Pastores gregis PT 39

A responsabilidade do Bispo na disciplina penitencial

39 Os padres sinodais reservaram, nas suas intervenções, particular atenção à disciplina penitencial, ressaltando a sua importância e pondo em evidência o cuidado especial que os Bispos, como sucessores dos Apóstolos, devem prestar à pastoral e à disciplina do sacramento da Penitência. Foi com alegria que os ouvi repetir algo que é profunda convicção minha, isto é, que deve ser atribuída a máxima atenção pastoral a este sacramento da Igreja, fonte de reconciliação, paz e alegria para todos nós que necessitamos da misericórdia do Senhor e da cura das feridas do pecado.

Ao Bispo, como primeiro responsável da disciplina penitencial na sua Igreja particular, compete antes de mais nada a obrigação de fazer o convite kerygmatico à conversão e à penitência. É seu dever proclamar, com liberdade evangélica, a triste e ruinosa presença do pecado na vida dos homens e na história das comunidades. Simultaneamente deve anunciar o mistério insondável da misericórdia que Deus nos concedeu na cruz e ressurreição do seu Filho, Jesus Cristo, e na efusão do Espírito para a remissão dos pecados. Um tal anúncio, que é também convite à reconciliação e apelo à esperança, está no âmago do Evangelho. É o primeiro anúncio dos Apóstolos no dia de Pentecostes, um anúncio no qual se revela o sentido da graça da salvação, comunicada através dos sacramentos.

Sempre que necessário, o Bispo seja um ministro exemplar do sacramento da Penitência, e a este recorra assídua e fielmente também ele mesmo. Não deixe de exortar os seus sacerdotes a terem em grande estima o ministério da reconciliação recebido na ordenação sacerdotal, encorajando-os a exercê-lo com generosidade e sentido sobrenatural, imitando o Pai, que acolhe os que voltam à casa paterna, e Cristo Bom Pastor, que carrega sobre os seus ombros a ovelha perdida.151

A responsabilidade do Bispo inclui também o dever de vigiar por que não se verifique o recurso à absolvição geral fora das normas do direito. A este respeito sublinhei, na carta apostólicaMisericordia Dei, que os Bispos têm o dever de lembrar a disciplina em vigor, segundo a qual a confissão individual e íntegra e a absolvição constituem o único modo ordinário de o fiel, consciente de pecado grave, se reconciliar com Deus e com a Igreja. Somente a impossibilidade física ou moral dispensa desta forma ordinária, podendo então obter-se a reconciliação por outros meios. O Bispo não deixará de recordar, a todos aqueles que, em razão do ofício, é requerido o cuidado das almas, o dever de oferecer aos fiéis a oportunidade de se abeirarem da confissão individual.152 Encarregar-se-á de verificar também que sejam efectivamente dadas aos fiéis as maiores facilitações para poderem confessar-se.

Considerado à luz da Tradição e do Magistério da Igreja o laço íntimo que existe entre o sacramento da Reconciliação e a participação na Eucaristia, sente-se hoje uma necessidade cada vez maior de formar a consciência dos fiéis para participarem digna e frutuosamente no Banquete eucarístico, abeirando-se em estado de graça.153

Além disso, é útil lembrar que pertence também ao Bispo o dever de regular, de modo conveniente e com uma cuidadosa selecção de ministros apropriados, a disciplina que preside ao exercício dos exorcismos e às celebrações de oração para obter as curas, no respeito dos recentes documentos da Santa Sé.154

151 Cf. Propositio 18.
152 Cf. Motu proprio Misericordia Dei (7 de Abril de 2002), 1: AAS 94 (2002), 453-454.
153 Cf. Propositio 18.
154 Cf. Rituale Romanum, De Exorcismis et supplicationibus quibusdam (22 de Novembro de 1998); Congr. para a Doutrina da Fé, Instr. sobre As orações para alcançar de Deus a cura (14 de Setembro de 2000): L'Osservatore Romano (ed. port. de 2/XII/2000), 558-559.564.


