Pastores gregis PT 29

O serviço autêntico e autorizado da Palavra

29 Com a Ordenação episcopal, cada Bispo recebeu a missão fundamental de anunciar com autoridade a Palavra. De facto, em virtude da sua Ordenação sagrada, o Bispo é doutor autêntico, que prega ao povo a ele confiado a fé que deve crer e aplicar na vida moral. Isto significa que os Bispos estão revestidos da própria autoridade de Cristo e por esta razão fundamental é que, « ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica; e os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento ».113 Neste serviço à Verdade, cada Bispo está colocado perante a comunidade, já que é para a comunidade, tornando-a objecto da sua solicitude pastoral e elevando a Deus com insistência a sua prece por ela.

Assim, aquilo que ouviu e recebeu do coração da Igreja, cada Bispo devolve-o aos seus irmãos, de quem deve cuidar como o Bom Pastor. O sensus fidei alcança nele a sua dimensão completa, como ensina o Concílio Vaticano II: « Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus (cf.
1Th 2,13), adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cf. Jud 1,3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida ».114 Deste modo, esta palavra, no seio da comunidade e perante ela, já não é simplesmente palavra do Bispo enquanto pessoa privada, mas como Pastor que confirma a fé, congrega ao redor do mistério de Deus e gera a vida.

Os fiéis têm necessidade da palavra do próprio Bispo, precisam da confirmação e purificação da sua fé. A assembleia sinodal pretendeu sublinhar esta necessidade, pondo em evidência alguns dos âmbitos específicos onde isso mesmo é particularmente sentido. Um deles é o primeiro anúncio oukerygma: este, sempre necessário para suscitar a obediência da fé, aparece ainda mais urgente na situação actual marcada pela indiferença e a ignorância religiosa de tantos cristãos.115 Também no âmbito da catequese, o catequista por excelência é o Bispo; o papel incisivo de grandes e santos Bispos, cujos textos catequéticos ainda hoje são consultados com apreço, leva-me a sublinhar que é tarefa permanente do Bispo assumir a direcção cimeira da catequese. No desempenho de tal tarefa, não deixará de fazer referência ao Catecismo da Igreja Católica.

Conserva, pois, toda a sua validade o que escrevi na Exortação apostólica Catechesi tradendae: « Vós, caríssimos Irmãos [Bispos], tendes uma missão particular nas vossas Igrejas; vós sois aí os primeiros responsáveis pela catequese ».116 Por isso, é dever de cada Bispo assegurar na sua Igreja particular efectiva prioridade a uma catequese activa e eficaz. Mais, deve concretizar esta sua solicitude através de iniciativas pessoais destinadas a suscitar e conservar uma autêntica paixão pela catequese.117

Ciente, pois, da própria responsabilidade no âmbito da transmissão e educação da fé, cada Bispo deve empenhar-se a fim de que exista a mesma solicitude naqueles que, devido à sua vocação e missão, são chamados a transmitir a fé; penso nos sacerdotes e diáconos, nos fiéis de vida consagrada, nos pais e mães de família, nos agentes de pastoral – sobretudo os catequistas –, e bem assim nos professores de teologia e de ciências eclesiásticas e nos professores de religião católica.118 O Bispo terá a peito a sua formação inicial e permanente.

Ainda quanto a este seu dever, é de particular utilidade o diálogo aberto e a colaboração com os teólogos, a quem cabe aprofundar com metodologia apropriada a insondável riqueza do mistério de Cristo. Os Bispos não deixem de dar-lhes, a eles e também às instituições escolásticas e académicas onde trabalham, estímulo e apoio para desempenharem a sua tarefa ao serviço do Povo de Deus na fidelidade à Tradição e na atenção às solicitações da história.119 Sempre que tal se revele oportuno, os Bispos defendam com firmeza a unidade e a integridade da fé, julgando com autoridade o que é ou não conforme à Palavra de Deus.120

