Divini illius magistri PT 20

d) Relações entre a Igreja e o Estado

20 Tudo o que dissemos até agora da acção do Estado na educação, baseia-se no fundamento seguríssimo e imutável da doutrina católica De Civitatum constitutione christiana, tão egregiamente exposta pelo Nosso Predecessor Leão XIII, especialmente nas encíclicas Immortale Dei e Sapientiae christianae, da seguinte forma: «Deus dividiu entre dois poderes o governo do gênero humano, o eclesiástico e o civil, um para prover às coisas divinas e outro às humanas: ambos supremos, cada um na sua esfera; ambos têm confins determinados, que lha limitam, e marcados pela própria natureza e fim próximo de cada um; de modo que chega a descrever-se como que uma esfera dentro da qual se exerce, com exclusivo direito, a ação de cada um. Mas como a estes dois poderes estão sujeitos os mesmos subditos, podendo dar-se que a mesma matéria, embora sob aspectos diversos pertença à competência e juízo de cada um deles, Deus providentíssimo, de Quem ambos dimanam, deve ter marcado a cada um os seus caminhos. Os poderes que existem são regulados por Deus» (34).

Ora a educação da juventude é precisamente uma daquelas coisas que pertencem à Igreja e ao Estado, « embora de modo diverso », como acima indicamos. a Portanto — prossegue Leão XIII — deve reinar entre os dois poderes uma ordenada harmonia; a qual é comparada e com razão àquela pela qual a alma e o corpo se unem no homem. Qual e quão grande esta seja, não se pode avaliar doutro modo senão reflectindo, como dizemos, na natureza de cada um deles, atendendo à excelência e nobreza do fim, sendo próximos e propriamente ordenados, um para procurar o útil das coisas mortais, e outro, pelo contrário, para procurar os bens celestes e sempiternos. Portanto tudo o que há, dalgum modo sagrado nas coisas humanas, tudo o que se refere à salvação das almas e ao culto de Deus, quer seja tal por sua natureza, quer tal se considere em razão do fim a que tende, tudo isso está sujeito ao poder e às disposições da Igreja: o resto que fica na ordem civil e política, é justo que dependa da autoridade civil, tendo Jesus Cristo mandado que se dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus » (35).

Se alguém recusasse admitir estes princípios e consequentemente aplicá-los à educação, chegaria necessariamente a negar que Cristo fundou a sua Igreja para a eterna salvação dos homens, e a sustentar que a sociedade civil e o Estado não estão sujeitos a Deus e à sua lei natural e divina.

Ora isto é evidentemente ímpio, contrário à sua razão e principalmente em matéria de educação extremamente pernicioso à recta formação da juventude e seguramente ruinoso para a mesma sociedade civil e para o bem-estar social. E ao contrário, da aplicação destes princípios não pode deixar de resultar o máximo auxílio para a recta formação dos cidadãos.

Isto demonstram superabundantemente os factos, em todas as épocas, e por isso assim como Tertuliano nos primeiros tempos do Cristianismo assim também S. Agostinho na sua época, podia desafiar todos os adversários da Igreja Católica — e Nós em nosso tempo podemos repetir com ele: — « Pois bem, aqueles que dizem ser a doutrina de Cristo inimiga do Estado, que nos dêem um exército tal como a doutrina de Cristo ensina que devem ser os soldados; que nos dêem subditos, maridos, esposas, pais, filhos, patrões, criados, reis, juízes, finalmente contribuintes e empregados fiscais, como a doutrina cristã manda que sejam, e atrevam-se depois a dizer que é nocivo ao Estado, ou melhor, não hesitem um instante em proclamá-la a grande salvadora do mesmo Estado em que ela se observa » (36).

