Homilias JOÃO PAULO II 1788


HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA

PARA A ORDENAÇÃO SACERDOTAL


DE UM GRUPO DE DIÁCONOS


2 de Maio de 2004

1. "Ressuscitou o Pastor, que deu a vida pelas suas ovelhas... Aleluia" (Antífona de com.).

No dia de hoje, a Liturgia convida-nos a fixar o olhar sobre Cristo Bom Pastor. Agnus redemit oves, canta a Sequência de Páscoa: "O Cordeiro redimiu o seu rebanho". O Filho unigénito do Pai, Bom Pastor da humanidade, que morreu na Cruz, ressuscitou no terceiro dia.

Esta é a Boa Nova que os Apóstolos anunciaram a todos os povos, a começar por Jerusalém, animados pelo poder do Espírito Santo (cf. Lc Lc 24,47-49). Este é o alegre anúncio que continua a ressoar, no início do terceiro milénio. No olhar repleto de misericórdia de Cristo, Bom Pastor ressuscitado, têm origem na Igreja o dom e o mistério da vocação para o ministério pastoral.

2. Caríssimos Diáconos, que daqui a pouco sereis ordenados Presbíteros, foi deste mesmo olhar de amor que nasceu a vossa vocação para o Sacerdócio. Acolho-vos com afecto e saúdo-vos um por um. Saúdo o Cardeal Vigário, o Mons. Vice-Gerente e os Membros do Conselho Episcopal Diocesano. Saúdo os Reitores e os Superiores do Pontifício Seminário Maior Romano, do Seminário Diocesano Redemptoris Mater, do Almo Colégio Caprânica e dos Oblatos Filhos de Nossa Senhora do Amor Divino, que cuidaram da vossa formação. Saúdo o Cardeal Andrzej Maria Deskur e os Formadores da "Fraternidade Sacerdotal dos Filhos da Cruz", enquanto saúdo e agradeço também aos Superiores e Formadores do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras.

Desejo expressar o meu profundo reconhecimento às vossas famílias, aos sacerdotes que cuidaram da vossa formação e do crescimento da vossa fé, assim como àqueles que, juntamente com as vossas comunidades paroquiais e com as realidades eclesiais a que pertenceis, vos ajudaram a descobrir "o dom e o mistério" da vossa vocação, e a dizer sim à chamada do Senhor.

3. Vós estais a ser ordenados Sacerdotes numa época em que, também aqui em Roma, fortes tendências culturais parecem querer levar ao esquecimento de Deus, sobretudo os jovens e as famílias. Contudo, não tenhais medo: Deus estará sempre convosco! Com a sua ajuda, podereis percorrer os caminhos que levam ao coração de cada homem e anunciar-lhe que o Bom Pastor deu a vida por ele, e quer que ele participe do seu Mistério de amor e de salvação. Porém, para realizar esta obra tão necessária é preciso que Jesus seja sempre o centro da vossa vida e que permaneçais em íntima união com Ele na oração, através da meditação pessoal quotidiana, da fidelidade à Liturgia das Horas e sobretudo da devota Celebração Eucarística quotidiana. Se estiverdes repletos de Deus, sereis verdadeiros apóstolos da nova evangelização, porque ninguém dá aquilo que não possui no seu coração.

Maria, dócil Mãe do Bom Pastor, em relação à qual vos convido a alimentar sempre uma devoção filial, vos acompanhe e vele constantemente sobre vós.

Amém!





NA CERIMÓNIA DE CANONIZAÇÃO


DE SEIS BEATOS


1789
16 de Maio de 2004

1. "Dou-vos a minha paz!" (Jn 14,27). No tempo pascal, escutamos muitas vezes esta promessa de Jesus aos seus discípulos. A paz verdadeira é fruto da vitória de Cristo sobre o poder do mal, do pecado e da morte. Aqueles que O seguem fielmente tornam-se testemunhas e construtores da sua paz.


Nesta luz, apraz-me contemplar os seis novos Santos: Luís Orione, Aníbal Maria Di Francia, José Manyanet y Vives, Nimatullah Kassab Al-Hardini, Paula Isabel Cerioli e Joana Beretta Molla.

