Pastores gregis PT 18

A senda dos conselhos evangélicos e das bem-aventuranças

18 A todos os seus discípulos, de modo especial àqueles que já durante a sua vida terrena quiserem segui-Lo mais de perto à maneira dos Apóstolos, o Senhor propõe o caminho dos conselhos evangélicos. Para além de serem um dom da Santíssima Trindade à Igreja, os conselhos constituem um reflexo da vida trinitária no crente; 80 e são-no de modo particular no Bispo, o qual, como sucessor dos Apóstolos, é chamado a seguir Cristo pela estrada da perfeição da caridade. Por isso, é um consagrado como Jesus. A sua vida é dependência radical d'Ele e total transparência d'Ele diante da Igreja e do mundo. Na vida do Bispo deve resplandecer a vida de Jesus e, consequentemente, a sua obediência ao Pai até à morte e morte de cruz (cf. Ph 2,8), o seu amor casto e virginal, a sua pobreza que é liberdade absoluta face aos bens terrenos.

Deste modo os Bispos, com o seu exemplo, poderão guiar não só aqueles que, na Igreja, foram chamados a seguir Cristo na vida consagrada, mas também os presbíteros, a quem é proposta igualmente a radicalidade da santidade segundo o espírito dos conselhos evangélicos. Aliás, tal radicalidade tem a ver com todos os fiéis, mesmo os leigos, porque « é uma exigência fundamental e irrecusável, que brota do apelo de Cristo a segui-Lo e imitá-Lo, em virtude da íntima comunhão de vida com Ele operada pelo Espírito ».81

Em suma, os fiéis devem poder contemplar, no rosto do Bispo, aquelas qualidades que são dom da graça e que nas bem-aventuranças constituem quase o auto-retrato de Cristo: o rosto da pobreza, da mansidão e da paixão pela justiça; o rosto misericordioso do Pai e do homem pacífico e pacificador; o rosto da pureza de quem constante e unicamente contempla a Deus. Os fiéis hão-de poder ver, no seu Bispo, o rosto também daquele que continua a compaixão de Cristo pelos atribulados e às vezes, como sucedeu na história e acontece ainda hoje, o rosto cheio de fortaleza e alegria interior de quem é perseguido por causa da verdade do Evangelho.

80 Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), VC 20-21: AAS88 (1996), 393-395.
81 João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), PDV 27: AAS 84 (1992), 701.


A virtude da obediência

19 Revestido destes traços tão humanos de Jesus, o Bispo torna-se modelo e promotor também duma espiritualidade de comunhão, orientada com vigilante cuidado para construir a Igreja, de tal modo que tudo, palavras e obras, seja realizado sob o signo da submissão filial, em Cristo e no Espírito, ao desígnio amoroso do Pai. Enquanto mestre de santidade e ministro da santificação do seu povo, o Bispo é efectivamente chamado a cumprir fielmente a vontade do Pai. A sua obediência deve ser vivida tendo por modelo – e não poderia ser doutro modo – a própria obediência de Cristo, que várias vezes afirmou ter descido do Céu, não para fazer a sua vontade, mas a d'Aquele que O enviou (cf. Jn 6,38 Jn 8,29 Ph 2,7-8).

Seguindo as pegadas de Jesus, o Bispo é obediente ao Evangelho e à Tradição da Igreja, consegue ler os sinais dos tempos e reconhecer a voz do Espírito Santo no ministério petrino e na colegialidade episcopal. Na Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, pus em evidência o carácter apostólico, comunitário e pastoral da obediência presbiteral.82 Obviamente todas estas características se encontram de modo mais saliente na obediência do Bispo. De facto, a plenitude do sacramento da Ordem, que recebeu, coloca-o numa relação especial com o Sucessor de Pedro, com os membros do Colégio Episcopal e com a sua própria Igreja particular. Deve sentir a obrigação de viver intensamente estas relações com o Papa e com os outros Bispos num vínculo íntimo de unidade e colaboração, correspondendo assim ao desígnio divino que quis unir inseparavelmente os Apóstolos ao redor de Pedro. Esta comunhão hierárquica do Bispo com o Sumo Pontífice reforça a sua capacidade de, em virtude do sacramento da Ordem recebido, tornar presente Cristo Jesus, Cabeça invisível de toda a Igreja.

