Mysterium fidei PT 58

O culto latrêutico devido ao Sacramento Eucarístico

58 Este culto latrêutico devido ao Sacramento Eucarístico, professou-o e professa-o a Igreja Católica, não só durante a Missa mas também fora dela, conservando com o maior cuidado as hóstias consagradas, expondo-as à solene veneração dos fiéis, e levando-as em procissão vitoriadas por grandes multidões.


59 Temos muitos testemunhos desta veneração nos antigos documentos eclesiásticos. Sempre os Pastores da Igreja exortaram os fiéis a conservar com o maior respeito a Eucaristia que levavam para casa. "O Corpo de Cristo é para se comer e não para se desprezar", lembrava judiciosamente Santo Hipólito.(62)

62. Tradit. Apost., ed. Botte, La tradition apostolique de St. Hippolyte, Münster 1963, p. 84.


60 Os fiéis julgavam-se culpados e com razão, conforme lembra Orígenes, se, recebendo o Corpo do Senhor e conservando-o com a maior cautela e veneração, apesar disso deixavam cair algum fragmento.(63)

63. Cf. In Exod. fragm.: PG 12,391.


61 E que os Pastores reprovavam energicamente qualquer falta da reverência devida, mostra-o Novaciano (nisto digno de fé), o qual julga merecedor de condenação aquele que, "saindo da celebração dominical e levando ainda consigo a Eucaristia, como é costume..., fez dar voltas ao santo Corpo do Senhor", não se dirigindo logo para casa mas correndo aos espetáculos.(64)

64. De spectaculis: CSEL III3, p. 8.


62 Mais ainda, São Cirilo de Alexandria rejeita como loucura a opinião dos que afirmavam que, para nos santificarmos, nada serve a Eucaristia no caso de haver apenas algum resto conservado do dia anterior. Assim escreve: "Nem se altera Cristo, nem se muda o seu santo Corpo; perseveram sempre nele a força e o poder de bênção, e a graça constante que vivifica".(65)

65. Epist. ad Calosyrium: PG 76,1075.


63 Nem devemos esquecer que antigamente os fiéis, quer se encontrassem sujeitos à violência da perseguição, quer vivessem no ermo por amor da vida monástica, costumavam alimentar-se mesmo diariamente da Eucaristia, tomando a sagrada comunhão com as próprias mãos, no caso de faltar um sacerdote ou diácono.(66)

66. Cf. Basil., Epist.93: PG 32, 483-486.


64 Isto não o dizemos para que se altere, seja no que for, o modo de conservar a Eucaristia ou de receber a sagrada comunhão, segundo foi estabelecido mais tarde pelas leis eclesiásticas ainda em vigor, mas somente para todos juntos nos alegrarmos por ser sempre a mesma a fé da Igreja.


65 Desta fé única nasceu a festa do Corpo de Deus, celebrada pela primeira vez na diocese de Liège, graças sobretudo aos esforços da Beata Juliana de Mont Cornillon, festa que o nosso predecessor Urbano IV estendeu a toda a Igreja; e nasceram igualmente muitas outras instituições de piedade eucarística, que por inspiração da graça divina multiplicaram-se sempre mais, e com as quais, quase à porfia, se empenha a Igreja Católica quer em honrar a Cristo, quer em lhe dar graças por dádiva tão extraordinária, quer em implorar a sua misericórdia.


Exortação para que se promova o culto eucarístico

66 A nossa fé ambiciona apenas manter fidelidade perfeita à palavra de Cristo e dos Apóstolos, rejeitando decididamente qualquer opinião errônea e perniciosa. Pedimo-vos, Veneráveis Irmãos, que, no povo confiado aos vossos cuidados e vigilância, a conserveis pura e íntegra e, sem quererdes poupar palavras e canseiras, promovais o culto eucarístico. Este deve ser, o ponto de convergência último, para todas as outras formas de piedade.


