Pascendi PT 7

O modernista apologeta

7 Entre os modernistas também este depende duplamente do filósofo. Primeiro indiretamente, tomando para matéria a história escrita sob a direção do filósofo, como vimos; depois diretamente, aceitando do filósofo os princípios e os juízos. Vem daqui o preceito comum da escola modernista, que a nova apologética deve dirimir as controvérsias religiosas por meio de indagações históricas e psicológicas.

Por isso, esses apologetas começam o seu trabalho advertindo os racionalistas de que não defendem a religião com os livros sacros, nem com as histórias vulgarmente usadas na Igreja e escritas à moda antiga; fazem-no, porém, com a história real, composta segundo os preceitos modernos e com método moderno. Assim o dizem, não como se argumentassem ad hominem, mas porque de fato acreditam que só em tal história se acha a verdade. Quando escrevem também não se preocupam de insistir na própria sinceridade; já são bastante conhecidos entre os racionalistas, já foram louvados como combatentes sob um mesmo estandarte; e desses louvores, que um verdadeiro católico deverá rechaçar, eles muito se lisonjeiam e se servem como de escudo contra as censuras da Igreja. Vejamos como qualquer um deles faz praticamente semelhante apologética. O fim que se propõe é de conduzir o homem que ainda não crê, a sentir em si aquela experiência da religião católica que, para os modernistas, é base da fé. Há dois caminhos a seguir: um objetivo e o outro subjetivo. O primeiro parte do agnosticismo, e tende a demonstrar que na religião, especialmente na católica, há tal energia vital, que obriga todo sábio psicólogo e historiador a admitir que na sua história se esconde alguma coisa incógnita. Para este fim é mister provar que a religião católica, qual hoje existe, é a mesma fundada por Cristo, ou melhor, é o progressivo desenvolvimento da semente a que Cristo deu origem. Convém, por conseguinte, antes de tudo, determinar qual seja essa semente.

Pretendem eles fazê-lo pela seguinte fórmula: Cristo anunciou a vida do reino de Deus, a realizar-se em breve, sendo ele o seu Messias, isto é, o executor e o organizador mandado por Deus. Depois disto convirá demonstrar como essa semente, sempre imanente na religião católica e permanente, devagar e a passo com a história se foi desenvolvendo e adaptando às sucessivas circunstâncias, assimilando vitalmente tudo o que nas mesmas lhe apresentavam de útil às formas doutrinais, cultuais, eclesiásticas; superando ao mesmo tempo os obstáculos, desbaratando os inimigos, e sobrevindo a toda sorte de contradições e lutas. Depois que todas estas coisas, a saber, os obstáculos, os inimigos, as perseguições, os combates, bem como a vitalidade e fecundidade da Igreja, se tiverem mostrado tais que, conquanto na história da mesma se vejam observadas as leis da evolução, todavia não são bastantes ainda para uma explicação cabal, virá pela frente o incógnito, que se apresentará por si mesmo. Assim dizem eles. Contudo, em todo este raciocinar há uma coisa que não percebem; que aquela determinação da semente primitiva é fruto exclusivo do apriorismo do filósofo agnóstico e evolucionista, e que a própria semente é por ele tão gratuitamente definida, que deveras parece convir à sua causa.

Mas esses apologetas, ao passo que com os referidos argumentos procuram asseverar e persuadir a religião católica, também por outra parte concedem que ela contém muitas coisas que desagradam. E também, com um prazer mal disfarçado, publicamente propalam que também em matéria dogmática encontram erros e contradições; não obstante acrescentarem que tais erros e contradições só merecem desculpas, mas, e é o que mais se admira, devem ser legitimados e justificados. Assim também nas Sagradas Escrituras, afirmam-no, ocorrem muitos erros em matéria científica e histórica. Mas aqueles livros, acrescentam, não tratam de ciência ou história, e sim de religião e de moral. A ciência e a história ali são meros invólucros, que contornam as experiências religiosas e morais, para mais facilmente se divulgarem no povo; e como este povo não poderia entender de outro modo, não lhe seria vantajoso, porém nocivo, estar de posse de uma ciência ou de uma história mais perfeita. Demais, continuam a dizer, os livros sagrados, porque religiosos por natureza, têm necessariamente a sua vida; a vida também por sua vez tem a sua verdade e a sua lógica, certamente diversa da verdade e da lógica racional, e até mesmo de ordem assaz diversa, a saber: é verdade de comparação e proporção, quer com o ambiente em que se vive, quer com o fim para que se vive. Chegam enfim a tal extremo, que se abalançam a afirmar, sem a menor restrição, que tudo o que se explica pela vida é verdadeiro e legítimo. – Nós, Veneráveis Irmãos, para quem a verdade é uma e única, e consideramos os livros sacros como escritos por inspiração do Espírito Santo e tendo Deus por autor (Conc. Vat. I De Ver. C.2), afirmamos que isto equivale a atribuir a Deus a mentira de utilidade ou oficiosa; e com as palavras de Santo Agostinho protestamos que, uma vez admitida em excelsa autoridade qualquer mentira oficiosa, não haverá nem uma pequena parte daqueles livros que, parecendo a alguém difícil de praticar ou incrível de crer, com a mesma perniciosíssima regra não seja atribuída a conselho ou utilidade do mendaz autor (Epíst. 28). E daí resultará o que o Santo Doutor acrescenta: Neles, isto é, nos livros sacros, cada um dará crédito ao que quiser, e rejeitará o que não lhe agradar. Mas esses apologetas não se preocupam com isto. Concedem ainda que nos livros sacros para sustentar uma doutrina qualquer, se acham por vezes razões que não se apóiam em nenhum razoável fundamento; a estes gêneros pertencem as que se fundam nas profecias. Contudo eles também como artifício de pregação, que são legitimados pela vida. Que mais? Concedem, pior ainda, sustentam que o próprio Jesus Cristo errou manifestamente, indicando o tempo da vinda do reino de Deus; e nem é para admirar, dizem, pois então ele ainda se achava sujeito às leis da vida! – Posto isto, que será dos dogmas da Igreja? Também estes estão cheios de evidentes contradições; mas, além de serem aceitos pela lógica da vida, não se acham em oposição com a verdade simbólica; pois, neles se trata do infinito, que tem infinitos aspectos. Enfim, tanto eles aprovam e defendem essas teorias, que não põem em dúvida em declarar que se não pode render ao Infinito maior preito de homenagens, do que afirmando acerca do mesmo coisas contraditórias! E admitindo-se a contradição, que é o que não se admitirá?