Os padres sinodais chamaram a atenção dos Bispos também para as suas responsabilidades magisteriais no âmbito moral. As normas propostas pela Igreja reflectem os mandamentos divinos, que encontram a sua síntese e coroamento no mandamento evangélico da caridade. A finalidade de qualquer norma divina é o maior bem do homem. Ainda hoje é válida a recomendação do Deuteronómio: « Seguireis o caminho que o Senhor, vosso Deus, vos traçou, e sereis felizes e tereis longa vida na terra que ides possuir » (5, 31). Além disso, não se deve esquecer que os mandamentos do Decálogo estão firmemente enraizados na própria natureza humana e por isso os valores por eles defendidos possuem uma validade universal. Isto vale de modo particular para a vida humana, que há-de ser defendida desde a sua concepção até à sua conclusão com a morte natural, a liberdade das pessoas e das nações, a justiça social e as estruturas para a realizarem.121

113 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 25.
114 Ibid., LG 12.
115 Cf. Propositio 15.
116 N. CTR 63: AAS 71 (1979), 1329.
117 Cf. Congr. para o Clero, Directório Geral da Catequese (15 de Agosto de 1997), n. 233.
118 Cf. Propositio 15.
119 Cf. Propositio 47.
120 Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis(24 de Maio de 1990), 19: AAS 82 (1990), 1558; Código de Direito Canónico, cân. CIC 386-§ 2;Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 196-§ 2.
121 Cf. Propositio 16.


O ministério episcopal da inculturação do Evangelho

30 A evangelização da cultura e a inculturação do Evangelho são parte integrante da nova evangelização e consequentemente tarefa própria do múnus episcopal. A tal propósito e retomando expressões minhas anteriores, o Sínodo insistiu: « Uma fé, que não se torna cultura, é uma fé não plenamente acolhida, nem integralmente pensada, nem fielmente vivida ».122

Na verdade trata-se de uma tarefa, antiga e sempre nova, que tem origem no próprio mistério da Encarnação e sua motivação na capacidade intrínseca do Evangelho para se enraizar em cada cultura, modelá-la e promovê-la, purificando-a e abrindo-a à plenitude de verdade e de vida que se realizou em Cristo Jesus. A este tema, prestou-se muita atenção durante os Sínodos Continentais, donde provieram preciosas indicações; e sobre ele debrucei-me também eu em várias circunstâncias.

Considerando, pois, os valores culturais presentes no território onde vive a sua Igreja particular, o Bispo há-de pôr todo o empenho para que o Evangelho seja anunciado na sua integridade, de modo a plasmar o coração dos homens e os costumes dos povos. Nesta obra evangelizadora, poder-lhe-á ser de preciosa ajuda a contribuição dos teólogos e ainda dos especialistas na valorização do património cultural, artístico e histórico da diocese: isto interessa tanto à antiga como à nova evangelização, constituindo um eficaz instrumento pastoral.123

De grande importância também para o anúncio do Evangelho nos « novos areópagos » e para a transmissão da fé são os meios de comunicação social, sobre os quais os padres sinodais concentraram também a sua atenção, tendo encorajado os Bispos a uma maior colaboração entre as Conferências Episcopais no âmbito nacional e internacional para que a sua actividade neste delicado e precioso sector da vida social se torne mais qualificada.124

Na verdade, quando se trata do anúncio do Evangelho, é importante preocupar-se, para além da sua ortodoxia, também com uma apresentação aliciante, capaz de estimular a sua escuta e acolhimento. Para isso, procure-se reservar, especialmente nos Seminários, espaço adequado para a formação dos candidatos ao sacerdócio sobre o uso dos meios de comunicação social, a fim de que os evangelizadores sejam bons proclamadores e bons comunicadores.

122 Discurso aos participantes no Congresso nacional italiano do Movimento Eclesial de Empenho Cultural (16 de Janeiro de 1982), 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de 31/I/1982), 50; cf.Propositio 64.
123 Cf. Propositio 65.
124 Cf. Propositio 66.


