Humanum genus PT


ENCÍCLICA

HUMANUM GENUS

DO PAPA LEÃO XIII

SOBRE A MAÇONARIA

Aos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, e

Bispos do Mundo Católico em Graça e Comunhão com a Sé Apostólica.


1 O Gênero Humano, após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes, "pela inveja do demônio," separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.


2 Este reino dividido Sto. Agostinho penetrantemente discerniu e descreveu ao modo de duas cidades, contrárias em suas leis porque lutando por objetivos contrários; e com sutil brevidade ele expressou a causa eficiente de cada uma nessas palavras: "Dois amores formaram duas cidades: o amor de si mesmo, atingindo até o desprezo de Deus, uma cidade terrena; e o amor de Deus, atingindo até o desprezo de si mesmo, uma cidade celestial."[1] Em cada período do tempo uma tem estado em conflito com a outra, com uma variedade e multiplicidade de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta época, entretanto, os partisans (guerrilheiros) do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com veemência unida, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada os Maçons. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador. Lamentando estes males, Nós somos constrangidos pela caridade que urge Nosso coração a clamar freqüentemente a Deus: "Ó Deus, eis que Teus inimigos se agitam; e os que Te odeiam levantaram as suas cabeças. Eles tramam um plano contra Teu povo, e conspiram contra Teus santos. Eles disseram: 'vinde, destruamo-nos, de modo que eles não sejam uma nação'."[2]


3 Em uma crise tão urgente, quando tão feroz e tão forte assalto é feito sobre o nome Cristão, é Nosso ofício apontar o perigo, marcar quem são os adversários, e no máximo de Nosso poder fazer uma barreira contra seus planos e procedimentos, para que não pereçam aqueles cuja salvação está confiada a Nós, e para que o reino de Jesus Cristo confiado a Nosso encargo possa não só permanecer de pé e inteiro, mas possa ser alargado por um crescimento cada vez maior através do mundo.


4 Os Pontífices Romanos nossos predecessores, em sua incessante vigilância pela segurança do povo Cristão, foram rápidos em detectar a presença e o propósito desse inimigo capital tão logo ele saltou para a luz ao invés de esconder-se como uma tenebrosa conspiração; e, além disso, eles aproveitaram e tomaram providências, pois a eles isso competia, e não permitiram a si mesmos serem tomados pelos estratagemas e armadilhas armadas para enganá-los.


5 A primeira advertência do perigo foi dada por Clemente XII no ano de 1738[3], e sua constituição foi confirmada e renovada por Bento XIV[4]. Pio VII seguiu o mesmo caminho[5]; e Leão XII, por sua constituição apostólica, Quo Graviora[6], juntou os atos e decretos dos Pontífices anteriores sobre o assunto, e os ratificou e confirmou para sempre. No mesmo sentido pronunciou-se Pio VIII[7], Gregório XVI[8], e, muitas vezes, Pio IX[9].


6 Tão logo a constituição e o espírito da seita maçônica foram claramente descobertos por manifestos sinais de suas ações, pela investigação de suas causas, pela publicação de suas leis, e de seus ritos e comentários, com a freqüente adição do testemunho pessoal daqueles que estiveram no segredo, esta sé apostólica denunciou a seita dos Maçons, e publicamente declarou sua constituição, como contrária à lei e ao direito, perniciosa tanto à Cristandade como ao Estado; e proibiu qualquer um de entrar na sociedade, sob as penas que a Igreja costuma infligir sobre as pessoas excepcionalmente culpadas. Os sectários, indignados por isto, pensando em eludir ou diminuir a força destes decretos, parcialmente por desprezo, e parcialmente por calúnia, acusaram os soberanos Pontífices que os passaram ou de exceder os limites da moderação em seus decretos ou de decretar o que não era justo. Este foi o modo pelo qual eles esforçaram-se para eludir a autoridade e o peso das constituições apostólicas de Clemente XII e Bento XIV, e também de Pio VII e Pio IX[10]. Entretanto, na própria sociedade, encontraram-se homens que relutantemente concordaram que os Pontífices Romanos tinham agido dentro de seu direito, de acordo com a doutrina e disciplina Católicas. Os Pontífices receberam a mesma concordância, em termos fortes, de muitos príncipes e chefes de governo, que tomaram como um dever ou delatar a sociedade maçônica à sé apostólica, ou por seu próprio acordo por leis específicas declará-la perniciosa, como, por exemplo, na Holanda, Áustria, Suíça, Espanha, Bavária, Savóia, e outras partes da Itália.

