Mulieris dignitatem PT


CARTA APOSTÓLICA

MULIERIS DIGNITATEM

DO SUMO PONTÍFICE

JOÃO PAULO II

SOBRE A DIGNIDADE E A VOCAÇÃO DA MULHER POR OCASIÃO DO ANO MARIANO




Veneráveis Irmãos e caríssimos Filhos e Filhas,
saúde e Bênção Apostólica!


I

INTRODUÇÃO


Um sinal dos tempos

1 A DIGNIDADE DA MULHER e a sua vocação — objeto constante de reflexão humana e cristã — têm assumido, em anos recentes, um relevo todo especial. Isso é demonstrado, entre outras coisas, pelas intervenções do Magistério da Igreja, refletidas nos vários documentos doConcílio Vaticano II, que afirma em sua Mensagem final: « Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas do espírito do Evangelho tanto podem ajudar para que a humanidade não decaia ».(1) As palavras desta Mensagem retomam o que já fora expresso no Magistério conciliar, especialmente na Constituição pastoral Gaudium et Spes (2 - GS 8 GS 9 GS 60) e no Decreto sobre o apostolado dos leigos,Apostolicam Actuositatem.(3 - AA 9)

Tomadas de posição semelhantes verificaram-se no período pré-conciliar, por exemplo em não poucos discursos do Papa Pio XII (4)e na Encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII.(5 - PT 267-268) Após o Concílio Vaticano II, o meu predecessor Paulo VI explicitou o significado deste « sinal dos tempos », conferindo o título de Doutor da Igreja a Santa Teresa de Jesus e a Santa Catarina de Sena, (6) e instituindo, além disso, a pedido da Assembléia do Sínodo dos Bispos em 1971, uma Comissão especial cuja finalidade era estudar os problemas contemporâneos concernentes à « promoção efetiva da dignidade e da responsabilidade das mulheres ». (7) Num de seus Discursos, o Papa Paulo VI declarou, entre outras coisas « No cristianismo, de fato, mais que em qualquer outra religião, a mulher tem, desde as origens, um estatuto especial de dignidade, do qual o Novo Testamento nos atesta não poucos e não pequenos aspectos (...); aparece com evidência que a mulher é destinada a fazer parte da estrutura viva e operante do cristianismo de modo tão relevante, que talvez ainda não tenham sido enucleadas todas as suas virtualidades ».(8)

Os Padres da recente Assembléia do Sínodo dos Bispos (Outubro de 1987), dedicada à « vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo vinte anos após o Concílio Vaticano II », voltaram a ocupar-se da dignidade e da vocação da mulher. Auspiciaram, entre outras coisas, o aprofundamento dos fundamentos antropológicos e teológicos necessários para resolver os problemas relativos ao significado e à dignidade do ser mulher e do ser homem. Trata-se de compreender a razão e as consequências da decisão do Criador de fazer existir o ser humano sempre e somente como mulher e como homem. Somente a partir destes fundamentos, que consentem colher em profundidade a dignidade e a vocação da mulher, é possível falar da sua presença ativa na Igreja e na sociedade.

é disso que entendo tratar no presente Documento. A Exortação pós-sinodal, a ser publicada a seguir, apresentará as propostas de índole pastoral relativas ao lugar da mulher na Igreja e na sociedade, sobre as quais os Padres sinodais teceram importantes considerações, tendo avaliado também os testemunhos dos Auditores leigos — mulheres e homens — provenientes das Igrejas particulares de todos os continentes.

1. Nuntius Concilii ad Mulieres (8 Decembris 1965): AAS 58 (1966), 13-14
4. Cf. Pius PP. XII , Allocutio ad mulieres e Societatibus Christianis Italiae delegatas (21 Octobris 1945): AAS 37 (1945), 284-295; Allocutio ad delegatas Conventui Unionis universali Sodalitatum mulierum catholicarum (24 Aprilis 1952): AAS 44 (1952), 420-424; Allocutio ad eas quae interfuerunt XIV Conventui Internationali ex «Union Mondiale des Organisations féminines catholiques» (29 Septembris 1957): AAS 49 (1957), 906-922.
6. Declaratio S. Teresiae de Avila, Virginis, «Doctoris universalis Ecclesiae» (27 Septembris 1970): AAS 62 (1970), 590-596; Declaratio S. Catharinae Senensis, Virginis, «Doctoris universalis Ecclesiae» (4 Octobris 1970): AAS 62 (1970), 673-678.
7. AAS 65 (1973), 284 s.
8. PAULUS P P . VI, Allocutio ad eas quae interfuerunt Nationali Conventui Consociationis Italicamm Mulierum (C I F), (6 Decembris 1976): Insegnamenti di Paolo VI, XIV (1976), 1017.