2. "Homens que expuseram a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (Ac 15,26). Estas palavras dos Actos dos Apóstolos podem aplicar-se oportunamente a São Luís Orione, homem totalmente entregue à causa de Cristo e do seu Reino. Sofrimentos físicos e morais, cansaços, dificuldades, incompreensões e obstáculos de todos os tipos marcaram o seu ministério apostólico. "Cristo, a Igreja e as almas dizia ele são amados e servidos na cruz e na crucifixão, ou não são de modo algum amados nem servidos" (Escritos, 68, 81).

O coração deste estrategista da caridade foi "ilimitado, porque se dilatou com a caridade de Cristo" (Ibid., 102, 32). A paixão por Cristo foi a alma da sua vida audaciosa, o impulso interior de um altruísmo sem reservas, a fonte sempre fresca de uma esperança indestrutível.

Este filho humilde de um pedreiro proclama que somente a caridade salvará o mundo" (Ibid., 62, 13) e a todos repete que a alegria perfeita não pode existir, senão na perfeita dedicação de si mesmo a Deus e aos homens, a todos os homens" (Ibidem).

3. "Se alguém me ama, guarda a minha palavra" (Jn 14,23). Nestas palavras evangélicas, apresenta-se-nos delineado o perfil espiritual de Aníbal Maria Di Francia que, o amor ao Senhor, o estimulou a dedicar a existência inteira ao bem espiritual do próximo. Nesta perspectiva, ele sentia sobretudo a urgência de realizar este mandato evangélico: "Rogate ergo... Por isso, pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara!" (Mt 9,38).

Aos Padres rogacionistas e às Irmãs Filhas do Zelo Divino, deixou a tarefa de se empenharem com todas as forças, a fim de que a oração pelas vocações fosse "incessante e universal". O Pe. Aníbal Maria Di Francia dirige este mesmo convite aos jovens do nosso tempo, resumindo-o na sua exortação habitual: "Apaixonai-vos por Jesus Cristo!".

Desta intuição providencial nasceu no interior da Igreja um grande movimento de oração pelas vocações. Formulo votos de coração para que o exemplo do Pe. Aníbal Maria Di Francia oriente e sustente esta acção pastoral também no tempo presente.

4. "O Espírito Santo, que o Pai vai enviar em meu nome, Ele ensinar-vos-á todas as coisas e far-vos-á recordar tudo o que Eu vos disse" (Jn 14,26). Desde o princípio, o Paráclito suscitou homens e mulheres que recordaram e difundiram a verdade revelada por Jesus. Um deles foi José Manyanet y Vives, verdadeiro apóstolo da família. Inspirando-se na escola de Nazaré, ele realizou o seu projecto de santidade pessoal e dedicou-se, com abnegação heróica, à missão que o Espírito lhe confiava. Por isso, fundou duas Congregações religiosas. Um símbolo visível do seu anseio apostólico é também o templo da Sagrada Família, de Barcelona.

Que São José Manyanet abençoe todas as famílias e vos ajude a levar os exemplos da Sagrada Família aos vossos lares!

1790 5. Homem de oração, apaixonado pela Eucaristia, que ele gostava de adorar prolongadamente, São Nimatullah Kassab Al-Hardini é um exemplo tanto para os monges da Ordem libanesa maronita, como para os seus irmãos libaneses e para todos os cristãos do mundo. Ele entregou-se totalmente ao Senhor, numa vida de grande renúncia, demonstrando que o amor a Deus constitui a única fonte verdadeira de alegria e de felicidade para o homem. Ele dedicou-se à busca e ao seguimento de Cristo, seu Mestre e Senhor.

Acolhendo os seus irmãos, aliviou e curou muitas feridas nos corações dos seus contemporâneos, dando-lhes testemunho da misericórdia de Deus. Possa o seu exemplo esclarecer o nosso caminho e suscitar, em particular nos jovens, um verdadeiro desejo de Deus e de santidade, para anunciar ao nosso mundo a luz do Evangelho!

6. "O Anjo... mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu" (
Ap 21,10). A maravilhosa imagem proposta pelo Apocalipse de João exalta a beleza e a fecundidade espiritual da Igreja, a nova Jerusalém. Desta fecundidade espiritual é uma testemunha singular Paula Isabel Cerioli, cuja existência foi copiosa de frutos de bem.