67 Consiga a vossa insistência que os féis conheçam cada vez melhor e experimentem em si mesmos o que diz Santo Agostinho: "Quem quer viver, tem onde viva e donde viva: aproxime-se, creia, incorpore-se na Igreja, para ser vivificado. Não renuncie à união com os outros membros, não seja membro podre a merecer ser cortado, não passe pela vergonha de ser membro aleijado: seja membro belo, perfeito e são; conserve-se ligado ao corpo, viva para Deus e de Deus; trabalhe agora na terra, para depois reinar no céu".(67)

67. Santo Agostinho, In Ioann. tract., 26,13; PL 35,1613.


68 Como é desejável, participem os fiéis ativamente, cada dia e em grande número, no Sacrifício da Missa, vindo alimentar-se da sagrada Comunhão, com intenção pura e santa, e dando graças a Cristo Senhor Nosso por tão grande dom. Recordem-se destas palavras: "O desejo de Jesus Cristo e da Igreja, de que todos os fiéis se aproximem quotidianamente da sagrada mesa, consiste sobretudo nisto: em que os féis, unindo-se a Deus pelo Sacramento, dele recebam força para dominar a concupiscência, lavar as culpas leves quotidianas, e prevenir as faltas graves a que está sujeita a fragilidade humana".(68) Durante o dia, não deixem de visitar o Santíssimo Sacramento, que se deve conservar nas igrejas no lugar mais digno, e com máxima honra, segundo as leis litúrgicas; cada visita é prova de gratidão, sinal de amor e dever de adoração a Cristo Senhor nosso, ali presente.

68. Decr. S. Congr. Concil., de 20 de Dez. de 1905, aprovado por S. Pio X; AAS 38,1905. p. 401.


69 Quem não vê que a divina Eucaristia confere ao povo cristão dignidade incomparável? Cristo é verdadeiramente "Emmanuel", isto é, "o Deus conosco", não só durante a oferta do Sacrifício e realização do Sacramento, mas também depois, enquanto a Eucaristia se conserva em igrejas ou oratórios. Dia e noite, está no meio de nós, habita conosco, cheio de graça e de verdade: (69) morigera os costumes, alimenta as virtudes, consola os aflitos, fortifica os fracos; atrai à sua imitação quantos dele se abeiram, para que aprendam com o seu exemplo a ser mansos e humildes de coração, e a procurar não os seus interesses mas os de Deus. Todos os que dedicam particular devoção ao augusto Sacramento eucarístico e se esforçam por corresponder com prontidão e generosidade ao amor infinito de Cristo por nós, todos esses experimentam e se alegram de compreender quanto é útil e preciosa a vida oculta com Cristo em Deus(70) e quanto importa que o homem se demore a falar com Cristo. Nada há mais suave na terra, nada mais eficaz para nos conduzir pelos caminhos da santidade.

69. Cf
Jn 1,14.
70. Cf. Col 3,3.


70 Bem sabeis também, Veneráveis Irmãos, que a Eucaristia se conserva nos templos e oratórios como centro espiritual de comunidades, ou religiosas ou paroquiais; mais ainda, como centro da Igreja universal e da humanidade inteira, porque, debaixo do véu das sagradas espécies, está Cristo, Cabeça invisível da Igreja, Redentor do mundo, Centro de todos os corações: "por quem tudo existe e por quem nós somos".(71)

71.
1Co 8,6.


71 Donde se segue que o culto eucarístico promove muito nas almas o amor "social",(72) que nos leva a antepor o bem comum ao bem particular, a fazer nossa a causa da comunidade, da paróquia e da Igreja universal, e a dilatarmos a caridade até abraçarmos o mundo inteiro; sabemos que em toda a parte há membros de Cristo.

72. Cf. Santo Agostinho, De Gen. ad litt., XL 15,20; PL 34, 437.


72 Como, Veneráveis Irmãos, o Sacramento eucarístico é sinal e causa da comunidade do Corpo Místico, e produz nas pessoas mais fervorosas um espírito eclesial ativo, não deixeis nunca de persuadir os vossos fiéis a que, aproximando-se do Mistério eucarístico, aprendam a tomar como própria a causa da Igreja, a dirigir-se a Deus sem descanso, a oferecer-se a si mesmos ao Senhor, como sacrificio agradável, pela paz e unidade da Igreja; a fim de que todos os filhos da Igreja sejam uma só coisa e tenham um mesmo sentimento, nem haja entre eles divisões, mas sejam perfeitos num mesmo espírito e mentalidade, como manda o Apóstolo;(73) e também para que todos aqueles que não estão ainda perfeitamente unidos à Igreja Católica, mas, embora dela separados, se gloriam do nome de cristãos, cheguem quanto antes a gozar conosco, pela graça divina, aquela unidade de fé e de comunhão, que Jesus Cristo deseja constitua sinal distintivo dos seus discípulos.

73. Cf.
1Co 1,10.


73 O desejo de orar e de consagrar-se a Deus pela unidade da Igreja, devem sobretudo os religiosos e religiosas considerá-lo como muito próprio, dada a vocação particular que têm de adorar o Santíssimo Sacramento e formar-lhe coroa na terra, como pedem os votos que pronunciaram.


