Mediator Dei PT 151

III. As festas dos santos


151 No decurso do ano litúrgico relembram-se não só os mistérios de Jesus Cristo, mas ainda as festas dos santos, nas quais, se bem que se trate de uma ordem inferior e subordinada, a Igreja tem sempre a preocupação de propôr aos fiéis exemplos de santidade que os levem a adornar-se das mesmas virtudes do Divino Redentor. (152). É necessário, com efeito, que imitemos as virtudes dos santos, nas quais brilha, de modo vário, a própria virtude de Cristo, porque dele foram imitadores, visto que, em alguns fulgiu o zelo do apostolado; em outros se demonstrou a fortaleza dos nossos heróis até a efusão do sangue; em outros brilhou a constante vigilância na espera do Redentor; em outros resplandeceu o candor virginal da alma e a modesta doçura da humildade cristã; em todos arde uma fervidíssima caridade para com Deus e para com o próximo. A liturgia põe diante de nossos olhos todos esses belos ornamentos de santidade, para que salutarmente os olhemos e para que "nós que gozamos dos seus méritos sejamos inflamados pelos seus exemplos". (153) É necessário, pois, conservar "a inocência na simplicidade", a concórdia na caridade, a modéstia na humildade, a diligência no governo, a atenção em ajudar o que sofre, a misericórdia em cuidar dos pobres, a constância em defender a verdade, a justiça na severidade da disciplina, para que não falte em nós nenhuma de todas as virtudes que nos foram propostas para exemplo. Essas são as pegadas que os santos, na sua volta à pátria nos deixaram, para, palmilhando os seus caminhos, podermos segui-los na bem-aventurança... (154) E para salutarmente impressionar também os nossos sentidos, quer a Igreja que em nossos templos estejam expostas as imagens dos santos, sempre, porém, com o mesmo fim, isto é, que "imitemos as virtudes daqueles cujas imagens veneramos".(155)


153 Mas há ainda outro motivo no culto do povo cristão aos santos: o de implorar a sua ajuda, e o de "ser amparados pelo patrocínio daqueles em cujo louvor nos deleitamos". (156) Disso facilmente se deduz o porquê das numerosas fórmulas de oração que a Igreja nas propõe para invocar a proteção dos santos.


154 Entre os santos há um culto proeminente a Maria virgem Mãe de Deus. A sua vida, pela missão comada por Deus, está estreitamente inserida nos mistérios de Jesus Cristo e ninguém, certamente, mais do que ela, seguiu tão de perto e com maior eficácia, as pegadas do Verbo encarnado, ninguém goza de maior graça e poder junto do coração sacratíssimo do Filho de Deus e, através do Filho, junto do Pai celeste ela é mais santa do que os querubins e os serafins e, sem nenhuma comparação, mais gloriosa do que todos os outros santos, porque é "cheia de graça", (157 ) Mãe de Deus, e por nos haver dado, com o seu parto feliz, o Redentor. A ela, que é "mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa" recorramos todos nós "gemendo e chorando neste vale de lágrimas".(158) À sua proteção, entreguemo-nos confiantes, nós e todas as nossas coisas. Ela se tornou nossa mãe quando o divino Redentor cumpria o sacrifício de si mesmo, e por isso, ainda por esse título, somos seus filhos. Ela nos ensina todas as virtudes, dá-nos seu Filho e, com ele, todos os auxílios que nos são necessários, porque Deus "quis que tudo nos viesse por meio de Maria".(159)


155 Por esse caminho litúrgico que nos é, cada ano, aberto de novo, sob a ação santificadora da Igreja, confortados com os auxílios e os exemplos dos santos, sobretudo da imaculada virgem Maria, "aproximemo-nos com sincero coração, com plenitude de fé, purificado o coração da consciência de culpa e lavado o corpo com água pura", (160) do "grande Sacerdote",(161) para viver e sentir com ele e penetrar por seu intermédio "até além do véu" (162) e aí honrar o Pai celeste por toda a eternidade.


156 Tal é a essência e a razão de ser da sagrada liturgia. Ela cuida do sacrifício, dos sacramentos e do louvor a Deus; da união das nossas almas com Cristo e da santificação por meio do divino Redentor, afim de ser honrado Cristo e, por ele e nele, a Santíssima Trindade. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.



QUARTA PARTE


DIRETRIZES PASTORAIS


I. Não se descuidem as outras formas de piedade


157 Para afastar da Igreja os erros e os exageros de que acima falamos e para que possam os fiéis, guiados por mais seguras normas, praticar o apostolado litúrgico com abundantes frutos, achamos oportuno, veneráveis irmãos, acrescentar alguma coisa para a prática da doutrina exposta.