Contemplando a Sagrada Família, Paula Isabel intuiu que as comunidades familiares permanecem sólidas, quando os vínculos de parentela são sustentados e consolidados pela partilha dos valores da fé e da cultura cristã. Para difundir estes valores, a nova Santa fundou o Instituto da Sagrada Família. Com efeito, ela estava convencida de que, para crescerem seguros e fortes, os filhos têm necessidade de uma família sadia e unida, generosa e estável. Que Deus ajude as famílias cristãs a acolher e a dar testemunho do amor de Deus misericordioso em todas as circunstâncias.

7. Do amor divino, Joana Beretta Molla foi uma mensageira simples mas mais significativa do que nunca. Poucos dias antes do matrimónio, numa carta enviada ao futuro marido, escreveu: "O amor é o sentimento mais bonito que o Senhor colocou na alma dos homens".

Seguindo o exemplo de Cristo, que "tinha amado os seus... amou-os até ao fim" (Jn 13,1), esta santa mãe de família manteve-se heroicamente fiel ao compromisso assumido no dia do matrimónio. O sacrifício eterno que selou a sua vida dá testemunho de que somente quem tem a coragem de se entregar totalmente a Deus e aos irmãos se realiza a si mesmo.

Possa a nossa época descobrir de novo, através do exemplo de Joana Beretta Molla, a beleza pura, casta e fecunda do amor conjugal, vivido como resposta ao chamamento divino!

8. "Não fiqueis perturbados, nem tenhais medo!" (Jn 14,27). As vicissitudes terrestres destes seis novos Beatos impelem-nos a perseverar no nosso próprio caminho, confiando na ajuda de Deus e na protecção maternal de Maria. Que agora, do céu, eles velem sobre nós e nos sustentem com a sua poderosa intercessão.



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

DURANTE A CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS

VÉSPERAS DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES


Sábado, 29 de Maio de 2004




1. Veni, creator Spiritus!

De todas as partes da Igreja se eleva unânime, na Solenidade de Pentecostes, este cântico: Veni, creator Spiritus! O Corpo místico de Cristo, espalhado em toda a terra, invoca o Espírito do qual tira a vida, o Sopro vital que anima o seu ser e o seu agir.

1791 As antífonas dos Salmos recordaram-nos há pouco qual foi a experiência dos discípulos no Cenáculo: "Ao cumprir-se o Pentecostes, cinquenta dias depois da Páscoa, estavam todos reunidos" (1ª ant.); "Línguas de fogo sobre cada um dos Apóstolos: o Espírito de Deus aparecia no mundo" (2ª ant.).

Revivemos aquela mesma experiência espiritual também nós, reunidos nesta Praça, que se tornou um grande Cenáculo. E como nós, numerosas comunidades diocesanas e paroquiais, associações, movimentos e grupos em todas as partes do mundo elevam ao Céu a comum invocação: Vinde, Espírito Santo!

2. Saúdo os Senhores Cardeais e os outros Prelados e sacerdotes presentes. Saúdo todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, que quisestes participar nesta sugestiva Celebração.

Envio agora o meu pensamento aos numerosos jovens que estão unidos a nós, de Lednica, na Polónia, através da rádio e da televisão.

Dirijo da Praça de São Pedro a minha cordial saudação aos jovens reunidos na vigília de oração em Lednica. Rezo convosco, queridos amigos, pelo dom do Espírito Santo. O Consolador, o Espírito de verdade, vos cumule do amor de Cristo, ao qual confiais o vosso futuro. Abençoo-vos de coração.

3. Saúdo de maneira especial os membros da Renovação no Espírito, uma das várias expressões da grande família do movimento carismático católico. Graças ao movimento carismático tantos cristãos, homens e mulheres, jovens e adultos, redescobriram o Pentecostes como realidade viva e presente na sua existência quotidiana. Faço votos por que a espiritualidade de Pentecostes se difunda na Igreja, como renovado impulso de oração, de santidade, de comunhão e de anúncio.

