Pastores gregis PT 48

A formação dos candidatos ao presbiterado

48 Ao aprofundar o tema do ministério dos presbíteros, a atenção dos padres sinodais centrou-se de modo particular na formação dos candidatos ao sacerdócio, que se realiza no Seminário.189 Com tudo o que supõe de oração, dedicação e canseira, a formação dos presbíteros constitui para o Bispo uma preocupação de primordial importância. E assim, cientes de que o Seminário representa para a diocese um dos bens mais preciosos, os padres sinodais detiveram-se a analisá-lo com atenção acabando por reiterar a necessidade indiscutível do Seminário Maior, sem contudo transcurar a importância que tem também o Seminário Menor para a transmissão dos valores cristãos em ordem ao seguimento de Cristo.190

Por isso, cada Bispo manifestará o seu desvelo primeiramente escolhendo com o máximo cuidado os educadores dos futuros presbíteros e estabelecendo as formas mais oportunas e apropriadas para a preparação de que necessitam para realizar o ministério em âmbito tão fundamental para a vida da comunidade cristã. O Bispo não deixará de visitar com frequência o Seminário, mesmo quando circunstâncias particulares o tivessem levado, juntamente com outros Bispos, à escolha – por vezes necessária e até preferível – de um Seminário interdiocesano.191 O conhecimento pessoal e profundo dos candidatos ao presbiterado na própria Igreja particular é um elemento de que o Bispo não pode prescindir. Com base nestes contactos directos, ele procurará fazer com que, nos Seminários, sejam formadas personalidades maduras e equilibradas, capazes de estabelecer sólidas relações humanas e pastorais, teologicamente preparadas, fortes na vida espiritual, amantes da Igreja. Esforçar-se-á de igual forma por promover e solicitar iniciativas de carácter económico para apoio e ajuda dos jovens candidatos ao presbiterado.

Mas é evidente que a força estimulante e criadora de vocações é primariamente a oração. As vocações necessitam de uma ampla rede de intercessores junto do « Senhor da messe ». Quanto mais o problema da vocação for enfrentado no contexto da oração, tanto mais esta ajudará o escolhido a escutar a voz d'Aquele que o chama.

Chegado o momento de administrar as Ordens sacras, cada Bispo há-de efectuar o devido escrutínio.192 A propósito, consciente da sua grave responsabilidade ao conferir a Ordem presbiteral, o Bispo só depois duma cuidadosa pesquisa e ampla consultação nos termos do direito é que acolherá na própria diocese candidatos provenientes doutra diocese ou dum Instituto Religioso.193

189 Cf. Propositio 41.
190 Cf. ibid.; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992),
PDV 60-63: AAS 84 (1992), 762-769.
191 Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), PDV 65: AAS84 (1992), 771-772.
192 Cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 1051.
193 Cf. Propositio 41.


O Bispo e os diáconos permanentes

49 Enquanto dispensadores das Ordens sacras, os Bispos têm responsabilidade directa também pelos diáconos permanentes, que a assembleia sinodal reconhece como verdadeiro dom de Deus para anunciar o Evangelho, instruir as comunidades cristãs e promover o serviço da caridade na Família de Deus.194

Por isso, cada Bispo terá grande cuidado por estas vocações, de cujo discernimento e formação é o responsável supremo. Embora normalmente deva exercer esta responsabilidade através de colaboradores da sua íntima confiança e empenhados a respeitar na sua acção as disposições da Santa Sé,195 o Bispo há-de procurar, dentro do possível, conhecer pessoalmente os que se preparam para o Diaconado. Depois de tê-los ordenado, continuará a ser para eles um verdadeiro pai, encorajando-os no amor ao Corpo e Sangue de Cristo, de que são ministros, e à Santa Igreja, que aceitaram servir; aos que forem casados, exortá-los-á também a uma vida familiar exemplar.

194 Cf. Propositio 42.
195 Cf. Congr. para a Educação Católica, Ratio fundamentalis institutionis Diaconorum permanentium (22 de Fevereiro de 1998): AAS 90 (1998), 843-879; Congr. para o Clero,Directorium pro ministerio et vita Diaconorum permanentium (22 de Fevereiro de 1998): AAS90 (1998), 879-926.