158 Tratando da genuína piedade, afirmamos que entre a liturgia e os outros atos de religião - desde que sejam retamente ordenados e tendam ao justo fim - não pode haver verdadeiro contraste; há, até, alguns exercícios de piedade que a Igreja recomenda grandemente ao clero e aos religiosos.


159 Ora, desejamos que também o povo cristão não fique alheio destes exercícios. Estes são - para falar apenas dos principais - a meditação de assuntos espirituais, o exame de consciência, os retiros espirituais, instituídos para a reflexão mais intensa das verdades eternas, a visita ao santíssimo sacramento e as orações particulares em honra da bem-aventurada virgem Maria, entre as quais excele, como todos sabem, o rosário.(163)


160 A essas múltiplas formas de piedade não pode ser estranha a inspiração e a ação do Espírito Santo; elas, com efeito - se bem que de várias maneiras - visam todas a voltar e dirigir para Deus as nossas almas, porque as purificam dos pecados, as dispõem à conquista da virtude e as estimulam à verdadeira piedade, habituando-as à meditação das verdades eternas, e tornando-as mais capazes da contemplação dos mistérios da natureza humana e divina de Cristo. Além disso, nutrindo intensamente nos fiéis a vida espiritual, preparam-nos para participar das sagradas funções com fruto maior, e evitam o perigo de se reduzirem as orações litúrgicas a um ritualismo vão.


161 Não vos canseis, pois, veneráveis irmãos, no vosso zelo pastoral, recomendando e encorajando esses exercícios de piedade, dos quais brotam sem dúvida para o povo que vos foi confiado frutos salutares. Sobretudo, não permitais - como alguns pretendem, ou com a desculpa de renovação da liturgia, ou falando com leviandade de uma eficácia e dignidade exclusivas dos ritos litúrgicos - que as Igrejas sejam fechadas durante as horas não destinadas às funções públicas, como já acontece em algumas regiões; que a adoração e a visita ao santíssimo sacramento sejam menosprezadas; que se desaconselhe a confissão dos pecados feita com o fim único de devoção; que se desleixe, especialmente entre a juventude, o culto da virgem Mãe de Deus, que, no dizer dos santos, é sinal de predestinação. São esses frutos envenenados, sumamente nocivos à piedade cristã, que repontam de ramos infectos de uma árvore sã; é necessário, por isso, extirpá-los, para que a seiva da árvore possa nutrir somente frutos agradáveis e ótimos.


162 Visto que as opiniões manifestadas por alguns a propósito da confissão freqüente são de todo alheias ao Espírito de Cristo e de sua esposa imaculada, e verdadeiramente funestas para a vida espiritual, recordamos o que a propósito escrevemos, com pesar, na encíclica "Mystici Corporis"; e insistimos de novo para que proponhais à séria meditação e à docil atuação dos vossos rebanhos e especialmente dos candidatos ao sacerdócio e do jovem clero, quanto ali vos dissemos em graves palavras.


163 Zelai, pois, de modo particular, para que muitíssimos, não só do clero mas ainda do laicato, e especialmente os pertencentes aos sodalícios religiosos e às fileiras da Ação católica, tomem parte nos retiros mensais e nos exercícios espirituais realizados em determinados dias para incrementar a piedade. Como dissemos acima, esses exercícios espirituais são utilíssimos e até necessários, para instilar nas almas a genuína piedade, e para formá-las à santidade, de modo que possam haurir da sagrada liturgia benefícios mais eficazes e abundantes.


164 Quanto aos vários modos sob os quais se costuma praticar esses exercícios, fique bem conhecido e claro a todos, que na Igreja terrena, como na celeste, há "muitas moradas"; (164) e que a ascética não pode ser monopólio de ninguém. Um é o Espírito, o qual, porém, "sopra onde quer";(165) e com diversos dons e por diversas vias dirige as almas por ele iluminadas à consecução da santidade. A sua liberdade e a ação sobrenatural do Espírito Santo nelas seja coisa sacrossanta, que a ninguém é lícito, a nenhum título, perturbar e conculcar.


165 É sabido, entretanto, que os exercícios espirituais de santo Inácio foram plenamente aprovados e insistentemente recomendados pelos nossos predecessores por causa de sua admirável eficácia; e nós, também, pela mesma razão, os aprovamos e recomendamos, como presentemente com prazer o tornamos a fazer.


