Quadragesimo anno PT 56

Caminho a seguir

56 As circunstâncias, veneráveis Irmãos, mostram bem qual a via a trilhar. Como noutras épocas da Igreja, temos de defrontar-nos com um mundo quase recaído no paganismo. Para reconduzir a Cristo, a quem renegaram, essas classes inteiras de homens, devem escolher-se e formar-se de entre elas soldados auxiliares da Igreja, que conheçam bem os mesmos homens, os seus pensamentos e aspirações, e possam pela caridade fraterna penetrar-lhes suavemente no coração. Os primeiros e imediatos apóstolos dos operários devem ser operários; os apóstolos dos artistas e comerciantes devem sair dentre eles.

Procurar cuidadosamente estes apóstolos dos operários e patrões, escolhê-los com prudência, formá-los e educá-los como convém, é principalíssimo dever vosso e do vosso clero, veneráveis Irmãos. É de certo um pesado múnus imposto aos sacerdotes, para cujo desempenho devem preparar-se devidamente com aturado estudo das questões sociais os levitas que formam a esperança da Igreja; mas é sobre tudo necessário que os escolhidos em particular para este ofício sejam dotados de um tão apurado sentimento de justiça, que resistam varonilmente a qualquer reclamação iníqua ou acção injusta; se avantagem na prudência e numa discrição não inclinada a extremos; que estejam mais que tudo penetrados da caridade de Cristo, que só pode render forte e suavemente os corações e as vontades dos homens às leis da justiça e da equidade. Não há duvida que este caminho, abonado já por felizes resultados, é o que se deve seguir denodadamente.

A esses Nossos amados filhos, escolhidos para tão grande empresa, exoramos vivamente no Senhor, que se dêem todos ao cultivo dos homens a si confiados, e que no desempenho desse ofício eminentemente sacerdotal e apostólico usem como convêm da força da educação cristã, ensinando os jovens, fundando associações católicas, criando círculos, onde se cultive o estudo segundo os princípios da fé. Tenham sobretudo em grande apreço e saibam usar para bem dos seus dirigidos aquele preciosíssimo instrumento de restauração individual e social, que são os Exercícios espirituais por Nós encarecidos na Nossa encíclica « Mens Nostra », na qual lembrámos espressamente e recomendámos os exercícios como utilíssimos para todas as classes do laicado e em particular para os operários : com efeito nesta escola do espírito não só se cultivam ótimos cristãos, mas formam-se e inflamam-se no fogo do Coração de Jesus verdadeiros apóstolos para todos os estados da vida. Desta escola, como os Apóstolos do Cenáculo de Jerusalém, sairão fortes na fé, constantes nas perseguições, ardentes de zelo, unicamente solícitos de propagar por toda a parte o reino de Cristo.

E certamente agora, mais que nunca, são precisos estes valorosos soldados de Cristo, que trabalhem com todas as forças por preservar a família humana da pavorosa catástrofe, em que viria a precipitar-se, se o desprezo das doutrinas do Evangelho deixasse triunfar uma ordem de coisas, que conculca as leis da natureza, não menos que as de Deus. A Igreja de Cristo, alicerçada na rocha inabalável, nada tem que temer por si, pois sabe muito bem, que as portas do inferno não prevalecerão contra ela; (78) e uma experiência de vinte séculos prova-lhe, que das tempestades mais violentas sai cada vez mais forte e coroada de novos triunfos. Mas o seu coração de Mãe estremece de horror ao pensar nos males sem número, em que estas tempestades afogariam milhares de homens e mais ainda nos gravíssimos danos espirituais, que daí resultariam em ruína de tantas almas resgatadas com o sangue de Cristo.

Devem pois envidar-se todos os esforços para desviar da sociedade humana males tão grandes : a isto devem endereçar-se os nossos trabalhos, a nossa solicitude, as nossas orações a Deus, assíduas e fervorosas. Com o socorro da graça divina temos em nossas mãos a sorte da família humana.

Não consintamos, veneráveis Irmãos e amados Filhos, que os filhos deste século se mostrem na sua geração mais prudentes do que nós, que somos, por mercê divina, filhos da luz. (79) Vemos com quanta sagacidade eles escolhem adeptos militantes e os formam, para que espalhem os seus erros cada vez mais largamente, em todas as classes e sobre todos os pontos do globo. E quando se trata de combater mais violentamente a Igreja de Cristo, vemos que, dando tréguas às discórdias intestinas, cerram fileiras num só exército, e unidos trabalham com todas as forças por levar a efeito o comum intento.

(78)
Mt 16,18.
(79) Cfr. Lc 16,8.

União das forças católicas

57 Ninguém ignora quantas e quão grandes obras empreenda por toda a parte o zelo infatigável dos católicos, tanto no campo social e económico, como no do ensino e da religião. Não raro porém esta actividade admirável e laboriosa se torna menos eficaz devido à demasiada dispersão de forças. Unam-se pois todos os homens de boa vontade, que sob a direcção dos Pastores da Igreja querem combater este bom e pacífico combate de Cristo; e todos, seguindo as directivas e ensinamentos da Igreja, se esforcem por contribuir na medida do seu engenho, forças e condição para aquele renovamento cristão da sociedade, que Leão XIII inaugurou com a imortal encíclica « Rerum novarum » : não se procurando a si mesmos nem os seus próprios interesses, mas os de Jesus Cristo; (80) não teimando em fazer triunfar as suas ideias, por boas que sejam, mas dispostos a sacrificá-las ao bem comum; para que em tudo e sobre tudo reine e impere Cristo, a quem seja honra, glória e poder por todos os séculos. (81)

Para que isto se realize, a todos vós, veneráveis Irmãos e amados Filhos, quantos sois membros da grande família católica a Nós confiada, mas com particular afecto aos operários e aos outros trabalhadores de artes mecânicas, a Nós mais especialmente recomendados pela divina Providência, e também aos patrões e empresários cristãos damos de coração a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto de S. Pedro, aos XV de maio de MCMXXXI, ano X do Nosso Pontificado.

PIO PP. XI.

(80) Cfr.
Ph 2,21.
(81) Ap 5,13.



Quadragesimo anno PT 56