Pregar com a palavra e o exemplo

31 O ministério do Bispo enquanto anunciador do Evangelho e guardião da fé no Povo de Deus não seria apresentado exaustivamente, se não fosse referido o dever da coerência pessoal: o seu ensino continua através do testemunho e do exemplo duma autêntica vida de fé. Se o Bispo, que ensina com uma autoridade exercida em nome de Jesus Cristo125 a Palavra escutada na comunidade, não vivesse o que ensina, daria à própria comunidade uma mensagem contraditória.

Deste modo, fica claro que todas as actividades do Bispo devem ter como finalidade a proclamação do Evangelho, « poder de Deus para a salvação de todo o crente » (
Rm 1,16). A sua tarefa essencial é ajudar o Povo de Deus a prestar à palavra da Revelação a obediência da fé (cf. Rom Rm 1,5) e a abraçar integralmente a doutrina de Cristo. Poder-se-ia dizer que missão e vida estão de tal forma unidas no Bispo que não se pode pensar nelas como duas coisas distintas: nós, Bispos, somos a nossa missão. Se não a cumpríssemos, deixaríamos de ser o que somos. É pelo testemunho da fé que a nossa vida se torna sinal visível da presença de Cristo nas nossas comunidades.

O testemunho de vida torna-se para o Bispo como que um novo título de autoridade, que se soma ao título objectivo recebido na consagração. Assim à autoridade vem juntar-se a credibilidade. Ambas são necessárias: de facto, duma brota a exigência objectiva de adesão dos fiéis ao ensinamento autêntico do Bispo; da segunda, a facilitação para depositar confiança na mensagem. A este respeito, apraz-me retomar as palavras escritas por um grande Bispo da Igreja antiga, Santo Hilário de Poitiers: « O beato apóstolo Paulo, querendo definir o tipo de Bispo ideal e formar com os seus ensinamentos um homem de Igreja completamente novo, explicou qual era, por assim dizer, o máximo da perfeição nele. Afirmou que devia professar uma doutrina segura, conforme com o ensinamento, para estar em condições de exortar à sã doutrina e de refutar aqueles que a contradizem (...). Por um lado, um ministro de vida irrepreensível, se não é culto, conseguirá beneficiar-se só a si próprio; por outro, um ministro culto perderá a autoridade que provém da cultura, se a sua vida não for irrepreensível ».126

A conduta a seguir está desde sempre fixada pelo apóstolo Paulo nestas palavras: « E tu serve de exemplo em tudo pelo teu bom comportamento, pureza de ensinamentos, gravidade, e pela linguagem sã e irrepreensível, para que os nossos adversários sejam confundidos, por não terem mal algum a dizer de nós » (Tt 2,7-8).

125 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina revelação Dei Verbum, DV 10.
126 De Trinitate, VIII, 1: PL 10, 236.


CAPÍTULO IV

MINISTRO DA GRAÇA DO SUPREMO SACERDÓCIO


« Santificados em Jesus Cristo, chamados à santidade »

32 (1Co 1,2)
Estando para tratar de uma das funções prioritárias e fundamentais do Bispo – o ministério da santificação –, vêm-me ao pensamento as palavras que o apóstolo Paulo dirigiu aos fiéis de Corinto, expondo de algum modo diante dos seus olhos o mistério da sua vocação: « Santificados em Jesus Cristo, chamados à santidade com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Jesus Cristo Senhor deles e nosso » (1Co 1,2). A santificação do cristão realiza-se na regeneração baptismal, é corroborada pelos sacramentos da Confirmação e da Reconciliação e alimentada pela Eucaristia, o bem mais precioso da Igreja, o sacramento pelo qual a Igreja é constantemente edificada como Povo de Deus, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo.127

O ministro desta santificação, que se propaga na vida da Igreja, é o Bispo, sobretudo por meio da Liturgia sagrada. Desta, em especial da celebração eucarística, afirma-se que é meta e fonte da vida da Igreja.128 De certo modo pode-se dizer o mesmo do ministério litúrgico do Bispo, pois este apresenta-se como o momento central na sua actividade a favor da santificação do Povo de Deus.