74 Todavia, os anelos da unidade de todos os cristãos, tudo quanto há de mais profundo e suave no coração da Igreja, queremos nós exprimi-los mais uma vez, usando as mesmas palavras do Concílio Tridentino na conclusão do Decreto sobre a Sagrada Eucaristia: "Por último, no seu afeto paternal, o Sagrado Sínodo adverte, exorta, pede e roga, 'pelas entranhas da misericórdia de nosso Deus',(74) que todos e cada um dos cristãos acabem já agora por se reunir e concordar neste 'sinal da unidade', neste 'vínculo da caridade', neste símbolo de concórdia; e que, lembrados da grande majestade e do tão alto amor de nosso Senhor Jesus Cristo, que deu a sua dileta alma como preço da nossa salvação e deu a 'sua carne como alimento',(75) creiam e venerem estes sagrados mistérios de seu Corpo e Sangue com tal constância e firmeza de fé, com tal devoção, piedade e culto, que possam receber freqüentemente aquele Pão supersubstancial.(76) Deveras seja para eles vida verdadeira da alma e saúde perene do espírito, tanto que, 'robustecidos pelo seu vigor',(77) possam da miserável peregrinação da terra passar à pátria celeste, onde sem nenhum véu venham a comer o mesmo 'Pão dos Anjos'(78) que presentemente comem oculto por sagrados véus".(79)

74.
Lc 1,78.
75. Jn 6,48 ss.
76. Mt 6,11.
77. 1R 19,8.
78. Ps 77,25.
79. Decr. De Ss. Euchar., c. 8.


75 O nosso bondosíssimo Redentor, pouco antes da morte, pediu ao Pai que todos aqueles, que viessem a crer n'Ele, se tornassem uma só coisa, como Ele e o Pai são uma coisa só.(80) Oxalá que Ele se digne ouvir, quanto antes, este voto, que é também Nosso e da Igreja inteira, para que todos celebremos, com uma voz e uma fé únicas, o Mistério Eucarístico, e, tornados participantes do Corpo de Cristo, formemos um só corpo,(81) unido com os mesmos vínculos que Ele determinou.

80. Cf.
Jn 17,20-21.
81. Cf. 1Co 10,17.


76 E dirigimo-nos com paternal amor também aos que pertencem às Veneráveis Igrejas do Oriente, nas quais floreceram tantos e tão célebres Padres, cujos testemunhos, a respeito da Eucaristia, recordamos com tanto gosto na presente Carta. Enorme alegria nos invade, quando recordamos a vossa fé a respeito da Eucaristia, fé que não diverge da nossa, quando ouvimos as orações litúrgicas com que celebrais tão alto Mistério, quando admiramos o vosso culto eucarístico e lemos os vossos teólogos, ao expor e defender a doutrina a respeito deste augustíssimo Sacramento.


77 A Santíssima Virgem Maria, de quem Cristo Senhor Nosso tomou a Carne que neste Sacramento, sob as espécies do pão e do vinho, "está presente, se oferece e se recebe",(82) e todos os Santos e Santas de Deus, especialmente aqueles que sentiram devoção mais ardente para com a divina Eucaristia, intercedam junto do Pai das Misericórdias, para que a fé comum e o culto eucarístico produzam e façam prosperar a unidade perfeita de comunhão entre todos os cristãos. Temos impressas no Nosso espírito as palavras de Santo Inácio Mártir, ao prevenir os fiéis de Filadélfia contra o mal das divisões e dos cismas, cujo remédio está na Eucaristia: "Procurai, diz o Santo, ter uma só Eucaristia: porque uma só é a Carne de nosso Senhor Jesus Cristo, e um só é o cálice na unidade do seu Sangue, um o altar e um o Bispo...".(83)

82. CIC, cân.
CIS 801.
83. Santo Inácio, Epist. ad Philad., 4; PG 5,700.


78 Animado pela dulcíssima esperança de ver derivarem, do aumento do culto eucarístico, muitos bens para toda a Igreja e para todo o mundo, a vós, Veneráveis Irmãos, aos sacerdotes, aos religiosos, a todos aqueles que vos prestam colaboração, e a todos os fiéis confiados aos vossos cuidados, concedemos, com grande efusão de amor, a bênção apostólica, como penhor das graças celestiais.

Dado em Roma, junto de São Pedro, na festa de São Pio X, 3 de Setembro de 1965, ano terceiro do nosso pontificado.


PAULUS PP. VI




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