e) Necessidade e vantagens do acordo com a Igreja

21 E tratando-se de educação, vem agora a propósito fazer notar, como, no período da Renascença, exprimiu bem esta verdade católica, confirmada pelos factos, nos tempos mais recentes, um escritor eclesiástico, grande benemérito da educação cristã, o piíssimo e douto Cardeal Silvio Antoniano, discípulo do admirável educador que foi S. Filipe de Nery, e mestre e secretário das cartas latinas de S. Carlos Borromeu, a instancias e sob a inspiração do qual escreveu o áureo tratado Della educazione cristiana dei figliuoli, no qual assim discorre: « Quanto mais o governo temporal se coordena com o espiritual e mais o favorece e promove, tanto mais concorre para a conservação do Estado. Pois que, enquanto o superior eclesiástico procura formar um bom cristão com a autoridade e os meios espirituais, segundo o seu fim, procura ao mesmo tempo e por necessária conseqüência formar um bom cidadão, como ele deve ser sob o governo político. O que verdadeiramente se dá, porque na Santa Igreja Católica Romana, cidade de Deus, é absolutamente uma e a mesma coisa, o bom cidadão e o homem de bem. Pelo que grave é o erro daqueles que separam coisas tão unidas e pensam poder conseguir bons cidadãos por outras normas e por meios diversos daqueles que contribuem para formar o bom cristão.

Diga-se portanto, discorra a prudência humana como lhe aprouver, que não é possível que produza verdadeira paz e tranquilidade temporal, tudo o que repugna e se afasta da paz e felicidade eterna » (37).

Assim como o Estado, também a ciência, o método e a investigação científica, nada têm a temer do pleno e perfeito mandato educativo da Igreja. Os institutos católicos, a qualquer grau de ensino e de ciência a que pertençam, não têm necessidade de apologias. O favor de que gozam, os louvores que recebem, as produções científicas que promovem e multiplicam, e mais que tudo, os sujeitos, plena e excelentemente preparados que oferecem à magistratura, às várias profissões, ao ensino, e à vida em todas as suas actividades, depõem mais que suficientemente em seu favor (38).

Estes factos, de resto, não são mais que uma confirmação cabal da doutrina católica definida pelo Concilio Vaticano: « A Fé e a razão não só não podem contradizer-se nunca, mas auxiliam-se mutuamente, visto que a recta razão demonstra os fundamentos da Fé, e iluminada pela sua luz, cultiva a ciência das coisas divinas, ao passo que a Fé livra e protege dos erros a razão e enriquece-a com vários conhecimentos. Por isso a Igreja está tão longe de se opor à cultura das artes e das disciplinas humanas que até a auxilia e promove, porque não ignora nem despreza as vantagens que delas provêm para a vida da humanidade e até ensina que elas, assim como provêm de Deus, Senhor das ciências, assim também, se tratadas rectamente, conduzem a Deus com a sua graça. E de nenhum modo ela proíbe que tais disciplinas, cada uma na sua esfera, usem do método e princípios próprios, mas reconhecida esta justa liberdade, provê cuidadosamente a que não caiam em erro, opondo-se aventurosamente à doutrina divina, ou ultrapassando os próprios limites, ocupem e revolucionem o campo da fé » (39).

E esta norma de justa liberdade científica é também norma inviolável de justa liberdade didática ou de ensino, quando bem compreendida; e deve ser observada em qualquer comunicação doutrinal feita a outrem, mormente por dever muito mais grave de justiça no ensino da juventude quer porque sobre ela, nenhum professor, seja público seja particular tem direito educativo absoluto mas participado, quer porque toda a criança ou jovem cristão tem direito estrito ao ensino conforme à doutrina da Igreja, coluna e fundamento da verdade, e lhe causaria um grave dano quem perturbasse a sua fé, abusando da confiança dos jovens nos seus professores, e da sua natural inexperiência e desordenada inclinação para uma liberdade absoluta, ilusória e falsa.