166 É absolutamente necessário, porém, que a inspiração a seguir e praticar determinados exercícios de piedade, venha do Pai das luzes, do qual provém todo bem, e todo dom perfeito;(166) e disso será índice a eficácia com a qual servirão para que o culto divino seja sempre mais amado e amplamente promovido, e os fiéis sejam solicitados por um mais intenso desejo à participação dos sacramentos e à devida honra e respeito de todas as coisas sagradas. Se eles, ao contrário, se transformassem em obstáculo ou se revelassem em contraste com os princípios e normas do culto divino, então sem dúvida se deveria tê-los como não ordenados por pensamento reto, nem guiados por zelo iluminado.


167 Além disso, há outros exercícios de piedade que, se bem não pertençam a rigor e de direito à sagrada liturgia, se revestem de particular dignidade e importância, de modo que são tidos por insertos no quadro litúrgico, e gozam de repetidas aprovações e louvores desta Sé Apostólica e dos bispos. Entre esses se devem enumerar as orações que se costuma fazer durante o mês de maio em honra da virgem Mãe de Deus, ou durante o mês de junho em honra do sacratíssimo coração de Jesus, os tríduos e novenas, a "Via sacra" e outros semelhantes.


168 Essas piedosas práticas, que exercitam o povo cristão a uma assídua freqüência do sacramento da penitência e a uma devota participação no sacrifício eucarístico e na mesa divina, como também à meditação dos mistérios da nossa Redenção e à imitação dos grandes exemplos dos santos, por isso mesmo contribuem com fruto salutar para a nossa participação no culto litúrgico.


169 Por isso faria obra perniciosa e de todo errônea quem ousasse temerariamente assumir a reforma desses exercícios de piedade, para enquadrá-los apenas nos esquemas litúrgicos. É necessário, todavia, que o espírito da sagrada liturgia e os seus preceitos influam beneficamente neles, para evitar que aí se introduza algo de inepto ou de indigno ao decoro da casa de Deus, ou seja em detrimento das sagradas funções e contrário à sã piedade.


170 Cuidai, pois, veneráveis irmãos, para que essa pura e genuína piedade prospere sob os vossos olhos, e floresça sempre mais. Não vos canseis, sobretudo, de inculcar a cada um que a vida cristã não consiste na multiplicidade e variedade das orações e dos exercícios de piedade, mas acima de tudo em que eles contribuam realmente para o progresso espiritual dos fiéis e ao incremento de toda a Igreja, porquanto o Pai Eterno "nos elegeu nele (Cristo) antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados na sua presença". (167) Devem, pois, tender todas as nossas orações e todas as nossas práticas devotas a dirigir todos os nossos recursos espirituais à realização desse supremo e nobilíssimo fim.

II. Espírito litúrgico e apostolado litúrgico


171 Nós vos exortamos instantemente, veneráveis irmãos, a que, desfeitos os erros e a falsidade, e proibido tudo o que está fora da verdade e da ordem, promovais as iniciativas que dão ao povo um mais profundo conhecimento da sagrada liturgia, de modo que ele possa mais adequada e mais facilmente participar dos ritos divinos, com disposição verdadeiramente cristã.


172 É necessário, antes de tudo, empenhar-vos por que todos obedeçam com a devida reverência e fé aos decretos publicados pelo concílio de Trento, pelos pontífices romanos, pela Congregação dos ritos, e a todas as disposições dos livros litúrgicos naquilo que respeita à ação externa do culto público.


173 Em todas as coisas da liturgia devem brilhar sobretudo estes três ornamentos de que fala o nosso predecessor Pio X: a santidade, que rejeita toda influência profana; a nobreza das imagens e das formas, às quais serve toda arte genuína e superior; a universalidade, enfim, a qual - conservando os legítimos usos e costumes regionais - exprime a unidade católica da Igreja.(168)


174 Desejamos e recomendamos calorosamente, ainda uma vez, o decoro dos sagrados edifícios e altares. Sinta-se cada um animado pela palavra divina: "O zelo de tua casa me devora"(169) e se empenhe segundo as suas forças para que tudo, quer nos sagrados edifícios, quer nas vestes e nas alfaias litúrgicas, ainda que não brilhe por excessiva riqueza e esplendor, seja, todavia, apropriado e limpo, estando tudo consagrado à divina Majestade. Se já reprovamos, acima, o modo não reto de proceder daqueles que, a pretexto de restaurar o antigo, querem excluir dos templos as imagens sagradas temos que é nossa obrigação repreender a piedade não bem formada daqueles que, nas Igrejas e em seus próprios altares, propõem à veneração, sem justo motivo, múltiplos simulacros e efígies; daqueles que expõem relíquias não reconhecidas pela legítima autoridade; daqueles, enfim, que insistem em coisas particulares e de pouca importância, enquanto descuram as principais e necessárias, e, assim, tornam ridícula a religião, e envilecem a gravidade do culto.