Sensíveis à piedade popular

40 Os padres sinodais reafirmaram a importância que tem a piedade popular na transmissão e progresso da fé. De facto, como sustentava o meu predecessor de veneranda memória Paulo VI, ela é rica de valores relativamente a Deus e aos irmãos,155 constituindo um verdadeiro e próprio tesouro de espiritualidade na vida da comunidade cristã.

Também no nosso tempo, marcado por crescente sede de espiritualidade que frequentemente motiva a adesão de muitos a seitas religiosas ou a outras formas de vago espiritualismo, os Bispos são chamados a discernir e favorecer os valores e as formas da verdadeira piedade popular.

Continuam actuais as seguintes palavras da Exortação apostólica Evangelii nuntiandi: « A caridade pastoral há-de ditar, a todos aqueles que o Senhor colocou como chefes de comunidades eclesiais, as normas de procedimento em relação a esta realidade, ao mesmo tempo tão rica e tão vulnerável. Antes de mais importa ser sensível em relação a ela, saber aperceber-se das suas dimensões interiores e dos seus inegáveis valores, estar disposto a ajudá-la a superar os seus perigos de desvio. Bem orientada, esta religiosidade popular pode vir a ser cada vez mais, para as nossas massas populares, um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo ».156

Assim é preciso orientar esta religiosidade, purificando, se necessário, as suas manifestações segundo os princípios da fé e da vida cristã. Através da piedade popular, os fiéis devem ser induzidos ao encontro pessoal com Cristo, à comunhão com a Bem-aventurada Virgem Maria e os Santos, especialmente através da escuta da palavra de Deus, do recurso à oração, da participação na vida sacramental, do testemunho da caridade e das obras de misericórdia.157

Para uma reflexão mais ampla sobre o assunto, podendo contar aí com uma preciosa série de sugestões teológicas, pastorais e espirituais, tenho o gosto de remeter para os documentos emanados por esta Sé Apostólica, onde, para além do mais, se lembra que todas as manifestações da piedade popular estão sob a responsabilidade do Bispo, na própria diocese. Compete-lhe regulamentá-las, estimulá-las na sua função de ajudar os fiéis na própria vida cristã, purificá-las no que for necessário, e evangelizá-las.158

155 Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975),
EN 48: AAS 68 (1976), 37-38.
156 Ibid., EN 48: o.c., 37-38.
157 Cf. Propositio 19.
158 Cf. Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre Piedade Popular e Liturgia (17 de Dezembro de 2001), 21.


A promoção da santidade de todos os fiéis

41 O ministério de santificação do Bispo tem por objectivo a santidade do Povo de Deus, que é dom da graça divina e manifestação do primado de Deus na vida da Igreja. Por isso, no seu ministério, deve fomentar incansavelmente uma verdadeira e própria pastoral e pedagogia da santidade, de tal modo que se realize o programa, proposto no capítulo quinto da ConstituiçãoLumen gentium, sobre a vocação universal à santidade.

Foi este programa que quis, ao início do terceiro milénio, propor a toda a Igreja como prioridade pastoral e fruto do grande Jubileu da Encarnação.159 É que a santidade constitui, ainda hoje, um sinal dos tempos, uma prova da verdade do cristianismo que resplandece nos seus melhores expoentes, tanto naqueles que em grande número foram elevados às honras dos altares, como naqueles – ainda mais numerosos – que de forma velada fecundaram e continuam a fecundar a história dos homens com a santidade humilde e alegre do quotidiano. Mesmo no nosso tempo, não faltam realmente preciosos testemunhos de formas de santidade, pessoal e comunitária, que constituem um sinal de esperança para todos, inclusive para as novas gerações.