SUJEITO DA EDUCAÇÃO


a) Todo o homem decaído, mas remido

22 Com efeito nunca deve perder-se de vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em unidade de natureza, com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais, como no-lo dão a conhecer a recta razão e a Revelação: por isso o homem decaído do estado original, mas remido por Cristo, e reintegrado na condição sobrenatural de filho de Deus, ainda que o não tenha sido nos privilégios preternaturais da imortalidade do corpo e da integridade ou equilíbrio das suas inclinações. Permanecem portanto na natureza humana os efeitos do pecado original, particularmente o enfraquecimento da vontade e as tendências desordenadas.

« A estultícia está no coração da criança e a vara da disciplina dali a expulsará » (40). Devem-se portanto corrigir as inclinações desordenadas, excitar e ordenar as boas, desde a mais tenra infância, e sobretudo deve iluminar-se a inteligência e fortalecer-se a vontade com as verdades sobrenaturais e os auxílios da graça, sem a qual não se pode, nem dominar as inclinações perversas, nem conseguir a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e completamente dotada por Cristo com a divina doutrina e os Sacramentos, meios eficazes da Graça.

b) Falsidade e danos do naturalismo pedagógico

23 É falso portanto todo o naturalismo pedagógico que, na educação da juventude, exclui ou menospreza por todos os meios a formação sobrenatural cristã; é também errado todo o método de educação que, no todo ou em parte se funda sobre a negação ou esquecimento do pecado original e da graça, e, por conseguinte, unicamente sobre as forças da natureza humana.

Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes, que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e que diminuem ou suprimem até, a autoridade e a acção do educador, atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma actividade independente de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação.

Diriam, sim, a verdade, se com algumas daquelas expressões quisessem indicar, ainda que impropriamente, a necessidade cada vez mais consciente, da cooperação activa do aluno na sua educação, e se entendessem afastar desta o despotismo e a violência (a qual, de resto, não é a justa correcção), mas não diriam absolutamente nada de novo e que a Igreja não tenha já ensinado e atuado na prática da educação cristã tradicional, à semelhança do que faz o próprio Deus com as criaturas que chama a uma activa cooperação, segundo a natureza própria de cada uma, visto que a sua Sabedoria « se estende com firmeza de um a outro extremo, e tudo governa com bondade » (41).

Infelizmente com o significado óbvio das expressões, e com o mesmo facto, pretendem muitos subtrair a educação a toda a dependência da lei divina. Por isso em nossos dias se dá o caso, realmente bastante estranho, de educadores e filósofos que se afadigam à procura de um código moral e universal de educação, como se não existisse nem o Decálogo, nem a lei evangélica, nem tão pouco a lei natural, esculpida por Deus no coração do homem, promulgada pela recta razão, codificada com revelação positiva pelo mesmo Deus no Decálogo. E da mesma forma, costumam tais inovadores, como por desprezo, denominar « heterônoma », « passiva », « atrasada », a educação cristã, porque esta se funda na autoridade divina e na sua santa lei.

Estes iludem-se miseravelmente com a pretensão de libertar, como dizem, a criança, enquanto que antes a tornam escrava do seu orgulho cego e das suas paixões desordenadas, visto que estas, por uma conseqüência lógica daqueles falsos sistemas, vêm a ser justificadas como legítimas exigências da natureza pseudo-autónoma.

Mas há pior ainda, na pretensão falsa, irreverente e perigosa, além de vã, de querer submeter a indagações, a experiências e juízos de ordem natural e profana, os factos de ordem sobrenatural concernentes à educação, como por exemplo, a vocação sacerdotal ou religiosa, e em geral as ocultas operações da graça que, não obstante elevar as forças naturais, excede-as todavia infinitamente, e não pode de manei. ta nenhuma estar sujeita às leis físicas, porque « o espírito sopra onde lhe apraz » (42).

c) Educação sexual

24 Mormente perigoso é portanto aquele naturalismo que, em nossos tempos, invade o campo da educação em matéria delicadíssima como é a honestidade dos costumes. Assaz difuso é o erro dos que, com pretensões perigosas e más palavras, promovem a pretendida educação sexual, julgando erradamente poderem precaver os jovens contra os perigos da sensualidade, com meios puramente naturais, tais como uma temerária iniciação e instrução preventiva, indistintamente para todos, e até publicamente, e pior ainda, expondo-os por algum tempo às ocasiões para os acostumar, como dizem, e quase fortalecer-lhes o espírito contra aqueles perigos.