O Ano Mariano

2 O último Sínodo realizou-se durante o Ano Mariano, que oferece um incentivo particular para tratar do tema presente, como o indica também a Encíclica Redemptoris Mater. (9 - RMA 46) Esta Encíclica desenvolve e atualiza o ensinamento do Concílio Vaticano II, contido no capítulo VIII da Constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. Esse capítulo traz um título significativo: « A Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja ». Maria — esta « mulher » da Bíblia (cf. Gn 3,15 Jn 2,4 Jn 19,26) — pertence intimamente ao mistério salvífico de Cristo, e por isso está presente de modo especial também no mistério da Igreja. Porque « a Igreja é em Cristo como que o sacramento... da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano », (10 - LG 1) a presença especial da Mãe de Deus no mistério da Igreja nos consente pensar no vínculo excepcional entre esta « mulher » e toda a família humana. Trata-se aqui de cada um e de cada uma, de todos os filhos e de todas as filhas do gênero humano, nos quais se realiza, no curso das gerações, aquela herança fundamental da humanidade inteira que está ligada ao mistério do « princípio » bíblico: « Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou » (Gn 1,27). (11)

Esta verdade eterna sobre o homem, homem e mulher — verdade que está imutavelmente fixada também na experiência de todos — constitui ao mesmo tempo o mistério que só « se torna claro verdadeiramente no Verbo encarnado... Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação », como ensina o Concílio. (12 - GS 22) Neste « manifestar o homem ao próprio homem » não será talvez preciso descobrir um lugar especial para a « mulher » que foi a Mãe de Cristo? A « mensagem » de Cristo, contida no Evangelho e que tem como pano de fundo toda a Escritura, Antigo e Novo Testamentos, não poderá talvez dizer muito à Igreja e à humanidade sobre a dignidade e a vocação da mulher?

Este quer ser precisamente o fio condutor do presente Documento, que se enquadra no amplo contexto do Ano Mariano, enquanto nos encaminhamos para o final do segundo milênio do nascimento de Cristo e o início do terceiro. E parece-me que o melhor seja dar a este texto o estilo e o caráter de uma meditação.

11. Explanatio significationis anthropologiae ac theologicae huiusce « principii » inveniri potest in priore parte Allocutionum die Mercurii habitarum, quarum argumentum fuit «theologia corporis», ex die 5 Sept. 1979: Insegnamenti II, 2 (1979), 234-236.


II

MULHER — MÃE DE DEUS (THEOTÓKOS )


União com Deus

3 « Ao chegar a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido duma mulher ». Com estas palavras da Carta aos Gálatas (Ga 4,4), o Apóstolo Paulo une entre si os momentos principais que determinam essencialmente o cumprimento do mistério « preestabelecido em Deus » (cf. Ep 1,9). O Filho, Verbo consubstancial ao Pai, nasce como homem de uma mulher, quando chega a « plenitude dos tempos ». Este acontecimento conduz ao ponto chave da história do homem sobre a terra, entendida como história da salvação. É significativo que o Apóstolo não chame a Mãe de Cristo com o nome próprio de « Maria », mas a defina como « mulher »: isto estabelece uma concordância com as palavras do Proto-Evangelho no Livro do Gênesis (cf. Gn 3,15). Precisamente essa « mulher » está presente no evento salvífico central, que decide da « plenitude dos tempos »: esse evento realiza-se nela e por seu meio.

Inicia-se assim o evento central, o evento chave na história da salvação, a Páscoa do Senhor. Contudo, vale talvez a pena reconsiderá-lo a partir da história espiritual do homem entendida no sentido mais amplo, tal como se exprime nas diversas religiões do mundo. Recorremos aqui às palavras do Concílio Vaticano II: « Por meio de religiões diversas procuram os homens uma resposta aos profundos enigmas para a condição humana, que tanto ontem como hoje afligem intimamente os espíritos dos homens, quais sejam: que é o homem, qual o sentido e fim de nossa vida, que é bem e que é pecado, qual a origem dos sofrimentos e qual sua finalidade, qual o caminho para obter a verdadeira felicidade, que é a morte, o julgamento e retribuição após a morte e, finalmente, que é aquele supremo e inefável mistério que envolve nossa existência, donde nos originamos e para o qual caminhamos. (13 - NAE 1) « Desde a antiguidade até à época atual, encontra-se entre os diversos povos certa percepção daquela força misteriosa que preside o desenrolar das coisas e acontecimentos da vida humana, chegando mesmo às vezes ao conhecimento duma suprema divindade ou até do Pai. (14 - NAE 2)