A solicitude do Bispo pelas pessoas de vida consagrada

50 A Exortação apostólica pós-sinodal Vita consecrata já pôs em evidência a importância que tem a vida consagrada no ministério do Bispo. Apelando-se a este documento durante o Sínodo, os padres recordaram que, na Igreja-comunhão, o Bispo deve estimar e promover a vocação e missão específica da vida consagrada, que pertence estável e firmemente à vida e à santidade da Igreja.196 Também na Igreja particular, a vida consagrada tem o dever duma presença exemplar e missão carismática. Por isso, o Bispo examinará com atenção se, entre as pessoas consagradas que viveram na diocese, houve testemunhos de exercício heróico das virtudes e, se o considerar oportuno, dará início ao processo de canonização.

Na sua solícita atenção por todas as formas de vida consagrada – atenção essa que se exprime tanto pelo encorajamento como pela vigilância –, o Bispo deverá reservar um lugar especial à vida contemplativa. Os consagrados, por sua vez, hão-de acolher cordialmente as indicações pastorais do Bispo, tendo em vista uma plena comunhão com a vida e a missão da Igreja particular onde residem. Com efeito, o Bispo é o responsável da actividade apostólica na diocese: com ele devem colaborar de tal modo os consagrados e consagradas que a sua presença e ministério enriqueçam a comunhão eclesial. A este respeito, há que ter presente o documento Mutuae relationes e quanto afirma o direito vigente.

Recomenda-se um especial cuidado pelos Institutos de direito diocesano, sobretudo pelos que se debatem em sérias dificuldades: o Bispo dedicar-lhes-á um cuidado paterno particular. Enfim, no caminho para aprovação de novos Institutos nascidos na sua diocese, o Bispo terá o cuidado de agir segundo o que está indicado e prescrito na Exortação Vita consecrata e outras instruções dos competentes dicastérios da Santa Sé.197

196 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 44.
197 Cf. Propositio 43.


Os fiéis leigos no cuidado pastoral do Bispo

51 Nos fiéis leigos, que constituem a maioria do Povo Deus, deve tornar-se cada vez mais visível a força missionária do Baptismo. Para tal, necessitam do apoio, estímulo e ajuda dos seus Bispos, que os guiem para realizar o seu apostolado segundo a índole secular que lhes é própria, sustentados pela graça dos sacramentos do Baptismo e da Confirmação. Para isso, será necessário promover específicos itinerários de formação que os habilitem a assumir responsabilidades na Igreja quer em estruturas de participação diocesanas e paroquiais, quer nos diversos serviços de animação litúrgica, catequese, ensino da religião católica nas escolas, etc.

Mas sobretudo compete aos leigos – e nesta linha devem ser estimulados – a evangelização das culturas, a inserção da força do Evangelho nas realidades da família, do trabalho, dos mass-media, do desporto, do tempo livre, a animação cristã da ordem social e da vida pública nacional e internacional. Com efeito, pela sua colocação no mundo, os leigos são capazes de exercer uma grande influência no ambiente circundante, ampliando as perspectivas e os horizontes da esperança a muitos homens e mulheres. Por outro lado, comprometidos como estão por sua opção de vida nas realidades temporais, os fiéis leigos são chamados, de modo correspondente à sua específica índole secular, a dar razão da sua esperança (cf.
1P 3,15) nos respectivos sectores de trabalho, cultivando no coração « a expectativa duma nova terra ».198 Por seu lado, os Bispos acompanhem de perto os fiéis leigos porque, imersos no âmago dos complexos problemas mundiais, estão particularmente expostos à ansiedade e ao sofrimento, e apoiem-nos a fim de que sejam cristãos de esperança inabalável, firmemente ancorados na certeza de que o Senhor está sempre junto dos seus filhos.