A respeito disto, encorajo a iniciativa denominada"Roveto Ardente", promovida pela Renovação no Espírito. Trata-se de uma adoração incessante, de dia e de noite, diante do Santíssimo Sacramento; um convite aos fiéis a "voltar ao Cenáculo" para que, unidos na contemplação do Mistério eucarístico, intercedam pela plena unidade dos cristãos e pela conversão dos pecadores. Faço votos de coração por que esta iniciativa conduza muitos a redescobrir os dons do Espírito, que têm no Pentecostes a sua nascente.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs! A celebração desta tarde traz à minha mente o memorável encontro com os movimentos eclesiais e com as novas comunidades da vigília de Pentecostes de há seis anos. Foi uma epifania extraordinária da unidade da Igreja, na riqueza e variedade dos carismas, que o Espírito Santo concede em abundância. Repito agora com vigor quanto fiz notar naquela ocasião: os movimentos eclesiais e as novas comunidades são uma "resposta providencial", "suscitada pelo Espírito Santo", à actual exigência da nova evangelização, para a qual são necessárias "personalidades cristãs maduras" e "comunidades cristãs vivas" (cf. Insegnamenti XXI, 1 [1998], pág. 1123).

Por isso, digo também a vós: "Abri-vos com docilidade aos dons do Espírito! Acolhei com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não deixa de conceder! Não esqueçais que cada carisma é concedido para o bem comum, ou seja, em benefício de toda a Igreja!" (ibid.,pág. 1122).

5. Veni, Sancte Spiritus!

No meio de nós, com as mãos levantadas, está a Virgem orante, Mãe de Cristo e da Igreja.
1792 Juntamente com Ela, imploramos e acolhemos o dom do Espírito Santo, luz de verdade, força de paz autêntica. Fazemo-lo com as palavras da antífona ao Magnificat, que daqui a pouco cantaremos:

Vinde, Espírito Santo, / enche os corações dos teus fiéis, / e acende neles o fogo do teu amor: / tu, que na veriedade das línguas humanas / reúnes os povos na única fé, aleluia".
Sancte Spiritus, veni!


VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À SUÍÇA



NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NA ESPLANADA DE ALLMEND


Berna, 6 de Junho de 2004



"Bendito seja Deus Pai / e o Filho unigénito de Deus / e o Espírito Santo / porque grande é o seu amor por todos nós!" (Antífona de entrada).

1. Neste primeiro Domingo depois de Pentecostes, a Igreja convida-nos a celebrar o mistério da Santíssima Trindade. Caríssimos Irmãos e Irmãs, fazemo-lo no maravilhoso cenário dos píncaros cheios de neve, dos vales verdejantes ricos de flores e de frutos, dos numerosos lagos e regatos que embelezam a vossa Terra. Nesta nossa reflexão, somos impelidos a contemplar a Sabedoria divina, quando "[Ela] fixava o céu... condensava as nuvens no alto e fixava as fontes do oceano... punha um limite para o mar... assentava os fundamentos da terra" (Pr 8,27-29).
Porém, o nosso olhar não se volta exclusivamente para a criação, "obra das mãos de Deus" (Salmo responsorial); ele faz-se mais atento de forma especial diante das presenças humanas ao nosso redor. Saúdo-vos com afecto, estimados Irmãos e Irmãs desta esplêndida região colocada no coração da Europa. Gostaria de apertar a mão de cada um de vós, para o cumprimentar pessoalmente e lhe dizer: "O Senhor está contigo e ama-te!".

Saúdo de maneira fraternal os Bispos da Suíça, juntamente com o seu Presidente, D. Amédée Grab, Bispo de Coire, e D. Kurt Koch, Bispo de Basileia, a quem agradeço as palavras que me transmitiu em nome de todos vós. Além disso, dirijo um pensamento obsequioso ao Senhor Presidente da Confederação Helvética e às demais Autoridades presentes, que nos honram com a sua presença aqui.

Quero reservar uma saudação especial e repleta de afecto aos jovens católicos da Suíça, com quem me encontrei ontem à noite na Arena de Berna, onde pudemos escutar de novo o convite exigente e entusiasmante de Jesus. "Levanta-te!". Caros jovens amigos, sabei que o Papa vos ama, que vos acompanha com a oração quotidiana, que conta com a vossa colaboração na causa do Evangelho e que vos encoraja com confiança ao longo do caminho da vida cristã.

2. "Nós acreditamos naquilo que Vós revelastes da vossa glória", diremos mais tarde no Prefácio. A nossa assembleia eucarística é testemunho e proclamação da glória do Altíssimo e da sua presença activa na história. Sustentados pelo Espírito Santo, que o Pai nos enviou através do Filho, "nós gloriamo-nos também nas tribulações, conscientes de que a tribulação produz a perseverança, que a perseverança produz a fidelidade comprovada e que a fidelidade comprovada produz a esperança" (Rm 5,3-4).