175 Lembramos ainda o decreto "sobre novas formas de culto e de devoção a não introduzir",(170) cuja religiosa observância recomendamos à vossa vigilância.


176 Quanto à música, observem-se escrupulosamente as determinadas e claras normas emanadas desta Sé Apostólica. O canto gregoriano que a Igreja romana considera coisa sua, porque recebido da antiga tradição e guardado no correr dos séculos sob a sua cuidadosa tutela e que propõe aos fiéis como coisa também deles, prescrito como é de modo absoluto em algumas partes da liturgia,(171) não só acrescenta decoro e solenidade à celebração dos divinos mistérios, antes contribui extremamente até para aumentar a fé e a piedade dos assistentes. A esse propósito nossos predecessores de imortal memória, Pio X e Pio XI, estabeleceram - e nós de bom grado confirmamos com a nossa autoridade as disposições por eles dadas - que nos seminários e nos Institutos religiosos seja cultivado com estudo e diligência o canto gregoriano, e que, ao menos nas Igrejas mais importantes, sejam restauradas as antigas "Scholae cantorum"; como já foi feito com feliz resultado em não poucos lugares.(172)


177 Além disso, "para que os féis participem mais ativamente do culto divino, seja restaurado o canto gregoriano até no uso popular na parte que respeita ao povo. E urge verdadeiramente que os fiéis assistam às sagradas cerimônias não como espectadores mudos e estranhos, mas penetrados, intimamente, da beleza da liturgia... que alternem, segundo as normas prescritas, sua voz com a voz do sacerdote e dos cantores; se isso graças a Deus se verificar, então não acontecerá mais que o povo responda apenas com um leve e submisso murmúrio às orações comuns ditas em latim e em língua vulgar".(173) A multidão que assiste atentamente ao sacrifício do altar, no qual nosso Salvador, junto com os seus filhos remidos pelo seu sangue, canta o epitalâmio da sua imensa caridade, certamente não poderá calar, pois "cantar é proprio de quem ama",(174) e como já dizia o provérbio antigo: "Quem canta bem, reza duas vezes". Assim, a Igreja militante, clero e povo juntos, une a sua voz aos cantos da Igreja triunfante e aos coros angélicos, e todos juntos cantam um magnífico e eterno hino de louvor à Santíssima Trindade, como está escrito: "Com os quais te imploramos que sejam ouvidas ainda as nossas vozes".(175)


178 Não se pode, todavia, asseverar que a música e o canto moderno devam ser de todo excluídos do culto católico. Aliás, se nada têm de profano e de inconveniente à santidade do lugar e da ação sagrada, nem derivam de uma procura vã de efeitos extraordinários, certamente devemos abrir-lhes as portas de nossas Igrejas, podendo ambos contribuir não pouco para o esplendor dos ritos sagrados, para a elevação das mentes e, ao mesmo tempo, para a verdadeira devoção.


179 Nós vos exortamos ainda, veneráveis irmãos, a que tomeis cuidado em promover o canto religioso popular e a sua acurada execução feita com a dignidade conveniente, podendo isso estimular e aumentar a fé e a piedade das populações cristãs. Suba ao céu o canto uníssono e possante de nosso povo como o fragor das ondas do mar,(176) expressão canora e vibrante de um só coração e uma só alma, (177) como convém a irmãos e filhos de um mesmo Pai.(180). O que dissemos da música, se aplica às outras artes e especialmente à arquitetura, à escultura e à pintura. Não se devem desprezar e repudiar genericamente e por preconceitos as formas e imagens recentes, mais adaptadas aos novos materiais com os quais são hoje confeccionados; mas, evitando com sábio equilíbrio o excessivo realismo de uma parte e o exagerado simbolismo de outra, e tendo em conta as exigências da comunidade cristã, mais do que o juízo e o gosto pessoal dos artistas, é absolutamente necessário dar livre campo também à arte moderna, se esta serve com a devida reverência e a devida honra aos sagrados edifícios e ritos; de modo que ela possa unir a sua voz ao admirável cântico de glória que os gênios cantaram nos séculos passados a fé católica.