Estes erram gravemente, não querendo reconhecer a natural fragilidade humana e a lei de que fala o Apóstolo: contrária à lei do espírito, (43) e desprezando até a própria experiência dos factos, da qual consta que, nomeadamente nos jovens, as culpas contra os bons costumes são efeito, não tanto da ignorância intelectual, quanto e principalmente da fraqueza da vontade, exposta às ocasiões e não sustentada pelos meios da Graça.

Se consideradas todas as circunstâncias se torna necessária, em tempo oportuno, alguma instrução individual, acerca deste delicadíssimo assunto, deve, quem recebeu de Deus a missão educadora e a graça própria desse estado, tomar todas as precauções, conhecidíssimas da educação cristã tradicional, e suficientemente descritas pelo já citado Antoniano, quando diz: « Tal e tão grande é a nossa miséria e a inclinação para o mal, que muitas vezes até as coisas que se dizem para remédio dos pecados são ocasião e incitamento para o mesmo pecado. Por isso importa sumamente que um bom pai quando discorre com o filho em matéria tão lúbrica, esteja bem atento, e não desça a particularidades e aos vários modos pelos quais esta hidra infernal envenena uma tão grande parte do mundo; não seja o caso que, em vez de extinguir este fogo, o sopre ou acenda imprudentemente no coração simples e tenro da criança. Geralmente falando, enquanto perdura a infância, bastará usar daqueles remédios que juntamente com o próprio efeito, inoculam a virtude da castidade e fecham a entrada ao vício » (44).

d) Co-educação

25 De modo semelhante, erróneo e pernicioso à educação cristã é o chamado método da « co-educação », baseado também para muitos no naturalismo negador do pecado original, e ainda para todos os defensores deste método, sobre uma deplorável confusão de idéias que confunde a legítima convivência humana com a promiscuidade e igualdade niveladora. O Criador ordenou e dispôs a convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há na própria natureza, que os faz diversos no organismo, nas inclinações e nas aptidões, nenhum argumento donde se deduza que possa ou deva haver promiscuidade, e muito menos igualdade na formação dos dois sexos. Estes, segundo os admiráveis desígnios do Criador, são destinados a completar-se mutuamente na família e na sociedade, precisamente pela sua diversidade, a qual, portanto, deve ser mantida e favorecida na formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação, proporcionada às diversas idades e circunstâncias. Apliquem-se estes princípios no tempo e lugar oportunos, segundo as normas da prudência cristã, em todas as escolas, nomeadamente no período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da adolescência; e nos exercícios ginásticos e desportivos, com particular preferência à modéstia cristã na juventude feminina, à qual fica muito mal toda a exibição e publicidade.

Recordando as tremendas palavras do Divino Mestre: « Ai do mundo por causa dos escândalos! » (45) exortamos vivamente a vossa solicitude e vigilância, Veneráveis Irmãos, sobre estes perniciosíssimos erros, que largamente se vão difundindo entre o povo cristão com imenso dano da juventude.

AMBIENTE DA EDUCAÇÃO


26 Para obter uma educação perfeita é de suma importância cuidar em que as condições de tudo o que rodeia o educando, no período da sua formação, isto é, o complexo de todas as circunstâncias que costuma denominar-se « ambiente », corresponda bem ao fim em vista.

a) Família cristã

27 O primeiro ambiente natural e necessário da educação é a família, precisamente a isto destinada pelo Criador. De modo que, em geral, a educação mais eficaz e duradoira é aquela que se recebe numa família cristã bem ordenada e disciplinada, tanto mais eficaz quanto mais clara e constantemente aí brilhar sobretudo o bom exemplo dos pais e dos outros domésticos.