Além dos argumentos objetivos, o crente pode também ser disposto à fé pelos subjetivos. Para este fim os apologetas voltam-se de novo para a doutrina da imanência. Empenham-se em convencer o homem de que nele mesmo e nos íntimos recantos de sua natureza e de sua vida, se oculta o desejo e a necessidade de uma religião, não já de uma religião qualquer, mas da católica; porquanto esta, dizem, é rigorosamente requerida (postulata) pelo perfeito desenvolvimento da vida. E sobre este ponto nos vemos de novo obrigados a lamentar que não faltem católicos que, conquanto rejeitem a doutrina da imanência como doutrina, todavia se utilizam dela na apologética; e fazem-no tão incautamente, que parecem admitir não somente certa capacidade ou conveniência na natureza humana para a ordem sobrenatural, (o que os apologetas católicos com as devidas restrições sempre demonstram), mas também uma estrita e verdadeira exigência. Para sermos mais exatos, dizemos ainda que esta exigência da religião católica é sustentada pelos modernistas mais moderados. Pois, aqueles que podem ser denominados integralistas, pretendem que se deve mostrar ao homem que ainda não crê, como se acha latente dentro dele mesmo o gérmen que esteve na consciência de Cristo, e que Cristo transmitiu aos homens. Eis aqui, Veneráveis Irmãos, sumariamente descrito o método apologético dos modernistas, em tudo conforme com as doutrinas; e tanto o método como as doutrinas estão cheios de erros, capazes só de destruir e não de edificar, não de formar católicos, mas de arrastar os católicos à heresia, mais ainda, à completa destruição de toda religião!

O modernista reformador

8 Pouco resta-nos finalmente dizer a respeito das pretensões do modernista como reformador. Já pelo que está exposto fica mais que patente a mania de inovação que move estes homens; mania esta que não poupa absolutamente nada ao catolicismo. Querem a inovação da filosofia, particularmente nos seminários; de tal sorte que, desterrada a filosofia dos escolásticos para a história da filosofia, entre os sistemas já obsoletos, seja ensinada aos moços a moderna filosofia, que é a única verdadeira correspondente aos nossos tempos. Para a reforma da teologia, querem que aquela teologia que chamamos racional, seja fundamentada na filosofia moderna. Desejam, além disto, que a teologia positiva se baseie na história dos dogmas. Querem também que a história seja escrita e ensinada pelos seus métodos e com preceitos novos. Dizem que os dogmas e a sua evolução devem entrar em acordo com a ciência e a história. Para o catecismo, exigem que nos livros de catequese se introduzam só aqueles dogmas, que tiverem sido reformados e estiverem ao alcance da inteligência do vulgo. Acerca do culto, clamam que se devem diminuir as devoções externas e proibir que aumentem, embora, a bem da verdade, outros mais favoráveis ao simbolismo, se mostrem nisto mais indulgentes. Gritam a altas vozes que o regime eclesiástico deve ser renovado em todos os sentidos, mas especialmente na disciplina e no dogma. Por isto, dizem que por dentro e por fora se deve entrar em acordo com a consciência moderna, que se acha de todo inclinada para a democracia; e assim também dizem que o clero inferior e o laicato devem tomar parte no governo, que deve ser descentralizado. Também devem ser transformadas as Congregações romanas, e antes de todas, as do Santo Ofício e do Índice. Deve mudar-se a atitude da autoridade eclesiástica nas questões políticas e sociais, de tal sorte que não se intrometa nas disposições civis, mas procure amoldar-se a elas, para penetrá-las no seu espírito. Em moral estão pelo Americanismo, dizendo que as virtudes ativas devem antepor-se às passivas, e que convém promover o exercício daquelas de preferência a estas. Desejam que o clero volte à antiga humildade e pobreza e querem-no também de acordo no pensamento e na ação com os preceitos do modernismo. Finalmente não falta entre eles quem, obedecendo muito de boa mente aos acenos dos seus mestres protestantes, até deseje ver suprimido do sacerdócio o sacro celibato. Que restará, pois, de intacto na Igreja, que não deva por eles ou segundo os seus princípios ser reformado?

Crítica geral de todo o sistema

9 Talvez que na exposição da doutrina dos modernistas tenhamos parecido a alguém, Veneráveis Irmãos, demasiadamente prolixos. Isso, porém, foi de todo necessário, tanto para que não continuem a acusar-nos, como costumam, de ignorar as suas teorias, como também, para que se veja que quando se fala de modernismo, não se trata de doutrinas vagas e desconexas, mas de um corpo uno e compacto de doutrinas em que, admitida uma, todas as demais também o deverão ser. Por isso, também quisemos servir-nos de uma forma quase didática, e nem recusamos os vocábulos bárbaros, que os modernistas adotam. Se, pois, de uma só vista de olhos atentarmos para todo o sistema, a ninguém causará pasmo ouvir-Nos defini-lo, afirmando ser ele a síntese de todas as heresias. Certo é que se alguém se propusesse juntar, por assim dizer, o destilado de todos os erros, que a respeito da fé têm sido até hoje levantados, nunca poderia chegar a resultado mais completo do que alcançaram os modernistas. Tão longe se adiantaram eles, como já o notamos, que destruíram não só o catolicismo, mas qualquer outra religião. Com isto se explicam os aplausos do racionalistas; por isto aqueles dentre os racionalistas que falam mais clara e abertamente, se vangloriam de não ter aliados mais efetivos que os modernistas. E de fato, voltemos um pouco, Veneráveis Irmãos, à prejudicialíssima doutrina do agnosticismo. Com esta, por parte da inteligência está fechado ao homem todo o caminho para chegar a Deus, ao passo que se torna mais aberto por parte de um certo sentimento e da ação. Quem não percebe, porém, que isto se afirma em vão?

