Presbyterorum Ordinis PT 8

União e cooperação fraterna entre os presbíteros

8 Os presbíteros, elevados ao presbiterado pela ordenação, estão unidos entre si numa íntima fraternidade sacramental. Especialmente na diocese a cujo serviço, sob o Bispo respectivo, estão consagrados, formam um só presbitério. Embora ocupados em diferentes obras, exercem o mesmo ministério sacerdotal a favor dos homens. Todos são enviados para cooperarem na obra comum, quer exerçam o ministério paroquial ou supra-paroquial, quer se dediquem à investigação científica ou ao ensino, quer se ocupem em trabalhos manuais compartilhando a sorte dos operários, onde isso pareça conveniente e a competente autoridade o aprove, quer realizem qualquer outra obra apostólica ou orientada ao apostolado. Todos têm uma só finalidade, isto é, a edificação do corpo de Cristo que, especialmente em nossos dias, requer múltiplas actividades e novas adaptações. Por isso, é da máxima importância que todos os presbíteros, diocesanos ou religiosos, se ajudem mùtuamente, para que sejam sempre cooperadores da verdade (45). Cada membro do colégio presbiterial está unido aos outros por laços especiais de caridade apostólica, de ministério e de fraternidade. Isto mesmo, desde tempos remotos é significado litùrgicamente quando os presbíteros presentes são convidados a impor as mãos, juntamente com o Bispo ordenante, sobre o novo eleito, e bem como quando concelebram, num só coração, a sagrada Eucaristia. Cada presbítero se une, pois, com seus irmãos por vínculo de caridade, oração e omnímoda cooperação, e assim, se manifesta aquela unidade na qual Cristo quis que os seus fossem consumados, para que o mundo conheça que o Filho foi enviado pelo Pai (46).

Por este motivo, os mais idosos recebam os mais novos como irmãos e ajudem-nos nos seus primeiros empreendimentos e encargos do ministério; esforcem-se por compreender a sua mentalidade, embora diferente, e ajudem com benevolência as suas iniciativas. Do mesmo modo, os jovens reverenciem a idade e experiência dos mais velhos, aconselhem-se com eles nas questões referentes à cura de almas, e colaborem de bom grado.

Animados de espírito fraterno, os presbíteros não esqueçam a hospitalidade (47), cultivem a beneficência e comunhão de bens (48), tendo particular solicitude com os doentes, os atribulados, os que estão sobrecarregados de trabalho, os que vivem sós, os que vivem longe da Pátria, bem como com os que sofrem perseguição (49). Reunam-se também espontâneamente e com alegria, para descanso do espírito, lembrados das palavras com que o Senhor convidou os Apóstolos fatigados: «vinde, vamos para um lugar deserto para descansar um pouco (
Mc 6,31). Sobretudo para que os presbíteros encontrem auxílio mútuo na vida espiritual e intelectual, para que mais fàcilmente possam cooperar no ministério e para se defenderem dos perigos da solidão que possam surgir, promova-se entre eles algum modo de vida comum, ou alguma convivência, que podem revestir diversas formas, conforme as necessidades pessoais ou pastorais, por exemplo, habitar juntos, onde isso seja possível, ou tomar as refeições em comum, ou pelo menos ter reuniões frequentes e periódicas. Devem ter-se em especial apreço e promover diligentemente as associações, que com estatutos aprovados pela competente autoridade eclesiástica promovem a santidade dos sacerdotes no exercício do ministério, por uma apropriada regra de vida e ajuda fraterna, e assim estão ao serviço de toda a Ordem dos presbíteros.

Finalmente, em razão da mesma comunhão no sacerdócio, sintam-se os presbíteros especialmente obrigados para com os que se vêem em dificuldades; dêem-lhes o auxílio oportuno, mesmo que seja necessário adverti-los discretamente. Ajudem com caridade fraterna e com magnanimidade aqueles que em alguma coisa se apartaram do recto caminho, façam por eles instantes preces a Deus e procedam sempre para com eles como verdadeiros irmãos e amigos.

45. Cfr. 3Jn 8.
46. Cfr. Jn 17,23.
47. Cfr. He 13,1-2.
48. Cfr. He 13,16
49. Cfr. Mt 5,10.


Relações dos presbíteros com os leigos

9 Embora os sacerdotes do Novo Testamento, em virtude do sacramento da Ordem, exerçam no Povo e para o Povo de Deus o múnus de pais e mestres, contudo, juntamente com os fiéis, são discípulos do Senhor, feitos participantes do. seu reino pela graça de Deus que nos chama (50), Regenerados com todos na fonte do Baptismo, os presbíteros são irmãos entre os irmãos (51), membros dum só e mesmo corpo de Cristo cuja edificação a todos pertence (52).