Ao aspecto apostólico da obediência não pode deixar de juntar-se também o aspecto comunitário, enquanto o episcopado é, por sua natureza, « uno e indiviso ».83 Em virtude deste carácter comunitário, o Bispo é chamado a viver a sua obediência, vencendo toda a tentação individualista e assumindo, no conjunto da missão do Colégio Episcopal, a solicitude pelo bem de toda a Igreja.

Como modelo de escuta, o Bispo estará atento de igual modo a individuar, na oração e no discernimento, a vontade de Deus através daquilo que o Espírito diz à Igreja. Exercendo evangelicamente a sua autoridade, conseguirá dialogar com os colaboradores e os fiéis para fazer crescer eficazmente a mútua concordância.84 Isso permitir-lhe-á valorizar pastoralmente a dignidade e responsabilidade de cada membro do povo de Deus, favorecendo, com equilíbrio e serenidade, o espírito de iniciativa de cada um. Com efeito, os fiéis devem ser ajudados a crescer para uma obediência responsável que os torne activos no plano pastoral.85 A tal respeito, continua a ser actual a exortação que Santo Inácio de Antioquia dirigia a Policarpo: « Nada se faça sem o teu consentimento, e tu não faças nada sem Deus ».86

82 Cf. n. PDV 28: AAS 84 (1992), 701-703.
83 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 18.
84 Cf. ibid., LG 27 LG 37.
85 Cf. Propositio 10.
86 Carta a Policarpo, IV: PG 5, 721.


O espírito e a prática da pobreza no Bispo

20 Os padres sinodais recolheram, como sinal de sintonia colegial, o apelo, que lancei na liturgia de abertura do Sínodo, a que a bem-aventurança evangélica da pobreza fosse considerada como uma das condições necessárias para realizar, na situação actual, um fecundo ministério episcopal. Também nesta circunstância, no meio da assembleia dos Bispos, se delineou a figura de Cristo Senhor, « que realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição » e convida a Igreja, com os seus pastores à cabeça, « a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação ».87

Por isso o Bispo, que deseja ser autêntica testemunha e ministro do evangelho da esperança, deve ser vir pauper. Exige-o o testemunho que ele é obrigado a dar de Cristo pobre; exige-o também a solicitude da Igreja pelos pobres, que devem ser objecto de uma opção preferencial. A decisão do Bispo de viver o seu ministério na pobreza contribui decididamente para fazer da Igreja a « casa dos pobres ».

Além disso, tal decisão coloca o Bispo numa situação de liberdade interior ao exercer o ministério, permitindo-lhe comunicar eficazmente os frutos da salvação. A autoridade episcopal deve ser exercida com incansável generosidade e inexaurível gratuidade. Isto requer, da parte do Bispo, uma plena confiança na providência do Pai celeste, uma magnânima comunhão de bens, um teor austero de vida, uma conversão pessoal permanente. Somente por este caminho, será capaz de partilhar as angústias e os sofrimentos do Povo de Deus, que ele deve não apenas guiar e alimentar, mas também solidarizar-se, tomando parte nos seus problemas e contribuindo para alimentar a sua esperança.

Poderá cumprir eficazmente este serviço, se a sua vida for simples, sóbria e ao mesmo tempo activa e generosa, e se puser aqueles que são considerados os últimos da nossa sociedade, não aos lados, mas ao centro da comunidade cristã.88 Assim quase sem se dar conta, há-de favorecer a « fantasia da caridade » que põe em evidência mais a capacidade de viver a partilha fraterna do que a eficácia das ajudas prestadas. Com efeito, na Igreja apostólica, como amplamente testemunham os Actos dos Apóstolos, a pobreza de alguns suscitava a solidariedade dos outros tendo como resultado surpreendente que, « entre eles, não havia ninguém necessitado » (
Ac 4,34). A Igreja é devedora desta profecia ao mundo, assediado pelos problemas da fome e das desigualdades entre os povos. Nesta perspectiva de partilha e simplicidade, o Bispo administra os bens da Igreja como « bom pai de família » e vigia para que tais bens sejam usados para os fins próprios da Igreja: o culto de Deus, o sustentamento dos ministros, as obras de apostolado, as iniciativas de caridade para com os pobres.