O sentimento corresponde sempre à ação de um objeto, que é proposto pela inteligência ou pelos sentidos. Excluí a inteligência, e o homem seguirá mais arrebatadamente os sentidos pelos quais é já arrastado. Além de que, quaisquer que sejam as fantasias de um sentimento religioso, não podem elas vencer o senso comum; ora, o senso comum nos ensina que toda a perturbação ou preocupação do espírito, longe de ajudar, impede a investigação da verdade (queremos dizer da verdade em si mesma); ao passo que aquela outra verdade subjetiva, fruto do sentimento íntimo e da ação, quando muito serviria para um jogo de palavras, sem nada aproveitar ao homem, que antes de tudo quer saber se, fora de si, existe ou não um Deus, em cujas mãos há de cair um dia. Recorrem outrossim e com afinco à experiência. Mas, que pode ela acrescentar ao sentimento? Nada, por certo; poderá apenas torná-lo mais intenso; e esta intensidade tornará proporcionalmente mais firme a persuasão da verdade do objeto. Estas duas coisas, porém, não farão que o sentimento deixe de ser sentimento, nem lhe mudarão a natureza, sempre sujeita a engano, se não for auxiliada pela inteligência; pelo contrário, confirmarão e reforçarão o sentimento, pois que este, quanto mais intenso for, tanto mais direito terá a ser sentimento. Como porém tratamos aqui do sentimento religioso e da experiência, que nele se contém, sabeis por certo, Veneráveis Irmãos, com quanta prudência convém tratar esta matéria, e quanta ciência se requer para regular esta mesma prudência. Vós o sabeis, pelo contacto que tendes com as almas, especialmente aquelas em que domina o sentimento; Vós o sabeis pelo estudo dos tratados de ascética que, não obstante serem menosprezados pelos modernistas, contém doutrina mais sólida e mais fina observação do que aquela de que se vangloriam os modernistas.

E a Nós, na verdade, parece-Nos ser só de um demente ou pelo menos de um rematado imprudente o admitir, sem mais exame, por verdadeiras, as tais experiências íntimas apregoadas pelos modernistas. Por que será então, dizemo-lo aqui de passagem, que tendo essas experiências tão grande força e certeza, não o possa também ter a experiência de milhares de católicos, quando afirmam que os modernistas vagueiam por um caminho errado? A maior parte dos homens sustenta e há de sempre sustentar com firmeza que, só com o sentimento e a experiência, sem a guia e a luz da inteligência, nunca se chegará ao conhecimento de Deus. Resta, portanto, ainda uma vez, ou o ateísmo ou a absoluta falta de religião. Não esperem os modernistas melhores resultados da sua doutrina do simbolismo. De fato, se todos os elementos, que chamam intelectuais, não passam de meros símbolos de Deus, por que motivo não será também um símbolo o mesmo nome de Deus ou de personalidade divina? E se assim for, bem se poderia duvidar da mesma personalidade divina, e teremos aberta a estrada para o panteísmo. Do mesmo modo, a um puro e simples panteísmo leva a outra doutrina da imanência divina. Pois, se perguntarmos: essa imanência distingue ou não distingue Deus do homem? Se distingue, que divergência então pode haver entre essa doutrina e a católica? Ou então, por que rejeitam os modernistas a doutrina da revelação externa? Se, pelo contrário, não se distingue, temos de novo o panteísmo.

Mas, de fato, a imanência dos modernistas quer e admite que todo o fenômeno de consciência proceda do homem enquanto homem. Com legítimo raciocínio deduzimos portanto que Deus e o homem são uma e a mesma coisa; e daqui o panteísmo. Também a distinção que fazem entre as ciência e a fé, não leva a outro resultado. Põem o objeto da ciência na realidade do cognoscível, e o da fé na realidade do incognoscível. Ora, o incognoscível é produzido pela completa desproporção entre o objeto e a inteligência. E esta desproporção, acrescentam, nunca poderá cessar. Logo, o incognoscível ficará sempre incognoscível, tanto para o crente quanto para o filósofo. Se, pois, alguma religião houver, o seu objeto será sempre a realidade do incognoscível; e não sabemos por que motivo essa realidade não poderá ser a alma universal do mundo, como querem certos racionalistas. Isto já é bastante para bem nos certificarmos de que muitos são os caminhos, pelos quais a doutrina modernista vai acabar no ateísmo e na destruição de toda religião. Neste caminho os protestantes deram o primeiro passo; os modernistas o segundo; pouco falta para o completo ateísmo.


II ª PARTE

AS CAUSAS DO MODERNISMO

10 Para mais a fundo conhecermos o modernismo e o mais apropriado remédio acharmos para tão grande mal, cumpre agora, Veneráveis Irmãos, indagar algum tanto das causas donde se originou e porque se tem desenvolvido. Não há duvidar que a causa próxima e imediata é a aberração do entendimento. As remotas, reconhecemo-las duas: o amor de novidades e o orgulho. O amor de novidades basta por si só para explicar toda a sorte de erros. Por esta razão o Nosso sábio predecessor Gregório XVI, com toda a verdade escreveu (Encicl. "Singulari Nos" 7/07/1834): «Muito lamentável é ver até onde se atiram os delírios da razão humana, quando o homem corre após as novidades e, contra as admoestações de São Paulo, se empenha em saber mais do que convém e, confiando demasiado em si, pensa que deve procurar a verdade fora da Igreja Católica, onde ela se acha sem a menor sombra de erro». Contudo, o orgulho tem muito maior força para arrastar ao erro os entendimentos; e é o orgulho que, estando na doutrina modernista como em sua própria casa, aí acha à larga de que se cevar e com que ostentar as suas manifestações.

Efetivamente, o orgulho fá-los confiar tanto em si que se julgam e dão a si mesmos como regra dos outros. Por orgulho loucamente se gloriam de ser os únicos que possuem o saber, e dizem desvanecidos e inchados: Nós cá não somos como os outros homens. E, de fato, para o não serem, abraçam e devaneiam toda a sorte de novidades, até das mais absurdas. Por orgulho repelem toda a sujeição, e afirmam que a autoridade deve aliar-se com a liberdade.