Caríssimos, peço ao Senhor que me conceda permanecer no meio de vós como testemunha de esperança, daquela esperança que "não engana", porque está fundamentada no amor de Deus, que "foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5,5). É disto que o mundo contemporâneo tem particularmente necessidade: de um suplemento de esperança!

1793 3. "Vós sois um só Deus, um só Senhor!" (Prefácio). As três Pessoas, iguais e distintas, são um único Deus. A sua distinção real não divide a unidade da natureza divina.

Cristo propôs-nos, a nós que somos seus discípulos, esta comunhão extremamente profunda como um modelo: "Assim como Tu, ó Pai, estás em mim e Eu em ti. E para que também eles estejam em Nós, para que o mundo acredite que Tu me enviaste" (
Jn 17,21). Em cada ano, a celebração do mistério da Santíssima Trindade constitui para os cristãos uma vigorosa exortação ao compromisso em prol da unidade. Trata-se de uma exortação que diz respeito a todos nós, Pastores e fiéis, impelindo-nos todos a uma renovada consciência da nossa responsabilidade no seio da Igreja, Esposa de Cristo. Como deixar de sentir de modo impelente, perante estas palavras de Cristo, a solicitude ecuménica? Também na presente circunstância, volto a afirmar a vontade de progredir ao longo do caminho difícil, mas rico de alegria, da plena comunhão entre todos os crentes.

Contudo, não se pode negar que uma grande contribuição para a causa ecuménica provém do compromisso dos católicos, de viver a unidade no seu interior. Na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, ressaltei a necessidade de "fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão" (n. 43), conservando o olhar do coração fixo "no mistério da Trindade, que habita no meio de nós, e cuja luz deve ser vista também no rosto dos irmãos" (Ibidem). Deste modo, alimenta-se aquela "espiritualidade da comunhão" que, partindo dos lugares onde se plasmam o homem e o cristão, chega às paróquias, às associações e aos vários movimentos. Uma Igreja particular, em que floresça a espiritualidade da comunhão, saberá purificar-se constantemente dos "venenos" do egoísmo, que geram inveja, desconfiança, ansiedade de auto-afirmação e oposições deletérias.

4. A evocação destes riscos suscita em nós uma espontânea oração ao Espírito Santo, que Jesus Cristo prometeu enviar-nos: "Quando vier o Espírito da Verdade, Ele encaminhar-vos-á para toda a Verdade" (Jn 16,13).

O que é a verdade? Certo dia, Jesus disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,6). Por conseguinte, a formulação correcta desta pergunta não é "o que é a verdade?", mas sim, "quem é a verdade?".

Esta é a interrogação que levanta também o homem do terceiro milénio. Dilectos Irmãos e Irmãs, não podemos calar a resposta, porque nós a conhecemos! A verdade é Jesus Cristo, que veio ao mundo para nos revelar e nos transmitir o amor do Pai. Somos chamados a dar testemunho desta verdade com a palavra e sobretudo com a vida!

5. Caríssimos, a Igreja é missão! Ela tem necessidade, inclusivamente nos dias de hoje, de "profetas" capazes de despertar nas comunidades a fé no Verbo revelador de Deus, rico em misericórdia (cf. Ef Ep 2,4). Chegou a hora de preparar jovens gerações de apóstolos que não tenham medo de proclamar o Evangelho. Para cada baptizado, é essencial passar de uma fé habitual a uma fé amadurecida, que se expresse em opções pessoais claras, convictas e corajosas.

Somente uma fé assim, celebrada e compartilhada na liturgia e na caridade fraterna, pode nutrir e fortalecer a comunidade dos discípulos do Senhor e fazê-la arvorar-se em Igreja missionária, livre de falsos temores porque persuadida do amor do Pai.

6. "O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5,5). Não se trata de um mérito nosso, mas de um dom gratuito. Não obstante o peso dos nossos pecados, Deus amou-nos e redimiu-nos com o sangue de Cristo. A sua graça purificou-nos nas profundezas.

Por isso, podemos exclamar com o Salmista: "Como é grande, Senhor, o teu amor sobre toda a face da terra!". Como ele é grande em mim, nos outros e em cada ser humano!