Procurator pauperum sempre foi um título dos pastores da Igreja e deve sê-lo concretamente também hoje, para tornar presente e eloquente a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo como fundamento da esperança de todos, mas especialmente daqueles que só de Deus podem esperar uma vida mais digna e um futuro melhor. Solicitadas pelo exemplo dos Pastores, a Igreja e as Igrejas devem praticar aquela « opção preferencial pelos pobres » que indiquei como programa para o terceiro milénio.89

87 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 8.
88 Cf. Propositio 9.
89 Cf. Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), NM 49: AAS 93 (2001), 302.


Com a castidade ao serviço duma Igreja que reflecte a pureza de Cristo

21 « Recebe este anel, sinal de fidelidade; sê fiel à Igreja e guarda-a como esposa santa de Deus »: com estas palavras, tiradas do Pontifical Romano,90 o Bispo é convidado a tomar consciência do compromisso que assume de reflectir na sua pessoa o amor virginal de Cristo por todos os seus fiéis. Antes de mais nada, ele é chamado a suscitar entre os fiéis relações mútuas inspiradas por aquele respeito e aquela estima próprios duma família onde floresce o amor, segundo a exortação do apóstolo Pedro: « Amai-vos uns aos outros ardentemente e do fundo do coração, pois haveis renascido, não duma semente corruptível, mas incorruptível: pela palavra de Deus vivo e eterno » (1P 1,22-23).

Enquanto, com o seu exemplo e a sua palavra, o Bispo exorta os cristãos a oferecerem os seus corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (cf. Rom Rm 12,1), recorda a todos que « a aparência deste mundo passa » (1Co 7,31) e por isso é forçoso viver « aguardando a bem-aventurada esperança » do regresso glorioso de Cristo (cf. Tt Tt 2,13). De modo particular, na sua solicitude pastoral, ele acompanha com afecto paterno aqueles que abraçaram a vida religiosa com a profissão dos conselhos evangélicos e prestam o seu precioso serviço à Igreja. Além disso, apoia e encoraja os sacerdotes que, chamados pela graça divina, assumiram livremente o compromisso do celibato pelo Reino dos Céus, recordando a si mesmo e a eles as motivações evangélicas e espirituais desta opção, tão importante para o serviço do povo de Deus. Hoje, na Igreja e no mundo, o testemunho do amor casto constitui, por um lado, uma espécie de terapia espiritual para a humanidade e, por outro, uma contestação da idolatria do instinto sexual.

No contexto social actual, o Bispo deve estar particularmente unido ao seu rebanho e antes de tudo aos seus sacerdotes, paternalmente atento às suas dificuldades ascéticas e espirituais, prestando-lhes o devido apoio para favorecer a sua fidelidade à vocação e às exigências duma santidade de vida exemplar no exercício do ministério. Em caso de falta grave e, pior ainda, de delito que causam dano ao próprio testemunho do Evangelho, especialmente se praticados por ministros da Igreja, o Bispo deve ser forte e decidido, justo e sereno: é obrigado a intervir com prontidão, segundo as normas canónicas estabelecidas, quer para a correcção e o bem espiritual do ministro sagrado, quer para a reparação do escândalo e o restabelecimento da justiça, quer ainda no referente à protecção e ajuda das vítimas.

Com a palavra e com a acção vigilante e paterna, o Bispo cumpre a obrigação que tem de oferecer ao mundo a verdade duma Igreja santa e casta, nos seus ministros e nos seus fiéis. Agindo assim o pastor caminha à frente do seu rebanho como fez Cristo, o Esposo, que deu a sua vida por nós e deixou a todos o exemplo dum amor puro e virginal e, por isso, também fecundo e universal.

90 Rito da Ordenação do Bispo: Entrega do anel.


Animador duma espiritualidade de comunhão e missão

22 Na carta apostólica Novo millennio ineunte, pus em evidência a necessidade de « fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão ».91 Tal consideração teve um vasto eco e foi retomada na assembleia sinodal. Obviamente, o Bispo é o primeiro que, no seu caminho espiritual, tem o dever de fazer-se promotor e animador duma espiritualidade de comunhão, trabalhando incansavelmente por fazer dela um dos princípios educativos fundamentais em todos os lugares onde se plasma o homem e o cristão: na paróquia, nas associações católicas, nos movimentos eclesiais, nas escolas católicas, nos patronatos. De modo particular, terá o cuidado de fazer com que a espiritualidade de comunhão surja e se consolide nos lugares onde se educam os futuros presbíteros, isto é, nos seminários e também nos noviciados religiosos, nas casas religiosas, nos Institutos e Faculdades Teológicas.