Por orgulho, esquecidos de si mesmos, pensam unicamente em reformar os outros, sem respeitarem nisto qualquer posição, nem mesmo a suprema autoridade. Para se chegar ao modernismo não há, com efeito, caminho mais direto do que o orgulho. Se algum leigo ou também algum sacerdote católico esquecer o preceito da vida cristã, que nos manda negarmos a nós mesmos para podermos seguir a Cristo, e se não afastar de seu coração o orgulho, ninguém mais do ele se acha naturalmente disposto a abraçar o modernismo! – Seja portanto, Veneráveis Irmãos, o vosso primeiro dever resistir a esses homens soberbos, ocupá-los nos misteres mais humildes e obscuros, a fim de serem tanto mais deprimidos quanto mais se enaltecem, e, postos na ínfima plana, tenham menor campo a prejudicar. Além disto, por vós mesmos ou pelos reitores dos seminários, procurai com cuidado conhecer os jovens que se apresentam candidatos às fileiras do clero; e se algum deles for de natural orgulhoso, riscai-o resolutamente do número dos ordinandos. Neste ponto, quisera Deus que se tivesse sempre agido com a vigilância e fortaleza que era mister!

Passando das causas morais às que se relacionam com a inteligência, surge sempre a ignorância. Todos os modernistas que pretendem ser ou parecer doutores na Igreja, exaltando em voz clamorosa a moderna filosofia e desdenhando a Escolástica, abraçaram a primeira, iludidos pelo seu falso brilho, porque, ao ignorarem completamente a segunda, careceram dos meios convenientes para reconhecerem a confusão das idéias e refutar os sofismas. É, pois, da aliança da falsa filosofia com a fé que surgiu o seu sistema, formado de tantos e tamanhos erros.

Quem dera que eles fossem no entanto menos zelosos e sagazes na propaganda destes erros! Mas, em vez disto, é tal a sua esperteza, é tão indefeso o seu trabalho, que deveras causa pesar ver consumirem-se em prejuízo da Igreja tantas forças, que bem empregadas lhe seriam muito vantajosas. Para conduzirem os espíritos ao erro, usam de dois meios: removem primeiro os obstáculos, e em seguida procuram com máxima cautela os ardis que lhes poderão servir, e põem-nos em prática, incessante e pacientemente. Dentre os obstáculos, três principalmente se opõem aos seus esforços: o método escolástico de raciocinar, a autoridade dos Padres com a Tradição, o Magistério eclesiástico. Tudo isto é para eles objeto de uma luta encarniçada. Por isso, continuamente escarnecem e desprezam a filosofia e a teologia escolástica. Quer o façam por ignorância, quer por temor, quer mais provavelmente por um e outra, o certo é que a mania da novidade neles se acha aliada com ódio à escolástica; e não há sinal mais manifesto de que começa alguém a volver-se para o modernismo do que começar a aborrecer a escolástica. Lembrem-se os modernistas os seus fautores da condenação que Pio IX infligiu a esta proposição (Syll. prop. 13):

«O método e os princípios com que os antigos doutores escolásticos trataram a teologia, não condizem mais com as necessidades dos nossos tempos e com os progressos da ciência». São também muito astuciosos em desvirtuar a natureza e a eficácia da Tradição, a fim de privá-la de todo o peso e autoridade. Porém, nós, os católicos, teremos sempre do nosso lado a autoridade do segundo Concílio de Nicéia, que condenou «aqueles que ousam..., à maneira de perversos hereges, desprezar as tradições eclesiásticas e imaginar qualquer novidade... ou pensar maliciosa e astutamente em destruir o que quer que seja das legítimas tradições da Igreja católica». Teremos sempre a profissão do quarto Concílio de Constantinopla: «Professamos, portanto, conservar e defender as regras que, tanto pelos santos e célebres Apóstolos quanto pelos Concílios universais e locais, ortodoxos, mesmo por qualquer deíloquo Padre e Mestre da Igreja, foram dadas à Santa Igreja Católica e apostólica. Por esta razão os Pontífices Romanos Pio IV e Pio IX quiseram que se acrescentassem estas palavras à profissão de fé: Creio firmemente e professo as tradições apostólicas e eclesiásticas e todas as demais determinações e constituições da mesma Igreja. O mesmo juízo que fazem da Tradição, estendem-no os modernistas também aos santos Padres da Igreja. Com a maior temeridade, tendo-os embora como muito dignos de toda a veneração, fazem-nos passar por muito ignorantes da crítica e da história, no que seriam indesculpáveis, se outros houveram sido os tempos em que viveram. Põem, finalmente, todo o empenho em diminuir e enfraquecer o magistério eclesiástico, ora deturpando-lhe sacrilegamente a origem, a natureza, os direitos, ora repetindo livremente contra ele as calúnias dos inimigos. À grei dos modernistas quadram estas palavras que muito a contragosto escreveu Nosso Predecessor: «Para atirarem sobre a mística Esposa de Jesus Cristo, que é verdadeira luz, o desprezo e o ódio, os filhos das trevas tomaram o costume de deprimi-la em público com uma insensata calúnia e, trocando a noção das coisas e das palavras, de chamá-la amiga do obscurantismo, sustentáculo da ignorância, inimiga da luz, da ciência e do progresso (Motu-proprio. "Ut mysticam",14/03/1891). Em vista disto, Veneráveis Irmãos, não é para admirar que os católicos, denodados defensores da Igreja, sejam alvo do ódio mais desapoderado dos modernistas. Não há injúria que lhes não atirem em rosto; mas de preferência os chamam ignorantes e obstinados. Se a erudição e o acerto de quem os refuta os atemoriza, procuram descartá-lo, recorrendo ao silêncio. Este modo de proceder com os católicos torna-se ainda mais odioso, porque eles ao mesmo tempo exaltam descompassadamente com incessantes louvores os que seguem o seu partido; acolhem e batem palmas aos seus livros, eriçados de novidades; e quanto mais alguém mostra ousadia em destruir as coisas antigas, em rejeitar as tradições e o magistério eclesiástico, tanto mais encarecem a sua sabedoria; e por fim, o que a todo espírito reto causa horror, não só elogiam pública e encarecidamente, mas veneram como mártir quem quer por acaso for condenado pela Igreja. Movidos e abalados por toda essa celeuma de louvores e impropérios, com o fito, ou de não passarem por ignorantes, ou de serem tidos por sábios, os ânimos juvenis, instigados interiormente pelo orgulho e pelo amor das novidades dão-se por vencidos e desertam para o modernismo.