[1] De civ. Dei, 14, 28 (PL 41, 436).
[2] Ps 82,2-4.
[3] Const. In Eminenti, 24 de abril de 1738.
[4] Const. Providas, 18 de maio de 1751.
[5] Const. Ecclesiam a Jesu Christo, 13 de setembro de 1821.
[6] Const. dada a 13 de março de 1825.
[7] Enc. Traditi, 21 de maio de 1829.
[8] Enc. Mirari, 15 de agosto de 1832.
[9] Enc. Qui Pluribus, 9 de novembro de 1846; pronunciamento Multiplices inter, 25 de setembro de 1865. etc.
[10] Clemente Xll (1730-40); Bento XIV (1740-58), Pio VII (1800-23); Pio IX (1846-78). [11] Ver números 79, 81, 84.

7 Mas, o que é da maior importância, o curso dos eventos demonstrou a prudência dos Nossos predecessores. Pois a sua providente e paternal solicitude não conseguiu sempre e em todo lugar o resultado desejado; e isto, ou por causa do fingimento e astúcia de alguns que eram agentes ativos na maldade, ou então da irrefletida leviandade do resto que deveria, em seu próprio interesse, ter dado ao assunto sua diligente atenção. Em conseqüência, a seita dos Maçons cresceu com uma velocidade inconcebível no curso de um século e meio, até que se tornou capaz, através de fraude ou audácia, de obter tal acesso em cada nível do Estado de modo a parecer quase a sua força governante. Este veloz e formidável avanço trouxe sobre a Igreja, sobre o poder dos príncipes, sobre o bem estar público, precisamente aquele grave dano que Nossos predecessores tinham previsto muito antes. Tal condição foi atingida que de agora de diante haverá grave razão para temer, não realmente pela Igreja - porque sua fundação é firme demais para ser derrubada pelos esforços dos homens - mas por aqueles Estados em que prevalece o poder, ou da seita da qual estamos falando ou de outras seitas não diferentes que curvam-se a ela como discípulas e subordinadas.


8 Por estas razões Nós, tão logo chegamos ao timão da Igreja, claramente vimos e sentimos ser Nosso dever usar Nossa autoridade em sua máxima extensão contra um mal tão vasto. Nós já por muitas vezes, conforme as ocasiões surgiram, atacamos alguns pontos principais dos ensinamentos que demonstraram de uma maneira especial a perversa influência das opiniões Maçônicas. Assim, em nossa carta encíclica, Quod Apostolici Muneris, Nós Nos esforçamos por refutar as monstruosas doutrinas dos socialistas e comunistas; depois, em outra começando com "Arcanum", Nós penosamente defendemos e explicamos a verdadeira e genuína idéia da vida doméstica, da qual o matrimônio é o ponto de partida e a origem; e novamente, naquela que começa com "Diuturnum"[11], Nós descrevemos a idéia de governo político conforme os princípios da sabedoria Cristã, que é maravilhosa em harmonia, por um lado, com a ordem natural das coisas, e, por outro lado, com o bem-estar tanto dos príncipes soberanos quanto das nações. É agora Nossa intenção, seguindo o exemplo de Nossos predecessores, tratar diretamente a própria sociedade maçônica, todo o seu ensinamento, seus objetivos, e a sua maneira de pensar e agir, de modo a trazer mais e mais à luz seu poder para o mal, e fazer o que Nós pudermos para deter o contágio desta peste fatal.