Este é o manancial genuíno da grandeza do homem; esta é a raiz da sua dignidade indestrutível. A imagem de Deus reflecte-se em cada ser humano. Esta é a "verdade" mais profunda acerca do homem, que não pode de modo algum ser ignorada ou lesada. Em última análise, cada ultraje que se comete contra o homem é como uma ofensa ao seu Criador, que o ama com amor de Pai.

1794 A Suíça possui uma grande tradição em termos de respeito ao homem. É uma tradição que está sob o sinal da Cruz: a Cruz Vermelha!

Cristãos deste nobre País, estai sempre à altura deste vosso passado glorioso! Sabei reconhecer e honrar a imagem de Deus em cada um dos seres humanos. No homem, criado por Deus, está reflectida a glória da Santíssima Trindade.

Por conseguinte, digamos: "Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo: ao Deus que é, que era e que há-de vir" (Aclamação ao Evangelho).

Amém!



HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NA SOLENIDADE DO "CORPUS CHRISTI"

Quinta-feira, 10 de Junho de 2004




1. "Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha" (1Co 11,26).

Com estas palavras, São Paulo recorda aos cristãos de Corinto que a "ceia do Senhor" não é apenas um encontro de convívio, mas também e sobretudo o memorial do sacrifício redentor de Cristo. Quem nele participa explica o Apóstolo une-se ao mistério da morte do Senhor, aliás, faz-se "anunciador" da mesma.

Portanto, existe um relacionamento muito estreito entre o "fazer a Eucaristia" e "o anunciar Cristo". Entrar em comunhão com Ele, no memorial da Pascoa, significa ao mesmo tempo tornar-se missionário do evento que tal rito actualiza; num certo sentido, significa torná-lo contemporâneo de todas as épocas, até que o Senhor volte.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs, revivemos esta maravilhosa realidade na hodierna solenidade do Corpus Christi, em que a Igreja não apenas celebra a Eucaristia, mas também a leva de forma solene em procissão, anunciando publicamente que o Sacrifício de Cristo é para a salvação do mundo inteiro.

Reconhecido por este dom imenso, ela reúne-se em redor do Santíssimo Sacramento, porque ali estão a fonte e o ápice do próprio ser e agir. Ecclesia de Eucharistia vivit! A Igreja vive da Eucaristia e sabe que esta verdade não exprime apenas uma experiência quotidiana de fé, mas encerra de modo sintético o núcleo do mistério que ela mesma é (cf. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia EE 1).

3. Desde que, com o Pentecostes, o Povo da Nova Aliança "iniciou a sua peregrinação para a pátria celeste, este sacramento divino foi ritmando os seus dias, enchendo-os de consoladora esperança" (Ibidem). Pensando precisamente nisto, desejei dedicar à Eucaristia a primeira Encíclica do novo milénio, e agora sinto-me feliz por anunciar um especial Ano da Eucaristia. Ele terá início com o Congresso Eucarístico Internacional, programado para os dias 10-17 de Outubro de 2004 em Gadalajara (México, e e será encerrado com a próxima Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá lugar no Vaticano de 2 a 29 de Outubro de 2005, subordinado ao tema: "A Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja".

1795 Mediante a Eucaristia, a Comunidade eclesial é edificada como nova Jerusalém, princípio de unidade em Cristo entre diversas pessoas e povos.

4. "Dai-lhes vós mesmos de comer" (
Lc 9,13).

A página evangélica que acabámos de escutar oferece uma imagem eficaz do vínculo íntimo que existe entre a Eucaristia e esta missão universal da Igreja. Cristo, "pão vivo que desceu do Céu" (Jn 6,51 cf. Aclamação ao Evangelho ), é o único que pode saciar a fome do homem de todos os tempos e em todas as regiões da terra.

Porém, ele não quer fazê-lo sozinho, e assim, como na multiplicação dos pães, envolve também os discípulos: "Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, pronunciou sobre eles a bênção, partiu-os deu-os aos discípulos para que os distribuíssem à multidão" (Lc 9,16).

Este sinal milagroso é figura do maior mistério de amor que se renova cada dia na Santa Missa: mediante os ministros ordenados, Cristo dá o seu Corpo e o seu Sangue pela vida da humanidade. E quantos se nutrem dignamente à sua Mesa, tornam-se instrumentos vivos da sua presença de amor, de misericórdia e de paz.