Com isto já chegamos aos artifícios com que os modernistas passam as suas mercadorias. Que recursos deixam eles de empregar para angariar sectários? Procuram conseguir cátedras nos seminários e nas Universidades, para tornarem-se insensivelmente cadeiras de pestilência. Inculcam as suas doutrinas, talvez disfarçadamente, pregando nas igrejas; expõem-nas mais claramente nos congressos; introduzem e exaltam-nas nos institutos sociais sob o próprio nome ou sob o de outrem; publicam livros, jornais, periódicos.

Às vezes um mesmo escritor se serve de diversos nomes, para enganar os incautos, simulando grande número de autores. Numa palavra, pela ação, pela palavra, pela imprensa, tudo experimentam, de modo as parecerem agitados por uma violenta febre. Que resultado terão eles alcançado? Infelizmente lamentamos a perda de grande número de moços, que davam ótimas esperanças de poderem um dia prestar relevantes serviços à Igreja, atualmente fora do bom caminho.

Lamentamos esses muitos que, embora não se tenham adiantado tanto, tendo contudo respirado esse ar infeccionado, já pensam, falam e escrevem com tal liberdade, que em católicos não assenta bem.

Vemo-los entre os leigos; vemo-los entre os sacerdotes; e, quem o diria? Vemo-los até no seio das famílias religiosas. Tratam a Escritura à maneira dos modernistas. Escrevendo sobre a história tudo o que pode desdourar a Igreja divulgam cuidadosamente e com disfarçado prazer. Guiados por um certo apriorismo, procuram sempre desfazer as piedosas tradições populares. Mostram desdenhar as sagradas relíquias, respeitáveis pela sua antigüidade. Enfim, vivem preocupados em fazer o mundo falar de suas pessoas; e sabem que isto não será possível, se disserem as mesmas coisas que sempre se disseram.

Podem estar eles na persuasão de fazerem coisa agradável a Deus e à Igreja; na realidade, porém, ofendem gravemente a Deus e à Igreja, se não com suas obras, de certo com o espírito que os anima e com o auxílio que prestam ao atrevimento dos modernistas.


III ª PARTE

REMÉDIOS

11 A esta torrente de gravíssimos erros, que às claras e às ocultas se vai avolumando, o Nosso Predecessor Leão XIII, de feliz memória, procurou energicamente levantar um dique, principalmente no que se refere às Sagradas Escrituras. Já vimos, porém, que os modernistas não se deixam facilmente intimidar; eis porque, aparentando o maior acatamento e a mais apurada humildade, inverteram as palavras do Pontífice do modo que lhes convinha, e propalaram que os atos do mesmo eram dirigidos a outros. Destarte o mal, dia a dia, foi tomando maiores proporções.

É por isto, Veneráveis Irmãos, que decidimos lançar mãos, sem demora, de medidas mais enérgicas. Nós, porém, vos pedimos e suplicamos que em negócio de tal monta nada, de modo algum, se deixe a desejar em vossa vigilância, desvelo e fortaleza. E isto mesmo que vos pedimos e de vós esperamos, pedimo-lo também e esperamo-lo dos demais pastores das almas, dos educadores e mestres do jovem clero, e particularmente dos Superiores gerais das Ordens religiosas.


12 I. No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e mandamos terminantemente, que a filosofia escolástica seja tomada por base dos estudos sacros. Bem se compreende que «se os doutores escolásticos trataram certas questões com excessiva argúcia, ou foram omissas noutras; se disseram coisas que mal se acomodam com as doutrinas apuradas nos séculos posteriores, ou mesmo alguma coisa inadmissível, mui longe está de nossa intenção querer que tudo isto deva servir de exemplo a imitar nos nossos dias (Leão XIII, Enc.Aeterni Patris).

O que importa saber, antes de tudo, é que a filosofia escolástica, que mandamos adotar, é principalmente a de Santo Tomás de Aquino; a cujo respeito queremos fique em pleno vigor tudo o que foi determinado pelo Nosso Predecessor e, se há mister, renovamos, confirmamos e mandamos severamente sejam por todos observadas aquelas disposições. Se isto tiver sido descuidado nos seminários, insistam e exijam os Bispos que para o futuro se observe. Tornamos extensiva a mesma ordem aos Superiores das Ordens religiosas. E todos aqueles que ensinam fiquem cientes de que não será sem graves prejuízos que especialmente em matérias metafísicas, se afastarão de Santo Tomás.

Fundamentada assim a filosofia, sobre ela se erga com a maior diligência o edifício teológico. Veneráveis Irmãos, promovei com toda a solicitude o estudo da teologia, de tal sorte que ao saírem dos seminários os clérigos lhe tenham alta consideração e profundo amor, e sempre o conservem carinhosamente. Porquanto é de todos sabido que na quase infinitude das disciplinas que se apresentam às inteligências ávidas do saber, é tão certo que à teologia cabe o primeiro lugar, que os antigos diziam que era dever das outras ciências e artes servirem-na e auxiliarem-na como escravas (Leão XIII, carta ap. In magna, 10/12/1889). Aproveitamos esta ocasião para dizer que Nos parecem dignos de louvor aqueles que, salvando o respeito devido à Tradição, aos Santos Padres, ao magistério eclesiástico, procuram esclarecer a teologia positiva com prudente critério e normas católicas (coisa que nem sempre se observa), tirando luzes da verdadeira história. Certo é que na atualidade, à teologia positiva se deve dar maior extensão que outrora; entretanto, isto se deve fazer de tal sorte que não seja de nenhum modo em detrimento da teologia escolástica, e sejam censurados como fautores do modernismo, aqueles que de tal modo elevam a teologia positiva que parece quase desprezarem a escolástica.