Devem os presbíteros de tal modo estar à frente que, não procurando os próprios interesses mas os de Jesus Cristo (53), trabalhem na obra comum com os leigos e vivam no meio deles segundo o exemplo do Mestre, que «veio» para o meio dos homens, «não para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos» (
Mt 20,28). Os presbíteros reconheçam e promovam sinceramente a dignidade e participação própria dos leigos na missão da Igreja. Estejam dispostos a ouvir os leigos, tendo fraternalmente em conta os seus desejos, reconhecendo a experiência e competência deles nos diversos campos da actividade humana, para que, juntamente com eles, saibam reconhecer os sinais dos tempos. Sabendo discernir se os espíritos vêm de Deus (54), perscrutem com o sentido da fé, reconheçam com alegria e promovam com diligência os multiformes carismas dos leigos, tanto os mais modestos como os mais altos. Entre os demais dons de Deus que se encontram com profusão entre os fiéis, são dignos de especial atenção os que atraem a uma vida espiritual mais alta. Entreguem-se aos leigos, com confiança, obras do serviço da Igreja, deixando-lhes espaço e liberdade de acção, convidando-os oportunamente a que tomem eles as suas iniciativas (55).

Os presbíteros, finalmente, foram postos no meio dos leigos para os levar todos à unidade «amando-se uns aos outros com caridade fraterna, e tendo os outros por mais dignos» (Rm 12,10). É, pois, dever deles congraçar de tal maneira as diferentes mentalidades que ninguém se sinta estranho na comunidade dos fiéis. São os defensores do bem comum do qual têm cuidado em nome do Bispo, e simultâneamente reivindicadores da verdade para que os fiéis não se deixem enredar por qualquer doutrina (56). São-lhes confiados com peculiar solicitude os que se afastaram da prática dos sacramentos e sobretudo da fé, dos quais, como bons pastores, não deixarão de se aproximar.

Segundo as normas sobre o ecumenismo (57), não esqueçam os irmãos que não vivem em plena comunhão eclesial connosco.

Terão ainda como confiados a si todos os que não reconhecem Cristo como seu Salvador.

Os fiéis, por sua vez, tomem consciência de que devem estar obrigados aos seus presbíteros; por isso, dediquem-lhes filial amor como a pais e pastores seus. Tomem parte nas suas preocupações, auxiliem-nos quanto lhes for possível com orações e obras, para que eles melhor possam vencer as dificuldades e cumprir mais frutuosamente os seus encargos (58).

50. Cfr. 1Th 2,12 Col 1,13.
51. Cfr. Mt 23,8; «Depois, é preciso que pelo facto de desejarmos ser pastores, pais e mestres dos homens, por isso mesmo procedamos como seus irmãos (Paulo VI, Encícl. Ecclesiam suam, 6 ago. 1964: AAS 58 (1964), p. 647.
52. Cfr. Ep 4,7 Ep 4,16; Const. Apost., VIII, 1,20: «Mais ainda: nem o Bispo se levante sobre os diáconos ou presbíteros, nem os presbíteros sobre o povo, porque duns e doutros se forma o conjunto do corpo» (ed. F. X. Funk, I, 467).
53. Cfr. Ph 2,21.
54. Cfr. 1Jn 4,1.
55. Cfr. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium LG 37: AAS 57 (1965), p. 42-43.
56. Cfr. Ep 4,14.
57. Cfr. Conc. Vat. II, Decreto De Oecumenismo, Unitatis redintegratio: AAS 57 (1965), p. 90s.
58. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia Lumen gentium, LG 37: AAS 57 (1965), p. 42-43.



III-A DISTRIBUIÇÃO DOS PRESBÍTEROS E AS VOCAÇÕES SACERDOTAIS


Adequada distribuição dos presbíteros

10 O dom espiritual, recebido pelos presbíteros na ordenação, não os prepara para uma missão limitada e determinada, mas sim para a missão imensa e universal da salvação, «até aos confins da terra (Ac 1,8); de facto, todo o ministério sacerdotal participa da amplitude universal da missão confiada por Cristo aos Apóstolos. Com efeito, o sacerdócio de Cristo, de que os presbíteros se tornaram verdadeiramente participantes, dirige-se necessariamente a todos os povos e a todos os tempos, nem é coarctado por nenhuns limites de sangue, nação ou idade, como já é prefigurado misteriosamente na pessoa de Melquisedec (59). Lembrem-se, por isso, os presbíteros que devem tomar a peito a solicitude por todas as igrejas. Portanto, os presbíteros daquelas dioceses que têm maior abundância de vocações, mostrem-se de boa vontade preparados para, com licença ou a pedido do próprio Ordinário, exercer o seu ministério em regiões, missões ou obras que lutam com falta de clero.