Não é Nossa intenção querer tratar aqui propositadamente da educação doméstica, nem sequer referindo só os seus pontos principais, tão vasta é a materia, sobre a qual, de resto, não faltam especiais tratados antigos e modernos, de autores de sã doutrina católica, entre os quais avulta, digno de especial menção, o já citado e áureo tratado de Antoniano: Della educazione cristiana dei figliuoli, que S. Carlos Borromeu mandava ler publicamente aos pais reunidos nas igrejas. Queremos porém chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação, quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cuidados temporais.

Para enervar a influência do ambiente familiar, acresce hoje o facto de que, quase por toda a parte, se tende a afastar cada vez mais da família a juventude, desde os mais tenros anos, sob vários pretextos, quer económicos, industriais ou comerciais, quer mesmo políticos; e há regiões aonde se arrancam as crianças do seio da família para as formar ou com mais verdade para as deformar e depravar em associações e escolas sem Deus, na irreligiosidade, no ódio, segundo as avançadas teorias socialistas, repetindo-se um novo e mais horroroso massacre dos inocentes.

Portanto rogamos instantemente, pelas entranhas de Jesus Cristo, aos Pastores de almas, que nas instruções e catequeses, pela palavra e por escritos largamente divulgados, empreguem todos os meios para recordar aos pais cristãos as suas gravíssimas obrigações não só teórica ou genericamente, mas também praticamente e em particular cada uma das suas obrigações relativas à educação religiosa, moral e civil dos filhos e os métodos mais apropriados para atuá-la eficazmente, além do exemplo da sua vida. A tais instruções práticas não desdenhou descer o Apóstolo das gentes nas suas epistolas, particularmente naquela aos Efésios onde, entre outras coisas, adverte: « O' pais, não provoqueis à ira os vossos filhos », (46) o que é efeito não tanto de excessiva severidade quanto principalmente da impaciência, da ignorância dos modos mais adequados à frutuosa correcção e ainda do já demasiado e comum relaxamento da disciplina familiar, aonde crescem indómitas as paixões dos adolescentes. Cuidem por isso os pais e com eles todos os educadores, de usar retamente da autoridade a eles dada por Deus, de Quem são verdadeiramente vigários, não para vantagem própria, mas para a reta educação dos filhos no santo e filial « temor de Deus, principio da sabedoria » sobre o qual se funda exclusiva e solidamente o respeito à autoridade, sem o qual não pode subsistir nem ordem, nem tranquilidade, nem bem-estar algum na família e na sociedade.

b) A Igreja e suas obras educativas

28 À fraqueza das forças da natureza humana decaída, providenciou a Divina Bondade, com os abundantes auxílios da sua Graça e com os múltiplos meios de que é rica a Igreja, grande família de Cristo, a qual é por isso o ambiente educativo mais estrito e harmoniosamente unido com o da família cristã.

O qual ambiente educativo da Igreja não compreende somente os seus sacramentos, meios divinamente eficazes da graça, e os seus ritos, todos maravilhosamente educativos, nem só o recinto material do templo cristão, também ele admiravelmente educativo, na linguagem da liturgia e da arte, mas também a grande multiplicidade e variedade de escolas, associações e todo o gênero de instituições tendentes a formar a juventude na piedade religiosa, juntamente com o estudo das letras e das ciências e com a mesma recreação e cultura física. E nesta inexaurível fecundidade de obras educativas, como é admirável, ao mesmo tempo que insuperável, a providência maternal da Igreja, admirável é a harmonia acima indicada, que ela sabe manter com a família cristã, a ponto de poder dizer-se com verdade, que a Igreja e a família constituem um único templo de educação cristã.

