Pastores dabo vobis PT 53


53 A formação intelectual do futuro sacerdote baseia-se e constrói-se sobretudo sobre o estudo dasacra doctrina, da teologia. O valor e a autenticidade da formação teológica dependem do respeito escrupuloso pela própria natureza da teologia, que os Padres sinodais compendiaram do seguinte modo: "A verdadeira teologia provém da fé e quer conduzir à fé" (163). É esta a concepção que a Igreja, e o seu Magistério de uma forma especial, têm constantemente proposto. É esta a linha seguida pelos grandes teólogos que, ao longo dos séculos, vêm enriquecendo o pensamento da Igreja. S.Tomás é bem explícito ao afirmar que a fé é como que o habitus da teologia, ou seja, o seu princípio operativo permanente, (164) e que toda a teologia se ordena para a alimentação da fé (165).

Portanto o teólogo é antes de mais um crente, um homem de fé. Mas é um crente e fá-lo sobre a própria fé (fides quaerens intellectum), que se interroga com o fim de atingir uma compreensão mais profunda da própria fé. Os dois aspectos, a fé e a reflexão madura, estão profundamente conexos, entrelaçados: precisamente a sua íntima coordenação e compenetração decide a verdadeira natureza da teologia, e, consequentemente decide, os conteúdos, modalidades e espírito, segundo o qual a sacra doctrina deve ser elaborada e estudada.

Porque a fé, ponto de partida e de chegada da teologia, realiza uma relação pessoal do crente com Jesus Cristo na Igreja, também a teologia possui intrínsecas conotações cristológicas e eclesiais, que o candidato ao sacerdócio deve conscientemente assumir, não só pelas implicações que dizem respeito à sua vida pessoal, mas também por aquelas que tocam o seu ministério pastoral. Se é acolhimento da Palavra de Deus, a fé gera um "sim" radical do crente a Jesus Cristo, Palavra plena e definitiva de Deus ao mundo (cf. Heb
He 1,1-2). Em consequência disto, a reflexão teológica encontra o próprio centro na adesão a Jesus Cristo, Sabedoria de Deus: a própria reflexão madura deve considerar-se uma participação no "pensamento" de Cristo (cf. 1Co 2,16), na forma humana de uma ciência (scientia fidei). Ao mesmo tempo, a fé insere o crente na Igreja e torna-o participante na vida desta, enquanto comunidade de fé. Por conseguinte, a teologia possui uma dimensão eclesial porque é uma reflexão madura sobre a fé da Igreja, realizada pelo teólogo que é membro da Igreja(166).

Estas perspectivas cristológicas e eclesiais, que são conaturais à teologia, ajudam a desenvolver nos candidatos ao sacerdócio, juntamente com o rigor científico, um grande e vivo amor a Jesus Cristo e à sua Igreja: este amor, ao mesmo tempo que nutre a sua vida espiritual, orienta-os para o generoso desempenho do seu ministério. No fim de contas, era precisamente esta a intenção do Concílio Vaticano II ao solicitar a reorganização dos estudos eclesiásticos, dispondo melhor as várias disciplinas filosóficas e teológicas e fazendo com que elas "se coordenem de forma apta e concorram de modo harmónico para que a mente dos alunos se abra ao mistério de Cristo, que atinge toda a história do género humano, continuamente penetra a vida da Igreja e se actua principalmente através do ministério sacerdotal" (167).

A formação intelectual teológica e a vida espiritual, particularmente a vida de oração, encontram-se e reforçam-se mutuamente, sem nada tirar nem à seriedade da investigação nem ao sabor espiritual da oração. S. Boaventura adverte-nos: "Ninguém pense que lhe baste a leitura sem a unção, a especulação sem a devoção, a busca sem o assombro, a observação sem a exultação, a actividade sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça divina, a investigação sem a sabedoria da inspiração divina" (168).

(163) Propositio 26.
(164) « Fides quae est quasi habitus theologiae »: In lib. Boetii de Trinitate V, 4 ad 8.
(165) Cf. S. Tomás, In Sentent., Prolog., q. 1, a. 1-5.
(166) Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Instrução sobre a Vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 11; 40: AAS 82 (1990) 1554-1555; 1568-1569.
(167) Decr. sobre a Formação sacerdotal Optatam totius, OT 14.
(168) Itinerarium mentis in Deum, Prol. n. 4: Opera omnia, tomus V, (Ad Claras Aquas 1891), 296.