Não podemos deixar, porém, por dever de consciência, de deplorar e reprovar aquelas imagens e formas por alguns recentemente introduzidas, que parecem ser depravação e deformação da verdadeira arte e que, muitas vezes, repugnam abertamente ao decoro, à modéstia e à piedade cristã e ofendem, lamentavelmente, o genuíno sentimento religioso; elas devem ser mantidas absolutamente afastadas e postas fora das nossas igrejas como "em geral tudo que não está em harmonia com a santidade do lugar".(178)


181 Fiéis às normas e decretos dos pontífices, cuidai diligentemente, veneráveis irmãos, de iluminar e dirigir a mente e a alma dos artistas, aos quais será confiado hoje o encargo de restaurar e reconstruir tantas Igrejas destruídas ou arruinadas pela violência da guerra; possam e queiram eles, inspirando-se na religião, encontrar os motivos mais dignos e adaptados às exigências do culto; assim, com efeito, felizmente acontecerá que as artes humanas, como vindas do céu, brilhem com luz serena, promovam sumamente a humana civilização e contribuam para a glória de Deus e a santificação das almas, pois que as artes são, em verdade, como armas para a religião, quando servem "como nobilíssimas servas do culto divino".(179)


182 Mas há ainda uma coisa mais importante, veneráveis irmãos, que recomendamos de modo especial à vossa solicitude e ao vosso zelo apostólico. Tudo o que diz respeito ao culto religioso externo tem sua importância, mas urge sobretudo que os cristãos vivam a vida litúrgica e alimentem e fortaleçam seu espírito sobrenatural.


183 Providenciai, pois, alacremente, porque o jovem clero seja formado na inteligência das cerimônias sagradas, na compreensão de sua beleza e majestade, e aprenda diligentemente as rubricas, em harmonia com a sua formação ascética, teológica, jurídica e pastoral. E isso não somente por razões de cultura, não apenas para que o seminarista possa um dia cumprir os ritos da religião com a ordem, o decoro e a dignidade necessárias, mas sobretudo para que seja educado em íntima união com Cristo sacerdote e se torne um santo ministro de santidade.


184 Velai ainda de todo o modo para que, com os meios e subsídios que a vossa prudência julgar mais aptos, sejam o clero e o povo uma só mente e uma só alma; e, assim, o povo cristão participe ativamente da liturgia que se tornará em verdade a ação sagrada, pela qual o sacerdote que atende ao cuidado das almas em sua paróquia, unido com a assembléia do povo, renda ao Senhor o culto devido.


185 Para obter isso, será certamente útil que, piedosos meninos, bem instruídos sejam escolhidos entre todas as classes de fiéis, para que, com desinteresse e boa vontade, sirvam devota e assiduamente ao altar - encargo que deveria ser tido em grande consideração pelos pais, ainda que de alta condição social e cultura. Se esses jovens forem instruídos com o necessário cuidado e sob a vigilância de um sacerdote para que cumpram este seu ofício com reverência e constância, e em horas determinadas, tornar-se-á fácil o brotar entre eles de novas vocações sacerdotais; e não se queixará o clero de não encontrar - como infelizmente acontece por vezes até em regiões catolicíssimas - alguém que na celebração do augusto sacrifício lhe responda e o sirva.


186 Procurai, sobretudo, obter, com o vosso diligentíssimo zelo, que todos os fiéis assistam ao sacrifício eucarístico e dele recebam os mais abundantes frutos de salvação; exortai-os portanto assiduamente a dele participarem com devoção por todos aqueles modos legítimos dos quais falamos acima. O augusto sacrifício do altar é o ato fundamental do culto divino; é necessário, por isso, que ele seja a fonte, o centro da piedade cristã. Considerai que não tereis jamais suficientemente satisfeito ao vosso zelo apostólico senão quando virdes os vossos filhos aproximarem-se em grande número do celestial banquete que é "sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade". (180)


187 Para que, pois, o povo cristão possa conseguir esses dons sobrenaturais, sempre com maior abundância, instrui-o com zelo por meio de pregações oportunas e, especialmente, com discursos e ciclos de conferências, com semanas de estudo e com outras manifestações semelhantes, a respeito dos tesouros de piedade contidos na sagrada liturgia. Para esse fim estarão certamente à vossa disposição os membros da Ação católica, sempre prontos a colaborar com a hierarquia em promover o reino de Jesus Cristo.