Os pontos salientes desta promoção da espiritualidade de comunhão, indiquei-os sinteticamente na referida carta apostólica. Bastará acrescentar aqui que um Bispo deve encorajá-la particularmente dentro do seu presbitério, e também entre os diáconos, os religiosos e as religiosas. Há-de fazê-lo no diálogo e encontro pessoal, mas também nos encontros comunitários, providenciando que não faltem na sua Igreja particular momentos especiais durante os quais se disponha melhor para escutar « o que o Espírito diz às Igrejas » (
Ap 2,7 Ap 2,11 e al). Penso nas recolecções, retiros e jornadas de espiritualidade, e ainda no uso prudente também dos novos instrumentos da comunicação social, se tal resultar oportuno para uma maior eficácia.

Cultivar uma espiritualidade de comunhão significa, para um Bispo, alimentar a comunhão com o Romano Pontífice e com os outros irmãos Bispos, especialmente os membros da mesma Conferência Episcopal e Província Eclesiástica. A tal propósito e com o objectivo, não indiferente, de superar o risco da solidão e do desânimo face à grandeza enorme e desproporcionada dos problemas, um Bispo de boa vontade há-de recorrer, para além da oração, também à amizade e à comunhão fraterna com os seus Irmãos no episcopado.

Na sua fonte e modelo trinitários, a comunhão exprime-se sempre na missão. Esta é o fruto e a consequência lógica da comunhão. Fomenta-se o dinamismo da comunhão sempre que alguém se abre aos horizontes e às exigências da missão, dando como garantia permanente o testemunho da unidade, para que o mundo creia, e dilatando os espaços do amor para que todos cheguem à comunhão trinitária, donde procedem e para onde se encaminham. Quanto mais intensa for a comunhão, mais facilitada ficará a missão, sobretudo quando é vivida na pobreza abraçada por amor, que é a capacidade de ir ao encontro de cada pessoa, grupo e cultura unicamente com a força da Cruz, spes unica e supremo testemunho do amor de Deus, que se manifesta também como amor de fraternidade universal.

91 N. NM 43: AAS 93 (2001), 296.


Um caminho a percorrer no dia a dia

23 O realismo espiritual obriga a reconhecer que o Bispo é chamado a viver a sua vocação à santidade no meio de dificuldades externas e internas, fraquezas próprias e alheias, imprevistos quotidianos, problemas pessoais e institucionais. Uma tal situação é constante na vida dos pastores, como dá testemunho S. Gregório Magno quando, constatando isso mesmo, se lamenta: « Depois que tomei sobre os meus ombros a responsabilidade pastoral, o espírito não consegue recolher-se tão assiduamente como queria, porque se encontra solicitado por muitas preocupações. Vejo-me obrigado a ocupar-me ora dos problemas das igrejas, ora dos mosteiros e a analisar muitas vezes a vida e a actuação de cada pessoa em particular (...). Estando assim dividido e subjugado por tão numerosas e tão grandes preocupações, como poderá o meu espírito recolher-se e concentrar-se para se poder dedicar plenamente à pregação e não se afastar do ministério da palavra? (...) Todo aquele que é colocado como sentinela do povo deve portanto, pela sua vida, situar-se bem alto para ser útil com a sua previdência ».92

Para contrabalançar as forças centrífugas que tentam destruir a sua unidade interior, o Bispo precisa de cultivar um teor de vida sereno, que favoreça o equilíbrio mental, psicológico e afectivo, permitindo-lhe abrir-se ao acolhimento das pessoas e dos seus problemas num contexto de autêntica solidariedade com as diversas situações, alegres ou tristes. Também o cuidado pela própria saúde nas suas várias dimensões constitui, no Bispo, um acto de amor para com os fiéis e uma garantia de maior abertura e disponibilidade às sugestões do Espírito. São conhecidas as recomendações feitas a tal propósito por S. Carlos Borromeu, brilhante figura de pastor, no discurso que pronunciou durante o seu último Sínodo: « Exerces a cura de almas? Não descures então o cuidado de ti próprio, para não te dares tão desinteressadamente aos demais que nada reserves para ti. Sem dúvida, é necessário que te lembres das almas que diriges, mas desde que te não esqueças de ti ».93

Por isso, o Bispo procure entrar com equilíbrio na multiplicidade das suas obrigações harmonizando-as entre si: a celebração dos divinos mistérios e a oração privada, o estudo pessoal e a programação pastoral, o recolhimento e o justo repouso. Sustentado por estes auxílios à sua vida espiritual, achará a paz do coração experimentando a profundidade da comunhão com a Santíssima Trindade, que o escolheu e consagrou. Com a graça que Deus lhe assegura, poderá diariamente desempenhar o seu ministério, atento às necessidades da Igreja e do mundo, como testemunha da esperança.