Quanto às disciplinas profanas, basta lembrar o que sabiamente disse o Nosso Predecessor (Alloc. De 7/03/1880): «Aplicai-vos diligentemente ao estudo das coisas naturais; pois, assim como em nossos dias as engenhosas descobertas e os úteis empreendimentos com sobeja razão são admirados pelos contemporâneos, da mesma sorte serão alvo de perenes louvores e encarecimentos dos vindouros». Seja isto feito sem prejuízo dos estudos sacros; assim também o advertiu o mesmo Nosso Predecessor, pela seguintes palavras (lugar citado): «A causa de tais erros, se a investigarmos cuidadosamente, provém principalmente de que hoje, quanto maior intensidade se dá aos estudos das ciências naturais, tanto mais se descuram as disciplinas mais severas e mais elevadas; algumas destas são, de fato, quase atiradas ao esquecimento; outras são tratadas com pouca vontade e de leve, e, coisa indigna, perdido o esplendor de sua primitiva dignidade, são deturpadas por opiniões inverossímeis e por enormes erros. É esta a lei à qual mandamos que se conformem os estudos das ciências naturais nos seminários.


13 II. Em vista tanto destas Nossas disposições como da do Nosso Antecessor, convém prestar muita atenção toda vez que se tratar da escolha dos diretores e professores tanto dos seminários quanto das Universidades católicas. Todo aquele que tiver tendências modernistas, seja ele quem for, deve ser afastado quer dos cargos quer do magistério; e se já tiver de posse, cumpre ser removido.

Faça-se o mesmo com aqueles que, às ocultas ou às claras, favorecerem o modernismo, louvando os modernistas, ou atenuando-lhes a culpa, ou criticando a escolástica, os Santos Padres, o magistério eclesiástico, ou negando obediência a quem quer que se ache em exercício do poder eclesiástico; bem assim como aqueles que se mostrarem amigos da novidade em matéria histórica, arqueológica e bíblica; e finalmente com aqueles que se descuidarem dos estudos sacros ou parecerem dar preferência aos profanos. Neste ponto, Veneráveis Irmãos, e particularmente na escolha dos lentes, nunca será demasiada a vossa solicitude e constância; porquanto, é o mais das vezes ao exemplo dos mestres que se formam os discípulos. Firmados, portanto, no dever da consciência, procedei nesta matéria com prudência, mas também com energia.

Não deve ser menor a vossa vigilância e severidade na escolha daqueles que devem ser admitidos ao Sacerdócio. Longe, muito longe do clero esteja o amor às novidades; Deus não vê com bons olhos os ânimos soberbos e rebeldes! A ninguém doravante se conceda a láurea da teologia ou direito canônico, se primeiro não tiver feito todo o curso de filosofia escolástica. Se, não obstante isto, ela for concedida, será nula. Tornem-se doravante extensivas a todas as nações as disposições emanadas da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares no ano 1896, acerca da freqüência dos clérigos regulares e seculares da Itália às Universidades. Os clérigos e sacerdotes inscritos a um Instituto ou a uma Universidade católica, não poderão freqüentar nas Universidades civis cursos também existentes nos Institutos católicos a que se inscreveram. Se, em tempos passados, isto tiver sido concedido em algum lugar, mandamos que de ora em diante não mais se permita. Ponham os Bispos que formam o conselho diretivo de tais Institutos católicos ou Universidades católicas, o maior empenho em fazer observar estas nossas determinações.


14 III. Compete, outrossim, aos Bispos providenciar para que os livros dos modernistas já publicados não sejam lidos, e as novas publicações sejam proibidas. Qualquer livro, jornal ou periódico desse gênero não poderá ser permitido aos alunos dos seminários ou das Universidades católicas, pois daí não lhes proviria menor mal do que o que produzem as más leituras; antes, seria ainda pior, porque ficaria contaminada a mesma raiz da vida cristã. Nem diversamente se há de julgar dos escritos de certos católicos, homens aliás de não más intenções, porém faltos de estudos teológicos e embebidos de filosofia moderna, que procuram conciliar com a fé, e fazê-la servir, como eles dizem, em proveito da mesma fé. O nome e a boa reputação dos autores faz com que tais livros sejam lidos sem o menor escrúpulo, e por isto mesmo se tornam assaz perigosos para pouco e pouco encaminharem ao modernismo.

Querendo, Veneráveis Irmãos, dar-vos normas gerais em tão grave assunto, se em vossas dioceses circularem livros perniciosos, procurai energicamente proscrevê-los, condenando-os mesmo solenemente, se o julgardes oportuno. Conquanto esta Sede Apostólica procure por todos os meios proscrever tais publicações, tornou-se hoje tão avultado o seu número que não lhe bastariam forças para condená-las todas. Disto resulta às vezes que o remédio já chega tarde, porque a demora já facilitou a infiltração do mal. Queremos, por conseguinte, que os Bispos, pondo de parte todo o receio, repelindo a prudência da carne, desdenhando a grita dos maus, com suavidade perseverante cumpram todos o que lhes cabe, lembrando-se do que na Constituição Apostólica Officiorum, Leão XIII escreveu: «Empenhem-se os Ordinários, mesmo como Delegados da Sede Apostólica, em proscrever e tirar das mãos dos fiéis os livros ou quaisquer escritos nocivos publicados ou divulgados nas suas dioceses». Com estas palavras, é verdade, concede-se um direito; mas, ao mesmo tempo, também se impõe um dever. Ninguém, contudo, julgue ter cumprido tal dever pelo fato de Nos remeter um ou outro livro, deixando entretanto muitíssimos outros serem publicados e divulgados. Nem se julguem desobrigados disto por terem ciência de que certo livro alcançou de outrem o Imprimatur, porquanto tal concessão pode ser falsa, como também pode ter sido por descuido, por excesso de benignidade, ou por demasiada fé no autor; e este último caso pode muito facilmente dar-se nas Ordens religiosas. Acresce também saber que, assim como todo e qualquer alimento não serve igualmente para todos, da mesma sorte um livro que pode ser inocente num lugar, já noutro, por certas circunstâncias, pode tornar-se nocivo. Se, por conseguinte, o Bispo, depois de ouvir o parecer de pessoas prudentes, julgar que em sua diocese deve ser condenado algum desses livros, damos-lhe para isto ampla faculdade, e até o oneramos com este dever. Desejamos entretanto se conservem as devidas atenções, e talvez baste num ou noutro caso restringir ao clero essa proibição; e ainda mesmo neste caso os livreiros católicos estão obrigados a não dar à venda as publicações proibidas pelo Bispo. E já que nos caiu sob a pena este assunto, atendam os Bispos a que os livreiros, por avidez de lucro, não vendam livros perniciosos; o certo é que nos catálogos de alguns deles não poucas vezes se vêem anunciados, e com bastante louvores, os livros dos modernistas. Se eles a isto se recusarem, não ponham dúvida os Bispos em privá-los do título de livreiros católicos; da mesma sorte, e por mais forte razão, se gozarem do título de episcopais; mas, se tiverem o título de pontifícios, seja o caso deferido à Santa Sé. A todos finalmente lembramos o artigo XXVI da citada Constituição apostólica Officiorum: «Todas as pessoas que tiverem obtido faculdade apostólica de ler e conservar livros proibidos, não se acham por esse mesmo fato autorizadas a ler livros ou jornais proscritos pelos Ordinários locais, salvo se no indulto apostólico se achar expressamente declarada a licença de ler e conservar livros condenados por quem quer seja».