c) Escola

29 E sendo necessário que as novas gerações sejam instruídas nas artes e disciplinas com as quais aproveita e prospera a convivência civil, e sendo para esta obra a família, por si só, insuficiente, daí vem a instituição social da escola, primeiramente, note-se bem, por iniciativa da família e da Igreja, e só mais tarde por obra do Estado. Por esta razão, a escola, considerada até nas suas origens históricas, é por sua natureza instituição subsidiária e complementar da família e da Igreja, e portanto, por lógica necessidade moral deve não somente não contraditar, mas harmonizar-se positivamente com os outros dois ambientes, na mais perfeita unidade moral possível, a ponto de poder constituir juntamente com a família e com a Igreja, um único santuário, sacro para a educação cristã, sob pena de falir no seu escopo, e de converter-se, em caso contrário, em obra de destruição.

E isto foi manifestamente reconhecido até por um leigo, tão falado pelos seus escritos pedagógicos (não totalmente louváveis porque eivados de liberalismo) o qual sentenciou: « a escola se não é templo é caverna »; e ainda: « Quando a educação literária, social, domestica, religiosa, se não harmonizam mutuamente, o homem é infeliz, impotente » (47).

- Neutra, laica

30 Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações, (48) e juntamente as prescrições dos Sagrados Cânones pelas quais é proibida aos jovens católicos a freqüência de escolas acatólicas, neutras ou mistas, isto é, daquelas que são abertas indiferentemente para católicos e não católicos, sem distinção, e só pode tolerar-se tal freqüência unicamente em determinadas circunstâncias de lugar e de tempo, e sob especiais cautelas de que é juiz o Ordinário (49).

- Mista, única

31 E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos. Pois que uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia.

- Católica

32 Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só elementar, mas também media e superior. « É mister, para Nos servirmos das palavras de Leão XIII, que não só em determinadas horas se ensine aos jovens a religião, mas que toda a restante formação respire a fragrância da piedade cristã. Porque, se isto falta, se este hálito sagrado não penetra e rescalda os ânimos dos mestres e dos discípulos, muito pouca utilidade se poderá tirar de qualquer doutrina; pelo contrário, virão daí danos e não pequenos » (50).

Nem se diga ser impossível ao Estado, numa nação dividida em várias crenças, prover à instrução pública por outro modo que não seja a escola neutra ou a escola mista, devendo o Estado mais razoavelmente, e podendo também mais facilmente, prover, deixando livre e favorecendo até com subsídios a iniciativa e obra da Igreja e das famílias. E que isto seja realizável com satisfação das famílias, com utilidade da instrução, da paz e tranquilidade publica, bem o demonstra o facto de haver nações divididas em várias confissões religiosas, onde a organização escolástica corresponde ao direito educativo das familiar, não só quanto ao ensino, particularmente com a escola inteiramente católica, para os católicos, mas também quanto à justiça distributiva, com o subsídio financeiro da parte do Estado, a cada uma das escolas desejadas pelas famílias.

Noutros países de religião mista procede-se diferentemente com não leve encargo dos católicos que, sob os auspícios e direção do Episcopado, e pela ação indefessa do clero secular e regular, sustentam à própria custa a escola católica para os seus filhos, qual a reclama a gravíssima obrigação da sua consciência, e com generosidade e constância, dignas de louvor, perseveram no propósito de assegurar inteiramente, como eles proclamam à maneira de divisa: « educação católica, para toda a juventude católica, nas escolas católicas ». O que, se não é auxiliado pelo erário público, como por si exige a justiça distributiva, não pode ser impedido pela autoridade civil, que tem a consciência dos direitos da família e das condições indispensáveis da legítima liberdade. Onde quer que esta liberdade é impedida ou de vários modos dificultada, nunca os católicos se esforçarão demais, ainda à custa de grandes sacrifícios, para sustentar e defender as suas escolas, e para procurar que se promulguem leis escolares justas.