Além disso, revejam-se de tal modo as normas da incardinação e excardinação que, mantendo-se embora em vigor esta antiquíssima instituição, corresponda, todavia, melhor às necessidades pastorais de hoje. Sempre que o método apostólico o exigir, facilite-se não só a conveniente distribuição dos sacerdotes, mas também as obras pastorais peculiares que, segundo os diversos agrupamentos sociais, devem ser levadas a cabo em alguma região, ou nação ou em qualquer parte do mundo. Para isso, podem ser erigidos com utilidade alguns seminários internacionais, dioceses especiais ou prelaturas pessoais ou outras instituições, nas quais, da maneira a estabelecer em cada caso e salvos sempre os direitos do Ordinário de lugar, os presbíteros possam ser integrados ou incardinados para o bem comum de toda a Igreja.

Todavia, quanto for possível, não sejam enviados os presbíteros um a um para uma nova região, sobretudo se não conhecerem bem a sua língua e os seus costumes, mas, a exemplo dos discípulos de Cristo (60), dois a dois ou três a três, de tal modo que se possam ajudar mùtuamente. Convém igualmente que se cuide solicitamente da sua vida espiritual, bem como da sua saúde de alma e de corpo; e, quanto for possível, preparem-se-lhes lugares e condições de trabalho, segundo as circunstâncias pessoais de cada um. Muito convém igualmente que aqueles que vão para outra nação, procurem conhecer bem não só a língua dela, mas também a índole psicológica e social própria do povo a quem desejam servir em humildade, comunicando com ele o mais perfeitamente possível, de tal modo que sigam o exemplo do Apóstolo Paulo, que pôde dizer de si mesmo: «Sendo livre com relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar a muitos. Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus...» (1Co 9,19-20).

59. Cfr. He 7,3.
60. Cfr. Lc 10,1.


Solicitude pelas vocações sacerdotais

11 O pastor e bispo das nossas almas (61) constituiu a sua Igreja de tal modo que o povo escolhido e adquirido com o seu sangue (62) tivesse sempre e até ao fim dos tempos os seus sacerdotes, a fim de que os cristãos não fossem jamais como ovelhas sem pastor (63). Conhecendo esta vontade de Cristo, os Apóstolos, por inspiração do Espírito Santo, julgaram ser seu dever escolher ministros «capazes de ensinar também os outros» (2Tm 2,2). Este dever faz parte da própria missão sacerdotal, em virtude da qual o presbítero é feito participante da solicitude de toda a Igreja, para que jamais faltem na terra operários para o Povo de Deus. Todavia, visto que «ao piloto da barca e aos que nela devem ser levados... é comum o trabalho» (64), seja, por isso, informado todo o povo cristão de que é seu dever colaborar de diversos modos, pela oração frequente e por outros meios à sua disposição (65), para que a Igreja tenha sempre os sacerdotes necessários ao cumprimento da sua missão divina. Portanto, procurem antes de mais os presbíteros com o ministério da palavra e com o testemunho duma vida que manifeste claramente o espírito de serviço e a verdadeira alegria pascal, pôr diante dos olhos dos fiéis a excelência e a necessidade do sacerdócio, e, não se poupando a cuidados e a incómodos, ajudar aqueles que, jovens ou adultos, prudentemente julgarem idóneos para tão grande ministério, a preparar-se convenientemente e assim poder um dia, com plena liberdade externa e interna, ser chamados pelos Bispos. Para atingir este fim, é da máxima utilidade a diligente e prudente direcção espiritual. Os pais e os professores, e todos quantos de qualquer modo estão empenhados na formação das crianças e dos jovens, de tal maneira os instruam que, conhecendo a solicitude do Senhor pelo seu rebanho, e considerando as necessidades da Igreja, estejam preparados a responder generosamente com o profeta ao chamamento divino: «Eis-me aqui, envia-me» (Is 6,8). Todavia, esta voz do Senhor que chama, não deve ser de maneira nenhuma esperada como se tivesse de chegar aos ouvidos do futuro presbítero dum modo extraordinário. Com efeito, deve ser antes entendida e discernida a partir dos sinais que diàriamente dão a conhecer aos cristãos prudentes a vontade de Deus; estes sinais devem ser considerados atentamente pelos presbíteros (66).