Deve ter em consideração também a importância do apostolado laical associado, seja o de mais antiga tradição, seja o de novos movimentos eclesiais. Todas estas realidades agregativas enriquecem a Igreja, mas têm contínua necessidade do serviço de discernimento que é próprio do Bispo, cuja missão pastoral comporta favorecer a complementaridade entre movimentos de inspiração diversificada, vigiando sobre o seu desenvolvimento, sobre a formação teológica e espiritual dos seus animadores, sobre o inserimento das novas realidades na comunidade diocesana e nas paróquias, das quais não se devem separar.199 O Bispo procurará ainda fazer com que as agregações laicais apoiem a pastoral vocacional da diocese, favorecendo o acolhimento de todas as vocações, especialmente para o ministério ordenado, a vida consagrada e o serviço missionário.200

198 Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, GS 39.
199 Cf. Propositiones 45, 46 e 49.
200 Cf. Propositio 52.


A solicitude do Bispo pela família

52 Numerosos padres sinodais fizeram ouvir a sua voz a favor da família, justamente chamada « igreja doméstica », espaço aberto à presença do Senhor Jesus, santuário da vida. Fundada sobre o sacramento do Matrimónio, apresenta-se como comunidade de primordial importância, pois tanto os cônjuges como os seus filhos vivem nela a própria vocação e aperfeiçoam-se na caridade. A família cristã, como foi ressaltado no Sínodo, é comunidade apostólica, aberta à missão.201

Pertence ao Bispo fazer com que sejam sustentados e defendidos os valores do matrimónio na sociedade civil, através de justas decisões políticas e económicas. Depois, no âmbito da comunidade cristã, não deixará de encorajar a preparação dos noivos para o matrimónio, o acompanhamento dos jovens casais e a formação de grupos de famílias que apoiem a pastoral familiar e, não menos importante, sejam capazes de ajudar as famílias em dificuldade. A proximidade do Bispo aos cônjuges e aos seus filhos, inclusive através de iniciativas de vário género com carácter diocesano, será para eles de seguro conforto.

Considerando as tarefas educativas da própria família, os padres sinodais reconheceram unanimemente o valor das escolas católicas para a formação integral das novas gerações, a inculturação da fé e o diálogo entre as diversas culturas. Por isso, é necessário que o Bispo apoie e qualifique a obra das escolas católicas, promovendo a sua aparição, onde não existam, e solicitando, na medida que puder, as instituições civis para que favoreçam uma efectiva liberdade de ensino no país.202

201 Cf. Propositio 51.
202 Cf. ibid.


Os jovens, uma prioridade pastoral em ordem ao futuro

53 O Bispo, pastor e pai da comunidade cristã, dedicará um cuidado especial à evangelização e acompanhamento espiritual dos jovens. Um ministério de esperança não pode deixar de construir o futuro juntamente com aqueles aos quais está confiado o futuro, ou seja, os jovens. Como « sentinelas da manhã », os jovens esperam a aurora dum mundo novo. A experiência das Jornadas Mundiais da Juventude – que os Bispos encorajam de alma e coração – mostra-nos como é grande o numero de jovens disponíveis a empenharem-se na Igreja e no mundo, se lhes for proposta uma autêntica responsabilidade e oferecida uma formação cristã integral.

Nesta perspectiva, fazendo-me intérprete do pensamento dos padres sinodais, dirijo um especial apelo às pessoas de vida consagrada de tantos Institutos comprometidos no sector da formação e educação das crianças, adolescentes e jovens, para que não se deixem desanimar pelas dificuldades actuais e não desistam da sua benemérita acção, mas intensifiquem-na qualificando cada vez mais os seus esforços.203

Possam os jovens, através duma relação pessoal com os seus pastores e formadores, sentir-se impelidos a crescerem na caridade, sendo educados para uma vida generosa e aberta ao serviço dos outros, sobretudo pobres e doentes. Deste modo, será mais fácil falar-lhes também das outras virtudes cristãs, especialmente da castidade. Por este caminho, chegarão a compreender que uma vida é « bela » quando é doada, a exemplo de Jesus. Poderão assim tomar decisões responsáveis e definitivas em ordem tanto ao matrimónio, como ao ministério sagrado e à vida consagrada.