9 Há vários corpos organizados os quais, embora diferindo em nome, em cerimonial, em forma e origem, são contudo tão unidos por comunhão de propósito e pela similaridade de suas principais opiniões, de modo a formar de fato uma só coisa com a seita dos Maçons, a qual é um tipo de centro ao qual todos eles se dirigem, e do qual todos eles retornam. Agora, estes não mais mostram um desejo de permanecer escondidos; pois eles realizam seus encontros à luz do dia e à vista do povo, e publicam seus próprios jornais; e contudo, quando completamente compreendidos, descobre-se que eles ainda retêm a natureza e os hábitos de sociedades secretas. Há muitas coisas como mistérios que é regra fixa esconder com extremo cuidado, não somente de estranhos, mas de muitos e muitos membros, também; tais como seus desígnios secretos e últimos, os nomes de seus maiores líderes, e certos segredos e encontros privados, assim como suas decisões, e os caminhos e meios de executá-las. Este é, sem dúvida, o objetivo das múltiplas diferenças entre os membros quanto a direito, cargo e privilégio, das distinções recebidas de ordens e graus, e da severa disciplina que é mantida.

Os candidatos são geralmente ordenados a prometer - e mais, com um especial juramento, a jurar - que eles não irão nunca, a nenhuma pessoa, em qualquer tempo ou de qualquer modo, dar a conhecer os membros, as senhas, ou os assuntos discutidos. Assim, com uma aparência externa fraudulenta, e com um estilo de fingimento que é sempre o mesmo, os Maçons, como os Maniqueístas de antigamente, esforçam-se, tanto quanto possível, para encobrir a si mesmos, e para não admitir testemunhas exceto seus próprios membros. Como uma maneira conveniente de disfarce, eles assumem o caráter de homens de letras e acadêmicos associados com o objetivo de aprender. Eles falam de seu zelo por um maior refinamento cultural, e de seu amor pelos pobres; e eles declaram que seu único desejo é a melhoria da condição das massas, e o compartilhamento com o maior número possível de pessoas de todos os benefícios da vida civil. Mesmo que estes propósitos fossem visados verdadeiramente, eles não são de modo algum o todo de seu objetivo. Ainda mais, para ser alistado, é necessário que os candidatos prometam e assumam ser daí em diante estritamente obedientes aos seus líderes e mestres com a mais completa submissão e fidelidade, e estar de prontidão para cumprir suas ordens à mais leve expressão de seu desejo; ou, se desobedientes, submeter-se aos mais penosos castigos e à própria morte. De fato, se algum é julgado ter traído as obras da seita ou ter resistido à ordens dadas, a punição é infligida neles não infreqüentemente, e com tanta audácia e destreza que o assassino muito freqüentemente escapa à detecção e punição de seu crime.


10 Mas fingir e desejar permanecer escondido; atar homens como escravos com as mais fortes correntes, e sem dar qualquer razão suficiente; usar homens escravizados aos desejos de outro para qualquer ato arbitrário; armar as mãos direitas de homens para o massacre após assegurar a impunidade pelo crime - tudo isso é uma enormidade diante qual a natureza recua. Por este motivo, a razão e a própria verdade tornam claro que a sociedade da qual nós estamos falando está em antagonismo com a justiça e a retidão natural. E isto se torna ainda mais claro, uma vez que outros argumentos, também, e muito evidentes, provam que ela é essencialmente oposta à virtude natural. Pois, não importando quão grande possa ser a inteligência do homem em disfarçar e a sua experiência em mentir, é impossível evitar os efeitos de qualquer causa de mostrarem, de algum modo, a natureza intrínseca da causa da qual eles vêm. "Uma boa árvore não pode produzir mau fruto, nem uma árvore ruim produzir bom fruto."[12] Agora, a seita maçônica produz frutos que são perniciosos e do mais amargo sabor. Pois, daquilo que Nós acima mostramos da maneira mais clara, aquele que é o seu propósito último força-a a se tornar visível - especificamente, a completa derrubada de toda a ordem religiosa e política do mundo que o ensinamento Cristão produziu, e a substituição por um novo estado de coisas de acordo com as suas idéias, das quais as fundações e leis devem ser obtidas do mero naturalismo.


