Homilias JOÃO PAULO II 1811


NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


NO INÍCIO DO ANO ACADÉMICO


DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS


Sexta-feira, 22 de Outubro de 2004

1. Sinto-me feliz por receber também este ano, na Basílica de São Pedro, a vasta e multiforme comunidade das Universidades eclesiásticas romanas, que retomam o seu caminho académico. Saúdo com reconhecimento o Cardeal Zenon Grocholewski, que celebra a Santa Eucaristia; saúdo os demais Prelados presentes, os Oficiais da Congregação para a Educação Católica, os reitores, os professores e os estudantes dos Ateneus e dos outros Institutos e Faculdades Pontifícias. Dirijo a todos e a cada um a minha cordial saudação.


2. "Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança" (Ep 4,4). Estas palavras, que São Paulo dirige aos Efésios, são pronunciadas esta tarde à comunidade académica eclesiástica de Roma, única no mundo devido ao número e à variedade de presenças. De facto, as Universidades eclesiásticas romanas contribuem para manifestar, da maneira que lhes é própria, a unidade e a universalidade da Igreja. Unidade multiforme que se funda numa mesma "vocação", ou seja, sobre a chamada comum ao seguimento de Cristo. Convido-vos especialmente a vós, queridos estudantes, a fazer com que a formação destes anos vos ajude a "proceder" cada vez mais "de um modo digno do chamamento" cristão (cf. Ef Ep 4,1); exorto-vos a pôr os vossos talentos ao serviço da Igreja com toda a humildade e disponibilidade.

1812 3. O Salmo responsorial (Ps 23) recordou há pouco uma "geração" que "procura o rosto de Deus". Penso em vós, queridos professores, que partilhais o desejo de conhecer Deus e de penetrar no seu mistério de salvação, revelado plenamente em Cristo. Para subir ao monte do Senhor o Salmista admoesta que são exigidas "mãos inocentes e corações puros" (Ps 23,4). E acrescenta que quem deseja conhecer a verdade deve comprometer-se a praticá-la com palavras e acções (cf. ibid.). "Eis a geração que procura Deus": sede assim, caríssimos! Sede homens e mulheres comprometidos a criar unidade entre fé e vida, a nível cognoscitivo e ainda antes a nível existencial.

4. Na Eucaristia encontramos uma chave de leitura sintética de tudo o que a palavra de Deus nos diz na liturgia de hoje. Por um lado a Eucaristia é o princípio da unidade na caridade, da comunhão na multiplicidade dos dons. Por outro lado, ela é o mysterium fidei, que contém em si o convite para passar da superfície para a realidade profunda que está sob as aparências. Mediante a Eucaristia, o Espírito Santo ilumina os olhos do nosso coração, dando-nos a possibilidade de compreender os sinais dos tempos novos (Aclamação ao Evangelho, cf. Ef Ep 1,17 Lc 21,29-31). O mistério eucarístico é escola na qual o cristão se forma para o "intellectus fidei", exercitando-se a conhecer através da adoração e a crer mediante a contemplação. Nele, ao mesmo tempo, o cristão amadurece a própria responsabilidade cristã, para ser capaz de testemunhar a verdade na caridade.

5. Caríssimos irmãos e Irmãs, este ano académico coincide com o Ano da Eucaristia. A exemplo de São Tomás de Aquino e de todos os Doutores da Igreja, comprometei-vos a tirar do Sacramento do Altar uma renovada luz de sabedoria e uma constante força de vida evangélica. Maria, "Mulher eucarística" e Virgem da escuta obediente, vos acompanhe e vos guie todos os dias à Eucaristia, fonte inexaurível de salvação.





DURANTE A CAPELA PAPAL EM SUFRÁGIO


PELOS CARDEAIS, ARCEBISPOS E BISPOS


FALECIDOS DURANTE ESTE ANO


Quinta-feira, 11 de Novembro de 2004

1. "Eu sou o pão vivo, que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente" (Jn 6,51). É assim que Jesus fala à multidão, depois do milagre da multiplicação dos pães. Ele apresenta-se a si mesmo como o verdadeiro maná, oferecido pelo Pai celestial, para que os homens tenham a vida eterna (cf. Jo Jn 6,26-58). Estas suas palavras antecipam, de certa maneira, a grandiosa dádiva da Eucaristia, sacramento este que Ele instituirá no Cenáculo, durante a última Ceia.