92 Homiliae in Ezechielem, I, 11: PL 76, 908.
93 Acta Ecclesiae Mediolanensis (Milão 1599), 1178.


A formação permanente do Bispo

24 Em estreita ligação com o compromisso que o Bispo tem de avançar incansavelmente pelo caminho da santidade vivendo uma espiritualidade cristocêntrica e eclesial, a assembleia sinodal colocou também a exigência da sua formação permanente. Necessária para todos os fiéis, como foi sublinhado nos Sínodos anteriores e confirmado nas sucessivas Exortações apostólicasChristifideles laici, Pastores dabo vobis e Vita consecrata, a formação permanente deve ser vista como necessária especialmente para o Bispo, que carrega a responsabilidade do progresso comum e do caminho harmónico na Igreja.

Como para os sacerdotes e as pessoas de vida consagrada, a formação permanente, no caso do Bispo, é uma exigência intrínseca da sua vocação e missão. De facto, em virtude dela é possível discernir os novos apelos com que Deus especifica e actualiza o chamamento inicial. Também o apóstolo Pedro, depois do convite « segue-Me » recebido no primeiro encontro com Cristo (cf.
Mt 4,19), ouviu repetir-lhe o mesmo convite pelo Ressuscitado, que, antes de deixar a terra e preanunciando-lhe as canseiras e tribulações do futuro ministério, acrescenta: « Tu, segue-Me » (Jn 21,22). « É, portanto, um “segue-Me” que acompanha a vida e a missão do apóstolo. É um “segue-Me” que acompanha o apelo e a exigência de fidelidade até à morte (cf. Jo Jn 21,18-19), um “segue-Me” que pode significar uma sequela Christi até ao dom total de si no martírio ».94 Não se trata, evidentemente, de realizar apenas aquela actualização adequada que se requer para um conhecimento real da situação da Igreja e do mundo, que permita ao Pastor estar inserido no seu tempo com mente aberta e coração compassivo. A esta boa razão para uma formação permanente actualizada, juntam-se motivações antropológicas, resultantes do facto que a própria vida é um caminhar incessante para a maturidade, e motivações teológicas que têm profundamente a ver com a raiz sacramental: com efeito, o Bispo deve « guardar com amor vigilante o “mistério” que traz em si para o bem da Igreja e da humanidade ».95

Para uma actualização periódica, especialmente sobre alguns temas de grande importância, requerem-se tempos específicos e prolongados de escuta, comunhão e diálogo com peritos – Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos – num intercâmbio de experiências pastorais, conhecimentos doutrinais, recursos espirituais que não deixarão de assegurar um verdadeiro enriquecimento pessoal. Para isso, os padres sinodais sublinharam a utilidade de cursos especiais de formação, como os encontros anuais promovidos pela Congregação dos Bispos ou pela Congregação para a Evangelização dos Povos em favor dos Bispos de ordenação episcopal recente. Desejaram igualmente que breves cursos de formação ou jornadas de estudo e actualização, e também retiros espirituais para os Bispos fossem previstos e preparados pelos Sínodos Patriarcais, pelas Conferências Nacionais ou Regionais e ainda pelas Assembleias continentais de Bispos.

Será conveniente que a própria Presidência da Conferência Episcopal tome a seu cargo a tarefa de prover à preparação e à realização de tais programas de formação permanente, encorajando os Bispos a participarem nestes cursos, para se obter deste modo também uma maior comunhão entre os Pastores em ordem a uma melhor eficácia pastoral em cada uma das dioceses.96

De qualquer modo, é evidente que, como acontece na vida da Igreja, também o estilo de acção, as iniciativas pastorais, as formas de ministério do Bispo vão evoluindo. Também deste ponto de vista, resulta a necessidade duma actualização, em conformidade com as disposições do Código de Direito Canónico e tendo em conta os novos desafios e compromissos da Igreja na sociedade. Neste contexto, a assembleia sinodal propôs que fosse revisto o Directório Ecclesiae imago, publicado pela Congregação dos Bispos em 22 de Fevereiro de 1973, adaptando-o às novas exigências dos tempos e às mudanças entretanto sucedidas na Igreja e na vida pastoral.97

94 João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), PDV 70: AAS 84 (1992), 781.
95 Ibid., PDV 72: o.c., 787.
96 Cf. Propositio 12.
97 Cf. Propositio 13.