11 O que Nós dissemos, e estamos para dizer, deve ser entendido com respeito à seita dos Maçons tomada genericamente, e tanto quanto ela compreende as associações aparentadas a ela e confederadas com ela, mas não dos seus membros individuais. Pode haver pessoas entre eles, e não poucos que, embora não livres da culpa de terem se enleado em tais associações, ainda assim não são eles mesmos parceiros em seus atos criminosos nem conscientes do objetivo último que eles estão se esforçando por alcançar. Do mesmo modo, algumas das sociedades afiliadas, talvez, de modo algum aprovem as conclusões extremas que eles iriam, se consistentes, abraçar como conseqüências necessárias de seus princípios comuns, se a sua própria maldade não os enchesse de horror. Alguns deles, novamente, são levados pelas circunstâncias dos tempos e lugares ou a visar coisas menores do que os outros normalmente tentam ou do que eles mesmos desejariam tentar. Eles não devem, entretanto, por esta razão, ser considerados como estranhos à federação maçônica; porque a federação maçônica deve ser julgada não tanto pelas coisas que ela tem feito, ou concluído, quanto pela soma de suas opiniões pronunciadas.


12 Agora, a doutrina fundamental dos naturalistas, que eles tornam suficientemente conhecida em seu próprio nome, é que a natureza humana e a razão humana deveria em todas as coisas ser senhora e guia. Eles ligam muito pouco para os deveres para com Deus, ou os pervertem por opiniões errôneas e vagas. Pois eles negam que qualquer coisa tenha sido ensinada por Deus; eles não permitem qualquer dogma de religião ou verdade que não possa ser entendida pela inteligência humana, nem qualquer mestre que deva ser acreditado por causa de sua autoridade. E desde que é o dever especial e exclusivo da Igreja Católica estabelecer completamente em palavras as verdades divinamente recebidas, ensinar, além de outros auxílios divinos à salvação, a autoridade de seu ofício, e defender a mesma com perfeita pureza, é contra a Igreja que o ódio e o ataque dos inimigos é principalmente dirigido.


13 Nos assuntos a respeito de religião que se veja como a seita dos Maçons age, especialmente aonde ela é mais livre para agir sem barreiras, e então que qualquer um julgue se realmente ela não deseja executar a política dos naturalistas. Por um longo e perseverante labor, eles esforçam-se para alcançar este resultado - especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da Igreja tornem-se sem valor no Estado civil; e por esta mesma razão eles declaram ao povo e argumentam que a Igreja e o Estado devem ser completamente desunidos. Por este meio eles rejeitam das leis e da nação a saudável influência da religião Católica; e eles conseqüentemente imaginam que os Estados devem ser constituídos sem qualquer consideração pelas leis e preceitos da Igreja.


14 Nem eles pensam ser suficiente desconsiderar a Igreja - a melhor das guias - mas eles também a ferem por sua hostilidade. Realmente, para eles está dentro da lei atacar com impunidade as próprias fundações da religião Católica, em palavra, em escritos e em ensinamentos; e até os direitos da Igreja não são poupados, e os ofícios com os quais ela é divinamente investida não estão seguros. A mínima liberdade possível para administrar os assuntos é deixada à Igreja; e isto é feito por leis aparentemente não muito hostis, mas na realidade armadas e ajustadas para dificultar a liberdade de ação. Ainda mais, Nós vemos leis excepcionais e opressivas impostas sobre o clero, a fim de que eles possam ser continuamente diminuídos em número e meios necessários. Nós também vemos os remanescentes das possessões da Igreja restringidos pelas mais estritas condições, a sujeitados ao poder e ao desejo arbitrário dos administradores do Estado, e as ordens religiosas reviradas e espalhadas.