Assim, para fazer despontar o testemunho da santidade, exorto os meus Irmãos Bispos a procurarem identificar e pôr em evidência os sinais da santidade e das virtudes heróicas que ainda hoje se manifestam, especialmente quando se trata de fiéis leigos das suas dioceses, em particular cônjuges cristãos. No caso em que tal resultasse verdadeiramente conveniente, encorajo-os a promoverem os relativos processos de canonização.160 Isso poderá constituir um sinal de esperança para todos e um motivo de encorajamento, para a caminhada do Povo de Deus, no testemunho que oferece ao mundo sobre a presença permanente da graça no tecido dos acontecimentos humanos.

159 Cf. Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001),
NM 29-41: AAS 93 (2001), 285-295.
160 Cf. Propositio 48.


CAPÍTULO V

O GOVERNO PASTORAL DO BISPO


« Dei-vos o exemplo »

42 (Jn 13,15)
Quando trata do dever de governar a família de Deus e assumir o cuidado quotidiano e habitual do rebanho do Senhor Jesus, o Concílio Vaticano II ensina que os Bispos, no exercício do seu múnus de pai e pastor, devem comportar-se entre os seus fiéis como « quem serve », tendo sempre diante dos olhos o exemplo do Bom Pastor que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pelas ovelhas (cf. Mt 20,28 Mc 10,45 Lc 22,26-27 Jn 10,11).161

Esta imagem de Jesus, modelo supremo do Bispo, encontra uma eloquente expressão no gesto do lava-pés, narrado no evangelho de São João: « Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o seu amor por eles. E, no decorrer da ceia, [...] levantou-Se da mesa, tirou as vestes e, tomando uma toalha, colocou-a à cinta. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cinta. [...] Depois de lhes lavar os pés, de retomar as suas vestes e de Se pôr de novo à mesa, disse-lhes: “[...] Dei-vos o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também” » (Jn 13,1-15).

Então contemplemos Jesus enquanto realiza este gesto que parece dar-nos a chave para compreendermos o seu próprio ser e a sua missão, a sua vida e a sua morte. Contemplemos também o amor de Jesus, que se traduz em obras, em gestos concretos. Contemplemos Jesus que assume profundamente, com radicalidade absoluta, a forma de servo (cf. Fil Ph 2,7). Ele, Mestre e Senhor em cujas mãos o Pai depositara todas as coisas, amou-nos até ao extremo, chegando a entregar-Se totalmente nas mãos dos homens, deles aceitando tudo o que haveriam de fazer-Lhe depois. Aquele gesto de Jesus é um gesto de amor realizado no âmbito da instituição da Eucaristia e claramente na perspectiva da paixão e da morte. Trata-se dum gesto que, se manifesta o sentido da Encarnação, revela ainda mais a própria essência de Deus. Deus é amor, e por isso assumiu a condição de servo: Deus pôs-Se ao serviço do homem, para levar o homem à plena comunhão com Ele.

Ora se tal é o Mestre e Senhor, então o sentido do ministério e do próprio ser de quem, como os Doze, é chamado a entrar na maior intimidade com Jesus, só pode consistir numa disponibilidade total e sem condições aos outros, quer já pertençam ao aprisco, quer ainda não (cf. Jo Jn 10,16).

161 Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27; Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 16.


A autoridade de serviço pastoral do Bispo

43 O Bispo é enviado, em nome de Cristo, como pastor para cuidar duma determinada porção do Povo de Deus. Por meio do Evangelho e da Eucaristia, deve fazê-la crescer como realidade de comunhão no Espírito Santo.162 Disto deriva para o Bispo a representação e o governo da Igreja que lhe foi confiada – com o poder necessário para exercer o ministério pastoral recebido sacramentalmente (munus pastorale) – como participação da própria consagração e missão de Cristo.163 Em virtude disso, « os Bispos governam as Igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo, por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado, que exercem unicamente para edificar o próprio rebanho na verdade e na santidade, lembrados de que aquele que é maior se deve fazer como o menor, e o que preside como aquele que serve (cf. Lc Lc 22,26-27) ».164