188 É absolutamente necessário, porém, que em tudo isso vigieis atentamente a fim de que, no campo do Senhor, não se introduza o inimigo para semear a cizânia no meio do trigo,(181) para que, em outras palavras, não se infiltrem no vosso rebanho os perniciosos e sutis erros de um falso "misticismo" e de um nocivo "quietismo" - erros por nós já condenados como sabeis(182) - e para que as almas não sejam seduzidas por um perigoso "humanismo", nem se introduza uma falsa doutrina que altera a própria noção da fé, nem, enfim, um excessivo "arqueologismo" em matéria litúrgica. Cuidai com igual diligência por que não se difundam as falsas opiniões daqueles que erradamente crêem e ensinam que a natureza humana de Cristo glorificada esteja realmente e com a sua continua presença nos justificados, ou que uma graça única e idêntica junte Cristo com os membros do seu Corpo.


189 Não vos deixeis desanimar pelas dificuldades que nascem; jamais se desencoraje o vosso zelo pastoral. "Fazei soar a trombeta em Sião, convocai a assembléia, reuni o povo, santificai a Igreja, juntai os velhos, recolhei os meninos e os recém-nascidos" (183) e fazei por todos os meios que se encham em todos os lugares as Igrejas e os altares de cristãos, os quais, como membros vivos unidos à sua Cabeça divina, sejam revigorados pelas graças dos sacramentos, celebrem o augusto sacrifício com ele e por ele e dêem ao Eterno Pai os louvores devidos.



EPÍLOGO



190 Todas essas coisas, veneráveis irmãos, pretendíamos escrever-vos e o fazemos a fim de que os nossos e os vossos filhos compreendam melhor e mais estimem o preciosíssimo tesouro contido na sagrada liturgia - isto é, o sacrifício eucarístico que representa e renova o sacrifício da cruz, os sacramentos, rios de graça e de vida divina, e o hino de louvor que o céu e a terra elevam cada dia a Deus.


191 Seja-nos lícito esperar que estas nossas exortações excitem os tíbios e os recalcitrantes não somente a um estudo mais intenso e iluminado da liturgia, mas ainda a traduzir na prática da vida o seu espírito sobrenatural, como diz o apóstolo: "Não queirais extinguir o Espírito".(184)


192 Àqueles que um zelo excessivo leva muitas vezes a dizer e a fazer coisas que nos pesa não poder aprovar, repetimos a advertência de são Paulo: "Ponde tudo à prova; ficai com o que é bom";(185) e os admoestamos com ânimo paterno a consentirem haurir o seu modo de pensar e de agir da doutrina cristã, conforme os preceitos da imaculada esposa de Jesus Cristo e mãe dos santos.


193 A todos, enfim, lembramos a necessidade de uma generosa e fel obediência aos pastores, aos quais compete o direito e incumbe o dever de regular toda a vida da Igreja, sobretudo a espiritual. "Obedecei aos vossos superiores e sede-lhes dóceis. Eles, com efeito, velam sobre as vossas almas, e disso prestarão contas. Assim poderão fazê-lo com alegria e não gemendo".(186)


194 O Deus que adoramos, e que "não é Deus de discórdia mas de paz"(187), conceda, benigno a todos nós, participar neste exílio terreno, com uma só mente e um só coração, na sagrada liturgia, a qual seja como que preparação e prenúncio daquela celeste liturgia, com a qual, segundo confiamos, em companhia da excelsa Mãe de Deus e dulcíssima mãe nossa, cantaremos: "Àquele que se senta no trono e ao Cordeiro: louvor, honra e gloria por todos os séculos".(188)

Com essa exultante esperança a vós todos e a cada um, veneráveis irmãos e aos rebanhos confiados à vossa vigilância, como penhor dos dons celestes, e atestado da nossa particular benevolência, concedemos com grandíssimo afeto a bênção apostólica.

Dado em Castel Gandolfo, junto de Roma, no dia 20 de novembro do ano de 1947, IX do nosso pontificado.