Na Páscoa realizar-se-á o mistério da sua morte e ressurreição. Trata-se de um mistério que se torna constantemente actual na Eucaristia, banquete místico, em que o Messias se entrega a si mesmo como alimento aos convidados, em vista de os unir a si num vínculo de amor e de vida, mais forte do que a morte.

2. Senhores Cardeais, venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, caríssimos Irmãos e Irmãs! O tema do convite messiânico orienta a nossa reflexão nesta celebração, durante a qual desejamos recordar os nossos Irmãos Cardeais e Bispos que faleceram recentemente.

Cada vez que celebramos a Eucaristia, participamos na Ceia do Senhor, que antecipa o banquete da glória celeste. Na primeira Leitura, que acaba de ser proclamada, o profeta Isaías convidou-nos a olhar para este glorioso banquete. Ele terá lugar no monte santo de Jerusalém e aniquilará para sempre a morte e o luto (cf. Is ). Também o Salmo 22 o evoca na confortadora visão do orante hospedado pelo próprio Deus, que lhe prepara a mesa e unge com perfume a sua cabeça (cf. Sl Ps 23 [22], 5).

3. Quanta luz difunde a Palavra de Deus na hodierna liturgia, enquanto, congregados em oração ao redor deste Altar, oferecemos o Sacrifício eucarístico em sufrágio pelos veneráveis Cardeais e Bispos, que passaram deste mundo para o Pai ao longo do corrente ano!

É-me grato recordar com afecto, de modo especial, os Senhores Cardeais: Paulos Tzadua, Opílio Rossi, Franz König, Hyacinthe Thiandoum, Marcelo González Martín, Juan Francisco Fresno Larraín, James Aloysius Hickey e Gustaaf Joos.

Oremos por eles e pelos Arcebispos e Bispos falecidos, que confiamos com filial confiança à Misericórdia divina.

1813 4. Pensando neles e evocando o seu serviço, generosamente prestado à Igreja, parece que podemos ouvi-los repetir com o Apóstolo: "A esperança não engana!" (Rm 5,5).

Sim, caríssimos Irmãos e Irmãs! Deus é fiel e a nossa esperança nele não é vã. Demos graças ao Senhor por todos os benefícios concedidos à Igreja mediante o ministério sacerdotal destes saudosos Pastores.

Invoquemos para eles a intercessão materna de Maria Santíssima, a fim de que consigam participar no banquete eterno. Aquele mesmo banquete que, com fé e amor, eles já saborearam durante a peregrinação terrestre.

Amém!





NO 40° ANIVERSÁRIO DA PROMULGAÇÃO


DO DECRETO CONCILIAR


"UNITATIS REDINTEGRATIO"


Sábado, 13 de Novembro de 2004

"Mas em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, agora estais perto, pelo sangue de Cristo. Com efeito, Ele é a nossa paz" (Ep 2,13-14).


1. Com estas palavras da Carta aos Efésios, o Apóstolo anuncia que Cristo é a nossa paz. Nele somos reconciliados; não somos mais estrangeiros, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, e tendo como pedra angular o próprio Cristo Jesus (cf. Ef Ep 2,19-20).

Escutámos as palavras de Paulo, por ocasião desta celebração, que nos vê reunidos na veneranda Basílica, edificada sobre o túmulo do Apóstolo Pedro. Saúdo de coração os participantes na Conferência ecuménica convocada por ocasião do quadragésimo aniversário de promulgação do Decreto Unitatis redintegratio, do Concílio Vaticano II. Dirijo a minha saudação aos Cardeais, aos Patriarcas e aos Bispos participantes, aos Delegados fraternos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, aos Consultores, aos hóspedes e aos colaboradores do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Estou-vos grato por terdes reflectido atentamente sobre o significado deste importante Decreto e sobre as perspectivas actuais e futuras do movimento ecuménico. Nesta tarde, estamos aqui congregados para louvar a Deus, de quem provêm "toda a boa dádiva e todo o dom perfeito" (Jc 1,17), e para dar graças pelos frutos abundantes, que o Decreto produziu ao longo dos passados quarenta anos, com a ajuda do Espírito Santo.