Sobre o pano de fundo desse vasto panorama, que põe em evidência as aspirações do espírito humano em busca de Deus — às vezes a caminhando quase às apalpadelas » (cf. Ac 17,27) — a « plenitude dos tempos », de que fala Paulo na sua Carta, põe em relevo a resposta do próprio Deus, daquele « em quem vivemos, nos movemos e somos » (cf. Ac 17,28). Este é o Deus que « muitas vezes e de muitos modos falou outrora a nossos pais, nos profetas; nestes últimos tempos, falou a nós no Filho » (cf. He 1,1-2). O envio deste Filho, consubstancial ao Pai, como homem « nascido de mulher », constitui o ponto culminante e definitivo da autorevelação de Deus à humanidade. Esta auto-revelação possui um caráter salvífico, como ensina em outra parte o Concílio Vaticano II: « Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de Sua vontade (cf. Ep 1,9), pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ep 2,18 2P 1,4)». (15 - DV 2)

A mulher encontra-se no coração deste evento salvífico. A auto-revelação de Deus, que é a imperscrutável unidade da Trindade, está contida, nas suas linhas fundamentais, na Anunciação de Nazaré. « Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo ». — « Como se realizará isso, pois não conheço homem? » — « Virá sobre ti o Espírito Santo e a potência do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus... A Deus nada é impossível » (cf. Lc 1,31-37). (16)

é fácil pensar neste evento na perspectiva da história de Israel, o povo eleito do qual Maria descende; mas é fácil também pensá-lo na perspectiva de todos aqueles caminhos pelos quais a humanidade desde sempre procura resposta às interrogações fundamentais e, ao mesmo tempo, definitivas que mais a afligem. Não se encontra, talvez, na Anunciação de Nazaré, o início daquela resposta definitiva, mediante a qual Deus mesmo vem ao encontro das inquietudes do coração humano? (17 - NAE 2) Aqui não se trata apenas de palavras de Deus reveladas através dos Profetas; mas da resposta pela qual realmente « o Verbo se faz carne » (cf. Jn 1,14). Mariaalcança assim uma tal união com Deus que supera todas as expectativas do espírito humano. Supera até mesmo as expectativas de todo Israel e, particularmente, das filhas deste povo escolhido; estas, tendo por base a promessa, podiam esperar que uma delas se tornasse um dia Mãe do Messias. Qual delas, todavia, podia supor que o Messias prometido seria o « Filho do Altíssimo »? A partir da fé monoteísta do Antigo Testamento, isto se tornava dificilmente conjeturável. Só pela força do Espírito Santo, que « estendeu a sua sombra » sobre ela, Maria podia aceitar o que é « impossível para os homens, mas possível para Deus » (cf. Mc 10,27).

16. Iuxta Ecclesiae Patres, prima revelatio Trinitatis in Novo Testamento, facta est in Annuntiatione. In quadam homilia, quae S. GREGORIO THAUMATURGO ascribitur, legitur : « Tu in summis spiritalibus regnis, lucis splendore coruscas : ubi glorificatur Pater omnis principii expers, cuius obumbrantem habuisti potentiam ; adoratur Filius, quem secundum carnem peperisti; celebratur Spiritus sanctus, qui in tuo utero nativitatem magni Regis peregit. Per te, o gratia plena, Trinitas sancta et consubstantialis in mundo cognoscitur» (Horn. II in Annuntiat. Virg. Mariae: PO 10, 1169). Cf. etiam S. ANDREAS CRETENSIS, In Annuntiat. B. Mariae: PC 97, 909.



Theotókos

4 Assim a « plenitude dos tempos » manifesta a extraordinária dignidade da « mulher ». Esta dignidade consiste, por um lado, na elevação sobrenatural à união com Deus, em Jesus Cristo, que determina a profundíssima finalidade da existência de todo homem, tanto na terra, como na eternidade. Deste ponto de vista, a « mulher » é a representante e o arquétipo de todo o gênero humano: representa a humanidade que pertence a todos os seres humanos, quer homens quer mulheres. Por outro lado, porém, o evento de Nazaré põe em relevo uma forma de união com o Deus vivo que pode pertencer somente à « mulher », Maria: a união entre mãe e filho. A Virgem de Nazaré torna-se, de fato, a Mãe de Deus.

Esta verdade, recebida desde o início da fé cristã, foi solenemente formulada no Concílio de Éfeso (a. 431). (18) Contrapondo-se à opinião de Nestório, que considerava Maria exclusivamente mãe de Jesus-homem, este Concílio salientou o significado essencial da maternidade da Virgem Maria. No momento da Anunciação, respondendo com o seu « fiat », Maria concebeu um homem que era Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Portanto, é verdadeiramente a Mãe de Deus, uma vez que a maternidade diz respeito à pessoa inteira, e não apenas ao corpo, nem tampouco apenas à « natureza » humana. Deste modo o nome «Theotókos » — Mãe de Deus — tornou-se o nome próprio da união com Deus, concedida à Virgem Maria.