54 A formação teológica é uma obra complexa e, por isso, exigente. Ela deve levar o candidato ao sacerdócio a possuir uma visão das verdades reveladas por Deus em Jesus Cristo e da experiência de fé da Igreja que seja completa e unitária: daqui a dúplice exigência de conhecer "todas" as verdades cristãs, sem fazer opções arbitrárias e de as conhecer de modo orgânico. Isto requer que o aluno seja ajudado a realizar uma síntese que constitua o fruto dos dados fornecidos por todas as disciplinas teológicas, cuja especificidade adquire um autêntico valor apenas na sua profunda coordenação.

Na sua reflexão amadurecida sobre a fé, a teologia move-se em duas direcções. A primeira é a do estudo da Palavra de Deus: a palavra escrita nos Livros Santos, celebrada e vivida pela Tradição viva da Igreja,e interpretada com autoridade pelo seu Magistério. Daqui o estudo da Sagrada Escritura, "que deve ser como que a alma de toda a teologia" (169), o estudo dos Padres da Igreja e da Liturgia, da História da Igreja e da doutrina do Magistério. A segunda direcção é a do homem, interlocutor de Deus: o homem chamado a "crer", a "viver", a "comunicar" aos outros a fides e oethos cristão. Daqui o estudo da dogmática, da teologia moral, da teologia espiritual, do direito canónico e da teologia pastoral.

A referência ao homem crente leva a teologia a ter uma particular atenção, por um lado, à instância permanente e fundamental da relação fé-razão, por outro, a algumas exigências mais ligadas com a situação social e cultural de hoje. No primeiro caso, está o estudo da teologia fundamental, que tem por objecto o facto da revelação cristã e a sua transmissão na Igreja. No segundo, temos as disciplinas que conheceram e conhecem um mais decidido desenvolvimento como resposta a problemas hoje sentidos mais fortemente. Assim o estudo da doutrina social da Igreja, que "pertence ao campo da teologia, e especialmente da teologia moral" (170), e que é de ter em conta entre as "componentes essenciais" da "nova evangelização", de que constitui um instrumento (171). Da mesma forma, o estudo da missão e do ecumenismo, do judaísmo, do islamismo e das outras religiões não cristãs.

(169) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a Formação sacerdotal Optatam totius,
OT 16.
(170) Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987) SRS 41: AAS 80 (1988) 571.
(171) Cf. Carta Enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991) CA 54: AAS 83 (1991), 859-860.



55 A formação teológica actual deve prestar atenção a alguns problemas que muitas vezes levantam dificuldades, tensões, confusões no interior da vida da Igreja. Pense-se no relacionamento entre as tomadas de posição do Magistério e as discussões teológicas, que nem sempre se processa como deveria ser, ou seja, sob o signo da colaboração. Certamente, "o Magistério vivo da Igreja e a teologia, mesmo tendo dons e funções diferentes, têm em última análise o mesmo fim: conservar o Povo de Deus na verdade que liberta fazendo dele, assim, «luz das nações». Este serviço à comunidade eclesial põe em relação recíproca o teólogo com o Magistério. Este último ensina autenticamente a doutrina dos apóstolos, e beneficiando do trabalho teológico, refuta as objecções e as deformações da fé, propondo, além disso, com a autoridade recebida de Jesus Cristo, novos aprofundamentos, explicitações e aplicações da doutrina revelada. A teologia, por sua vez, adquire de modo reflexivo, uma compreensão sempre mais profunda da Palavra de Deus, contida na Sagrada Escritura e transmitida fielmente pela Tradição viva da Igreja sob a orientação do Magistério, procura esclarecer o ensinamento da Revelação diante das solicitações da razão, e lhes confere, enfim, uma forma orgânica e sistemática" (172). Porém, no momento em que, por uma série de motivos, esta colaboração esmorece, é preciso não se deixar levar por equívocos ou confusões, sabendo distinguir cuidadosamente "entre a doutrina comum da Igreja e as opiniões dos teólogos ou as tendências que depressa passam (as chamadas 'modas')" (173). Não existe um magistério "paralelo", porque o único Magistério é o de Pedro e dos apóstolos, do Papa e dos Bispos (174).