PIO PP. XII


Notas

1. 1Tm 2,5.
2. Cf. He 4,14.
3. Cf. He 9,14.
4. Cf. Ml 1,11.
5. Cf. Conc. Trid., sess. XXII, c.l.
6. Cf. Ibid., c.2.
7. Carta. Encicl, Caritate Christi de 3 de maio do ano 1932.
8. Cf. Carta. Ap., Motu Proprio In cotidianis precibus do dia 24 de março do ano 1945.
9. 1Co 10,17
10. S. Tomás, Summa Theol., II-II 81,1.
11. Cf. Levítico.
12. Cf. He 10,1.
13. Jn 1,14.
14. He 10,5-7.
15. He 10,10.
16. Jn 1,9.
17. He 10,39.
18. Cf. 1Jn 2,1.
19. Cf. 1Tm 3,15.
20. Cf. Bonif. IX, Ab origine mundi, do dia 7 de Outubro do ano 1391; Callist. III, Summus Pontifex, de 1 de janeiro do ano 1456; Pius II, Triumphans Pastor, de 22 de abril de 1459; Innoc. XI, Triumphans Pastor, de 3 de outubro do ano 1678.
21. Ep 2,19-22.
22. Mt 18,20.
23. Ac 2,42.
24. Col 3,16.
25. S. Agostinho, Epist.130, ad Probam, 18.
26. Missal Rom., Prefácio da Nativ.
27. I. Card. Bona, De divina psalmodia, c 19, § 3,1.
28. Missal Rom., Secreta da féria V depois do II Dom. de Quaresma.
29. Cf. Mc 7,6 e Is 29,13.
30. 1Co 11,28.
31. Missal Rom., Féria IV de Cinzas: oração depois da imposição das cinzas.
32. De praedestinatione sanctorum, 31.
33. Cf. s. Tomás, Summa Theol., II-II 82,1.
34. Cf. 1Co 3,23.
35. He 10,19-24.
36. Cf. 2Co 6,1.
37.Cf. CIC, cân CIS 125 CIS 126 CIS 565 CIS 571 CIS 595 CIS 1367.
38. Col 3,11.
39. Cf. Ga 4,19.
40. Jn 20,21.
41. Lc 10,16
42. Mc 16,15-16.
43. Pont. Rom., De ordinatione presbyteri, in manuum unctione.
44. Enchiridion, c. 3.
45. De gratia Dei "Indiculus"; Dz 246.
46. S. Agostinho, Epist.130, ad Probam, 18.
47. Cf. Const. Divini cultus, de 20 de dezembro do ano 1928.
48. Const. Immensa, do dia 22 de janeiro de 1588.
49. Cf. CIC, cân. CIS 253.
50. Cf. CIC, cân. CIS 1257.
51. Cf. CIC, cân. CIS 1261.
52. Cf. Mt 28,20.
53. Cf. Pio VI, Const. Auctorem fidei, do dia 28 de agosto de 1794, nn. XXXI, XXXIV, XXXIX, LXII, LXVI, LXIX-LXXIV
54. Cf. Jn 21,15-17.
55. Ac 20,28,
56. Ps 109,4.
57. Jn 13,1.
58. Conc. Trid., Sess. XXII. c, 1.
59. Ibidem, c. 2.
60. Cf. s. Tomás, Summa Theol., III 22,4.
61. João Cris. In Joan. Hom., 86,4.
62. Rm 6,9.
63. Cf . Missal Rom., Prefácio.
64. Cf. Ibidem, Cânon.
65. Mc 14,23.
66. Missal Rom., Prefácio.
67. 1Jn 2,2.
68. Missal Rom., Cânon.
69. S. Agostinho, De Trinit., 1. XIII, c.19.
70. He 5,7.
71. Cf. Sess. XXII, c.1.
72. Cf. He 10,14.
73. S. Agostinho, Enarr. in Ps,147, n.16.
74. Ga 2,19-20.
75. Carta. Encicl. Mystici Corporis, do dia 29 de junho de 1943.
76. Missal Rom., Secreta do Dom. IX depois de Pentec.
77. Cf. Sess. XXII. c. 2 e cân. 4.
78. Cf. Ga 6,14.
79. Ml 1,11.
80. Ph 2,5.
81. Ga 2,19.
82. Cf. Conc. Trid. Sess., XXIII, c. 4.
83. Cf. s. Roberto Bellarm., De Missa, II, c 4.
84. De Sacro Altaris Mysterio, III, 6.
85. De Missa, I. cap. 27.
86. Missal Rom., Ordinário da Missa.
87. Ibidem, Cânon da Missa.
88. Missal Rom., Cânon da Missa.
92. Pontif. Rom., De Ordinatione presbyteri.
93. Ibidem, De altaris consecrat., Praefatio.
94. Cf. Conc. Trid. Sess. XXII, c. 5.
95. Ga 1,19-20 ?.
96. Cf. Serm. 272.
97. Cf. 1Co 12,27.
98. Cf. Ep 5,30.