A união singular da « Theotókos » com Deus, que realiza do modo mais eminente a predestinação sobrenatural à união com o Pai prodigalizada a todo homem (« filii in Filio »), é pura graça e, como tal, um dom do Espírito. Ao mesmo tempo, porém, mediante a resposta de fé, Maria exprime a sua livre vontade e, portanto, a plena participação do « eu » pessoal e feminino no evento da Encarnação. Com o seu «fiat », Maria torna-se o sujeito autêntico da união com Deus que se realizou no mistério da Encarnação do Verbo consubstancial ao Pai.

Toda ação de Deus na história dos homens respeita sempre a vontade livre do « eu » humano. O mesmo acontece na Anunciação em Nazaré.

18. Theologica doctrina de Dei Matre (Theotokos) a plurimis asserta Patribus Ecclesiae, explanata ac definita in Conciliis Ephesino (DS 251) et Chalcedonensi (
DS 301), iterum est proposita a Concilio Vaticano II in cap. VIII Const. Lumen gentium de Ecclesia, LG 52-69. Cf. Litt. Enc. Redemptoris Mater (25 Martii 1987), RMA 4 RMA 31-32, et notae 9. RMA 78-83 : l. mem., 365, 402-404.


« Servir quer dizer reinar »

5 Este evento possui um caráter nitidamente interpessoal: é um diálogo. Não o compreendemos plenamente se não enquadrarmos toda a conversação entre o Anjo e Maria na saudação: « cheia de graça ». (19) Todo o diálogo da Anunciação revela a dimensão essencial do evento: a dimensão sobrenatural (**). Mas a graça nunca dispensa nem anula a natureza, antes a aperfeiçoa e enobrece. Portanto, a « plenitude de graça », concedida à Virgem de Nazaré, em vista do seu tornar-se « Theotókos », significa, ao mesmo tempo, a plenitude da perfeição daquilo « que é característico da mulher », daquilo « que é feminino ». Encontramo-nos aqui, em certo sentido, no ponto culminante, no arquétipo da dignidade pessoal da mulher.

Quando Maria responde às palavras do mensageiro celeste com o seu « fiat », a « cheia de graça » sente necessidade de exprimir a sua relação pessoal, a respeito do dom que lhe foi revelado, dizendo: « Eis a serva do Senhor » (
Lc 1,38). Esta frase não pode ser privada nem diminuída do seu sentido profundo, tirando-a artificialmente de todo o contexto do evento e de todo o conteúdo da verdade revelada sobre Deus e sobre o homem. Na expressão « serva do Senhor » transparece toda a consciência de Maria de ser criatura em relação a Deus. Todavia, a palavra « serva », quase no fim do diálogo da Anunciação, se inscreve na perspectiva integral da história da Mãe e do Filho. Na verdade, este Filho, que é verdadeiro e consubstancial « Filho do Altíssimo », dirá muitas vezes de si, especialmente no momento culminante de sua missão: « o Filho do homem ... não veio para ser servido, mas para servir » (Mc 10,45).

Cristo está sempre consciente de ser « servo do Senhor », segundo a profecia de Isaías (cf. Is 42,1 Is 49,3 Is 49,6 Is 52,13), na qual se encerra o conteúdo essencial da sua missão messiânica: a consciência de ser o Redentor do mundo. Maria, desde o primeiro instante da sua maternidade divina, da união com o seu Filho que « o Pai enviou ao mundo, para que o mundo fosse salvo por ele » (cf. Jn 3,17), insere-se no serviço messiânico de Cristo.. (20) é precisamente este serviço que constitui o fundamento próprio do Reino, no qual « servir ... quer dizer reinar». (21 - Cf. LG 36) Cristo, « Servo do Senhor », manifestará a todos os homens a dignidade real do serviço, com a qual anda estreitamente ligada a vocação de todo homem.

Assim, considerando a realidade mulher-Mãe de Deus, entramos da maneira mais oportuna na presente meditação do Ano Mariano. Essa realidade determina também o horizonte essencial da reflexão sobre a dignidade e sobre a vocação da mulher. Ao pensar, dizer ou fazer algo em ordem à dignidade e à vocação da mulher, não se devem separar deste horizonte o pensamento, o coraçãoe as obras. A dignidade de todo homem e a vocação que a ela corresponde encontram a sua medida definitiva na união com Deus. Maria — a mulher da Bíblia — é a expressão mais acabada desta dignidade e desta vocação. De fato, o ser humano, homem ou mulher, criado à imagem e semelhança de Deus, não pode realizar-se fora da dimensão desta imagem e semelhança.