15 Mas contra a sé apostólica e o Pontífice Romano a contenda destes inimigos tem sido por um longo tempo dirigida. O Pontífice foi primeiro, por razões sem substância, atirado para fora da proteção de sua liberdade e de seu direito, o principado civil; logo, ele foi injustamente forçado em uma condição que era insuportável por causa das dificuldades levantadas de todos os lados; e agora o tempo chegou em que os partisans (guerrilheiros) da seita abertamente declaram, o que em segredo entre eles mesmos eles têm por um longo tempo planejado, que o poder sagrado dos Pontífices deve ser abolido, e que o próprio papado, fundado por direito divino, deve ser totalmente destruído. Se outras provas fossem desejadas, este fato seria suficientemente revelado pelo testemunho de homens informados, dos quais alguns em outros tempos, e outros recentemente, declararam ser verdadeiro a respeito dos Maçons que eles desejam especialmente atacar violentamente a igreja com irreconciliável hostilidade, e que eles nunca descansarão até que eles tenham destruído o que quer que os supremos Pontífices tenham estabelecido como religião.


16 Se aqueles que são admitidos como membros não são ordenados a abjurar por quaisquer palavras as doutrinas Católicas, esta omissão, muito longe de ser adversa aos desígnios dos Maçons é mais útil para os seus propósitos. Primeiro, deste modo eles facilmente enganam os ingênuos e os incautos, e podem induzir um número muito maior a se tornarem membros. Novamente, como todos que se oferecem são recebidos qualquer que possa ser sua forma de religião, eles deste modo ensinam o grande erro desta época - que uma consideração por religião deveria ser tida como assunto indiferente, e que todas as religiões são semelhantes. Este modo de raciocinar é calculado para trazer a ruína de todas as formas de religião, e especialmente da religião Católica, que, como é a única que é verdadeira, não pode, sem grande injustiça, ser considerada como meramente igual às outras religiões.


17 Mas os naturalistas vão muito mais longe; pois, tendo, nas mais altas coisas, entrado em um curso completamente errôneo, eles são levados impetuosamente a extremos, ou por causa da fraqueza da natureza humana, ou porque Deus inflige sobre eles a justa punição do seu orgulho. Assim acontece que eles não mais consideram como certas e permanentes aquelas coisas que são totalmente entendidas pela luz natural da razão, tais como certamente são - a existência de Deus, a natureza imaterial da alma humana, e sua imortalidade. A seita dos Maçons, por uma similar trilha de erro, é exposta a estes mesmos perigos; pois, embora de um modo geral eles possam professar a existência de Deus, eles mesmos são testemunhas que eles não mantém todos esta verdade com total concordância da mente e com uma firme convicção. Nem eles escondem que esta questão sobre Deus é a maior fonte e causa de discórdias entre eles; de fato, é certo que uma discussão considerável sobre este mesmo assunto existiu entre eles muito recentemente. Mas, realmente, a seita permite grande liberdade aos seus membros juramentados por voto, de modo que para cada lado é dado o direito de defender a sua própria opinião, ou de que há um Deus, ou de que não há nenhum; e aqueles que obstinadamente argumentam que não há nenhum Deus são tão facilmente iniciados como aqueles que argumentam que Deus existe, embora, como os panteístas, eles tenham falsas noções acerca dEle: tudo que não é nada mais do que retirar a realidade, retendo algumas absurdas representações da natureza divina.


18 Quando esta maior e fundamental verdade foi derrubada ou enfraquecida, segue que aquelas verdades, também, que são conhecidas pelo ensinamento da natureza devem começar a cair - especificamente, que todas as coisas foram feitas pelo livre desejo de Deus o Criador; que o mundo é governado pela Providência; que as almas não morrem; que a esta vida dos homens sobre a terra sucederá outra em uma vida eterna.