O exemplo dos Santos Bispos

25 Na sua vida e no seu ministério, no caminho espiritual e no esforço por adaptar a sua acção apostólica, os Bispos são sempre confortados pelo exemplo de pastores santos. Eu mesmo, na homilia da celebração eucarística conclusiva do Sínodo, propus o exemplo de santos pastores canonizados durante o último século, como testemunho duma graça do Espírito Santo que nunca faltou, e jamais faltará, à Igreja.98

A história da Igreja, a começar dos Apóstolos, regista um número verdadeiramente grande de pastores, cuja doutrina e santidade são capazes de iluminar e guiar o caminho espiritual dos Bispos também do terceiro milénio. Os gloriosos testemunhos dos grandes pastores dos primeiros séculos da Igreja, dos fundadores das Igrejas particulares, dos confessores da fé e dos mártires, que, em tempos de perseguição, deram a vida por Cristo, permanecem como luminosos pontos de referência que os Bispos do nosso tempo podem fixar para deles tirarem indicações e estímulos para o seu serviço do Evangelho.

Muitos deles foram exemplares sobretudo no exercício da virtude da esperança, quando, em tempos difíceis, reanimaram o seu povo, reconstruíram as igrejas depois de tempos de perseguição e de calamidade, edificaram hospícios para acolher peregrinos e pobres, abriram hospitais para tratar doentes e idosos. Muitos outros Bispos foram guias esclarecidos, que abriram novas sendas para o seu povo. Em tempos difíceis, mantendo o olhar fixo em Cristo crucificado e ressuscitado, nossa esperança, deram respostas positivas e inovadoras aos desafios do momento. No início do terceiro milénio, ainda existem tais pastores, que têm uma história para contar, impregnada de fé ancorada firmemente à Cruz; pastores que sabem individuar as aspirações humanas, assumi-las, purificá-las e interpretá-las à luz do Evangelho e que, por isso mesmo, têm também uma história a construir, juntamente com todo o povo que lhes está confiado.

Cada Igreja particular terá, portanto, o cuidado de celebrar os seus próprios Santos Bispos, recordando também os pastores que, pela vida santa e cheia de luminosos ensinamentos, deixaram especial herança de admiração e afecto no povo; constituem as sentinelas espirituais que, do Céu, guiam o caminho da Igreja peregrina no tempo. Por esta razão também, para que se conserve sempre viva a memória da fidelidade dos Bispos eminentes no exercício do seu ministério, a assembleia sinodal recomendou que as Igrejas particulares ou, segundo o caso, as Conferências Episcopais se esforcem por dar a conhecer aos fiéis a sua figura por meio de biografias actualizadas e, se for o caso, examinem a oportunidade de introduzir a sua causa de canonização.99

O testemunho duma vida espiritual e apostólica plenamente realizada continua hoje a ser a grande prova da força que o Evangelho possui para transformar as pessoas e as comunidades, fazendo penetrar no mundo e na história a própria santidade de Deus. Também isto é um motivo de esperança, sobretudo para as novas gerações que esperam da Igreja propostas incentivadoras às quais inspirar-se no seu empenho de renovar em Cristo a sociedade do nosso tempo.

98 Cf. n. 6: AAS 94 (2002), 116.
99 Cf. Propositio 11.


CAPÍTULO III

MESTRE DA FÉ E ARAUTO DA PALAVRA


« Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova »

26 (Mc 16,15)
Jesus ressuscitado confia aos Apóstolos a missão de « fazer discípulos » todos os povos, ensinando-os a observar tudo aquilo que Ele mandou. Deste modo é solenemente confiada à Igreja, comunidade dos discípulos do Senhor crucificado e ressuscitado, a tarefa de pregar o Evangelho a todas as criaturas; uma tarefa que durará até ao fim dos tempos. A partir daquele instante inicial, já não é possível imaginar a Igreja sem tal missão evangelizadora. Disso mesmo tinha consciência o apóstolo Paulo, manifestando-o com palavras bem conhecidas: « Se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar pois que me é imposta essa obrigação: Ai de mim se não evangelizar! » (1Co 9,16).