19. Cf. Litt. Enc. Redemptoris Mater (25 Martii 1987), RMA 7-11, atque textus Patrum ibi memorati in nota 31: l. mem., 367-373.
0. Cf. ibid., RMA 39-41: l. mem., 412-418.


III

IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS


O Livro do Gênesis

6 Devemos colocar-nos no contexto do « princípio » bíblico, no qual a verdade revelada sobre o homem como « imagem e semelhança de Deus » constitui a base imutável de toda a antropologia cristã. (22) « Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou » (Gn 1,27). Esta passagem concisa contém as verdades antropológicas fundamentais: o homem é o ápice de toda a ordem criada no mundo visível; o gênero humano, que se inicia com a chamada à existência do homem e da mulher, coroa toda a obra da criação; os dois são seres humanos, em grau igual o homem e a mulher, amboscriados à imagem de Deus. Esta imagem e semelhança com Deus, essencial para o homem, o homem e a mulher transmitem-na, como esposos e pais, aos seus descendentes: « Sede fecundos e multiplicai-vos, povoai a terra; submetei-a » (Gn 1,28). O Criador confia o « domínio » da terra ao gênero humano, a todas as pessoas, a todos os homens e a todas as mulheres, que haurem a sua dignidade e vocação do « princípio » comum.

No Gênesis encontramos ainda uma outra descrição da criação do homem — homem e mulher (cf. Gn 2,18-25) — à qual nos referiremos em seguida. Desde agora, todavia, é preciso afirmar que da citação bíblica emerge a verdade sobre o caráter pessoal do ser humano. O homem é uma pessoa, em igual medida o homem e a mulher: os dois, na verdade, foram criados à imagem e semelhança do Deus pessoal. O que torna o homem semelhante a Deus é o fato de — diferentemente de todo o mundo das criaturas viventes, incluídos os entes dotados de sentidos (animalia) — ser também racional (animal rationale). (23) Graças a esta propriedade o homem e a mulher podem « dominar » as outras criaturas do mundo visível (cf. Gn 1,28).

Na segunda descrição da criação do homem (cf. Gn 2,18-25), a linguagem em que se expressa a verdade sobre a criação do homem e, especialmente, da mulher é diversa; em certo sentido é menos precisa; é — poder-se-ia dizer — mais descritiva e metafórica; mais próxima da linguagem dos mitos então conhecidos. Todavia, não se encontra contradição essencial alguma entre os dois textos. O texto de Gênesis 2, 18-25 ajuda a compreender bem o que encontramos na passagem concisa de Gênesis Gn 1,27-28 e, ao mesmo tempo, se lido em conjunção com este, ajuda a compreender de modo ainda mais profundo a verdadefundamental aí contida sobre o homem, criado à imagem e semelhança de Deus como homem e mulher.

Na descrição de Gênesis Gn 2,18-25, a mulher é criada por Deus « da costela » do homem e é colocada como um outro « eu », como um interlocutor junto ao homem, o qual, no mundo circonstante das criaturas animadas, está só e não encontra em nenhuma delas um « auxiliar » que lhe seja conforme. A mulher, chamada desse modo à existência, é imediatamente reconhecida pelo homem « como carne da sua carne e osso dos seus ossos » (cf. Gn 2,23), e precisamente por isto é chamada « mulher ». Na linguagem bíblica este nome indica a identidade essencial com referência ao homem: 'iš - 'iššah, o que, em geral, as línguas modernas infelizmente não conseguem exprimir. « Ela chamar-se-á mulher ('iššah), porque foi tirada do homem ('iš) » (Gn 2,23).

O texto bíblico fornece bases suficientes para reconhecer a igualdade essencial do homem e da mulher do ponto de vista da humanidade. (24) Ambos, desde o início, são pessoas, à diferença dos outros seres vivos do mundo que os circunda. A mulher é um outro «eu» na comum humanidade. Desde o início aparecem como « unidade dos dois », e isto significa a superação da solidão originária, na qual o homem não encontra um « auxiliar que lhe seja semelhante » (Gn 2,20). Trata-se aqui do « auxiliar » só na ação, no « submeter a terra » (cf. Gn 1,28)? Certamente se trata da companheira da vida, com a qual o homem pode unir-se como a uma esposa, tornando-se com ela « uma só carne » e abandonando por isso « seu pai e sua mãe » (cf. Gn 2,24). A descrição bíblica, por conseguinte, fala da instituição, por parte de Deus, do matrimônio contextualmente com a criação do homem e da mulher como condição indispensável para a transmissão da vida às novas gerações dos homens, à qual o matrimônio e o amor conjugal são, por sua natureza, ordenados: « Sede fecundos e multiplicai-vos, povoai a terra; submetei-a » (Gn 1,28).