203 Cf. Propositio 53.


A pastoral vocacional

54 Determinante é a promoção duma cultura vocacional em sentido mais amplo: há necessidade de educar os jovens para descobrirem a própria vida como vocação. Por isso, será oportuno que o Bispo faça apelo às famílias, às comunidades paroquiais e aos institutos educacionais para que ajudem os adolescentes e os jovens a descobrirem o projecto de Deus para a sua vida, acolhendo a chamada à santidade que Deus dirige originalmente a cada um.204

A este respeito, é muito importante reforçar a dimensão vocacional de toda a acção pastoral. Por isso, o Bispo há-de procurar que a pastoral juvenil e vocacional seja confiada a sacerdotes e outras pessoas capazes de transmitirem, com o entusiasmo e o exemplo da sua vida, o amor a Jesus. A sua missão será acompanhar os jovens, por meio duma relação pessoal de amizade e, se possível, de direcção espiritual, para ajudá-los a identificarem os sinais da vocação de Deus e a buscarem a força para lhe corresponder na graça dos sacramentos e na vida de oração, que é primariamente uma escuta de Deus que fala.

Estes são alguns dos âmbitos onde o Bispo exerce o seu ministério de governo e manifesta à parcela do Povo de Deus, a ele confiada, a caridade pastoral que o anima. Uma das formas características desta caridade é a compaixão, à imitação de Cristo, Sumo Sacerdote, que soube compadecer-Se das fragilidades humanas, porque Ele mesmo foi provado em tudo como nós, à excepção do pecado (cf.
He 4,15). Com tal compaixão aparece sempre unida a responsabilidade que o Bispo assumiu diante de Deus e da Igreja. É assim que ele cumpre as promessas e compromissos assumidos no dia da sua Ordenação episcopal, quando livremente deu o seu consentimento ao pedido da Igreja de cuidar, com amor de pai, do Povo santo de Deus e dirigi-lo pelo caminho da salvação; de ser, pelo nome do Senhor, sempre bondoso e compassivo com os pobres, os doentes e todos os necessitados de conforto e ajuda; e ainda de procurar, como bom pastor, as ovelhas dispersas e conduzi-las ao redil de Cristo.205

204 Cf. Propositio 52.
205 Cf. Pontifical Romano, Rito da Ordenação do Bispo: Promessa do eleito.


CAPÍTULO VI

NA COMUNHÃO DAS IGREJAS


« O cuidado de todas as Igrejas »

55 (2Co 11,28)
Ao escrever aos cristãos de Corinto, o apóstolo Paulo recorda tudo o que padeceu pelo Evangelho: « Viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus concidadãos, perigos dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre os falsos irmãos. Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! E, além de tudo isto, a minha obsessão de cada dia: O cuidado de todas as Igrejas! » (2Co 11,26-28). E conclui com uma questão que traduz sua solidária compaixão: « Quem é fraco, sem que eu também o seja? Quem tropeça, que eu não me consuma com a febre? » (2Co 11,29). A mesma questão interpela a consciência de cada Bispo, como membro do Colégio Episcopal.

Recorda-o expressamente o Concílio Vaticano II quando diz que todos os Bispos, enquanto membros do Colégio Episcopal e legítimos sucessores dos Apóstolos, estão obrigados, por instituição e preceito de Cristo, a estender a sua solicitude a toda a Igreja. « Todos os Bispos devem, com efeito, promover e defender a unidade da fé e disciplina comum a toda a Igreja; formar os fiéis no amor pelo Corpo místico de Cristo, principalmente pelos membros pobres, sofredores e que padecem perseguição por amor da justiça (Mt 5,10); devem, finalmente, promover todas as actividades que são comuns a toda a Igreja, sobretudo para que a fé se difunda e a luz da verdade total nasça para todos os homens. Aliás, é certo que, governando bem a própria Igreja, como porção da Igreja universal, concorrem eficazmente para o bem de todo o Corpo místico, que é também o corpo das Igrejas ».206

Desta forma, cada Bispo está relacionado simultaneamente com a sua Igreja particular e com a Igreja universal. De facto, o mesmo Bispo, que é princípio visível e fundamento da unidade na própria Igreja particular, é também o laço visível da comunhão eclesiástica entre a sua Igreja particular e a Igreja universal. Assim, todos os Bispos, residindo nas respectivas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo mas conservando sempre a comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio Episcopal e com o mesmo Colégio, dão consistência e expressão à catolicidade da Igreja e, ao mesmo tempo, conferem à sua Igreja particular esta nota de catolicidade. Deste modo, cada Bispo é de certo forma ponto de conjunção da sua Igreja particular com a Igreja universal e testemunho visível da presença da única Igreja de Cristo na sua Igreja particular. Portanto, na comunhão das Igrejas o Bispo representa a sua Igreja particular e, nesta, representa a comunhão das Igrejas. De facto, por meio do ministério episcopal, as portiones Ecclesiae participam na totalidade da Una-Santa, enquanto esta, sempre através de tal ministério, se torna presente em cada Ecclesiae portio 207.