99. Cf. s. Roberto Bellarm., De Missa , II, c. 8
100. De Civ. Dei, 1. X. c. 6.
101. Missal Rom., Cânon da Missa.
102. Cf. 1Tm 2,5.
103. Carta Encicl. Certiores effecti, de 13 de novembro de 1742, § 1.
104. Conc. Trid. Sess. XXII, cân. 8.
105. Missal Rom., Coleta da Festa Corp. Christi.
106. 1Co 11,24.
107. Sess. XXII, c. 6.
108. Carta. Encicl. Certiores effecti, de 13 de novembro de 1742, § 3.
109. Cf. Lc 14,23.
110. 1Co 10,17.
111. Cf. S. Inácio. Mártir, Ad. Ephes., 20.
112. Missal Rom., Cânon da Missa.
113. Ep 5,20.
114. Missal Rom., Postcommunio do Domingo da Oitava da Ascensão.
115. Ibidem, Postcommunio do Domingo I depois de Pentec.
116. CIC, cân. CIS 810
117. Lib . IV, cap.l2.
118. Da 3,57.
119. Cf. Jn 16,23.
120. Missal Rom., Secreta da Missa da SS. Trindade.
121. Jn 15,4.
122. Conc. Trid., Sess. XIII, can. 1.
123. Conc. Constant. II, Anath. de trib. Capit., cân. 9 collat. Con. Efes. Anath. Cyrill, cân. 8. Cf. Conc. Trid. Sess. XIII, cân. 6; Pio VI, Const. Auctorem fidei n. LXI.
124. Cf. Enarr. in, Ps. 98, 9.
125. Ap 5,12 Ap 7,10.
126. Cf. Conc. Trid., Sess., XIII, c. 5 e cân. 6.
127. In ad Cor., XXIV, 4.
128. Cf. 1P 1,19.
129. Mt 11,28.
130. Cf. Missal Rom., Coll. da Missa da Dedic. de uma Igreja.
131. Missal Rom., Seq. Lauda Sion na festa do Corpus Christi.
132. Lc 18,1.
133. He 13,15.
134. Cf. Ac 2,1-15.
135. Ac 10,9.
136. Ac 3,1.
137. Ac 16,25
138. Rm 8,26.
139. S. Agostinho, Enarr. in Ps. 85, n. 1.
140. S. Bento, Regula Monachorum, c. XIX.
141. He 7,25.
142. Explicatio in Psalterium, Prefácio; PL 70,10.
143. S. Ambrósio, Enarrat. in Ps. l, n. 9.
144. Ex 31,15.
145. Confess. I. IX, c. 6.
146. S. Agostinho, De Civ. Dei, 1. VIII, cap.l7.
147. Col 3,1-2.
148. S. Agostinho, Enarr. in Ps.123, 2.
149. He 13,8.
150. S. Tomás, Summa Theol. III 49,0 III 62,5.
151. Cf. Ac 10,38.
152. Ep 4,13.
153. Missal Rom., Coleta da III Missa pro plur. Martyr. extra T.P
154. S. Beda Vener., Hom. LXX na solenidade de todos os santos.
155. Missal Rom., Coleta da Missa de s. João Damasceno.
156. S. Bernardo, Sereno II in festo omnium Sanct.
157. Lc 1,28.
158. "Salve Regina".
159. S. Bernardo, In Nativ. B.M.V., 7.
160. He 10,22.
161. He 10,21.
162. He 6,19
163. Cf. CIC, cân. CIS 125.
164. Cf. Jn 14,2.
165. Jn 3,8.
166. Cf. Jc 1,17.
167. Ep 1,4.
168. Cf. Carta. Apost. Motu Proprio Tra le sollecitudini; de 22 de nov de 1903.
169. Ps 68,10 Jn 2,17.
170. Congr. S. Oficio: Decretum de 26 de maio de 1937.
171. Cf. Pio X, Carta. Apost. Motu Proprio Tra le sollecitudini.
172. Cf. Pio X, loc. cit.; Pio XI, Const. Divini Cultus, II, V.
173. Pio XI, Const. Divini Cultus, IX.
174. S. Agostinho, Serm.336, n. 1.
175. Missal Rom., Prefácio.
176. Cf. sS. Ambrosio, Hexameron, III, 5, 23.
177. Cf. Ac 4,32.
178. CIC, can. CIS 1178.
179. Pio XI, Const. Divini Cultus.
180. Cf. s. Agostinho, Tract. XXVI in Joan., 13.
181. Cf. Cf. Mt 13,24-25.
182. Carta. Encicl. Mystici Corporis.
183. Jl 2,5-16.
184. 1Th 5,19.
185. 1Th 5,21.
186. He 13,17.
187. 1Co 14,33.
188. Ap 5,13.





Mediator Dei PT 151