De tudo isto resulta claramente a importância da vida litúrgica na Igreja particular, onde o Bispo exerce o seu ministério de santificação proclamando e pregando a palavra de Deus, dirigindo a oração pelo seu povo e com o seu povo, presidindo à celebração dos sacramentos. Por este motivo, na Constituição dogmática Lumen gentium se atribui ao Bispo um título expressivo, tomado da oração da sagração episcopal no rito bizantino, ou seja, o de « administrador da graça do supremo sacerdócio, principalmente na Eucaristia, que ele mesmo oferece ou providencia para que seja oferecida, e pela qual vive e cresce a Igreja ».129

Entre o ministério da santificação e os outros dois – o da palavra e o do governo – existe uma íntima e profunda correspondência. De facto, a pregação ordena-se para a participação da vida divina, que se obtém à dupla mesa da Palavra e da Eucaristia. A referida vida divina desenvolve-se e manifesta-se na existência quotidiana dos fiéis, pois todos são chamados a exprimir nas suas atitudes o que receberam pela fé.130 O ministério de governo, por sua vez, como o de Jesus Bom Pastor, exprime-se em funções e obras que procuram fazer irromper na comunidade dos fiéis a plenitude de vida na caridade, a glória da Santíssima Trindade e o testemunho da sua presença amorosa no mundo.

Por isso, ao exercer o ministério da santificação (munus sanctificandi), o Bispo realiza o fim que se propõe o ministério do ensino (munus docendi) e simultaneamente recebe a graça para o ministério do governo (munus regendi), modelando as suas atitudes à imagem de Cristo Sumo Sacerdote, de tal modo que tudo se oriente para a edificação da Igreja e a glória da Santíssima Trindade.

127 Cf. João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), EE 22-24: AAS 95 (2003) 448-449.
128 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 10.
129 N. LG 26.
130 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 10.


Fonte e meta da vida da Igreja particular

33 O Bispo exerce o ministério da santificação por meio da celebração da Eucaristia e demais sacramentos, do louvor divino da Liturgia das Horas, da presidência dos outros ritos sagrados e também através da promoção da vida litúrgica e da piedade popular autêntica. Naturalmente dentre todas as cerimónias presididas pelo Bispo, assumem relevo particular as celebrações onde ressalta a peculiaridade do ministério episcopal como plenitude do sacerdócio. Trata-se, especialmente, da administração do sacramento da Confirmação, das Ordens Sacras, da solene celebração da Eucaristia em que o Bispo está rodeado pelo seu presbitério e demais ministros – como na liturgia da Missa Crismal –, da dedicação das igrejas e dos altares, da consagração das virgens e de outros ritos importantes para a vida da Igreja particular. Nestas celebrações, o Bispo apresenta-se à vista de todos como o pai e o pastor dos fiéis, o « grande sacerdote » do seu povo (cf. He 10,21), o orante e o mestre da oração, que intercede pelos seus irmãos e, junto com o próprio povo, implora e dá graças ao Senhor, pondo em evidência o primado de Deus e da sua glória.

Destes vários momentos, como se duma fonte se tratasse, brota a graça divina que permeia toda a vida dos filhos de Deus ao longo da sua caminhada terrena, orientando-a para a sua meta e plenitude na pátria beatífica. Por isso, o ministério da santificação é um momento fundamental na promoção da esperança cristã. O Bispo não se limita apenas a anunciar, com a pregação da palavra, as promessas de Deus e a traçar as sendas do futuro, mas anima o Povo de Deus na sua peregrinação terrena e, através da celebração dos sacramentos que são o penhor da glória futura, faz-lhe saborear antecipadamente o seu destino final em comunhão com a Virgem Maria e os Santos, na certeza inabalável da vitória definitiva de Cristo sobre o pecado e a morte e da sua vinda gloriosa.


A importância da igreja catedral

34 Apesar de exercer o seu ministério de santificação em toda a diocese, o Bispo tem como ponto focal do mesmo a igreja catedral, que constitui de certo modo a igreja mãe e o centro de convergência da Igreja particular.