A dimensão universal do ministério episcopal manifesta-se e realiza-se plenamente quando todos os Bispos, em comunhão hierárquica com o Romano Pontífice, actuam como Colégio. Reunidos solenemente num Concílio Ecuménico ou espalhados pelo mundo, mas sempre em comunhão hierárquica com o Romano Pontífice, eles constituem a continuação do Colégio Apostólico.208 Mas há ainda outras formas pelas quais todos os Bispos colaboram entre si e com o Romano Pontífice in bonum totius Ecclesiae, e isto primariamente para que o Evangelho seja anunciado em toda a terra e também para enfrentar os vários problemas que afligem as diversas Igrejas particulares. Ao mesmo tempo, também o exercício do ministério do Sucessor de Pedro em benefício da Igreja inteira e de cada Igreja particular e ainda a acção do Colégio enquanto tal constituem uma válida ajuda para que, nas Igrejas particulares confiadas ao cuidado pastoral de cada um dos Bispos diocesanos, sejam salvaguardadas a unidade da fé e a disciplina comum a toda a Igreja. Na Cátedra de Pedro, os Bispos, tanto individualmente como unidos entre si em Colégio, encontram o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade da fé e da comunhão.209

206 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 23.
207 Cf. Paulo VI, Discurso na inauguração da terceira Sessão do Concílio (14 de Setembro de 1964):AAS 56 (1964), 813; Congr. para a Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 9.11-14: AAS 85 (1993), 843-845.
208 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 22; Código de Direito Canónico, cân(s). CIC 337 CIC 749-§ 2; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân(s). CIO 50 CIO 597-§ 2.
209 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 23.


O Bispo diocesano na sua relação com a suprema autoridade

56 O Concílio Vaticano II ensina que « aos Bispos, como sucessores dos Apóstolos, compete de direito, na diocese a cada um confiada, todo o poder ordinário, próprio e imediato, que é necessário para o exercício do seu cargo pastoral (munus pastorale), salvaguardado sempre em tudo o poder que, em razão do seu múnus, o Romano Pontífice tem de reservar causas a si ou a outra autoridade ».210

Na aula sinodal alguém levantou a questão se não é possível tratar a relação entre o Bispo e a suprema autoridade à luz do princípio de subsidiariedade, especialmente no que se refere às relações entre o Bispo e a Cúria Romana, esperando que tais relações, em sintonia com uma eclesiologia de comunhão, se processem no respeito das competências de cada um e, consequentemente, actuando uma maior descentralização. Foi também solicitado que se estude a possibilidade de aplicar tal princípio à vida da Igreja, sempre salvaguardando o facto de que o princípio constitutivo do exercício da autoridade episcopal é a comunhão hierárquica de cada um dos Bispos com o Romano Pontífice e com o Colégio Episcopal.

Como é sabido, o princípio de subsidiariedade foi formulado pelo meu predecessor de veneranda memória Pio XI para a sociedade civil.211 O Concílio Vaticano II, que nunca usou o termo « subsidiariedade », contudo encorajou a partilha entre os organismos da Igreja, iniciando uma nova reflexão sobre a teologia do Episcopado que está a dar os seus frutos na aplicação concreta à comunhão eclesial do princípio da colegialidade. Os padres sinodais, por sua vez, consideraram que o conceito de subsidiariedade aplicado ao exercício da autoridade episcopal resulta ambíguo e insistiram para que seja aprofundada teologicamente a natureza da autoridade episcopal à luz do princípio de comunhão.212

Na assembleia sinodal, falou-se diversas vezes do princípio de comunhão.213 Trata-se duma comunhão orgânica, que se inspira na imagem do Corpo de Cristo, de que fala o Apóstolo Paulo pondo em destaque as funções de complementaridade e mútua ajuda entre os diversos membros no único corpo (cf.
1Co 12,12-31).