Este texto conciliar é uma síntese admirável da doutrina católica a propósito do governo pastoral do Bispo, sendo retomado no rito da sua Ordenação: « O episcopado significa trabalho, não honra; e o Bispo, mais do que presidir, tem obrigação de servir. Segundo o ensinamento do Mestre, o que é maior seja como o mais pequeno, e o que preside como quem serve ».165 Está aqui o princípio fundamental segundo o qual a autoridade na Igreja – assim o afirma S. Paulo – tem como finalidade a edificação do Povo de Deus, não a sua ruína (cf. 2Co 10,8). A edificação da grei de Cristo na verdade e na santidade, como diversas vezes foi dito na aula sinodal, requer da parte do Bispo algumas qualidades, entre as quais se contam a vida exemplar, a capacidade de relação autêntica e construtiva com as pessoas, a predisposição para estimular e desenvolver a cooperação, a amabilidade e a paciência, a compreensão e a compaixão pelas misérias da alma e do corpo, a indulgência e o perdão. Trata-se efectivamente de exprimir do melhor modo possível o modelo supremo, que é Jesus Bom Pastor.

O poder do Bispo é um verdadeiro poder, mas iluminado pela luz do Bom Pastor e moldado segundo o seu modelo. Exercido em nome de Cristo, este poder é « próprio, ordinário e imediato, embora o seu exercício seja superiormente regulado pela suprema autoridade da Igreja e possa ser circunscrito dentro de certos limites para utilidade da Igreja ou dos fiéis. Por virtude deste poder, têm os Bispos o sagrado direito e o dever, perante o Senhor, de promulgar leis para os seus súbditos, de julgar e de orientar todas as coisas que pertencem à ordenação do culto e do apostolado ».166 Assim, em virtude do ofício que lhe foi confiado, o Bispo está investido de poder jurídico objectivo, destinado a exprimir-se em actos de poder pelos quais realiza o ministério de governo (munus pastorale) recebido no sacramento.

Mas o governo do Bispo só será pastoralmente eficaz – importa lembrá-lo também neste caso –, se gozar do apoio duma boa credibilidade moral, que deriva da sua santidade de vida. Tal credibilidade predisporá as mentes para acolherem o Evangelho anunciado por ele na sua Igreja e também as normas que ele estabelecer para o bem do Povo de Deus. Por isso, Santo Ambrósio admoestava: « Nos sacerdotes, não se procure nada de vulgar, nada tem de comum com as aspirações, os hábitos, os costumes do povo rude. A dignidade sacerdotal reivindica para si própria uma ponderação que se mantém afastada dos tumultos, uma vida austera e uma singular credibilidade ».167

O exercício da autoridade na Igreja não pode ser concebido como algo de impessoal e burocrático, precisamente porque se trata duma autoridade que nasce do testemunho. Em tudo o que o Bispo diz e faz, deve ser revelada a autoridade da palavra e da acção de Cristo. Se faltasse a credibilidade da santidade de vida do Bispo, isto é, o seu testemunho de fé, esperança e caridade, dificilmente o seu governo poderia ser sentido pelo Povo de Deus como manifestação da presença operante de Cristo na sua Igreja.

Ministros, por vontade do Senhor, da apostolicidade da Igreja e revestidos com a força do Espírito do Pai, que governa e guia (Spiritus principalis), os Bispos são sucessores dos Apóstolos não apenas na autoridade e no poder sagrado, mas também na forma de vida apostólica, nos sofrimentos que padecem por causa do anúncio e difusão do Evangelho, no cuidado terno e misericordioso dos fiéis que lhe estão confiados, na defesa dos mais débeis, na solicitude constante pelo Povo de Deus.

Na aula sinodal, foi lembrado como, depois do Concílio Vaticano II, o exercício da autoridade na Igreja se revelou frequentemente árduo. Apesar de parecerem superadas algumas das dificuldades mais extremas, tal situação perdura ainda; a questão que se coloca é como tornar melhor compreendido, aceite e cumprido o serviço necessário da autoridade. Uma primeira resposta ao problema provém precisamente da natureza da autoridade eclesial: esta é – e deve manifestar-se o mais claramente possível – uma participação na missão de Cristo que há-de ser vivida e exercida na humildade, na dedicação e no serviço.