Com efeito, a catedral é o lugar onde o Bispo tem a sua cátedra, a partir da qual educa e faz crescer o seu povo através da pregação, e preside às principais celebrações do ano litúrgico e dos sacramentos. Precisamente quando está sentado na sua cátedra, um Bispo apresenta-se à frente da assembleia dos fiéis como aquele que preside in loco Dei Patris; por isso mesmo, como já recordei, segundo uma tradição muito antiga tanto no Oriente como no Ocidente, só o Bispo é que pode sentar-se na cátedra episcopal. É a presença desta cátedra que constitui a igreja catedral como o centro espiritual concreto de unidade e comunhão para o presbitério diocesano e para todo o Povo santo de Deus.

A este respeito, não se pode esquecer a recomendação do Concílio Vaticano II de que « todos devem dar a maior importância à vida litúrgica da diocese que gravita em redor do Bispo, sobretudo na igreja catedral, convencidos de que a principal manifestação da Igreja se faz numa participação perfeita e activa de todo o Povo santo de Deus na mesma celebração litúrgica, especialmente na mesma Eucaristia, numa única oração, ao redor do único altar a que preside o Bispo rodeado pelo presbitério e pelos ministros ».131 Por isso, é na catedral, onde se realiza o momento mais alto da vida da Igreja, que tem lugar também a acção mais excelsa e sagrada do munus sanctificandi do Bispo; tal múnus, bem como a própria liturgia a que ele preside, inclui simultaneamente a santificação das pessoas, o culto e a glória de Deus.

Esta manifestação do mistério da Igreja encontra circunstâncias privilegiadas em determinadas celebrações particulares. Entre estas, lembro a liturgia anual da Missa Crismal, que deve ser considerada « uma das principais manifestações da plenitude do sacerdócio do Bispo e um sinal da íntima união dos presbíteros com ele ».132 Ao longo desta celebração, juntamente com o óleo dos enfermos e o óleo dos catecúmenos, é benzido o santo crisma, sinal sacramental de salvação e de vida perfeita para todos os que renascem pela água e pelo Espírito Santo. Entre as liturgias mais solenes, há que incluir sem dúvida também as celebrações em que são conferidas as Ordens Sacras, ritos estes que têm na igreja catedral o seu lugar próprio e normal.133 A estas vêm juntar-se outras ocasiões, tais como a celebração do aniversário da sua dedicação e as festas dos Santos Padroeiros da diocese.

Estas e outras ocasiões, segundo o calendário litúrgico de cada diocese, são momentos preciosos para fortalecer os vínculos de comunhão com os presbíteros, as pessoas consagradas e os fiéis leigos, e para estimular o zelo missionário entre todos os membros da Igreja particular. Por isso, oCaeremoniale Episcoporum põe em evidência a importância, que têm a igreja catedral e as celebrações aí realizadas, para o bem e o exemplo de toda a Igreja particular.134

131 Ibid.,
SC 41.
132 Pontifical Romano, Bênção dos Óleos, Preliminares, 1.
133 Cf. Pontifical Romano, Rito da Ordenação do Bispo, dos Presbíteros e dos Diáconos, Preliminares, nn. 21, 108 e 182.
134 Cf. nn. 42-54.


O Bispo, moderador da liturgia enquanto pedagogia da fé

35 Tendo em vista as circunstâncias actuais, os padres sinodais quiseram chamar a atenção para a importância do ministério da santificação desempenhado na liturgia; esta, porém, deve realizar-se de forma a exercer toda a sua eficácia didáctica e educativa.135 Isto requer que as celebrações litúrgicas sejam verdadeiramente epifania do mistério.Assim hão-de exprimir claramente a natureza do culto divino, reflectindo o sentido genuíno da Igreja que reza e celebra os mistérios divinos. Se as celebrações forem convenientemente participadas por todos, segundo os vários ministérios, não deixarão de resplandecer em dignidade e beleza.

Eu mesmo, no exercício do meu ministério, quis que as celebrações litúrgicas constituíssem uma prioridade, não só em Roma mas também durante as minhas viagens apostólicas pelos diversos continentes e nações. Fazendo brilhar a beleza e a dignidade da liturgia cristã em todas as suas expressões, procurei fomentar o sentido genuíno da santificação do nome de Deus para educar o sentimento religioso dos fiéis e abri-lo à transcendência.