22. Cf. S. IRENAEUS, Adv. haer. V, 6, 1; V, 16, 2-3: S. Ch. 153, 72-81 et 216-221; S. GREGORIUS NYSSENUS, De hom. op. 16: PO 44, 180; In Cani. hom. 2: PG 44, 805-808; S. AUGUSTINUS, In Ps. 4, 8: CCL 38. 17.
23. « Persona est naturae rationalis individua substantia » : MANIBUS SEVERINUS BOËTHIUS, Liber de persona et duabus naturis, III : PL 64, 1343; cf. S. THOMAS AQUINAS, Summa Theologiae I 29,1.


Pessoa — Comunhão — Dom

7 Penetrando com o pensamento no conjunto da descrição de Gênesis Gn 2,18-25 e interpretando-a à luz da verdade sobre a imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27),podemoscompreender ainda mais plenamente em que consiste o caráter pessoal do ser humano, graças ao qual ambos — o homem e a mulher — são semelhantes a Deus. Cada homem, com efeito, é à imagem de Deus enquanto criatura racional e livre, capaz de conhecê-lo e de amá-lo. Lemos também que o homem não pode existir « só » (cf. Gn 2,18); pode existir somente como « unidade dos dois », e portanto em relação a uma outra pessoa humana. Trata-se de uma relação recíproca: do homem para com a mulher e da mulher para com o homem. Ser pessoa à imagem e semelhança de Deus comporta, pois, também um existir em relação, em referência ao outro « eu ». Isto preludia a definitiva autorevelação de Deus uno e trino: unidade viva na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

No início da Bíblia, não se ouve ainda dizer isto diretamente. Todo o Antigo Testamento é sobretudo a revelação da verdade sobre a unicidade e unidade de Deus. Nesta verdade fundamental sobre Deus o Novo Testamento introduzirá a revelação do mistério imperscrutável da vida íntima de Deus. Deus, que se dá a conhecer aos homens por meio de Cristo, é unidade na Trindade: é unidade na comunhão. Desse modo lança-se uma nova luz também sobre a semelhança e imagem de Deus no homem, de que fala o Livro do Gênesis. O fato de o homem, criado como homem e mulher, ser imagem de Deus não significa apenas que cada um deles, individualmente, é semelhante a Deus, enquanto ser racional e livre; significa também que o homem e a mulher, criados como « unidade dos dois » na comum humanidade, são chamados a viver uma comunhão de amor e, desse modo, a refletir no mundo a comunhão de amor que é própria de Deus, pela qual as três Pessoas se amam no íntimo mistério da única vida divina. O Pai, o Filho e o Espírito Santo, um só Deus pela unidade da divindade, existem como pessoas pelas imperscrutáveis relações divinas. Somente assim se torna compreensível a verdade que Deus em si mesmo é amor (cf. 1Jn 4,16).

A imagem e semelhança de Deus no homem, criado como homem e mulher (pela analogia que se pode presumir entre o Criador e a criatura), exprime portanto também a « unidade dos dois » na comum humanidade. Esta « unidade dos dois », que é sinal da comunhão interpessoal, indica que na criação do homem foi inscrita também uma certa semelhança com a comunhão divina («communio »). Esta semelhança foi inscrita como qualidade do ser pessoal dos dois, do homem e da mulher, e, conjuntamente, como uma chamada e um empenho. Na imagem e semelhança de Deus que o gênero humano traz consigo desde o « princípio », radica-se o fundamento de todo o « ethos » humano: o Antigo e o Novo Testamento irão desenvolver esse « ethos », cujo vértice é o mandamento do amor. (25)

Na « unidade dos dois », o homem e a mulher são chamados, desde o início, não só a existir « um ao lado do outro » ou « juntos », mas também a existir reciprocamente « um para outro ».

Assim se explica também o significado daquele « auxiliar » de que se fala em Gênesis Gn 2,18-25: « Dar-lhe-ei um auxiliar que lhe seja semelhante ». O contexto bíblico permite entendê-lo também no sentido de que a mulher deve « auxiliar » o homem — e que este, por sua vez, deve ajudar a ela — em primeiro lugar por causa do seu idêntico « ser pessoa humana »: isto, em certo sentido, permite a ambos descobrirem sempre de novo e confirmarem o sentido integral da própria humanidade. É fácil compreender que — neste plano fundamental — se trata de um « auxiliar » de ambas as partes e de um « auxiliar » recíproco. Humanidade significa chamada à comunhão interpessoal. O texto de Gênesis 2, 18-25 indica que o matrimônio é a primeira e, num certo sentido, a fundamental dimensão desta chamada. Não é, porém, a única. Toda a história do homem sobre a terra realiza-se no âmbito desta chamada. Na base do princípio do recíproco ser « para » o outro, na « comunhão » interpessoal, desenvolve-se nesta história a integração na própria humanidade, querida por Deus, daquilo que é « masculino » e daquilo que é « feminino ». Os textos bíblicos, começando pelo Gênesis, permitem-nos reencontrar constantemente o terreno no qual se enraíza a verdade sobre o homem, um terreno sólido e inviolável em meio a tantas transformações da existência humana.