2. A actuação deste Decreto conciliar, desejado pelo meu predecessor, o Beato Papa João XXIII e promulgado pelo Papa Paulo VI, foi desde o início uma das prioridades pastorais do meu Pontificado (cf. Ut unum sint UUS 99). Uma vez que a unidade ecuménica não constitui um atributo secundário da comunidade dos discípulos (cf. ibid., n. 9) e a actividade ecuménica não é apenas um apêndice qualquer, que se acrescenta à actividade tradicional da Igreja (cf. ibid., n. 20), mas que se fundamenta sobre o desígnio salvífico de Deus, de congregar todos na unidade (cf. ibid., 5), elas correspondem à vontade de nosso Senhor Jesus Cristo, que desejou uma única Igreja e rezou ao Pai, na vigília da sua morte, a fim de que todos sejam um só (cf. Jo Jn 17,21).

Buscar a unidade é, fundamentalmente, aderir à oração de Jesus. O Concílio Vaticano II, que tornou seu este desejo de nosso Senhor, não instituiu uma novidade. Orientado e iluminado pelo Espírito de Deus, ele lançou uma luz renovada sobre o sentido autêntico e profundo da unidade e da catolicidade da Igreja. A via ecuménica é o caminho da Igreja (cf. ibid., n. 7), que não constitui uma realidade fechada em si mesma, mas está permanentemente aberta à dinâmica missionária e ecuménica (cf. ibid., n. 5).

O compromisso em prol do restabelecimento da comunhão plena e visível entre todos os baptizados não se aplica exclusivamente a alguns peritos em ecumenismo; ele diz respeito a cada um dos cristãos, a cada diocese, a cada paróquia e a cada comunidade na Igreja. Todos são chamados a assumir este compromisso e ninguém pode deixar de tornar sua a oração de Jesus, a fim de que todos sejam um só. Todos são chamados a rezar e a trabalhar em benefício da unidade dos discípulos de Cristo.

1814 3. Este caminho ecuménico é mais necessário do que nunca hoje, diante de um mundo que progride rumo à sua unificação, e a Igreja deve enfrentar os novos desafios que se apresentam à sua missão evangelizadora. O Concílio constatou que a divisão entre os cristãos "escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho" (Unitatis redintegratio UR 1). A actividade ecuménica e a actividade missionária estão, por conseguinte, vinculadas entre si e são os dois caminhos ao longo dos quais a Igreja cumpre a sua missão no mundo e expressa concretamente a sua catolicidade. Na nossa época, assistimos ao crescimento de um humanismo erróneo, desprovido de Deus, e constatamos com profundo sofrimento os conflitos que estão a ensanguentar o mundo. Nesta situação a Igreja é, com maior razão, chamada a constituir sinal e instrumento da unidade e da reconciliação com Deus e entre os homens (cf. Lumen gentium LG 1).

O Decreto sobre o Ecumenismo foi uma das formas concretas mediante as quais a Igreja correspondeu a esta situação, colocando-se à escuta do Espírito do Senhor, que ensina a ler atentamente os sinais dos tempos (cf. Ut unum sint UUS 3). A nossa época sente uma profunda saudade da paz. A Igreja, sinal credível e instrumento da paz em Cristo, não pode deixar de se comprometer na superação das divisões dos cristãos, tornando-se assim cada vez mais testemunha da paz que Cristo oferece ao mundo. Como deixar de evocar, em tal situação, as palavras comovedoras do Apóstolo: "Eu, o prisioneiro no Senhor, exorto-vos, pois, a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; com toda a humildade e mansidão, e com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz" (Ep 4,1-3)?

4. Os numerosos encontros ecuménicos, a todos os níveis da vida eclesial, os diálogos teológicos e a nova descoberta dos testemunhos conjuntos da fé confirmaram, aprofundaram e enriqueceram a comunhão com os outros cristãos, comunhão esta que de certa forma já existe, embora ainda não seja de maneira plena. Não consideremos mais os outros cristãos como distantes ou estrangeiros, mas vejamos neles nossos irmãos e irmãs.