Certo disto, exorto os meus irmãos Bispos, enquanto mestres da fé e participantes do supremo sacerdócio de Cristo, a que se empenhem com todas as forças na autêntica promoção da liturgia. Esta exige que, no modo de a celebrar, se anuncie com clareza a verdade revelada, se transmita fielmente a vida divina, se exprima sem ambiguidades a genuína natureza da Igreja. Que todos estejam conscientes da importância das celebrações sagradas dos mistérios da fé católica. A verdade da fé e da vida cristã transmite-se não só através das palavras, mas também dos sinais sacramentais e do conjunto dos ritos litúrgicos. É bem conhecido um antigo axioma, a este respeito, que vincula estritamente a lex credendi à lex orandi.136

Deste modo, cada Bispo seja exemplar na arte de presidir, ciente de tractare mysteria; possua também uma profunda vida teologal, que inspire o seu comportamento no contacto com o Povo santo de Deus; seja capaz de transmitir o sentido sobrenatural das palavras, das orações e dos ritos, a fim de implicar a todos na participação dos santos mistérios. Além disso o Bispo deve, através duma promoção concreta e apropriada da pastoral litúrgica na diocese, fazer com que os ministros e o povo adquiram uma autêntica compreensão e experiência da liturgia, para permitir que os fiéis alcancem aquela participação plena, consciente, activa e frutuosa nos santos mistérios, desejada pelo Concílio Vaticano II.137

Assim as celebrações litúrgicas, especialmente as presididas pelo Bispo na sua catedral, hão-de ser proclamações claras da fé da Igreja, momentos privilegiados em que o Pastor apresenta o mistério de Cristo aos fiéis e os ajuda a entrar nele progressivamente para fazerem uma consoladora experiência do mesmo e testemunhá-lo depois nas obras de caridade (cf.
Ga 5,6).

Vista a importância duma correcta transmissão da fé na sagrada liturgia da Igreja, o Bispo não deixe, a bem dos fiéis, de vigiar cuidadosamente por que sejam observadas sempre, por todos e em toda a parte, as normas litúrgicas em vigor. Isto inclui também uma correcção firme e tempestiva dos abusos e a eliminação de qualquer arbitrariedade no campo litúrgico. O Bispo por si mesmo, naquilo que dele depender, ou em colaboração com as Conferências Episcopais e as relativas Comissões Litúrgicas, cuide por que a mesma dignidade e verdade das celebrações litúrgicas seja observada nas transmissões radiofónicas e televisivas.

135 Cf. Propositio 17.
136 « Legem credendi lex statuat supplicandi »: S. Celestino, Ad Galliarum episcopos: PL 45, 1759.
137 Cf. Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 11 SC 14.


A centralidade do Dia do Senhor e do ano litúrgico

36 A vida e o ministério do Bispo devem estar de certo modo permeados pela presença do Senhor no seu mistério. De facto, o crescimento em toda a diocese da convicção acerca da centralidade espiritual, catequética e pastoral da liturgia depende em grande parte do exemplo do Bispo.

Ao centro do seu ministério, aparece a celebração do mistério pascal de Cristo no domingo, o Dia do Senhor. Como já disse várias vezes, mesmo recentemente, para se dar um sinal forte da identidade cristã no nosso tempo é preciso restituir a centralidade à celebração do Dia do Senhor e, nele, à celebração da Eucaristia. O domingo é um dia que deve ser sentido como « um dia especial da fé, dia do Senhor ressuscitado e do dom do Espírito, verdadeira Páscoa da semana ».138

A presença do Bispo, que ao domingo – também Dia da Igreja – preside à Eucaristia na sua catedral ou nas paróquias da diocese, pode ser um sinal exemplar de fidelidade ao mistério da Ressurreição e um motivo de esperança para o Povo de Deus na sua peregrinação, de domingo para domingo, até ao oitavo dia sem ocaso da Páscoa eterna.139

Ao longo do ano litúrgico, a Igreja revive todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação e Nascimento do Senhor até à Ascensão, ao dia de Pentecostes e à expectativa em jubilosa esperança do regresso glorioso do Senhor.140 Naturalmente o Bispo reservará uma atenção particular à preparação e celebração do Tríduo Pascal, núcleo do ano litúrgico inteiro, com a solene Vigília de Páscoa e o seu prolongamento pelos cinquenta dias pascais.