- Acção Católica em favor da Escola

33 Tudo o que fazem os fiéis para promover e defender a escola católica para seus filhos, é obra genuinamente religiosa, e por isso especialíssimo dever da « Acção católica »; pelo que são particularmente caras ao Nosso coração paterno e dignas de grandes encómios aquelas associações especiais que, em várias nações, com tanto zelo, se dedicam a obra tão necessária.

Por esta razão, procurando para seus filhos a escola católica (proclame-se bem alto e seja bem compreendido por todos) os católicos de qualquer nação do mundo não exercem uma acção política de partido, mas sim uma acção religiosa indispensável à sua consciência; e não entendem já separar os seus filhos do corpo e do espírito nacional, mas antes educá-los dum modo mais perfeito e mais conducente à prosperidade da nação, pois que o bom católico, precisamente em virtude da doutrina católica, é por isso mesmo o melhor cidadão, amante da sua Pátria e lealmente submisso à autoridade civil constituída em qualquer legítima forma de governo.

Nesta escola, em harmonia com a Igreja e com a família cristã, não acontecerá que, nos vários ramos de ensino, se contradiga, com evidente dano da educação, o que os discípulos aprendem na instrução religiosa; e se for necessário fazer-lhes conhecer, por escrupulosa consciência de magistério, as obras erróneas para as refutar, que seja isso feito com tal preparação e tal antídoto de sã doutrina que resulte para a formação cristã da juventude grande vantagem e não prejuízo.

Igualmente, nesta escola, nunca o estudo da língua pátria e das letras clássicas redundará em detrimento da santidade dos costumes; pois que o professor cristão seguirá o exemplo das abelhas, que das flores colhem a parte mais pura, deixando o resto, como ensina S. Basílio no seu discurso aos jovens acerca da leitura dos clássicos. (51) E esta necessária cautela, sugerida também pelo pagão Quintiliano, (52) não impede de modo nenhum que o mestre cristão acolha e aproveite quanto de verdadeiramente bom produzem os nossos tempos na disciplina e nos métodos, lembrado do que diz o Apostolo: « Examinai tudo: conservai o que é bom » (53).

Acolhendo, pois, o que é novo, terá o cuidado de não abandonar facilmente o antigo, demonstrado bom e eficaz pela experiência de muitos séculos, mormente no estudo da latinidade, que vemos, em nossos dias em progressiva decadência, exatamente pelo inqualificável abandono dos métodos tão frutuosamente usados pelo são humanismo que obteve grande florescência principalmente nas escolas da Igreja. Estas nobres tradições exigem que a juventude confiada às escolas católicas, seja, sem duvida, plenamente instruída nas letras e ciências, segundo as exigências dos nossos tempos, mas ao mesmo tempo sólida e profundamente, em especial na sã filosofia, longe da confusa superficialidade daqueles que « talvez tivessem encontrado o necessário, se não houvessem buscado o supérfluo » (54).

Deve pois todo o mestre cristão ter sempre presente o que diz Leão XIII em compendiosa sentença: « ... com maior diligencia é necessário esforçar-se para que não somente se aplique um método de ensino apto e sólido, mas ainda para que o próprio ensino nas letras e nas ciências seja em tudo conforme à fé católica, principalmente na filosofia, da qual depende em grande parte a reta direção das outras ciências (55) ».