"A "fraternidade universal" dos cristãos tornou-se uma firme convicção ecuménica... os cristãos converteram-se numa caridade fraterna que abraça todos os discípulos de Cristo" (Ut unum sint UUS 42). Estamos gratos a Deus por constatar que, ao longo destas últimas décadas, muitos fiéis do mundo inteiro foram sensibilizados pelo desejo ardente da unidade de todos os cristãos. Agradeço de todo o coração àqueles que se fizeram instrumento do Espírito, rezaram e trabalharam em prol deste itinerário de renovada aproximação e de reconciliação.

Todavia, ainda não alcançámos a meta do nosso caminho ecuménico: a comunhão plena e visível na mesma fé, nos mesmos sacramentos e no mesmo ministério apostólico. Graças a Deus, foram superadas não poucas diferenças e incompreensões, mas ainda existem muitos obstáculos espalhados ao longo do caminho. Por vezes, subsistem não somente mal-entendidos e preconceitos, mas também uma deplorável negligência e mesquinhez de coração (cf. Novo millennio ineunte, 48), e sobretudo diferenças em matéria de fé, que na sua maioria se concentram à volta do tema da Igreja, da sua natureza e dos seus ministérios. Infelizmente, encontramo-nos diante de novos problemas, especialmente no campo ético, onde sobressaem ulteriores divisões, que impedem o testemunho conjunto.

5. Bem sei que é causa de muitos sofrimentos e decepções o facto de que todos estes motivos nos impedem como pude explicar na Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (nn. 43-46) de participar desde agora no Sacramento da unidade, partindo o Pão eucarístico e bebendo do Cálice comum à mesa do Senhor.

Tudo isto não pode induzir à resignação mas, ao contrário, deve servir de encorajamento a continuar e a perseverar na oração e no compromisso em favor da unidade. Embora provavelmente o caminho a percorrer ainda seja longo e cansativo, de qualquer forma ele será repleto de alegria e de esperança. Com efeito, cada dia descobrimos e experimentamos a acção e o impulso do Espírito de Deus que, com júbilo, constatamos que está em acção também no seio das Igrejas e Comunidades eclesiais que ainda não se encontram em plena comunhão com a Igreja Católica.

Reconheçamos "as riquezas de Cristo e as obras virtuosas na vida dos outros, que dão testemunho de Cristo, por vezes até ao derramamento do sangue" (Unitatis redintegratio UR 4). Em vez de nos queixarmos daquilo que ainda não nos é possível, devemos agradecer e alegrar-nos por aquilo que já existe e que é possível. Fazer desde agora o que é possível leva-nos a crescer na unidade e incute-nos o entusiasmo para superar as dificuldades. O cristão nunca pode renunciar à esperança, nem perder a coragem e o entusiasmo. A unidade da única Igreja, que já existe na Igreja Católica sem possibilidades de se perder, garante-nos que um dia também a unidade de todos os cristãos se tornará uma realidade (cf. ibid., n. 4).

6. Como imaginar o futuro ecuménico? Em primeiro lugar, devemos revigorar os fundamentos da actividade ecuménica, ou seja, a fé conjunta em tudo aquilo que se expressa na profissão baptismal, no Credo apostólico e no Credo Niceno-Constantinopolitano. Este fundamento doutrinal expressa a fé professada pela Igreja, desde o tempo dos Apóstolos. Além disso, a partir desta fé devemos desenvolver o conceito e a espiritualidade de comunhão. "Comunhão dos Santos" e plena comunhão não significam uma uniformidade abstracta, mas sim a riqueza de legítimas diversidades de dons, compartilhados e reconhecidos por todos, em conformidade com o famoso axioma: "In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas".

7. Além disso, espiritualidade de comunhão significa capacidade de sentir que o irmão cristão, na unidade profunda que nasce do baptismo, é "como "um que faz parte de mim", para saber partilhar... e dar remédio às suas necessidades, para lhe oferecer uma verdadeira e profunda amizade" (Novo millennio ineunte, 43).

Espiritualidade de comunhão "é ainda a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para o acolher e valorizar como dom de Deus: um "dom para mim", como o é para o irmão que directamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber "criar espaço" para o irmão, levando "os fardos uns dos outros" (Ga 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento" (Novo millennio ineunte, 43).

