e do Lácio, no encontro na Praça de São Pedro na quinta-feira, 1 de Abril. Preparar-nos-emos assim para a Jornada Mundial da Juventude que este ano será celebrado, nas diversas Dioceses, no Domingo de Ramos.


Homilias JOÃO PAULO II 1770