Esta verdade refere-se também à história da salvação. A este respeito, um enunciado do Concílio Vaticano II é particularmente significativo. No capítulo sobre a « comunidade dos homens » da Constituição pastoral Gaudium et Spes lemos: « Quando o Senhor Jesus reza ao Pai que "todos sejam um... como nós somos um" (Jn 17,21-22), abre perspectivas inacessíveis à razão humana e sugere alguma semelhança entre a união das Pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança manifesta que o homem, única criatura na terra que Deus quis por si mesma, não pode se encontrar plenamente senão por um dom sincero de si mesmo ». (26 - GS 24)

Com estas palavras o texto conciliar apresenta sinteticamente o conjunto da verdade sobre o homem e sobre a mulher — verdade que se delineia já nos primeiros capítulos do Livro do Gênesis — como a própria estrutura que sustenta a antropologia bíblica e cristã. O homem —tanto homem como mulher — é o único ser entre as criaturas do mundo visível que Deus Criador « quis por si mesmo »: é portanto uma pessoa. O ser pessoa significa tender à própria realização (o texto conciliar diz « se encontrar »), que não se pode alcançar « senão por um dom sincero de si mesmo ». Modelo de tal interpretação da pessoa é Deus mesmo como Trindade, como comunhão de Pessoas. Dizer que o homem é criado à imagem e semelhança deste Deus quer dizer também que o homem é chamado a existir « para » os outros, a tornar-se um dom.

Isso diz respeito a todo ser humano, seja homem, seja mulher; estes o atuam na peculiaridade própria a cada um. No âmbito da presente meditação sobre a dignidade e a vocação da mulher, esta verdade sobre o ser humano constitui o ponto de partida indispensável. Já o Livro do Gênesis permite entrever, como num primeiro esboço, este caráter esponsal da relação entre as pessoas, terreno sobre o qual se desenvolverá, a seguir, a verdade sobre a maternidade, como também sobre a virgindade, como duas dimensões particulares da vocação da mulher à luz da Revelação divina. Estas duas dimensões vão encontrar a sua expressão mais alta no advento da «plenitude dos tempos» (cf. Ga 4,4) na figura da « mulher » de Nazaré: Mãe-Virgem.

24. Inter Ecclesiae Patres qui affirmant aequalitatem fundamentalem hominis atque mulieris coram Deo cf. ORIGENES, In Iesu nave IX, 9: PG 12, 878 ; CLEMENS ALEXANDRINUS, Paed. I, 4: S. Ch. 70, 128-131 ; S. AUGUSTINUS, Sermo 51, II, 3 : PL 38, 334-335.
25. Affirmat S. GREGORIUS NYSSENUS: «Deus item charitas est, et fons ipse amoris mutui. Sic enim magnus ille Ioannes loquitur, cum ait: " Ex Deo est charitas" et "Deus ipse nihil est aliud quam charitas". Etiam hanc faciei nostrae notam rerum Creator impressiti itaque inquit: " E x eo intelligent omnes, vos meos esse discipulos, si mutuo vos amore complectimini". Idcirco si mutuus hic amor in nobis desideretur, totius imaginis notae mutatae scilicet erunt» (De hom. op. 5: PO 44, 137).



O antropomorfismo da linguagem bíblica

8 A apresentação do homem como « imagem e semelhança de Deus », logo no início da Sagrada Escritura, reveste-se também de outro significado. Este fato constitui a chave para compreender a Revelação bíblica como um discurso de Deus sobre si mesmo. Falando de si, seja « pelos profetas, seja por meio do Filho » (cf. He 1,1-2) feito homem, Deus fala com linguagem humana, faz uso de conceitos e imagens humanas. Se este modo de exprimir-se é caracterizado por um certo antropomorfismo, a razão está no fato de que o homem é « semelhante » a Deus: criado à sua imagem e semelhança. E então também Deus é, de algum modo, « semelhante ao homem » e, precisamente com base nesta semelhança, ele pode ser conhecido pelos homens. Ao mesmo tempo a linguagem da Bíblia é suficientemente precisa para indicar os limites da « semelhança », os limites da « analogia ». Com efeito, a revelação bíblica afirma que, se é verdadeira a « semelhança » do homem com Deus, é essencialmente mais verdadeira ainda a « não-semelhança », (27) que separa do Criador toda a criação. Em última análise, para o homem criado à semelhança de Deus, Deus não cessa de ser « aquele que habita numa luz inacessível » (1Tm 6,16): é o « Diverso » por essência, o « totalmente Outro ».