1815 Em síntese, portanto, espiritualidade de comunhão significa compartilhar em conjunto o caminho rumo à unidade na profissão de fé íntegra, nos sacramentos e no ministério eclesiástico (cf. Lumen gentium LG 14 cf. também Unitatis redintegratio UR 2).

8. Concluindo, gostaria de me referir de modo particular ao ecumenismo espiritual, que segundo as palavras do Decreto Unitatis redintegratio é a alma e o coração de todo o movimento ecuménico (cf. n. 8; Ut unum sint UUS 15-17 Ut unum sint, 15-17 e 21-27). Estou grato a todos vós por terdes frisado, durante o Congresso, este aspecto fulcral para o futuro do ecumenismo. Não existe ecumenismo verdadeiro sem conversão interior e purificação da memória, sem santidade de vida, em conformidade com o Evangelho, e sobretudo sem uma oração intensa e assídua, que faça eco da oração de Jesus. A este propósito, é com alegria que observo o desenvolvimento de iniciativas de oração conjunta e inclusivamente o nascimento de grupos de estudo e de partilha das recíprocas tradições de espiritualidade (cf. Directório ecuménico, n.114).

Devemos comportar-nos como os Apóstolos, juntamente com Maria, depois da Ascensão do Senhor; eles congregaram-se no Cenáculo e rezaram pela efusão do Espírito (cf. Act Ac 1,12-14). Somente Ele, que é o Espírito de comunhão e de amor, pode conceder-nos a comunhão plena, que desejamos de maneira tão ardente.

"Veni creator Spiritus!". Amém!



CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA PARA RECORDAR

O 150° ANIVERSÁRIO DA DEFINIÇÃO DOGMÁTICA

DA IMACULADA CONCEIÇÃO

DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA


Quarta-feira, 8 de dezembro de 2004

1. "Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo" (Lc 1,28).


É com estas palavras do Arcângelo Gabriel que nos dirigimos à Virgem Maria várias vezes por dia. Repetimo-las hoje com alegria fervorosa, na solenidade da Imaculada Conceição, recordando o dia 8 de Dezembro de 1854, quando o Beato Pio IX proclamou este admirável dogma da fé católica, precisamente nesta Basílica do Vaticano.

Saúdo cordialmente quantos se encontram hoje aqui reunidos, em particular os representantes das Sociedades Mariológicas Nacionais, que participaram no Congresso Mariológico Mariano Internacional, organizado pela Pontifícia Academia Mariana.

Além disso, saúdo todos vós aqui presentes, caríssimos Irmãos e Irmãs, que viestes para prestar uma homenagem filial à Virgem Imaculada. Saúdo de maneira especial o Senhor Cardeal Camillo Ruini, a quem renovo os meus bons votos mais cordiais pelo seu jubileu sacerdotal, expressando-lhe toda a minha gratidão pelo serviço que, com dedicação generosa, prestou e continua a prestar à Igreja como meu Vigário-Geral para a Diocese de Roma e como Presidente da Conferência Episcopal Italiana.

2. Como é grandioso o mistério da Imaculada Conceição, que a Liturgia hodierna nos apresenta!

Mistério que não cessa de atrair a contemplação dos fiéis inspira a reflexão dos teólogos. O tema do Congresso agora recordado "Maria de Nazaré acolhe o Filho de Deus na história" favoreceu um aprofundamento da doutrina da concepção imaculada de Maria como pressuposto para o acolhimento no seio virginal do Verbo de Deus encarnado, Salvador do género humano.

1816 "Cheia de graça", "kexaritwmenh": é com este apelativo que, segundo o grego original do Evangelho de Lucas, o Anjo se dirige a Maria. Este é o nome com que Deus, através do seu mensageiro, desejou qualificar a Virgem. Foi desta maneira que Ele a considerou e viu desde sempre, ab aeterno.

3. No hino da Carta aos Efésios, que acaba de ser proclamado, o Apóstolo louva a Deus Pai, porque "nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo" (1, 3). Com que especialíssima bênção Deus se dirigiu a Maria, desde o princípio dos tempos!

Verdadeiramente bem-aventurada é Maria, entre todas as mulheres (cf. Lc
Lc 1,42)!