-Bons mestres

34 As boas escolas são fruto, não tanto dos bons regulamentos, como principalmente dos bons mestres que, egregiamente preparados e instruídos, cada qual na disciplina que deve ensinar, e adornados das qualidades intelectuais e morais exigidas pelo seu importantíssimo ofício, se abrasam dum amor puro e divino para com os jovens que lhes foram confiados, precisamente porque amam Jesus Cristo e a sua Igreja de quem eles são filhos prediletos, e por isso mesmo têm verdadeiramente a peito o bem das famílias e da sua Pátria. É por isso que Nos enche a alma de consolação e de gratidão para com a Bondade Divina, o ver como juntamente com os religiosos e religiosas que se dedicam ao ensino, tão grande número de tais bons mestres e mestras — outrossim unidos em congregação e associações especiais para cada vez melhor cultivarem o espírito, as quais são bem dignas de serem louvadas e promovidas como poderosas e nobilíssimas auxiliares de « Ação Católica » — trabalham desinteressadamente, com zelo e constância, naquela que S. Gregorio Nazianzeno chamou « Arte das artes, ciência das ciências », (56) de dirigir e formar a juventude. E contudo também para eles vale o dito do Divino Mestre: « A messe é verdadeiramente copiosa, porém os operários são poucos »; (57) supliquemos portanto o Senhor da messe para que mande ainda muitos desses operários da educação cristã, cuja formação devem ter sumamente a peito os Pastores das almas e os Superiores maiores das Ordens religiosas.

É igualmente necessário dirigir e vigiar a educação do adolescente, « mole como a cera para inclinar-se ao vício », (58) em qualquer outro ambiente em que venha a encontrar-se, removendo as más ocasiões, proporcionando-lhe as boas, quer nas recreações quer mesmo nas companhias, já que « as más conversas corrompem os bons costumes » (59).

d) Mundo e seus perigos

35 Na verdade nos nossos tempos torna-se necessária uma vigilância tanto mais extensa e cuidadosa, quanto mais têm aumentado as ocasiões de naufrágio moral e religioso para a juventude inexperiente, especialmente nos livros ímpios e licenciosos, muitos dos quais diabolicamente espalhados, a preço ridículo e desprezível, nos espetáculos do cinematógrafo, e agora também nas audições radiofónicas, que multiplicam e facilitam toda a espécie de leituras, como o cinematógrafo toda a sorte de espectáculos.

Estes potentíssimos meios de vulgarização que podem ser, se bem dirigidos pelos sãos princípios, duma grande utilidade para a instrução e educação, aparecem infelizmente, na maior parte das vezes, como incentivos das más paixões e da avidez do lucro. Santo Agostinho lamentava-se da paixão pela qual eram arrastados até os cristãos do seu tempo para os espectáculos do circo, e narra-nos com vivacidade dramática a perversão, felizmente temporânea, do seu amigo e aluno Alípio. (60) Quantas depravações juvenis, por causa dos espetáculos modernos e das leituras infames, não têm hoje que chorar os pais e os educadores! São pois dignas de louvor e incremento todas as obras educativas que, com espírito sinceramente cristão de zelo pelas almas dos jovens, atendem com determinados livros e publicações periódicas, a tornar conhecidos, especialmente aos pais e educadores, os perigos morais e religiosos muitas vezes traiçoeiramente insinuados nos livros e espectáculos, e se consagram a difundir boas leituras e a promover espectáculos verdadeiramente educativos, criando até, com não pequenos sacrifícios, teatros e cinematógrafos em que a virtude não só não tenha nada a perder, mas até muito a ganhar.

Desta necessária vigilância não se segue contudo que a juventude deva ser segregada da sociedade, na qual, apesar de tudo, deve viver e salvar a alma, mas outrossim que hoje, mais que nunca, deve estar cristãmente premunida e fortalecida contra as seduções e erros do mundo, que, como adverte uma divina sentença « é todo concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida »; (61) de modo que, como dizia Tertuliano dos primeiros cristãos, sejam eles quais devem ser os verdadeiros cristãos de todos os tempos, « possuidores do mundo, que não do erro ». (62)

Com esta sentença de Tertuliano chegamos a versar aquilo que Nos propusemos tratar em último lugar, embora da máxima importância, a saber: a verdadeira substância da educação cristã qual se deduz do seu fim próprio, e em cuja consideração se torna cada vez mais clara (mais que a luz do meio-dia) a sublime missão educativa da Igreja.


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