A eles, portanto, se recomendam vivamente as Obras de vocações, quer diocesanas, quer nacionais (67). Nas pregações, na catequese, nas publicações, importa declarar com a maior clareza as necessidades da Igreja tanto local com universal; ponham-se em evidência o sentido e a importância do ministério sacerdotal, como sendo aquilo em que se conjugam tão grandes alegrias com tão grandes obrigações e em que, sobretudo, como ensinam os santos Padres, se pode dar a Cristo o maior testemunho de amor (68).

61. Cfr. 1P 2,25.
62. Cfr. Ac 20,28.
63. Cfr. Mt 9,36.
64. Pont. Rom., «Ordenação dos Presbiteros».
65. Cfr. Conc. Vat. II, Decr. De institutione sacerdotali Optatam totius OT 2.
66. «A voz de Deus que chama, exprime-se de dois modos diversos, maravilhosos e convergentes: um interior, o da graça, o do Espirito Santo, o inefável da fascinação interior que a «voz silenciosa» e poderosa do Senhor exercita nas insondáveis profundezas da alma humana; e um exterior, humano, sensível, social, jurídico, concreto, o do ministro qualificado da Palavra de Deus, o do apóstolo, o da Hierarquia, instrumento indispensável, instituído e querido por Cristo, como veículo encarregado de traduzir em linguagem perceptível a mensagem do Verbo e do preceito divino. Assim ensina com S. Paulo a doutrina católica: como ouvirão sem terem quem lhes pague... A fé vem pelo ouvido (Rm 10,14 Rm 10,17)»: Paulo VI, alocução, 5 maio 1965: L'Osservatore Romano, 6 maio 1965, p. 1).
67. Cfr. Conc. Vat. II, Decr. De institutione sacerdotali, Optatam totius OT 2.
68. Isto ensinam os Santos Padres, quando explicam as palavras de Cristo a Pedro: «Amas-me?... Apascenta as minhas ovelhas» (Jn 21,17): assim S. João Crisóstomo, De sacerdotio, II, 1-2 (PG 47-48, 633); S. Gregório Magno, Reg. Past. Liber, P. I. c. 5 (PL 77, 19 a.).


CAPÍTULO III

A VIDA DOS PRESBÍTEROS


I-A VOCAÇÃO DOS PRESBÍTEROS À PERFEIÇÃO


União com Cristo, sacerdote santo

12 Pelo sacramento da Ordem, os presbíteros são configurados com Cristo sacerdote, como ministros da cabeça, para a construção e edificação do seu corpo, que é a Igreja, enquanto cooperadores da Ordem episcopal. Já pela consagração do Baptismo receberam com os restantes fiéis, o sinal e o dom de tão insigne vocação e graça para que, mesmo na fraqueza humana (1), possam e devam alcançar a perfeição, segundo a palavra do Senhor: «Sede, pois, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5,48). Estão, porém, obrigados por especial razão a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo, para poderem continuar pelos tempos fora a sua obra admirável, que restaurou com suprema eficácia a família de todos os homens (2). Fazendo todo o sacerdote, a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo, de igual forma é enriquecido de graça especial para que, servindo todo o Povo de Deus e a porção que lhe foi confiada, possa alcançar de maneira conveniente a perfeição d'Aquele de quem faz as vezes, e cure a fraqueza humana da carne a santidade d'Aquele que por nós se fez pontífice «santo, inocente, impoluto, separado dos pecadores» (He 7,26).

Cristo, que o Pai santificou ou consagrou e enviou ao mundo (3), «entre a Si mesmo por nós, para nos remir de toda a iniquidade e adquirir um povo que Lhe fosse aceitável, zeloso do bem» (Tt 2,14), e assim, pela sua Paixão, entrou na glória (4). De igual modo os presbíteros, consagrados pela unção do Espírito Santo e enviados por Cristo, mortificam em si mesmos as obras da carne e dedicam-se totalmente ao serviço dos homens, e assim, pela santidade de que foram enriquecidos em Cristo, podem caminhar até ao estado de varão perfeito(5).