O Pai escolheu-a em Cristo, antes da criação do mundo, para que fosse santa e imaculada na sua presença, no amor, predestinando-a como primícias para a adopção filial por obra de Jesus Cristo (cf. Ef Ep 1,4-5).

4. A predestinação de Maria, como a de cada um de nós, é relativa à predestinação do Filho. Cristo é aquela "estirpe" que teria "esmagado a cabeça" da antiga serpente, segundo o livro do Génesis (cf. Gn Gn 3,15); é o Cordeiro "sem mancha" (cf. Ex 12,5 1P 1,19), imolado para redimir a humanidade do pecado.

Na perspectiva da morte salvífica dele, Maria, sua Mãe, foi preservada do pecado original e de todos os outros pecados. A vitória do novo Adão contém inclusive a da nova Eva, mãe dos redimidos. Deste modo, a Imaculada constitui um sinal de esperança para todos os seres vivos, que derrotaram Satanás por meio do sangue do Cordeiro (cf. Ap Ap 12,11).

5. No dia de hoje, contemplamos a humilde jovem de Nazaré, santa e imaculada na presença do Deus da caridade (cf. Ef Ep 1,4), aquela "caridade" que, na sua fonte originária, é o próprio Deus, uno e trino.

A Imaculada Conceição da Mãe do Redentor é uma obra sublime da Santíssima Trindade! Na Bula Ineffabilis Deus, Pio IX recorda que o Todo-Poderoso estabeleceu "com um só e único decreto a origem de Maria e a encarnação da Sabedoria divina" (Pii IX Pontificis Maximi Acta, Pars prima, pág. 559).

O "sim" da Virgem ao anúncio do Anjo insere-se na realidade concreta da nossa condição terrestre, em humilde obséquio à vontade divina, de salvar a humanidade não da história, mas sim na história. Efectivamente, preservada imune de toda a mancha de pecado original, a "nova Eva" beneficiou de maneira singular da obra de Cristo como perfeitíssimo Mediador e Salvador. A primeira a ser redimida pelo seu Filho, partícipe na plenitude da sua santidade, Ela já é aquilo que toda a Igreja deseja e espera ser. É o ícone escatológico da Igreja.

6. Por isso a Imaculada, que assinala "o início da Igreja, esposa de Cristo sem mancha e sem ruga, resplandecente de beleza" (Prefácio), precede sempre o Povo de Deus na peregrinação da fé rumo ao Reino dos céus (cf. Lumen gentium LG 58 Carta Encíclica Redemptoris Mater RMA 2).
Na concepção imaculada de Maria, a Igreja vê projectar-se, antecipada no seu membro mais nobre, a graça salvadora da Páscoa.

1817 No acontecimento da Encarnação, encontra indissoluvelmente unidos o Filho e a Mãe: "Aquele que é o seu Senhor e a sua Cabeça e Aquela que, ao pronunciar o primeiro "fiat" (faça-se) da Nova Aliança, prefigura a condição da mesma Igreja, de esposa e de mãe" (Redemptoris Mater RMA 1).

7. A ti, Virgem Imaculada, por Deus predestinada acima de todas as criaturas como advogada de graça e modelo de santidade para o seu povo, renovo no dia de hoje a confiança de toda a Igreja.

Sê Tu quem orienta os seus filhos na peregrinação da fé, tornando-os cada vez mais obedientes e fiéis à Palavra de Deus.

Sê Tu quem acompanha cada cristão ao longo do caminho da conversão e da santidade, na luta contra o pecado e na busca da verdadeira beleza, que é sempre um sinal e um reflexo da Beleza divina.

Sê Tu, ainda, quem obtem a paz e a salvação para todos os povos. O Pai eterno, que te quis como Mãe imaculada do Redentor, renove também no nosso tempo, por teu intermédio, os prodígios do seu amor misericordioso.

Amém!





DURANTE A CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA


PARA OS ESTUDANTES DOS ATENEUS ROMANOS


14 de Dezembro de 2004

1. "Vem, Senhor, os povos por ti esperam!".


A invocação, que há pouco repetimos introduz-nos bem no clima do Advento tempo de expectativa e de esperança no qual se desenvolve esta celebração litúrgica anual convosco, caríssimos universitários.