15 IV. No entanto não basta impedir a leitura ou a venda de livros maus; cumpre, outrossim, impedir-lhes a impressão. Usem pois, os Bispos a maior severidade em conceder licença para impressão. E visto como é grande o número de livros que, segundo a Constituição Officiorum, hão mister da autorização do Ordinário, é costume em certas dioceses designar, em número conveniente, Censores, por ofício, para o exame dos manuscritos. Louvamos com efusão de ânimo essa instituição de censura; e não só exortamos, mas mandamos que se estenda a todas as dioceses. Haja, portanto, em todas as Cúrias episcopais censores para a revisão dos escritos em via de publicação. Sejam estes escolhidos no clero secular e regular, homens idosos, sábios e prudentes, que ao aprovar ou reprovar uma doutrina tomem um meio termo seguro. Terão eles o encargo de examinar tudo o que, segundo os artigos XLI e XLII da referida Constituição, precisar de licença para ser publicado. O Censor dará o seu parecer por escrito. Se for favorável, o Bispo permitirá a impressão com a palavra Imprimatur, que deverá ser precedida do Nihil obstat e do nome do Censor. Também na Cúria romana, como nas outras, serão estabelecidos Censores de Ofício. Serão estes designados pelo Mestre do Sagrado Palácio Apostólico, depois de consultar o Cardeal Vigário de Roma e obtido também o consentimento e aprovação do Sumo Pontífice. O mesmo determinará qual dos Censores deverá examinar cada escrito. A licença de impressão será concedida pelo referido Mestre juntamente com o Cardeal Vigário ou o seu Vice-gerente, antepondo-se, porém, como acima se disse, o Nihil obstat e o nome do Censor. Somente em circunstâncias extraordinárias e raríssimas, a prudente juízo do Bispo, poderá omitir-se a menção do Censor. Nunca se dará a conhecer ao autor o nome do Censor, antes que este tenha dado seu juízo favorável, afim de que o Censor não venha sofrer vexames, enquanto examinar os escritos ou depois que os tiver desaprovado. Nunca se escolham Censores entre as Ordens religiosas, sem primeiro pedir secretamente o parecer ao Superior provincial, ou, se se tratar de Roma, ao Geral; estes deverão em consciência dar atestado dos costumes, do saber, da integridade e das doutrinas do escolhido. Avisamos aos Superiores religiosos do gravíssimo dever que têm de nunca permitir que algum de seus súditos publique alguma coisa, sem a prévia autorização juntamente com a do Ordinário. Declaramos em último lugar, que o título de Censor, com que alguém for honrado, nenhuma eficácia terá nem jamais poderá ser aduzido para corroborar as suas opiniões particulares.

Ditas estas coisas em geral, particularmente mandamos a mais rigorosa observância do que se prescreve no artigo XLII da citada Constituição Officiorum, a saber: «É proibido aos sacerdotes seculares tomarem a direção de jornais ou periódicos, sem prévia autorização do Ordinário». Será privado desta licença quem, depois de ter recebido advertência, continuar a fazer mau uso dela. Como há certos sacerdotes, que, com o nome de correspondentes, ou colaboradores, escrevem nos jornais ou periódicos, artigos infectos de modernismo, tomem providências os Bispos para que tal não aconteça; e, acontecendo, advirtam-nos e proíbam-nos de escrever. Com toda a autoridade mandamos que os Superiores das Ordens religiosas façam o mesmo; e se estes se mostrarem descuidados neste ponto, façam-no os Bispos com autoridade delegada do Sumo Pontífice. Sempre que for possível tenham os jornais e periódicos publicados pelos católicos um determinado Censor. Será este obrigado à revisão de todas as folhas ou fascículos já impressos; e se encontrar alguma coisa perigosa, fará corrigi-la quanto antes. E se o Censor tiver deixado passar alguma coisa, o Bispo tem o direito de fazê-la corrigir.

16 V. Já nos referimos acima aos congressos, reuniões públicas, em que os modernistas se aplicam à pública defesa e propaganda das suas opiniões. Salvo raríssimas exceções, de ora em diante os Bispos não permitirão mais os congressos de sacerdotes. Se nalgum caso o permitirem, será sob condição de não tratarem de assuntos de competência dos Bispos ou da Santa Sé, de não fazerem propostas nem petições que envolvam usurpação de jurisdição, nem se faça menção alguma de tudo o que pareça modernismo, presbiterianismo ou laicismo. A essas reuniões que devem ser autorizadas, cada uma em particular e por escrito, e na época oportuna, não poderá comparecer sacerdote algum de outra diocese, sem as cartas de recomendação do próprio Bispo. Lembrem-se todos os sacerdotes do que por estas gravíssimas palavras, Leão XIII recomendou (Carta Enc. Nobilissima Gallorum 10/02/1884): «Seja intangível para os sacerdotes a autoridade dos próprios Bispos; persuadem-se de que se o ministério sacerdotal não se exercer debaixo da direção do Bispo, não será santo, nem proveitoso nem merecedor de respeito».