Deste modo, exercendo o ministério do Espírito e da justiça, se forem dóceis ao Espírito de Cristo que os vivifica e guia, são robustecidos na vida espiritual. Pelos ritos sagrados de cada dia e por todo o seu ministério exercido em união com o Bispo e os outros sacerdotes, eles mesmos se dispõem à perfeição da própria vida. Por sua vez, a santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daquelas que, dóceis ao impulso e direcção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: «se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim, (Ga 2,20).

Por isso, este sagrado Concílio, para atingir os seus fins pastorais de renovação interna da Igreja, difusão do Evangelho em todo o mundo e diálogo com os homens do nosso tempo, exorta veementemente todos os sacerdotes a que, empregando todos os meios recomendados pela Igreja (7), se esforcem por atingir cada vez maior santidade, pela qual se tornem instrumentos mais aptos para o serviço de todo o Povo de Deus.

1. Cfr. 2Co 12,9.
2. Cfr. Pio XI, Encicl. Ad catholici sacerdotii, 20 dez, 1935: AAS 28 (1936), p. 10.
3. Cfr. Jn 10,36.
4. Cfr. Lc 24,26.
5. Cfr. Ep 4,13.
6 Cfr. 2Co 3,8-9.
7. Cfr. entre outros documentos: S. Pio X, Exortação ao clero Haerent animo, 4 ago. 1908: S. Pio X Acta, vol. IV (1908), p. 237 ss.; Pio XI, Encícl. Ad catholici sacerdotii, 20 dez. 1935: AAS 28 (1936), p. 5ss.; Pio XII, Exortação apost. Menti nostrae, 23 seta 1950: AAS 42 (1950), p. 657 ss.; João XIII, Encícl. Sacerdotii nostri primordia. 1 ago. 1959: AAS 51 (1959), p. 545 ss.


A santidade no exercício do ministério

13 Os presbíteros atingirão a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigàvelmente no espírito de Cristo. Sendo eles os ministros da palavra, todos os dias lêem e ouvem a palavra do Senhor que devem ensinar aos outros. Esforçando-se por a receberem em si mesmos, cada vez se tornam mais perfeitos discípulos do Senhor, segundo a palavra do Apóstolo Paulo a Timóteo: «Medita estas coisas, permanece nelas, para que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Atende a ti e à doutrina. Persevera nestas coisas. Fazendo isto, não só te salvas a ti, mas também aos que te ouvem (1Tm 4,15-16). Investigando como mais convenientemente poderão dar aos outros aquilo que meditaram (8), mais profundamente saborearão «as insondáveis riquezas de Cristo» (Ep 3,8) e a multiforme sabedoria de Deus (9). Tendo diante de si que é o Senhor quem abre os corações (10) e que a sublimidade não vem deles mas da virtude de Deus (11), na própria pregação unam-se mais intimamente com Cristo mestre e deixem-se levar pelo seu espírito. Assim unidos a Cristo, participarão da caridade de Deus, cujo mistério, escondido desde os séculos (12), foi revelado em Cristo.

Como ministros das coisas sagradas, é sobretudo no sacrifício da missa que os presbíteros dum modo especial fazem as vezes de Cristo, que se entregou como vítima para a santificação dos homens. Por isso, são convidados a imitar aquilo que tratam, enquanto, celebrando o mistério da morte do Senhor, procuram mortificar os seus membros de todos os seus vícios e concupiscências (13). No mistério do sacrifício eucarístico, em que os sacerdotes realizam a sua função principal, exerce-se continuamente a obra da nossa Redenção (14). Por isso, com instância se recomenda a sua celebração quotidiana, porque, mesmo que não possa ter a presença dos fiéis, é acto de Cristo e da Igreja (15). Assim, enquanto que os presbíteros se unem com a própria acção de Cristo sacerdote, oferecem-se todos os dias totalmente a Deus, e, alimentando-se do Corpo do Senhor, participam amorosamente na caridade d'Aquele que se dá como alimento aos fiéis. De igual modo, na administração dos sacramentos unem-se à intenção e caridade de Cristo, o que se dá especialmente quando se mostram sempre totalmente dispostos a administrar o sacramento da Penitência todas as vezes que os fiéis racionalmente o pedirem. Na recitação do ofício divino, emprestam à Igreja a sua voz, que persevera na oração, em nome de todo o género humano, unida a Cristo, «sempre vivo a interceder por nós» (He 7,25).