Estou grato a vós, que todos os anos desejais partilhar comigo a expectativa trepidante da vinda do Senhor no mistério da noite de Belém. Obrigado porque como "sentinelas da manhã" desejais velar hoje, nestas semanas, e em toda vida a fim de estar preparados para acolher o Senhor que há-de vir.

Saúdo com afecto todos vós: a comunidade académica das universidades romanas e as delegações universitárias de outras cidades europeias; o Senhor Vice-Ministro para a Instrução, a Universidade e a Pesquisa, assim como outras autoridades presentes; saúdo os capelães das universidades e os membros da orquestra e dos coros universitários de Roma e do Lácio.

1818 Agradeço, de modo especial, ao professor Ornaghi e à estudante, que me expressaram, em vosso nome, cordiais sentimentos e fervorosos bons votos para o Santo Natal.

2. Queridos universitários, estamos no Ano da Eucaristia e, em preparação para a Jornada Mundial da Juventude, estais a reflectir sobre o tema: "Eucaristia e verdade do homem". É um tema exigente. De facto, diante do Mistério eucarístico somos estimulados a verificar a verdade da nossa fé, da nossa esperança e da nossa caridade.

Não podemos permanecer indiferentes quando Cristo diz: "Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu" (
Jn 6,51). Vem imediatamente à consciência a pergunta que Ele faz: "Acreditas que sou Eu? Acreditas verdadeiramente?". À luz das suas palavras: "Quem comer deste pão, viverá eternamente" (ibid.), não podemos deixar de nos interrogar acerca do sentido e do valor da nossa vida quotidiana.

E depois, que dizer da pergunta sobre o amor verdadeiro, quando se meditam as palavras do Senhor: "o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo"? (ibid.). Sim, neste pão, o pão eucarístico, encontra-se a oferenda salvífica da vida, que Cristo imolou pela vida do mundo. Então não surge espontânea a pergunta: "E a minha "carne" ou seja, a minha humanidade, a minha existência é para alguém? Está repleta do amor de Deus e da caridade pelo próximo? Ou, pelo contrário, permanece aprisionada na cerca opressora do egoísmo?"

3. Vós, queridos universitários, estais continuamente em busca da verdade. Mas não se chega à verdade do homem unicamente com os meios que a ciência oferece nas suas diversas disciplinas. Vós sabeis bem que é possível descobrir profundamente a verdade do homem, a verdade de nós próprios, unicamente graças ao olhar repleto de amor de Cristo. E Ele, o Senhor, vem ao nosso encontro no Mistério da Eucaristia. Por conseguinte, nunca cesseis de O procurar e descobrireis nos seus olhos um reflexo atraente da bondade e da beleza que Ele mesmo efundiu nos vossos corações com o dom do seu Espírito. Este misterioso reflexo do seu amor seja a luz que guia sempre o vosso caminho!

São estes os votos que formulo com afecto a cada um de vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, ao aproximar-se o Santo Natal. O Filho de Deus, que para a nossa salvação se fez homem, vos dê a coragem de procurar a verdade acerca de vós próprios na luz do seu amor infinito! O nosso Redentor já está próximo: ide ao Seu encontro!

Amém.



MISSA DA MEIA NOITE


Natal, 24 de Dezembro de 2004

1. «Adoro Te devote, latens Deitas».


Nesta Noite, sinto ressoar no coração as primeiras palavras do célebre Hino Eucarístico, que dia após dia me acompanham neste ano dedicado particularmente à Eucaristia.

No Filho da Virgem, «envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2,12), reconhecemos e adoramos «o Pão descido do céu» (Jn 6,41 Jn 6,51), o Redentor que veio à terra para dar a vida ao mundo.

1819 2. Belém! Na língua hebraica, a cidade onde, segundo as Escrituras, nasceu Jesus significa «casa do pão». Lá devia, pois, nascer o Messias que haveria de dizer de Si mesmo: «Eu sou o pão da vida» (Jn 6,35 Jn 6,48).

Em Belém nasceu Aquele que, no sinal do pão partido, haveria de deixar o memorial da sua Páscoa. A adoração do Menino Jesus torna-se, nesta Noite Santa, adoração eucarística.