5. "Lauda, Sion, Salvatorem...! Sião, louva o Salvador / o teu guia, o teu pastor / com hinos e cânticos".

Com íntima emoção, ouvimos ressoar no coração este convite ao louvor e à alegria. No final da Santa Missa, levaremos processionalmente o divino Sacramento até à Basílica de Santa Maria Maior. Contemplando Maria, compreenderemos melhor a força transformadora que a Eucaristia possui. Colocando-nos à escuta dela, encontraremos no mistério eucarístico a coragem e o vigor para seguir Cristo Bom Pastor e para O servir nos irmãos.



SOLENIDADE DOS SANTOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO



E DO PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I


NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


Terça-feira, 29 de Junho de 2004



No momento da homilia, o Santo Padre desejou antes apresentar à assembleia ali congregada o Patriarca Ecuménico de Constantinopla Bartolomeu I, introduzindo a homilia do ilustre Hóspede com as seguintes palavras de saudação:

Caríssimos Irmãos e Irmãs, o trecho do Evangelho, que acabámos de escutar em latim e grego, convida-nos a aprofundar o significado da hodierna Festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

Agora desejo convidar-vos a ouvir as reflexões que o Patriarca Ecuménico, Sua Santidade Bartomoleu I, nos proporá, tendo presente que ambas as nossas vozes falam de unidade.



HOMILIA DO PATRIARCA BARTOLOMEU I


Santidade

1796 Com sentimentos de alegria e de tristeza, viemos até à sua pessoa neste importante dia da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, para manifestar o nosso amor em relação a Vossa Santidade e para com todos os membros da Igreja irmã de Roma, que celebra a sua festa patronal. Ao mesmo tempo que nos alegramos com Vossa Santidade, que também se rejubila, sentimo-nos amargurados pelo facto de que ainda falta aquilo que tornaria completa a alegria de ambos, ou seja, o restabelecimento da plena comunhão entre as nossas Igrejas.

Hoje, concentramos a nossa atenção no feliz quadragésimo aniversário do encontro realizado no ano de 1964 dos nossos Predecessores, de veneranda memória em Jerusalém, encontro que pôs fim ao caminho à nossa distância recíproca e constituiu o início de um novo caminho de aproximação das nossas Igrejas.

Durante este novo caminho, foram dados muitos passos rumo à nossa aproximação mútua. Deram-se início aos diálogos, realizaram-se encontros e permutaram-se cartas; o amor cresceu, mas ainda não conseguimos alcançar a meta almejada. Em quarenta anos, não foi possível eliminar as oposições, que se acumularam durante mais de novecentos anos.

A esperança que procede com a fé e com o amor que espera sempre constitui um dos dons importantes de Deus. Também nós esperamos que aquilo que foi possível realizar até ao dia de hoje, será alcançado no futuro e estes são os nossos votos num futuro próximo. Talvez seja num futuro distante, mas a nossa expectativa e o nosso amor não estão restringidos em breves limites temporais. A nossa presença hoje aqui quer expressar em toda a evidência o nosso desejo sincero de eliminar todos os obstáculos eclesiais que não sejam dogmáticos ou essenciais, a fim de que o nosso interesse se concentre no estudo das diferenças fundamentais e das verdades dogmáticas que até hoje dividem as nossas Igrejas, assim como na maneira de viver a verdade cristã da Igreja unida.

Longe do desejo de vincular o nosso nome a metas que somente o Espírito Santo pode alcançar, não atribuamos às nossas acções uma eficácia maior do que Deus quiser conceder-lhes. Todavia, manifestando o nosso desejo, trabalhemos incansavelmente em vista daquilo pelo que rezamos todos os dias: "a união de todos". Conscientes, através da oração sacerdotal de nosso Senhor Jesus Cristo, da necessidade da nossa unidade a fim de que o mundo creia que Ele provém de Deus colaboramos com Vossa Santidade para que esta unidade seja alcançada e exortamos todos a rezar com fervor pelo bom êxito dos nossos esforços conjuntos.

Caríssimos cristãos

A unidade das Igrejas de que falamos e para a qual pedimos as vossas orações não é uma união mundana, igual às uniões de Estados, às corporações de pessoas e de estruturas com que se cria uma maior união organizativa. Isto é muito fácil de alcançar, e todas as Igrejas já constituíram diversificadas organizações, em cujo âmbito elas mesmas colaboram em diversos sectores.