Conduzindo e apascentando o Povo de Deus, são incitados pela caridade do Bom Pastor a dar a sua vida pelas ovelhas (16), prontos para o supremo sacrifício, seguindo o exemplo daqueles sacerdotes que mesmo em nossos dias não recusaram entregar a sua vida. Sendo educadores na fé e tendo eles mesmos «firme confiança de entrar no santuário mediante o sangue de Cristo» (He 10,19), aproximam-se de Deus «com coração sincero, na plenitude da fé» (He 10,22); dão mostras duma esperança firme perante os fiéis (17), a fim de poderem consolar aqueles que se encontram na angústia, com aquela exortação com que eles são exortados por Deus (18); chefes da comunidade, cultivam a ascese própria dos pastores de almas, renunciando às próprias comodidades, buscando não aquilo que lhes é útil a si, mas a muitos, para que se salvem (19), aperfeiçoando-se sempre cada vez mais no desempenho do seu múnus pastoral, dispostos a tentar novas vias, onde for necessário, guiados pelo Espírito de amor, que sopra onde quer (20).

8. Cfr. S. Tomás, Summa Theol., II-II 188,7.
9. Cfr. He 3,9-10.
10. Cfr. Ac 16,14.
11. Cfr. 2Co 4,7.
12. Cfr. Ep 3,9.
13. Cfr. Pont. Rom., «Da ordenação dos Presbíteros».
14. Cfr. Missale Romanum, oração sobre as oblatas no IX domingo depois do Pentecostes.
15. Com efeito, qualquer missa, embora seja celebrada pelo sacerdote em particular, não é privada, mas sim acto de Cristo e da Igreja; a Igreja, no sacrifício que oferece, aprende a ofercer-se a si mesma como sacrifício universal e aplica para salvação de todo o mundo a única e infinita virtude redentora do sacrifício da Cruz. Cada missa que se celebra, não se oferece só pela salvação de alguns, mas pela salvação de todo o mundo ( ... ) Recomendamos, por isso, paternal e veementemente aos sacerdotes, que são a nossa alegria e a nossa coroa no Senhor, que celebrem todos os dias digna e devotamente» (Paulo VI, Encícl. Mysterium fidei 3 set. 1965: AAS 57 (1965), p. MF 761-762; Cfr. Conc. Vat. II, Const. De Sacra Liturgia, Sacrosantum Concilium, SC 26-27: AAS 56 (1964), p. 107.
16. Cfr. Jn 10,11.
17. Cfr. 2Co 1,7.
18. Cfr. 2Co 1,4.
19. Cfr. 1Co 10,3.
20. Cfr. Jn 3,8.


Unidade de vida dos presbíteros em Cristo

14 No mundo de hoje, sendo tantos os deveres a cumprir e tão grande a diversidade de problemas em que se angustiam os homens, frequentìssimamente com urgência de solução, correm os mesmos homens o perigo de se dispersarem por muitas coisas. Também os presbíteros, implicados e dispersos por muitíssimas obrigações do seu ministério, podem perguntar, não sem ansiedade, como lhes será possível reduzir à unidade a sua vida interior com a sua acção exterior. Esta unidade de vida não pode ser construída com a mera ordenação externa do seu ministério nem apenas com a prática dos exercícios de piedade, por mais que isto concorra para ela. Mas poderão os presbíteros construí-la, seguindo, na prática do ministério, o exemplo de Cristo Nosso Senhor, cujo alimento era fazer a vontade d'Aquele que O enviou para realizar a sua obra (21).

Cristo, para continuar no mundo incessantemente a fazer a vontade do Pai mediante a Igreja, actua realmente pelos seus ministros, e assim permanece sempre o princípio e a fonte de unidade da sua vida. Portanto, os presbíteros alcançarão a unidade da sua vida, unindo-se a Cristo no conhecimento da vontade do Pai e no dom de si mesmos pelo rebanho que lhes foi confiado (22). Assim, fazendo as vezes do Bom Pastor, encontrarão no próprio exercício da caridade pastoral o vínculo da perfeição sacerdotal, que conduz à unidade de vida e acção. Esta caridade pastoral (23) flui sobretudo do sacrifício eucarístico, que permanece o centro e a raiz de toda a vida do presbítero, de tal maneira que aquilo que se realiza sobre a ara do sacrifício, isso mesmo procura realizar em si a alma sacerdotal. Isto, porém, só se pode obter, na medida em que, pela oração, os sacerdotes penetram cada vez mais profundamente no mistério de Cristo.