Se o dever de anunciar o Evangelho é próprio de toda a Igreja e de cada um dos seus filhos, pertence a título especial aos Bispos, que no dia da sagrada Ordenação, pela qual ficam inseridos na sucessão apostólica, assumem como compromisso principal o múnus de pregar o Evangelho, e pregá-lo « com a fortaleza do Espírito chamando os homens à fé ou confirmando-os na fé viva ».100

A actividade evangelizadora do Bispo, que visa conduzir os homens à fé ou fortalecê-los nela, constitui uma exímia manifestação da sua paternidade, podendo ele repetir com Paulo: « Ainda que tenhais dez mil pedagogos em Cristo, não tendes todavia muitos pais, pois fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, por meio do Evangelho » (1Co 4,15). Devido precisamente a esta dinâmica geradora de vida nova segundo o Espírito, o ministério episcopal manifesta-se no mundo como sinal de esperança para os povos, para cada homem.

Por isso os padres sinodais recordaram oportunamente que o anúncio de Cristo ocupa sempre o primeiro lugar, sendo o Bispo o primeiro anunciador do Evangelho por meio das palavras e do testemunho da vida. Ele deve estar consciente dos desafios que a hora presente acarreta e ter a coragem de enfrentá-los. Todos os Bispos, como ministros da verdade, hão-de desempenhar esta tarefa com fortaleza e confiança.101

100 Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 12; cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 25.
101 Cf. Propositiones 14 e 15.


Cristo no coração do Evangelho e do homem

27 O tema do anúncio do Evangelho ocupou lugar verdadeiramente preeminente nas intervenções dos padres sinodais, tendo eles afirmado diversas vezes e de variados modos que o centro vivo do anúncio do Evangelho é Cristo crucificado e ressuscitado pela salvação dos homens.102

Cristo é realmente o coração da evangelização, cujo programa « se concentra, em última análise, no próprio Cristo, que temos de conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história até à sua plenitude na Jerusalém celeste. É um programa que não muda com a variação dos tempos e das culturas, embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e uma comunicação eficaz. Este programa de sempre é o nosso programa para o terceiro milénio ».103

De Cristo, coração do Evangelho, derivam as restantes verdades da fé e irradia também a esperança para todos os homens. De facto, Cristo é a luz que ilumina todo o homem e quem n'Ele for regenerado recebe as primícias do Espírito, que o tornam capaz de cumprir a nova lei do amor.104

Portanto, em virtude da sua própria missão apostólica, o Bispo está habilitado para introduzir o seu povo no coração do mistério da fé, onde poderá encontrar a pessoa viva de Jesus Cristo. Assim os fiéis chegarão a compreender que toda a experiência cristã tem a sua fonte e indefectível ponto de referência na Páscoa de Jesus, vencedor do pecado e da morte.105

E, na proclamação da morte e ressurreição do Senhor, está incluído « o anúncio profético do além, vocação profunda e definitiva do homem, ao mesmo tempo em continuidade e descontinuidade com a situação presente: para além do tempo e da história, para além da realidade deste mundo cujo cenário passa (...). A evangelização contém, pois, também a pregação da esperança nas promessas feitas por Deus na Nova Aliança em Jesus Cristo ».106

102 Cf. Propositio 14.
103 João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001),
NM 29: AAS 93 (2001), 285-286.
104 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, GS 22.
105 Cf. Propositio 15.
106 Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), EN 28: AAS 68 (1976), 24.


O Bispo, ouvinte e guardião da Palavra

28 Prosseguindo na senda apontada pela tradição da Igreja, o Concílio Vaticano II explica que a missão de ensinar, própria dos Bispos, consiste em guardar santamente e anunciar corajosamente a fé.107

Nesta linha, aparece em toda a sua riqueza de significado o gesto, previsto no rito romano da ordenação episcopal, de impor sobre a cabeça do eleito o Evangeliário aberto: com tal gesto quer-se mostrar, por um lado, que a Palavra envolve e guarda o ministério do Bispo e, por outro, que a sua vida deve estar inteiramente sujeita à Palavra dedicando-se quotidianamente à pregação do Evangelho com toda a paciência e doutrina (cf.
2Tm 4,2). Por diversas vezes os padres sinodais recordaram que o Bispo é aquele que guarda com amor a Palavra de Deus e a defende com coragem, dando testemunho da sua mensagem de salvação. De facto, o sentido do munus docendiepiscopal deriva da própria natureza do que deve ser guardado, ou seja, o depósito da fé.