A valorização da autoridade do Bispo advém, não das suas exterioridades, mas do aprofundamento do significado teológico, espiritual e moral do seu ministério, fundado no carisma da apostolicidade. Quanto foi dito na aula sinodal acerca do ícone do lava-pés e sobre o relacionamento da figura do servo com a do pastor, ajuda a compreender que o episcopado é verdadeiramente uma honra quando é serviço. Por isso, cada Bispo deve aplicar a si próprio a palavra de Jesus: « Sabeis como os governantes das nações fazem sentir o seu domínio sobre elas e os magnates, a sua autoridade. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo, e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se escravo de todos. Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por todos » (Mc 10,42-45). Recordando-se destas palavras do Senhor, o Bispo governa com o coração do servo humilde e do pastor afectuoso, que guia o seu rebanho procurando a glória de Deus e a salvação das almas (cf. Lc Lc 22,26-27). Se assim for vivida, a forma de governo do Bispo será verdadeiramente única no mundo.

Já foi citado o texto da Lumen gentium que afirma que os Bispos regem as Igrejas particulares a eles confiadas como vigários e legados de Cristo, « por meio de conselhos, persuasões e exemplos ».168 Não há contradição entre estas palavras e as que o mesmo documento conciliar acrescenta a seguir: é verdade que os Bispos governam por meio de conselhos, persuasões e exemplos « mas também com autoridade e poder sagrado ».169 Trata-se efectivamente dum « poder sagrado », cujas raízes assentam na credibilidade moral de que se reveste o Bispo pela sua santidade de vida. É esta precisamente que facilita o bom acolhimento de toda a sua acção de governo e a torna eficaz.

162 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 11; Código de Direito Canónico, cân. CIC 369; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 177-§ 1.
163 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27; Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 8; Código de Direito Canónico, cân. CIC 381-§ 1;Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 178.
164 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27.
165 Pontifical Romano, Rito da Ordenação do Bispo, Homilia proposta.
166 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27; cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 381-§1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 178.
167 Ad Irenaeum, Epistulae lib. I, ep. VI: Sancti Ambrosii episcopi Mediolanensis opera (Milão-Roma 1988), 19, 66.
168 N. LG 27.
169 Ibid., LG 27.


Estilo pastoral de governo e comunhão diocesana

44 A vivência da comunhão eclesial levará o Bispo a um estilo pastoral cada vez mais aberto à colaboração de todos. Há uma espécie de circularidade entre aquilo que o Bispo tem a responsabilidade pessoal de decidir para o bem da Igreja confiada aos seus cuidados e o contributo que os fiéis lhe podem oferecer através dos órgãos consultivos, tais como o sínodo diocesano, o conselho presbiteral, o conselho episcopal, o conselho pastoral.170

Os padres sinodais não deixaram de fazer referência a estas modalidades no exercício do governo episcopal, pelas quais se organiza a acção pastoral na diocese.171 De facto, a Igreja particular não faz referência apenas ao tríplice ministério episcopal (munus episcopale), mas também à tríplice função – profética, sacerdotal e real – de todo o Povo de Deus; em virtude do Baptismo, todos os fiéis participam, segundo o modo próprio de cada um, do tríplice munus de Cristo. A sua real igualdade quanto a dignidade e actuação faz com que todos sejam chamados a cooperar para a edificação do Corpo de Cristo e, consequentemente, a cumprir a missão que Deus confiou à Igreja no mundo, segundo a condição e a função próprias de cada um.172

Qualquer género de distinção entre os fiéis, com base na diferença de carismas, funções, ministérios, tem em vista o serviço dos outros membros do Povo de Deus. A distinção ontológica-funcional, que coloca o Bispo « perante » os outros fiéis devido à plenitude do sacramento da Ordem recebido, faz dele um ser para os outros fiéis, sem por isso o desenraizar do seu ser com eles.