Assim, para que seja feito de modo correcto e eficaz o recurso ao princípio de comunhão, há alguns pontos de referência que são inevitáveis. Antes de mais nada, há que ter em conta o facto de que, na sua Igreja particular, o Bispo diocesano possui todo o poder ordinário, próprio e imediato, necessário para o cumprimento do seu ministério pastoral. Compete-lhe, pois, um âmbito próprio de exercício autónomo de tal autoridade, âmbito reconhecido e tutelado pela legislação universal.214 Mas, por outro lado, o poder do Bispo coexiste com o poder supremo do Romano Pontífice, também este episcopal, ordinário e imediato sobre todas e cada uma das dioceses e reunião delas, sobre todos os pastores e os fiéis.215

Outro ponto fora de questão que se deve ter presente: a unidade da Igreja está radicada na unidade do Episcopado, o qual, para ser uno, requer uma Cabeça do Colégio. De forma análoga a Igreja, para ser una, exige uma Igreja como Cabeça das Igrejas, a de Roma, cujo Bispo – Sucessor de Pedro – é a Cabeça do Colégio.216 Assim, « para que cada Igreja particular seja plenamente Igreja, isto é, presença particular da Igreja universal com todos os seus elementos essenciais, constituída portanto à imagem da Igreja universal, nela deve estar presente, como elemento próprio, a suprema autoridade da Igreja [...]. O primado do Bispo de Roma e o Colégio Episcopal são elementos próprios da Igreja universal, “não derivados da particularidade das Igrejas” mas interiores a cada Igreja particular. [...] O facto do ministério do Sucessor de Pedro ser interior a cada Igreja particular é expressão necessária dessa fundamental e mútua interioridade entre Igreja universal e Igreja particular ».217

A Igreja de Cristo, na sua nota de catolicidade, realiza-se plenamente em cada Igreja particular, a qual recebe todos os meios naturais e sobrenaturais para cumprir a missão, que Deus confiou à Igreja para a realizar no mundo. Entre esses meios, está também o poder ordinário, próprio e imediato do Bispo, requerido para o exercício do seu ministério pastoral (munus pastorale); mas tal exercício está sujeito às leis universais e às reservas – estabelecidas pelo direito ou por um decreto do Sumo Pontífice – à suprema autoridade ou a outra autoridade eclesiástica.218

A capacidade de governo próprio, incluindo também o exercício do magistério autêntico,219 que pertence intrinsecamente ao Bispo na sua diocese, entra dentro daquela realidade mística da Igreja que faz com que na Igreja particular esteja imanente a Igreja universal e se torne presente a suprema autoridade, ou seja, o Romano Pontífice e o Colégio dos Bispos com o seu poder supremo, pleno, ordinário e imediato sobre todos os fiéis e pastores.220

Segundo a doutrina do Concílio Vaticano II, deve-se afirmar que as funções de ensinar (munus docendi) e de governar (munus regendi) – e correlativo poder de magistério e de governo – na Igreja particular são, por sua natureza, exercidas por cada Bispo diocesano na comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio e com o próprio Colégio.221 Isto não enfraquece a autoridade episcopal, antes reforça-a, visto que os vínculos da comunhão hierárquica que unem os Bispos à Sé Apostólica requerem necessariamente uma coordenação da responsabilidade do Bispo diocesano com a da suprema autoridade, imposta pela própria natureza da Igreja. É o próprio direito divino que coloca os limites do exercício duma e doutra responsabilidade. Por isso, o poder dos Bispos « não é diminuído pela autoridade suprema e universal, mas antes, pelo contrário, é por ela assegurado, fortificado e defendido, dado que o Espírito Santo conserva indefectivelmente a forma de governo estabelecida por Cristo Nosso Senhor na Igreja ».222