Na Sagrada Escritura do Antigo e do Novo Testamento e na Tradição encontra-se o único depósito da revelação divina que Cristo Nosso Senhor confiou à sua Igreja, constituindo como que um espelho onde ela, peregrina na terra, « contempla a Deus, de quem tudo recebe, até ser conduzida a vê-Lo face a face tal qual Ele é ».108 E assim tem sucedido no decurso dos séculos até hoje: as diversas comunidades, acolhendo a Palavra sempre nova e eficaz ao longo dos tempos, escutaram docilmente a voz do Espírito Santo esforçando-se por torná-la viva e operante na realidade dos sucessivos períodos históricos. Assim a Palavra transmitida, a Tradição, tornou-se sempre mais conscientemente palavra de vida, enquanto a tarefa do seu anúncio e da sua defesa se foi realizando progressivamente sob a guia e a assistência do Espírito de Verdade, como transmissão ininterrupta de tudo o que a Igreja é e aquilo em que ela acredita.109

Esta Tradição, que tem a sua origem nos Apóstolos, progride na vida da Igreja, como ensinou o Concílio Vaticano II. De forma semelhante cresce e desenvolve-se a compreensão dos factos e das palavras transmitidas, de modo que se estabelece uma singular unidade de sentimentos entre Bispos e fiéis quando se trata de conservar, praticar e professar a fé transmitida.110 Assim, na busca da fidelidade ao Espírito que fala no seio da Igreja, fiéis e pastores encontram-se, estabelecendo aqueles vínculos profundos de fé que representam de certa forma o primeiro momento do sensus fidei. É útil voltar a ouvir a este respeito as expressões do Concílio: « A totalidade dos fiéis, que receberam a unção do Santo (cf. 1Jn 2,20 1Jn 2,27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do Povo todo, quando este, desde os Bispos até ao último dos fiéis leigos, manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes ».111

Por isso, a vida da Igreja e a vida na Igreja é, para cada Bispo, a condição para o exercício da sua missão de ensinar. Um Bispo encontra a sua identidade e o seu lugar no seio da comunidade dos discípulos do Senhor, onde recebeu o dom da vida divina e a primeira instrução na fé. Sobretudo quando da sua cátedra episcopal exerce na presença da assembleia dos fiéis a sua função de mestre na Igreja, cada Bispo deve poder repetir como Santo Agostinho: « Se se considerar o lugar que ocupamos, somos vossos mestres; mas, pensando no único Mestre, somos condiscípulos vossos na mesma escola ».112 Na Igreja, escola do Deus vivo, Bispos e fiéis são todos condiscípulos e todos têm necessidade de ser instruídos pelo Espírito.

Realmente são muitas as sedes, onde o Espírito nos comunica a sua instrução interior. Em primeiro lugar, o coração de cada um; depois, a vida das várias Igrejas particulares, onde se manifestam e fazem sentir as múltiplas necessidades das pessoas e das diferentes comunidades eclesiais, através de linguagens ora conhecidas ora diversas e novas.

O Espírito faz-Se ouvir ainda quando suscita na Igreja várias formas de carismas e serviços. Com certeza, foi também por esta razão que muitas vezes na aula sinodal se ouviram intervenções que exortavam o Bispo a privilegiar o encontro directo e o contacto pessoal com os fiéis que vivem nas comunidades confiadas ao seu cuidado pastoral, a exemplo do Bom Pastor que conhece as suas ovelhas e chama cada uma pelo seu nome. De facto, o encontro frequente do Bispo, primeiramente, com os seus presbíteros e depois com os diáconos, com os consagrados e as suas comunidades, com os fiéis leigos, individualmente e nas diversas formas de agregação, tem grande importância para o exercício de um ministério eficaz no meio do Povo de Deus.

107 Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 25; Const. dogm. sobre a divina revelação Dei Verbum, DV 10; Código de Direito Canónico, cân. CIC 747-§ 1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 595-§ 1.
108 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina revelação Dei Verbum, DV 7.
109 Cf. ibid., DV 8.
110 Cf. ibid., DV 10.
111 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 12.
112 Enarratio in Psalmos, 126, 3: PL 37, 1669.



Pastores gregis PT 18