Para que possam realizar concretamente a unidade de vida, considerem todas as suas iniciativas, examinando qual será a vontade de Deus (24), ou seja, qual é a conformidade das iniciativas com as normas da missão evangélica da Igreja. A fidelidade para com Cristo não se pode separar da fidelidade para com a Igreja. Por isso, a caridade pastoral exige que os presbíteros, para que não corram em vão (25), trabalhem sempre em união com os Bispos e com os outros irmãos no sacerdócio. Procedendo assim, encontrarão os presbíteros a unidade da própria existência na unidade da missão da Igreja, e assim unir-se-ão com o Senhor, e por meio d'Ele com o Pai, no Espírito Santo, a fim de que possam encher-se de consolação e superabundar na alegria (26).

21. Cfr.
Jn 4,34.
22. Cfr. 1Jn 3,16
23. «Seja ofício de amor apascentar o rebanho do Senhor» (S. Agostinho, Tract. in JN 123,5, PL 35, 1967).
24. Cfr. Rm 12,2.
25. Cfr. Ga 2,2.
26. Cfr. 2Co 7,4.


II -PECULIARES EXIGÊNCIAS ESPIRITUAIS NA VIDA DOS PRESBÍTEROS


Humildade e obediência

15 Entre as virtudes que sobretudo se requerem no ministério dos presbíteros, deve nomear-se aquela disposição de espírito pela qual estão sempre prontos não a procurar a própria vontade, mas a vontade d'Aquele que os enviou (27). A obra divina, para que o Espírito Santo os assumiu (28), transcende todas as forças e a sabedoria humana, pois «Deus escolheu o que há de fraco no mundo, para confundir os fortes» (1Co 1,27). Consciente, portanto, da própria fraqueza, o verdadeiro ministro de Cristo trabalha na humildade, examinando o que é agradável a Deus (29), e, como que assumido pelo Espírito (30), é conduzido pela vontade d'Aquele que quer que todos os homens se salvem. Pode descobrir esta vontade e realizá-la nas circunstâncias de cada dia, servindo humildemente aqueles que lhe foram confiados por Deus, na tarefa que lhe foi entregue e nos acontecimentos da sua vida.

O ministério sacerdotal, porém, sendo ministério da própria Igreja, só em comunhão hierárquica com todo o corpo se pode desempenhar. Portanto, a caridade pastoral instiga os presbíteros, agindo nesta comunhão entreguem a sua vontade por obediência ao serviço de Deus e dos seus irmãos, recebendo com espírito de fé e executando o que lhes é preceituado ou recomendado pelo Sumo Pontífice, pelo próprio Bispo e outros Superiores, entregando-se e «super-entregando-se» (31), de todo o coração, a qualquer cargo, ainda que humilde e pobre, que lhes seja confiado. Desta forma conservam a necessária unidade e estreitam-na com os seus irmãos no ministério, sobretudo com aqueles que o Senhor pôs como chefes visíveis da sua Igreja, e trabalham para a edificação do corpo de Cristo, que cresce ,,por toda a espécie de junturas que o alimentam» (32). Esta obediência, que leva a uma maior maturidade dos filhos de Deus, exige de sua natureza que, quando no desempenho do seu múnus, movidos pela caridade, tentem prudentemente novas vias para maior bem da Igreja, proponham confiadamente as suas iniciativas, manifestem solìcitamente as necessidades do seu rebanho, dispostos sempre a sujeitar-se ao juízo daqueles que exercem o múnus principal de reger a Igreja de Deus.

Com esta humildade e obediência responsável e voluntária, os presbíteros configuram-se com Cristo, experimentando em si os sentimentos de Cristo Jesus, que «se despojou de Si mesmo, tomando a forma de servo... feito obediente até à morte» (Ph 2,7-9), e por esta obediência venceu e remiu a desobediência de Adão, como afirma S. Paulo: «Pela desobediência dum só homem, constituiram-se muitos pecadores: assim pela obediência dum só, constituiram-se muitos justos» (Rm 5,19).

27. Cfr. Jn 4,34 Jn 5,30 Jn 6,38.
28. Cfr. Ac 13,2.
29. Cfr. Ep 5,10.
30. Cfr. Ac 20,22.
31. Cfr. 2Co 12,15.
32. Cfr. Ep 4,11-16. .