O Papa Paulo VI, ao abrir o terceiro período do Concílio Vaticano II, justamente afirmou: « Como vós, veneráveis Irmãos no episcopado, espalhados pela terra, tendes necessidade dum centro, dum princípio de unidade na fé e na comunhão – para dar consistência e expressão à verdadeira catolicidade da Igreja – e isso exactamente encontrais na cátedra de Pedro; assim Nós temos necessidade que vós estejais sempre ao Nosso lado, para dardes cada vez mais ao rosto desta Sé Apostólica a sua verdadeira fisionomia, a sua realidade humana e histórica, e até mesmo para lhe oferecerdes concordância com a sua fé, o exemplo no cumprimento dos seus deveres e o conforto nas suas tribulações » .223

A realidade da comunhão, que está na base de todas as relações intra-eclesiais224 e que foi posta em evidência também na discussão sinodal, constitui uma relação de reciprocidade entre o Romano Pontífice e os Bispos. Com efeito, se por um lado o Bispo, para exprimir cabalmente o seu próprio múnus e fundar a catolicidade da sua Igreja, deve exercer o poder de governo que lhe é próprio (munus regendi) na comunhão hierárquica com o Romano Pontífice e com o Colégio Episcopal, por outro lado o Romano Pontífice, Cabeça do Colégio, no exercício do seu ministério de supremo pastor da Igreja (munus supremi Ecclesiae pastoris), age sempre na comunhão com todos os outros Bispos, antes com toda a Igreja.225 Então, na comunhão eclesial, tal como o Bispo não está só mas faz contínua referência ao Colégio e à sua Cabeça e por eles é apoiado, assim também o Romano Pontífice não está só mas sempre faz referência aos Bispos e é por eles apoiado. Este é outro motivo pelo qual o exercício do supremo poder do Romano Pontífice não anula, mas, pelo contrário, afirma, corrobora e reivindica o poder ordinário, próprio e imediato do Bispo na sua Igreja particular.

210 Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 8.
211 Cf. Carta enc. Quadragesimo anno (15 de Maio de 1931): AAS 23 (1931), 203.
212 Cf. Propositio 20.
213 Cf. Relatio post disceptationem, 15-17: L'Osservatore Romano (ed. port. de 10/XI/2001), 623; Propositio 20.
214 Cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 381-§ 1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 178.
215 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 22. Código de Direito Canónico, cân(s). CIC 331 CIC 333; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân(s). CIO 43 CIO 45-§ 1.
216 Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Carta Communionis notio (28 de Maio de 1992), 12: AAS85 (1993), 845-846.
217 Ibid. 13: o.c., 846.
218 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27; Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 8; Código de Direito Canónico, cân. CIC 381-§ 1;Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 178.
219 Cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 753; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 600.
220 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 22; Código de Direito Canónico, cân(s). CIC 333-§ 1 e 336; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân(s). CIO 43 CIO 45-§ 1 e CIO 49.
221 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 21; Código de Direito Canónico, cân. CIC 375-§ 2.
222 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 27; cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 333-§ 1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 45-§ 1.
223 Discurso na inauguração da terceira Sessão do Concílio (14 de Setembro de 1964): AAS 56 (1964), 813.
224 Cf. II Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, Relação final Exeunte coetu (7 de Dezembro de 1985), C-1: L'Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/ 1985), 651.
225 Cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 333-§ 2; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 45-§ 2.


As visitas « ad limina Apostolorum »

57 Simultaneamente manifestação e meio de comunhão entre os Bispos e a Cátedra de Pedro são as visitas ad limina Apostolorum.226 De facto, estas compõem-se de três momentos principais, cada um deles com o seu significado próprio.227 Em primeiro lugar, a peregrinação ao sepulcro dos dois príncipes dos Apóstolos para indicar a ligação àquela única fé de que deram testemunho em Roma com o seu martírio São Pedro e São Paulo.