A Igreja é uma comunhão orgânica, que se realiza através da coordenação dos vários carismas, ministérios e serviços em ordem à consecução do fim comum que é a salvação. O Bispo é responsável pela realização desta unidade na diversidade, procurando, como ficou dito na assembleia sinodal, favorecer de tal modo a sinergia entre os diversos agentes que seja possível percorrerem juntos o caminho comum de fé e missão.173

Dito isto, é necessário, porém, acrescentar que o ministério do Bispo não se pode absolutamente reduzir à tarefa de um simples moderador. Por sua natureza, o munus episcopale implica um claro e inequívoco direito-dever de governo, no qual está incluída também a componente jurisdicional. Os pastores são testemunhas públicas e a sua potestas testandi fidem alcança a sua plenitude napotestas iudicandi: o Bispo é chamado não só a testemunhar a fé, mas também a avaliar e a disciplinar as suas manifestações nos crentes confiados aos seus cuidados pastorais. No cumprimento deste seu dever, fará todo o possível por ter o consenso dos seus fiéis, mas em última análise há-de saber assumir-se a responsabilidade das decisões que resultarem necessárias à sua consciência de pastor, preocupado sobretudo com o juízo futuro de Deus.

A comunhão orgânica eclesial chama em causa a responsabilidade pessoal do Bispo, mas supõe também a participação de todas as categorias de fiéis, enquanto corresponsáveis do bem da Igreja particular que eles mesmos formam. O que garante a autenticidade da referida comunhão orgânica é a acção do Espírito, que age quer na responsabilidade pessoal do Bispo, quer na participação que nela tomam os fiéis. Com efeito o Espírito, fundamento tanto da igualdade baptismal de todos os fiéis como da diversidade carismática e ministerial de cada um, pode actuar eficazmente a comunhão. É sobre a base destes princípios que se regem os sínodos diocesanos, cujo perfil canónico – estabelecido nos cânones 460-468 do Código de Direito Canónico – foi especificado pelaInstrução interdicasterial de 19 de Março de 1997.174 E deverão ater-se à substância de tais normas também as outras assembleias diocesanas, que o Bispo presidirá sem nunca abdicar da sua específica responsabilidade.

Se no Baptismo cada cristão recebe o amor de Deus através da efusão do Espírito Santo, o Bispo – como oportunamente lembrou a assembleia sinodal – pelo sacramento da Ordem recebe no seu coração a caridade pastoral de Cristo. Esta caridade pastoral tem como finalidade criar a comunhão.175 Antes de traduzir em directrizes de acção este amor-comunhão, o Bispo deve esforçar-se por torná-lo presente no seu coração e no coração da Igreja através duma vida autenticamente espiritual.

Se a comunhão exprime a essência da Igreja, é normal que a espiritualidade de comunhão tenda a manifestar-se quer no âmbito pessoal quer no comunitário, suscitando sempre novas formas de participação e corresponsabilidade nas várias categorias de fiéis. Por isso, o Bispo esforçar-se-á por suscitar, na sua Igreja particular, estruturas de comunhão e participação, que permitam escutar o Espírito que vive e fala nos fiéis e, depois, orientá-los a fim de porem em prática o que o mesmo Espírito sugere para o verdadeiro bem da Igreja.

170 Cf. Código de Direito Canónico, cân(s).
CIC 204-§ 1; CIC 208 CIC 212-§§ 2 e 3; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân(s). CIO 7-§ 1; CIO 11 CIO 15-§§ 2 e 3.
171 Cf. Propositio 35.
172 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 32; Código de Direito Canónico, cân(s). CIC 204-§ 1; CIC 208.
173 Cf. Propositio 35.
174 Cf. AAS 89 (1997), 706-727. Idêntico discurso vale para as Assembleias Eparquiais, de que tratam os cânones CIO 235-242 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
175 Cf. Propositio 35.