A unidade por que as Igrejas aspiram é uma busca espiritual que tem em vista viver em conjunto a comunhão espiritual com a pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Ela só poderá chegar, quando todos nós teremos "a mente de Cristo", "o amor de Cristo", "a fé de Cristo", "a humildade de Cristo", "a disposição sacrifical de Cristo" e de modo geral quando vivermos tudo aquilo que é de Cristo, como Ele mesmo viveu, ou pelo menos quando desejarmos sinceramente viver como Ele quer que vivamos.

Neste delicadíssimo esforço espiritual, surgem dificuldades devidas ao facto de que a maior parte dos homens com muita frequência apresenta as suas posições, opiniões e considerações como se elas fossem expressões da mente, do amor e, em geral, do espírito de Cristo. As dicórdias emergem porque estas opiniões e considerações pessoais e, por vezes, até mesmo as próprias experiências pessoais, não coincidem entre si, nem com a experiência de vida de Cristo. Em boa fé, mediante os diálogos intereclesiais, procuremos compreender-nos uns aos outros com superabundância de caridade; e procuremos inclusivamente constatar em que e por que motivo se diferenciam as nossas experiências de vida, que se expressam com diversas formulações dogmáticas. Não desejamos abordar temas abstractos, sobre questões teóricas a respeito das quais a nossa posição não tem consequências para a vida. Entre tantos estilos de vida, que se exprimem mediante diferentes formulações, procuremos aquilo que expressa rectamente, ou pelo menos da forma mais completa possível, o espírito de Cristo.

Recordai o comportamento dos dois discípulos de Cristo, quando Ele não foi aceite por alguns habitantes de uma determinada região. Os dois discípulos indignaram-se e perguntaram a Cristo se podiam pedir a Deus que lançasse fogo do céu, contra aqueles que não O quiseram acolher. A resposta do Senhor foi a que se quis dar a todos os cristãos, ao longo dos séculos: "Não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para perder a vida dos homens, mas para a salvar" (
Lc 9,55-56). Muitas vezes houve fiéis que, ao longo dos séculos, pediram que Cristo aprovasse algumas obras que não estavam de sintonia com a Sua mente. Mais ainda, chegaram a atribuir a Cristo as suas próprias opiniões e ensinamentos, afirmando que eles interpretam o espírito de Cristo. Daqui surgiram discórdias entre os fiéis que, por conseguinte, se dividiram em grupos, asumindo a forma contemporânea das diversas Igrejas.

Hoje em dia, os esforços comuns tendem a viver o espírito de Cristo, do modo como Ele aprovaria se lhe fosse perguntado. Esta vivência pressupõe pureza de coração, finalidades abnegadas, santa humildade e, em síntese: santidade de vida. As contraposições acumuladas e os interesses seculares não nos permitem ver claramente e atrasam a compreensão conjunta do espírito de Cristo, que será seguido também da tão almejada unidade das Igrejas, como a sua união em Cristo, no mesmo espírito, no mesmo Corpo e no seu próprio Sangue. Naturalmente, sob o ponto de vista espiritual, a aceitação e a realização de uma união exterior não têm sentido, se permanecer a diversidade no que se refere ao espírito.

1797 Assim, é compreensível que não se procure o nivelamento das tradições, dos usos e dos costumes de todos os fiéis, e que somente se procure viver em comum a pessoa de Jesus Cristo, uno, único e imutável no Espírito Santo, a comunhão na vivência do acontecimento da Encarnação do Logos de Deus e da descida do Espírito Santo na Igreja, assim como a vivência comum do evento da Igreja como Corpo de Cristo que recapitula em si todas as coisas. Esta vivência espiritual procurada constitui a vida suprema do homem, constitui a sua união com Cristo e, por conseguinte, o diálogo acerca desta questão é o mais importante de todos. É por isso que pedimos no passado e continuamos a pedir no presente, que os cristãos rezem com ardor ao nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que Ele oriente os corações para atingir a meta de tal aspiração, para que, uma vez alcançada, possamos festejar em conjunto se Deus quiser todas as celebrações eclesiais, em plena comunhão espiritual e alegria.

Amém!




Homilias JOÃO PAULO II 1788