17 VI. Mas que aproveitariam, Veneráveis Irmãos, as Nossas ordens e as Nossas prescrições, se não fossem observadas como se deve com firmeza? Para o alcançarmos, pareceu-Nos bem estender a todas as dioceses o que desde muito anos os Bispos da Úmbria, com tanta sabedoria, resolveram entre si (Atas do Congresso dos Bispos de Úmbria, nov.1849, Tit. II art.6). «Para extirpar, diziam eles, os erros já espalhados e impedir que se continue a sua difusão, ou que haja mestres de impiedade que perpetuam os perniciosos efeitos produzidos por essa mesma difusão, seguindo o exemplo de São Carlos Borromeu, este sacro Congresso determina que em cada diocese se institua um conselho de homens eméritos dos dois cleros, com a incumbência de ver se, e de que modo, os novos erros se dilatam e se propagam, e dar aviso disto ao Bispo, para que de comum acordo se providencie para a extinção do mal logo que desponte e não tenha tempo de espalhar-se com detrimento das almas, nem, o que ainda seria pior, de se avigorar e crescer. Determinamos, pois, que em cada diocese se institua um semelhante Conselho, que se denominará Conselho de Vigilância. Os membros do Conselho serão escolhidos pela normas já prescritas para os Censores dos livros. Reunir-se-ão de dois em dois meses, em dia determinado, em presença do Bispo; e as coisas tratadas ou resolvidas guardem-nas os Conselheiros com segredo inviolável.

Serão estes os deveres dos membros do Conselho: investiguem com cuidado os vestígios do modernismo, tanto nos livros como no magistério, e com prudência, rapidez e eficácia providenciem quando houver mister pela preservação do clero e da mocidade. – Combatam as novidades de palavras, e lembrem-se dos avisos de Leão XIII (Instr. S.C. NN. EE. EE. 27/01/1902): «Nas publicações católicas não se poderia aprovar uma linguagem que, inspirando-se em perniciosas novidades, parecesse escarnecer da piedade dos fiéis e falasse de nova orientação da vida cristã, de novas direções da Igreja, de novas aspirações da alma moderna, de nova vocação do clero, de nova civilização cristã». Não se tolerem tais dislates nem nos livros nem nas cátedras. – Não se descuidem dos livros em que se tratar das piedosas tradições de cada lugar, ou das sagradas Relíquias. Não permitam que se ventilem tais questões em jornais ou em periódicos destinados a nutrir a piedade, nem com expressões que tenham ares de zombaria ou de desdém, nem com afirmações decisivas, particularmente, como quase sempre sucede, quando o que se afirma não passa as raias da probabilidade ou quando se baseia em opiniões e preconceitos. – Acerca das sagradas Relíquias tomem-se as seguintes normas: se os Bispos, que são os únicos juízes nesta matéria, reconhecerem com certeza que uma relíquia é falsa, sem demora a subtrairão ao culto dos fiéis. Se, por ocasião de perturbações civis ou por outro motivo, se tiverem extraviado os documentos de autenticidade de uma Relíquia qualquer, não seja exposta à veneração do povo, sem que primeiro tenha sido reconhecida pelo Bispo. Só terá valor o argumento de prescrição ou de presunção fundada, quando o culto for recomendável pela sua antigüidade, conforme o Decreto da Congregação das Indulgências e das sagradas Relíquias, do ano de 1896, expresso nestes termos: «As antigas Relíquias devem ser conservadas na veneração que tiverem até agora, salvo se em casos particulares se tiverem provas certas de que são falsas ou supositícias. – Nos juízos a emitir acerca das pias tradições, tenha-se sempre diante dos olhos a suma prudência de que usa a Igreja nesta matéria, de não permitir que essas tradições sejam relatadas nos livros sem as determinadas precauções, e com a prévia declaração prescrita por Urbano VIII; e apesar disto, ainda não se segue que a Igreja tenha o fato por verdadeiro, mas apenas não proíbe que se lhe dê crédito, uma vez que para isto não faltem argumentos humanos. Foi isto precisamente o que, há trinta anos, a Sagrada Congregação dos Ritos declarou (Decr. 2/05/1877): «Essas aparições ou revelações não foram aprovadas nem condenadas pela Santa Sé, foram apenas aceitas como merecedores de piedosa crença, com fé puramente humana, em vista da tradição de que gozam, também confirmadas por testemunhas e documentos idôneos». Quem se apegar a esta regra, nada tem que temer. Com efeito, o culto de qualquer aparição, enquanto se baseia num fato e por isto se chama relativo, inclui sempre implicitamente a condição de veracidade do fato; o absoluto, porém, sempre se funda na verdade, porquanto se dirige às mesmas pessoas dos Santos, a quem se honra. Dá-se o mesmo com as Relíquias. –Recomendamos por fim ao Conselho de Vigilância, lance assídua e cuidadosamente as suas vistas sobre os institutos sociais e bem assim sobre os escritos relativos a questões sociais, afim de que nem sequer aí se dê agasalho a livros de modernismo, mas se acatem as prescrições dos Pontífices Romanos.

18 VII. A fim de que as coisas aqui determinadas não fiquem esquecidas, queremos e mandamos que, passado um ano da publicação das presentes Letras, e em seguida, depois de cada triênio, com exposição diligente e juramentada os Bispos informem a Santa Sé a respeito do que nestas mesmas Letras se prescreve e das doutrinas que circulam no clero e particularmente nos seminários e outros Institutos católicos, não excetuando nem sequer aqueles que estão isentos da autoridade do Ordinário. Ordenamos a mesma coisa aos Superiores gerais das Ordens religiosas, com relação aos seus súditos.


Pascendi PT 7