As articulações da Igreja particular

45 Numerosas intervenções dos padres sinodais referiram-se aos vários aspectos e momentos da vida da diocese. Assim, foi justamente dedicada atenção à cúria diocesana, enquanto estrutura de que o Bispo se serve para manifestar a caridade pastoral nos seus vários aspectos;176 concretamente foi lembrada a conveniência de confiar a administração económica da diocese a pessoas competentes mas também honestas, de tal modo que se possa propô-la como exemplo de transparência a todas as outras instituições eclesiásticas análogas. Se se vive uma espiritualidade de comunhão na diocese, não será possível deixar de prestar uma atenção privilegiada às paróquias e comunidades mais pobres, e de procurar além disso reservar uma parte das disponibilidades económicas para as Igrejas mais carecidas, especialmente nas terras de missão e de migração.177

No entanto, foi sobre a paróquia que os padres sinodais acharam conveniente deter a sua atenção, lembrando que o primeiro responsável desta comunidade, que sobressai entre todas as existentes numa diocese, é o Bispo: a ela sobretudo deve reservar a sua solicitude.178 De facto, a paróquia – como várias vozes afirmaram – permanece ainda o núcleo fundamental na vida quotidiana da diocese.

176 Cf. Propositio 36.
177 Cf. Propositio 39.
178 Cf. Propositio 37.


A visita pastoral

46 É precisamente nesta perspectiva que emerge em toda a sua importância a visita pastoral, verdadeiro tempo de graça e momento especial, antes único, para o encontro e o diálogo do Bispo com os fiéis.179 O Bispo Bartolomeu dos Mártires – que beatifiquei poucos dias depois da conclusão do Sínodo – na sua obra clássica Stimulus Pastorum, muito apreciada pelo próprio S. Carlos Borromeu, define a visita pastoral quasi anima episcopalis regiminis e descreve-a significativamente como uma expansão da presença espiritual do Bispo entre os seus fiéis.180

Na sua visita pastoral à paróquia o Bispo, deixando a outros delegados o exame das questões de carácter administrativo, privilegie o encontro com as pessoas, a começar pelo pároco e demais sacerdotes. Este é o momento em que ele mais de perto exerce a favor do seu povo o ministério da palavra, da santificação e da guia pastoral, entrando em contacto mais directo com as angústias e preocupações, as alegrias e as expectativas do povo, podendo dirigir a todos um convite à esperança. E aí sobretudo o Bispo tem o contacto directo com as pessoas mais pobres, os idosos e os doentes. Assim realizada, a visita pastoral aparece como é: um sinal da presença do Senhor que visita o seu povo na paz.

179 Cf. ibid.
180 Cf. Stimulus Pastorum (Romae 1572), 52v.


O Bispo com o seu presbitério

47 Não é sem razão que o decreto conciliar Christus Dominus, ao dar a descrição da Igreja particular, a apresenta como comunidade de fiéis confiada ao cuidado pastoral do Bispo « cum cooperatione presbyterii ».181 De facto, há entre o Bispo e os presbíteros uma communio sacramentalis em virtude do sacerdócio ministerial ou hierárquico, que é participação do único sacerdócio de Cristo, e por conseguinte, embora em grau diverso, em virtude do único ministério eclesial ordenado e da única missão apostólica.

Assim, os presbíteros, especialmente os párocos, são os colaboradores mais íntimos do ministério do Bispo. Os padres sinodais reiteraram as recomendações e os apelos, já presentes nos documentos conciliares e retomados mais recentemente na Exortação apostólica Pastores dabo vobis,182 para uma especial qualidade das relações entre o Bispo e os seus presbíteros. O Bispo procurará sempre comportar-se com os seus sacerdotes como pai e irmão que os ama, escuta, acolhe, corrige, conforta, busca a sua colaboração e cuida o melhor possível do seu bem-estar humano, espiritual, ministerial e económico.183

Este afecto privilegiado do Bispo pelos seus sacerdotes manifesta-se sob a forma de acompanhamento paterno e fraterno das etapas fundamentais da sua vida sacerdotal, a partir dos primeiros passos no ministério pastoral. Fundamental é a formação permanente dos presbíteros, constituindo para todos uma espécie de « vocação na vocação », porque, nas suas dimensões diferentes e complementares, tende a ajudar o padre a ser e a comportar-se segundo o estilo de Jesus.