Com a sua cadência cíclica, o ano litúrgico pode ser convenientemente valorizado para uma programação pastoral da vida da diocese à volta do mistério de Cristo, na expectativa da sua vinda gloriosa. Neste itinerário de fé, a Igreja é sustentada pela recordação da Virgem Maria, a qual, no céu, « glorificada já em corpo e alma [...], brilha como sinal de esperança segura e de consolação para o Povo de Deus ainda peregrinante ».141 A alimentar a referida esperança contribui também a memória dos mártires e outros santos, « os quais, tendo pela graça multiforme de Deus atingido a perfeição e alcançado a salvação eterna, cantam hoje a Deus no céu o louvor perfeito e intercedem por nós ».142

138 João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001),
NM 35: AAS 93 (2001), 291.
139 Cf. Propositio 17.
140 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 102.
141 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 68.
142 Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 104.


O Bispo ministro da celebração eucarística

37 No centro do munus sanctificandi do Bispo está a Eucaristia, que ele mesmo oferece ou providencia para que seja oferecida, e nela de modo especial se manifesta o seu ofício de « administrador » ou ministro da graça do supremo sacerdócio.143

É que o Bispo contribui para a edificação da Igreja, mistério de comunhão e missão, sobretudo quando preside à assembleia eucarística. De facto, a Eucaristia é o princípio essencial da vida não só de cada um dos fiéis, mas também da própria comunidade em Cristo. Os fiéis, congregados pela pregação do Evangelho, formam comunidades, nas quais está verdadeiramente presente a Igreja de Cristo; ora isto transparece com singular evidência precisamente na celebração do sacrifício eucarístico.144 A tal respeito, é conhecida a doutrina do Concílio Vaticano II: « Em qualquer comunidade que participa do altar sob o ministério sagrado do Bispo, é manifestado o símbolo do amor e da unidade do Corpo místico, sem o que não pode haver salvação. Nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou dispersas, está presente Cristo, por cujo poder se unifica a Igreja una, santa, católica e apostólica. Pois outra coisa não faz a participação no corpo e sangue de Cristo, do que transformar-nos naquilo que recebemos ».145

Além disso, é da celebração eucarística, « fonte e coroa de toda a evangelização »,146 que brota também todo o esforço missionário da Igreja, tendente a manifestar a outros, pelo testemunho da vida, o mistério vivido na fé.

Dentre todos os encargos do ministério pastoral do Bispo, o mais imperioso e importante é a responsabilidade pela celebração da Eucaristia. Compete-lhe, de facto, como um dos seus deveres principais, providenciar para que os fiéis tenham a possibilidade de aceder à mesa do Senhor, sobretudo ao domingo que, como há pouco recordei, é o dia em que a Igreja – comunidade e família dos filhos de Deus – descobre a sua peculiar identidade cristã ao redor dos presbíteros.147

Sucede porém que, em certas regiões, devido à escassez de sacerdotes ou por outras razões graves e persistentes, não se consegue garantir a celebração eucarística com a devida normalidade. Isto agrava o dever do Bispo, enquanto pai de família e ministro da graça, de preocupar-se continuamente por discernir as reais necessidades e a gravidade das situações. Será necessário proceder a uma sensata distribuição dos membros do presbitério de modo que, mesmo em tais emergências, as comunidades não fiquem muito tempo privadas da celebração eucarística.