19 Quando estas verdades foram eliminadas, as quais são os princípios da natureza e importantes para o conhecimento e para o uso prático, é fácil de ver o que irá ser da moralidade pública e privada. Nós não dizemos nada daquelas virtudes mais celestiais, as quais ninguém pode exercer ou mesmo adquirir sem um especial dom e graça de Deus; das quais necessariamente nenhum traço pode ser encontrado naqueles que rejeitam como desconhecida a redenção da humanidade, a graça de Deus, os sacramentos, e a felicidade a ser obtida no céu. Nós falamos agora dos deveres que têm a sua origem na retidão natural. Que Deus é o Criador do mundo e seu providente Governador; que a lei eterna exige que a ordem natural seja mantida, e proíbe que ela seja perturbada; que o fim último do homem é um destino muito acima das coisas humanas e além desta parada sobre a terra: estas são as fontes e estes são os princípios de toda justiça e moralidade.

Se eles forem removidos, como os naturalistas e Maçons desejam, imediatamente não haverá nenhum conhecimento quanto ao que constitui justiça e injustiça, ou sobre qual princípio a moralidade é fundada. E, em verdade, o ensinamento de moralidade que exclusivamente encontra o favor da seita dos Maçons, e em que eles argumentam que os jovens deveriam ser instruídos, é o que eles chamam "civil", e "independente", e "livre", especificamente, aquele que não contém qualquer crença religiosa. Mas, quão insuficiente tal ensinamento é, quanto deixa a desejar em firmeza, e quão facilmente movido por cada impulso da paixão, é suficientemente provado por seus tristes frutos, que já começaram a aparecer. Pois, aonde quer que, removendo a educação Cristã, este ensinamento começou a reinar mais completamente, aí a bondade e integridade da moral começou rapidamente a perecer, monstruosas e vergonhosas opiniões têm crescido, e a audácia dos atos malignos tem se elevado a um alto grau. Tudo isso é comumente lamentado e deplorado; e não poucos daqueles que de modo algum desejam fazê-lo são compelidos pela abundância de provas a dar não infreqüentemente o mesmo testemunho.


20 Ainda mais, a natureza humana foi manchada pelo pecado original, e é portanto mais disposta ao vício do que à virtude. Pois uma vida virtuosa é absolutamente necessária para restringir os movimentos desordenados da alma, e para fazer as paixões obedientes à razão. Neste conflito as coisas humanas devem freqüentemente ser desprezadas, e os maiores trabalhos e durezas devem ser executados, de modo que a razão possa sempre manter o seu domínio. Mas os naturalistas e Maçons, não tendo fé naquelas coisas que nós aprendemos pela revelação de Deus, negam que nossos primeiros pais tenham pecado, e conseqüentemente pensam que o livre desejo não é de modo algum enfraquecido e inclinado ao mal[13]. Pelo contrário, exagerando bastante o poder e a excelência da natureza, e colocando somente ali o princípio e regra da justiça, eles não podem nem mesmo imaginar que haja qualquer necessidade de uma constante luta e uma perfeita firmeza para dominar a violência e governo de nossas paixões.

Por isso nós vemos que homens são publicamente tentados pelos muitos encantamentos do prazer; que há jornais e panfletos sem moderação nem vergonha; que peças de teatro são notáveis pela licenciosidade; que desenhos para obras de arte são de uma maneira desavergonhada buscados nas leis de um assim chamado realismo; que os planos de uma vida fácil e delicada são cuidadosamente elaborados; que todas as seduções do prazer são diligentemente buscadas pelas quais a virtude possa ser ninada até adormecer. Depravadamente, também, mas ao mesmo tempo de um modo bastante consistente, fazem aqueles atos que eliminam a expectativa das alegrias do céu, e trazem para baixo toda a felicidade para o nível da mortalidade, e, de fato, a afundam na terra. Do que Nós dissemos o seguinte fato, estarrecedor não tanto por si mesmo quanto em sua aberta expressão, pode servir como confirmação. Pois, uma vez que geralmente ninguém está acostumado a obedecer homens hábeis e inteligentes tão submissamente como aqueles cuja alma está enfraquecida e quebrada pelo domínio das paixões, tem havido na seita dos Maçons alguns que têm simplesmente determinado e proposto que, engenhosamente e de propósito estabelecido, a multidão deveria ser saciada com uma licença sem limite para o vício, pois, quando isso tivesse sido feito, ela iria facilmente cair sob o seu poder e autoridade para quaisquer atos de audácia.