Esta observação sobre os limites da analogia — limites da semelhança do homem com Deus na linguagem bíblica — deve ser levada em consideração também quando, em diversas passagens da Sagrada Escritura (especialmente no Antigo Testamento), encontramos comparações que atribuem a Deus qualidades « masculinas » ou « femininas ». Encontramos nessas comparações a confirmação indireta da verdade de que ambos, tanto o homem como a mulher, foram criados à imagem e semelhança de Deus. Se existe semelhança entre o Criador e as criaturas, é compreensível que a Bíblia tenha usado, a esse respeito, expressões que lhe atribuem qualidades quer « masculinas » quer « femininas ».

Lembramos aqui algumas passagens características do profeta Isaías: « Dissera Sião: "Javé abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim ". Pode, acaso, uma mãe esquecer o próprio filhinho, não se enternecer pelo fruto das suas entranhas? Pois bem; ainda que tais mulheres dele se esqueçam, eu, porém, não me esquecerei de ti » (Is 49,14-15). E noutra passagem: « Comoalguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei; e em Jerusalém recebereis conforto » (Is 66,13). Também nos Salmos Deus é comparado a uma mãe pressurosa: « Como a criança desmamada no regaço da mãe, como uma criança desmamada está minh'alma. Espera, Israel, no Senhor » (Ps 131,2-3). Em diversos trechos o amor de Deus, solícito para com o seu povo, é apresentado como semelhante ao amor de uma mãe: tal como uma mãe, Deus «carregou » a humanidade e, particularmente, o seu povo escolhido no próprio seio, deu-o à luz na dor, nutriu-o e consolou-o (cf. Is 42,14 Is 46,3-4). O amor de Deus é apresentado em muitos trechos como amor « masculino » de esposo e pai (cf. Os 11,1-4 Jr 3,4-19), mas, às vezes, também como amor a feminino » de mãe.

Esta característica da linguagem bíblica, o seu modo antropomórfico de falar de Deus, indicatambém indiretamente o mistério do eterno « gerar », que pertence à vida íntima de Deus. Todavia, este « gerar » em si mesmo não possui qualidades « masculinas » nem « femininas ». É de natureza totalmente divina. É espiritual do modo mais perfeito, pois « Deus é espírito » (Jn 4,24) e não possui nenhuma propriedade típica do corpo, nem « feminina » nem « masculina ». Por conseguinte, também a « paternidade » em Deus é totalmente divina, livre da característica corporal « masculina », que é própria da paternidade humana. Neste sentido, o Antigo Testamento falava de Deus como de um Pai e se dirigia a ele como a um Pai. Jesus Cristo, que pôs esta verdade no próprio centro do seu Evangelho como norma da oração cristã, e que se dirigia a Deus chamando-lhe: « Abá - Pai » (Mc 14,36), como Filho unigênito e consubstancial, indicava a paternidade neste sentido ultra-corporal, sobre-humano, totalmente divino. Falava como Filho, unido ao Pai pelo mistério eterno do gerar divino, e o fazia sendo ao mesmo tempo. Filho autenticamente humano da sua Mãe Virgem.

Se à geração eterna do Verbo de Deus não se podem atribuir qualidades humanas, nem a paternidade divina possui caracteres « masculinos » em sentido físico, contudo o modeloabsoluto de toda « geração » dos seres humanos no mundo deve ser procurado em Deus. Nesse sentido — parece — lemos na Carta aos Efésios: « dobro os joelhos diante do Pai, de quem recebe o nome toda a paternidade quer nos céus, quer na terra » (Ep 3,14-15). Todo « gerar » na dimensão das criaturas encontra o seu primeiro modelo no gerar que em Deus é de modo completamente divino, isto é, espiritual. A este modelo absoluto, não-criado, é assimilado todo « gerar » no mundo criado. Por isso, tudo quanto no gerar humano é próprio do homem, como também tudo quanto é próprio da mulher, isto é, a « paternidade » e a « maternidade »humanas, trazem em si a semelhança, ou seja, a analogia com o « gerar » divino e com a « paternidade » que em Deus é « totalmente diversa »: completamente espiritual e divina por essência. Na ordem humana, ao invés, o gerar é próprio da « unidade dos dois »: um e outro são « genitores », tanto o homem como a mulher.

27. Cf. Nb 23,19 Os 11,9 Is 40,18 Is 46,5; cf. insuper CONC OEC. LATERANENSE IY (DS 806).


Mulieris dignitatem PT