O celibato sacerdotal

16 A continência perfeita e perpétua por amor do reino dos céus, recomendada por Cristo Senhor (33), generosamente aceite e louvàvelmente observada através dos séculos e mesmo em nossos dias por não poucos fiéis, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, especialmente na vida sacerdotal. É na verdade sinal e estímulo da caridade pastoral e fonte singular de fecundidade espiritual no mundo (34). De si, não é exigida pela própria natureza do sacerdócio, como se deixa ver pela prática da Igreja primitiva (35) e pela tradição das Igrejas orientais, onde, além daqueles que, com todos os Bispos, escolhem, pelo dom da graça, a observância do celibato, existem meritíssimos presbíteros casados. Recomendando o celibato eclesiástico, este sagrado Concílio de forma nenhuma deseja mudar a disciplina contrária, legìtimamente vigente nas Igrejas orientais, e exorta amorosamente a todos os que receberam o presbiterado já no matrimónio, a que, perseverando na sua santa vocação, continuem a dispensar generosa e plenamente a sua vida pelo rebanho que lhes foi confiado (36).

Todavia, o celibato harmoniza-se por muitos títulos com o sacerdócio. Na verdade, toda a missão sacerdotal se dedica totalmente ao serviço da humanidade nova, que Cristo, vencedor. da morte, suscita no mundo pelo seu Espírito e tem a sua origem, «não no sangue, nem na vontade da carne, nem na vontade do homem, mas em Deus» (Jo. l,13). Pela virgindade ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus (37), os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais fàcilmente com um coração indiviso (38), n'Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo. Deste modo, manifestam ainda aos homens que desejam dedicar-se indivisamente ao múnus que lhes foi confiado, isto é, de desposar os fiéis com um só esposo e apresentá-los como virgem casta a Cristo (39), evocando assim aquela misteriosa união fundada por Deus e que se há-de manifestar plenamente no futuro, em que a Igreja terá um único esposo, Cristo (40). Além disso, tornam-se sinal vivo do mundo futuro, já presente pela fé e pela caridade, em que os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento (41).

Por todas estas razões, fundadas no mistério de Cristo e na sua missão, o celibato, que a princípio era apenas recomendado aos sacerdotes, depois foi imposto por lei na Igreja latina a todos aqueles que deviam ser promovidos às Ordens sacras. Este sagrado Concílio aprova e confirma novamente esta legislação no que respeita àqueles que se destinam ao presbiterado, confiando no Espírito Santo que o dom do celibato, tão harmónico com o sacerdócio do Novo Testamento, será dado liberalmente pelo Pai, desde que aqueles que participam do sacerdócio de Cristo pelo sacramento da .Ordem, e toda a Igreja, humildemente e insistentemente o peçam. Exorta ainda este sagrado Concílio a todos os presbíteros que aceitaram livremente o santo celibato confiados na graça de Deus segundo o exemplo de Cristo, a que aderindo a ele de coração magnânimo e com toda a alma, e perseverando neste estado fielmente, reconheçam tão insigne dom, que lhes foi dado pelo Pai e tão claramente é exaltado pelo Senhor (42), tendo diante dos olhos os grandes mistérios que nele são significados e nele se realizam. Quanto mais, porém, a perfeita continência é tida por impossível por tantos homens no mundo de hoje, tanto mais humildemente e persistentemente peçam os presbíteros em união com a Igreja a graça da fidelidade, que nunca é negada aos que a suplicam, empregando ao mesmo tempo os auxílios sobrenaturais e naturais, que estão à mão de todos. Sobretudo não deixem de seguir as normas ascéticas, aprovadas pela experiência da Igreja e não menos necessárias no mundo de hoje. Por isso, este sagrado Concílio pede não sòmente aos sacerdotes, mas também a todos os fiéis, que tenham a peito este dom precioso do celibato sacerdotal e supliquem a Deus que o confira sempre abundantemente à Sua Igreja.

33. Cfr.
Mt 19,12.
34. Cfr. Cone. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, LG 42: AAS 57 (1965), p. 47-49.
35. Cfr. 1Tm 3,2-5 Tt 1,6.
36. Cfr. Pio XI, Encícl. Ad Catholici sacerdotii, 20 dez. 1935: AAS 28 (1936), p. 28.
37. Cfr. Mt 19,12.
38. Cfr. 1Co 7,32-34.
39. Cfr. 2Co 11,2.
40. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium LG 42 LG 44: AAS 57 (1965), p. 47-49 e 50-51; Decreto De accommodata renovatione vitae Ad catholici sacerdotii, 20 dez. 1935: AAS 28 (1936), p. 24-28; Pio XII, Encícl. religiosae, Perfectae caritatis, n. 12.
41. Cfr. Lc 20,35-36; Pio XI, Encícl. Sacra Virginitas, 25 março 1954: AAS 46 (1954), p. 169-172.
42. Cfr. Mt 19,11.



Presbyterorum Ordinis PT 8