[12] Mt 7,18.
[13] Trid., sess. vi, De justif, c. 1. Texto do Concílio de Trento: "tametsi in eis (sc. Judaeis)liberum arbitrium minime extinctum esset, viribus licet attenuatum et inclinatum."


21 Quanto ao que se refere à vida doméstica nos ensinamentos dos naturalistas é quase tudo contido nas seguintes declarações: que o casamento pertence ao gênero dos contratos humanos, que pode ser legalmente revogado pelo desejo daqueles que o fizeram, que os governadores civis do Estado têm poder sobre o laço matrimonial; que na educação dos jovens nada deve ser ensinado em matéria de religião como opinião certa e fixada; e cada um deve ser deixado livre para seguir, quando chegar à idade, qualquer que ele preferir. Os Maçons concordam completamente com estas coisas; e não somente concordam, mas têm longamente esforçado-se para transformá-las em lei e instituição. Pois em muitos países, e aqueles nominalmente Católicos, é estabelecido que nenhum casamento deve ser considerado legal a não ser aqueles contraídos pelo rito civil; em outros lugares a lei permite o divórcio; e em outros todos os esforços são feitos para torná-lo legal tão logo quanto possível. Portanto, o tempo está rapidamente se aproximando em que os casamentos vão ser tornados em outro tipo de contrato - ou seja em uniões mutáveis e incertas que um capricho pode unir, e que do mesmo modo quando se modificar pode desunir.

Com a maior unanimidade a seita dos Maçons também esforça-se para tomar a si mesma a educação da juventude. Eles pensam que eles podem facilmente moldar às suas opiniões aquela idade macia e maleável, e torcê-la no que quer que eles desejem; e que nada pode ser mais adequado do que isto para permitir a eles levar a juventude do Estado a seguir seu próprio plano. Portanto, na educação e instrução de crianças eles não permitem qualquer participação, quer no ensinamento ou na disciplina, aos ministros da Igreja; e em muitos lugares eles têm procurado obter que a educação dos jovens esteja exclusivamente nas mãos de leigos, e que nada que trate dos mais importantes e mais sagrados deveres dos homens para com Deus deva ser introduzido na instrução sobre moral.


22 E ainda há as suas doutrinas sobre política, em que os naturalistas decretam que todos os homens tem o mesmo direito, e são em todos os aspectos da mesma e igual condição; que cada um é naturalmente livre; que nenhum tem o direito de comandar a outrem; que é um ato de violência requerer que homens obedeçam qualquer autoridade outra que aquela que é obtida deles mesmos. De acordo com isto, portanto, todas as coisas pertencem ao povo livre; o poder é exercido pela ordem ou permissão do povo, de modo que, quando o desejo do povo muda, os governantes podem ser legalmente depostos e a fonte de todos os direitos e deveres civis está ou na multidão ou na autoridade governante quando esta é constituída de acordo com as últimas doutrinas. É sustentado também que o Estado deve ser sem Deus; que nas várias formas de religião não há razão pela qual uma devesse ter precedência sobre outra; e que todas elas devem ocupar o mesmo lugar.