Na falta da Santa Missa, o Bispo procure que a comunidade, embora vivendo sempre na expectativa da plenitude do encontro com Cristo na celebração do mistério pascal, possa contar, pelo menos aos domingos e dias santos, com uma celebração especial. Os fiéis, dirigidos por ministros responsabilizados para esta situação, poderão usufruir do dom da Palavra proclamada e da comunhão eucarística, graças à celebração prevista para o efeito das assembleias dominicais na ausência do presbítero.148

143 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 26.
144 Cf. João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), EE 21: AAS 95 (2003), 447-448.
145 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 26.
146 Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida sacerdotal Presbyterorum ordinis, PO 5.
147 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 28; João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003), EE 41-42: AAS 95 (2003), 460-461.
148 Cf. Congr. para o Clero (e outras), Instr. acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes Ecclesiae de mysterio (15 de Agosto de 1997),« Disposições práticas », art. 7: AAS 89 (1997), 869-870.


O Bispo, responsável da iniciação cristã

38 Nas circunstâncias actuais da Igreja e do mundo, tanto nas Igrejas jovens como nos países onde o cristianismo se estabeleceu há séculos, tem-se revelado providencial a recuperação da disciplina da iniciação cristã, sobretudo para adultos, que goza na Igreja de grande tradição. Foi uma previdente decisão do Concílio Vaticano II,149 que quis deste modo oferecer um caminho de encontro com Cristo e com a Igreja a tantos homens e mulheres, tocados pela graça do Espírito e desejosos de entrar em comunhão com o mistério da salvação em Cristo, morto e ressuscitado por nós.

Através do itinerário da iniciação cristã, os catecúmenos são introduzidos progressivamente no conhecimento do mistério de Cristo e da Igreja, numa certa analogia com a origem, crescimento e sustento da vida natural. Tendo renascido no Baptismo, que os torna participantes do sacerdócio real, os fiéis são corroborados na Confirmação – cujo ministro primeiro é o Bispo – com uma especial efusão de dons do Espírito. Depois, participando na Eucaristia, são nutridos com o alimento da vida eterna e plenamente inseridos na Igreja, o Corpo místico de Cristo. Deste modo, os fiéis, « por estes sacramentos da iniciação cristã, recebem cada vez mais riquezas da vida divina e avançam para a perfeição da caridade ».150

Os Bispos, tendo em conta as circunstâncias actuais, hão-de pôr em prática as prescrições do Rito da Iniciação Cristã dos Adultos. Por isso terão a peito que haja em cada diocese as estruturas e os agentes pastorais necessários para garantirem, no modo mais digno e eficaz possível, a actuação das normativas e da disciplina litúrgica, catequética e pastoral da iniciação cristã, adaptada às necessidades dos nossos tempos.

Por sua própria natureza de progressivo inserimento no mistério de Cristo e da Igreja, mistério este que vive e actua em cada Igreja particular, o itinerário da iniciação cristã requer a presença e o ministério do Bispo diocesano, especialmente na fase culminante do caminho, ou seja, na administração dos sacramentos do Baptismo, da Confirmação e da Eucaristia, que tem lugar normalmente na Vigília Pascal.

O Bispo tem ainda a obrigação de disciplinar, segundo as leis da Igreja, tudo o que diz respeito à iniciação cristã das crianças e dos jovens, determinando o que é conveniente para a sua preparação catequética e gradual empenho na vida da comunidade. Deverá também vigiar por que eventuais percursos de catecumenado, ou de retoma e potenciamento dos caminhos da iniciação cristã, ou então de aproximação aos fiéis que se afastaram da vida de fé normal e comunitária, se realizem segundo as normas da Igreja e em plena sintonia com a vida das comunidades paroquiais na diocese.

Relativamente ao sacramento da Confirmação, o Bispo, enquanto seu ministro primeiro, procurará ser ele próprio normalmente a administrá-la. A sua presença no meio da comunidade paroquial, que, em virtude da fonte baptismal e da mesa eucarística, constitui o lugar natural e ordinário do caminho da iniciação cristã, evoca eficazmente o mistério do Pentecostes e revela-se sumamente útil para robustecer os vínculos da comunhão eclesial entre pastor e fiéis.

149 Cf. Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 64.
150 Paulo VI, Const. ap. Divinae consortium naturae (15 de Agosto de 1971): AAS 63 (1971), 657.



Pastores gregis PT 29