3. Adoramo-Vos, Senhor, realmente presente no Sacramento do Altar, Pão vivo que dais vida ao homem. Reconhecemo-Vos como nosso único Deus, ó frágil Menino que estais inerme no presépio! «Na plenitude dos tempos, fizestes-Vos homem entre os homens para unir o fim ao princípio, isto é, o homem a Deus» (S. Ireneu, Adversus haereses, 4, 20, 4).

Nascestes nesta Noite, nosso divino Redentor, e para nós, viandantes pelas sendas do tempo, Vos fizestes alimento de vida eterna.

Recordai-Vos de nós, eterno Filho de Deus, que tomastes da Virgem Maria a forma humana! A humanidade inteira, atribulada por provas e dificuldades, precisa de Vós.

Ficai connosco, Pão vivo descido do Céu para nossa salvação! Ficai connosco para sempre. Amen!





HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

NAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DA SOLENIDADE

DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS


E RECITAÇÃO DO "TE DEUM"


Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2004




1. Mais um ano chega ao fim. Com viva consciência da fugacidade do tempo, reunimo-nos nesta tarde para dar graças a Deus por todas as dádivas que Ele nos concedeu ao longo do ano de 2004.

Fazemo-lo com o tradicional cântico do Te Deum.

2. Te Deum laudamus! Damos-te graças, ó Pai, porque na plenitude dos tempos, enviaste o seu Filho (cf. Gl Ga 4,4), não para julgar o mundo, mas para o salvar com amor imenso (cf. Jo Jn 3,17).

Damos-te graças, Senhor Jesus, nosso Redentor, porque quiseste assumir de Maria, Mãe sempre Virgem, a nossa natureza humana. Neste Ano da Eucaristia, desejamos agradecer-te com ardor mais intenso o dom do teu Corpo e do teu Sangue, no Sacramento do Altar.

1820 Louvamos-te e agradecemos-te, Espírito Santo Paráclito, porque nos tornas conscientes da nossa adoção filial (cf. Rm Rm 8,16) e nos ensinas a dirigir-nos a Deus, chamando-lhe Pai, "Abba" (cf. Jo Jn 4,23-24 Ga 4,6).

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs da Comunidade diocesana de Roma! É a vós que agora dirijo a minha cordial saudação, neste nosso encontro de fim de ano. Em primeiro lugar, saúdo o Cardeal Vigário, os Bispos Auxiliares, os Sacerdotes, as pessoas consagradas e todos os componentes do povo cristão. Saúdo com deferência o Presidente da Região, o Presidente da Câmara Municipal de Roma, o Presidente da Província e as demais Autoridades civis aqui presentes.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, damos sempre graças a Deus pelas manifestações de bondade e de misericórdia com que acompanhou, durante estes meses, o caminho da nossa Cidade. Que Ele realize todos os projectos apostólicos e todas as iniciativas de bem.

4. "Salvum fac populum tuum, Domine", "Salva o teu povo, ó Senhor". É o que te pedimos esta tarde, por meio de Maria, celebrando as Primeiras Vésperas da Festa da Maternidade Divina.
Santa Mãe do Redentor, acompanha-nos nesta passagem do ano novo. Obtém o dom da paz para Roma e para o mundo inteiro.

Mãe de Deus, intercede por nós!



2005



NA FESTA DA MÃE DE DEUS


E XXXVIII DIA MUNDIAL DA PAZ


1 de Janeiro de 2005

1. "Salve, Mãe santa: tu deste à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos, eternamente" (Antífona de entrada).


No primeiro dia do ano, a Igreja reúne-se em oração diante do ícone da Mãe de Deus, e honra com alegria Aquela que deu ao mundo o fruto do seu seio, Jesus, o "Príncipe da paz" (Is 9,5).

2. Já se tornou uma tradição consolidada, celebrar neste mesmo dia o Dia Mundial da Paz. Nesta ocasião, estou feliz por formular votos ardentes aos ilustres Embaixadores do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé. Dirijo uma saudação especial aos Embaixadores dos países particularmente atingidos nestes dias pelo ingente cataclismo que se abateu sobre eles.


Homilias JOÃO PAULO II 1811