23 Que estas doutrinas são igualmente aceitáveis aos Maçons, e que eles desejariam constituir Estados de acordo com este exemplo e modelo, é excessivamente bem conhecido para requerer prova. Por algum tempo eles tem abertamente esforçado-se para tornar isto realidade com toda a sua força e recursos; e deste modo eles preparam o caminho para não poucos homens audaciosos que estão se apressando a fazer até as piores coisas, em seu esforço para obter igualdade e comunhão de todos os bens pela destruição de todas as distinções de título e propriedade.


24 O que, portanto, a seita dos Maçons é, e que trilha ela persegue, aparece suficientemente do sumário que Nós resumidamente demos. Seus dogmas principais estão tão grandemente e manifestamente apartados da razão que nada pode ser mais perverso. Desejar destruir a religião e a Igreja que o próprio Deus estabeleceu, e cuja perpetuidade Ele assegura por Sua proteção, e trazer após um lapso de dezoito séculos as maneiras e costumes dos pagãos, é notável insensatez e audaciosa impiedade. Nem é menos horrível nem mais tolerável que eles repudiem os benefícios que Jesus Cristo tão misericordiosamente obteve, não somente para os indivíduos, mas também para as famílias e a sociedade civil, benefícios os quais, mesmo de acordo com o julgamento e testemunho de inimigos da Cristandade, são muito grandes. Nesta empreitada insana e pervertida nós quase podemos ver o ódio implacável e o espírito de vingança com o qual o próprio Satanás está inflamado contra Jesus Cristo. - Do mesmo modo o estudado esforço dos Maçons para destruir as principais fundações da justiça e honestidade, e para cooperar com aqueles que desejarem, como se fossem meros animais, fazer o que eles quiserem, tende somente para a ignominiosa e desgraçada ruína do gênero humano.

O mal, também, é agravado pelos perigos que ameaçam a sociedade doméstica e civil. Como Nós demonstramos, no matrimônio, de acordo com a crença de quase todas nações, há algo sagrado e religioso; e a lei de Deus determinou que os matrimônios não devam ser dissolvidos. Se eles forem desprovidos do seu caráter sagrado, e feitos dissolúveis, problemas e confusão na família serão o resultado, a esposa sendo despojada de sua dignidade e as crianças deixadas sem proteção quanto aos seus interesses e bem-estar. - Não ter nos assuntos públicos qualquer cuidado pela religião, e nos arranjos e administração dos assuntos civis não ter maior consideração para com Deus do que se Ele não existisse, é uma imprudência desconhecida dos próprios pagãos; pois em seus corações e almas a noção de uma divindade e a necessidade de uma religião pública estavam tão firmemente estabelecidas que eles teriam pensado ser mais fácil ter uma cidade sem fundamentos do que uma cidade sem Deus. A sociedade humana, para a qual nós verdadeiramente por natureza somos formados, foi constituída por Deus, o Autor da natureza; e dEle, como de seu princípio e fonte, fluem em toda a sua força e permanência os incontáveis benefícios com os quais a sociedade abunda. Como todos e cada um de nós somos admoestados pela própria voz da natureza para cultuar a Deus em piedade e santidade, como o Doador da vida e de tudo que é bom nela, do mesmo modo e pela mesma razão, nações e Estados estão obrigado a cultuá-lO; e portanto é claro que aqueles que querem absolver a sociedade de todos os deveres religiosos agem não só injustamente mas também com ignorância e insensatez.


25 Como os homens são pela vontade de Deus nascidos para a união civil e sociedade, e como o poder de governar é um elo de união tão necessário à sociedade que, se ele é retirado, a sociedade necessariamente e imediatamente se desfaz, segue que dEle que é o Autor da sociedade veio também a autoridade de governar; assim quem quer que governe, é ministro de Deus. Portanto, como o fim e a natureza da sociedade humana requerem, é correto obedecer às justas ordens da autoridade legal, como é correto obedecer a Deus que governa todas as coisas; e é extremamente falso que o povo tenha como um poder jogar de lado sua obediência quando quer que lhe agrade.


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