Relacionado com este está o segundo momento: o encontro com o Sucessor de Pedro. De facto, por ocasião da visita ad limina, os Bispos reúnem-se em redor dele e praticam, segundo o princípio de catolicidade, uma comunicação de dons dentre todos os bens que, por obra do Espírito Santo, existem na Igreja, tanto a nível particular e local como a nível universal.228 O que então se verifica não se reduz a uma mera informação recíproca, mas é sobretudo a afirmação e a consolidação da colegialidade (collegialis conformatio) no corpo da Igreja, pela qual se constitui a unidade na diversidade, gerando uma espécie de perichoresis (intercompenetração) entre a Igreja universal e as Igrejas particulares, que se pode comparar ao movimento do sangue que parte do coração para as extremidades do corpo e destas volta ao coração.229 A seiva vital, que vem de Cristo, une todas as partes, como a seiva da videira que chega até às varas (cf. Jo
Jn 15,5). Isto torna-se particularmente evidente na celebração eucarística dos Bispos com o Papa. De facto, toda a Eucaristia é celebrada em comunhão com o Bispo próprio, com o Romano Pontífice e com o Colégio Episcopal e, através deles, com os fiéis da Igreja particular e da Igreja inteira, de tal modo que a Igreja universal está presente na Igreja particular e esta está inserida, com as outras Igrejas particulares, na comunhão da Igreja universal.

Desde os primeiros séculos, a referência suprema da comunhão é a Igreja de Roma, onde Pedro e Paulo deram o seu testemunho de fé. Com ela, pela sua posição mais excelente, deve necessariamente estar de acordo toda a Igreja, porque isto é a garantia última de integridade da tradição transmitida pelos Apóstolos.230 De facto, a Igreja de Roma preside à comunhão universal da caridade,231 tutela as legítimas diversidades e ao mesmo tempo vigia para que as particularidades sirvam a unidade e de forma alguma a prejudiquem.232 Tudo isto supõe a necessidade da comunhão das várias Igrejas com a Igreja de Roma, para que todas se possam encontrar na integridade da Tradição apostólica e na unidade da disciplina canónica para a conservação da fé, dos sacramentos e do caminho concreto para a santidade. Esta comunhão das Igrejas é expressa pela comunhão hierárquica entre cada um dos Bispos e o Romano Pontífice.233 Da comunhão cum Petro et sub Petro de todos os Bispos, praticada na caridade, surge o dever da colaboração de todos com o Sucessor de Pedro, para o bem da Igreja inteira e consequentemente de cada Igreja particular. A visita ad limina tem precisamente esta finalidade.

O terceiro aspecto das visitas ad limina é constituído pelo encontro com os responsáveis dos dicastérios da Cúria Romana: tratando com eles, os Bispos têm acesso directo aos problemas de competência de cada dicastério e assim são introduzidos nos vários aspectos da solicitude pastoral comum. A este respeito, os padres sinodais pediram que, sob o signo do mútuo conhecimento e confiança, se tornem mais frequentes os contactos entre Bispos – individualmente ou unidos nas Conferências Episcopais – e dicastérios da Cúria Romana,234 para que estes, informados directamente dos problemas concretos das Igrejas, possam realizar melhor o seu serviço universal.

Não há dúvida que as visitas ad limina, juntamente com o relatório quinquenal sobre o estado da diocese,235 são meios eficazes para responder à exigência de conhecimento recíproco, que brota da própria realidade da comunhão entre os Bispos e o Romano Pontífice. Mais, a presença dos Bispos em Roma para a visita pode ser ocasião oportuna, por um lado, para apressar a resposta às questões que apresentaram aos dicastérios e, por outro, para favorecer – conforme desejo por eles manifestado – uma consulta individual ou colectiva tendo em vista a preparação de documentos de relevante importância geral; nessa altura, poder-se-ia além disso ilustrar convenientemente aos mesmos Bispos eventuais documentos, antes da sua publicação, que a Santa Sé tivesse em mente dirigir à Igreja no seu todo ou especificamente às suas Igrejas particulares.

226 Cf. Propositio 27.
227 Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988), art. e Apêndice I, 6: AAS80 (1988), 868 e 916-917; Código de Direito Canónico, cân. CIC 400-§ 1; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 208.
228 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 13.
229 Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988), Apêndice I, 2 e 5 : AAS 80 (1988), 913 e 915.
230 Cf. Santo Ireneu, Contra as heresias, 3, 3, 2: PG 7, 848.
231 Cf. Santo Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, I, 1: PG 5, 685.
232 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 13.
233 Cf. ibid., LG 21-22; Decr. sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja Christus Dominus, CD 4.
234 Cf. Propositiones 26 e 27.
235 Cf. Código de Direito Canónico, cân. CIC 399; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. CIO 206.



Pastores gregis PT 48