Entre os primeiros deveres de cada Bispo diocesano, está o cuidado espiritual do seu presbitério: « O gesto do sacerdote, que põe as suas próprias mãos nas mãos do Bispo, no dia da ordenação presbiteral, prometendo-lhe “reverência e obediência”, à primeira vista pode parecer um gesto unilateral. Na realidade, este gesto compromete a ambos: o sacerdote e o Bispo. O jovem presbítero escolhe confiar-se ao Bispo e este, por sua vez, compromete-se a salvaguardar aquelas mãos ».184

Apraz-me acrescentar mais duas ocasiões em que o presbítero pode justamente esperar do seu Bispo provas duma especial unidade. A primeira, quando lhe é confiada uma missão pastoral, quer isso suceda pela primeira vez como no caso do sacerdote recém-ordenado, quer se trate duma alteração no serviço ministerial ou de atribuição dum novo mandato pastoral. A atribuição duma missão pastoral constitui, também para o Bispo, um momento significativo de responsabilidade paterna para com um seu presbítero. Há umas palavras de S. Jerónimo que se podem aplicar perfeitamente a esta circunstância: « Sabemos que a mesma relação que havia entre Aarão e os seus filhos, decorre entre o Bispo e os seus sacerdotes. Um só é o Senhor, como um só é o templo: haja também unidade no ministério. [...] A glória de um pai não é o filho sábio? Possa o Bispo congratular-se consigo próprio pelo bom pressentimento que teve na escolha de tais sacerdotes para Cristo ».185

O outro momento é quando um sacerdote, por causa da idade avançada, deixa a guia pastoral efectiva duma comunidade ou os encargos de directa responsabilidade. Nestas circunstâncias e análogas, o Bispo tem o dever de fazer com que o sacerdote sinta quer a gratidão da Igreja particular pelas lidas apostólicas até então desempenhadas, quer a especificidade da sua nova colocação dentro do presbitério diocesano: é que ele conserva, antes vê aumentada, a possibilidade de contribuir para a edificação da Igreja através do testemunho exemplar duma oração mais assídua e da generosa partilha, a bem de seus irmãos mais jovens, da experiência adquirida. E aos sacerdotes que se encontram em idêntica situação, por causa duma doença grave ou doutra forma de persistente debilitação, o Bispo faça-lhes sentir a sua solidariedade fraterna, ajudando-os a manterem viva a convicção de « continuarem a ser membros activos na edificação da Igreja, especialmente em razão da sua união com Jesus Cristo sofredor e com tantos outros irmãos e irmãs que na Igreja tomam parte na paixão do Senhor ».186

O Bispo há-de acompanhar, com a oração e uma activa compaixão, também os sacerdotes que, por uma razão qualquer, puseram em questão a sua vocação e fidelidade ao chamamento do Senhor e de algum modo faltaram aos seus deveres.187

Não deixará, enfim, de examinar os sinais de virtudes heróicas que eventualmente se tenham manifestado entre os sacerdotes e, se o considerar conveniente, proceder ao seu reconhecimento público dando os passos necessários para introduzir a causa de canonização.188

181 N.
CD 11.
182 Cf. nn. PDV 16-17: AAS 84 (1992), 681-684.
183 Cf. Propositio 40.
184 João Paulo II, Discurso a um grupo de Bispos recentemente eleitos (23 de Setembro de 2002), 4:L'Osservatore Romano (ed. port. de 5/X/2002), 498.
185 Epistola ad Nepotianum presb., LII, 7: PL 22, 534.
186 João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), PDV 77: AAS 84 (1992), 795.
187 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 16.
188 Cf. Propositio 40.



Pastores gregis PT 39