Outro problema, sentido sobretudo onde os estudos seminarísticos são confiados a instituições académicas, diz respeito à relação entre o rigor científico da teologia e o seu objectivo pastoral, e, por conseguinte, à natureza pastoral da teologia. Trata-se, na realidade, de duas características da teologia e do seu ensino, não se opõem entre si, antes concorrem ambas, ainda que em perspectivas diversas, para uma "inteligência da fé" mais completa. Efectivamente a pastoralidade da teologia não significa uma teologia menos doutrinal, ou inclusivamente destituída da sua cientificidade; significa antes que essa teologia habilita os futuros sacerdotes a anunciar a mensagem evangélica através dos modos culturais do seu tempo e a considerar a acção pastoral segundo uma autêntica visão teológica. E assim, por um lado, um estudo respeitador da cientificidade rigorosa de cada uma das disciplinas teológicas contribuirá para uma mais completa e profunda formação do pastor de almas como mestre da fé; por outro, a adequada sensibilidade ao objectivo pastoral tornará verdadeiramente formativo para os futuros sacerdotes o estudo sério e científico da teologia.

Um ulterior problema é posto pela exigência, hoje fortemente sentida, da evangelização das culturas e da inculturação da mensagem da fé. Este é um problema eminentemente pastoral, que deve entrar com maior amplitude e sensibilidade na formação dos candidatos ao sacerdócio: "Nas actuais circunstâncias em que, em várias regiões do mundo, a religião cristã é considerada como algo de estranho às culturas quer antigas quer modernas, é de grande importância que em toda a formação intelectual e humana se considere como necessária e essencial a dimensão da inculturação"(175). Mas isto exige primariamente que se tenha uma teologia autêntica, inspirada nos princípios católicos sobre a inculturação. Estes princípios estão ligados ao mistério da incarnação do Verbo de Deus e à antropologia cristã e iluminam o sentido autêntico da inculturação: esta, diante das mais diversas e por vezes contrastantes culturas presentes nas várias partes do mundo, pretende ser uma obediência ao mandato de Cristo de pregar o Evangelho a todas as gentes até aos extremos confins da terra. Uma tal obediência não significa sincretismo nem simples adaptação do anúncio evangélico, mas que o Evangelho penetra vitalmente nas culturas, se incarna nelas, superando os elementos culturais das mesmas que são incompatíveis com a fé e a vida cristã, e elevando os seus valores ao mistério da salvação que provém de Cristo (176). O problema da inculturação pode ter um interesse específico quando os próprios candidatos ao sacerdócio provêem de culturas autóctones: terão necessidade, então, de caminhos adequados de formação, seja para superarem o perigo de ser menos exigentes e de desenvolver uma educação mais superficial dos valores humanos, cristãos e sacerdotais, seja para valorizarem os elementos bons e autênticos das suas culturas e tradições (177).

(172) Congr. para a Doutrina da Fé, Instrução sobre a Vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 21: l. c., 1559.
(173) Propositio 26.
(174) Assim escrevia, por exemplo, S. Tomás de Aquino: « É necessário atermo-nos mais à autoridade da Igreja que à de Agostinho ou de Jerónimo ou de qualquer outro Doutor » (S. Th.,
II-II 10,12). E ainda, que ninguém pode defender-se com a autoridade de Jerónimo ou de Agostinho ou de qualquer outro Doutor, contra a autoridade de Pedro. Cf. Ibid. II-II 11,2, ad 3.
(175) Propositio 32.
(176) Cf. Carta Enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 67: 1. c. 52-54.
(177) Cf. Propositio 32.



56 Seguindo os ensinamentos e orientações do Concílio Vaticano II e as indicações aplicativas daRatio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, determinou-se na Igreja uma vasta actualização do ensino das disciplinas filosóficas e sobretudo teológicas nos seminários. Apesar de ainda carecida em alguns casos de posteriores correcções e desenvolvimentos, essa actualização contribuiu no seu conjunto para valorizar cada vez mais a proposta educativa, no âmbito da formação intelectual. A este respeito, "os Padres sinodais afirmaram novamente com frequência e clareza a necessidade, melhor, a urgência de que seja aplicado nos seminários e nas casas de formação o Plano fundamental de Estudos, tanto o universal, como o de cada Nação ou Conferência Episcopal" (178).

é necessário contrariar decididamente a tendência a reduzir a seriedade e exigência dos estudos, que se manifesta em alguns contextos eclesiais, como consequência já de uma preparação de base insuficiente e lacunosa dos alunos que iniciam o currículo filosófico e teológico. É a própria situação contemporânea a exigir que os mestres estejam cada vez mais à altura da complexidade dos tempos e em condições de afrontar com competência, clareza e profundidade de argumentação as carências de sentido dos homens de hoje, às quais apenas o Evangelho de Jesus Cristo dá resposta cabal.

(178) Propositio 27.


A formação pastoral: comungar da caridade de Cristo Bom Pastor

57 Toda a formação dos candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da caridade de Cristo, Bom Pastor. Portanto, nos seus diversos aspectos, esta formação deve ter um carácter essencialmente pastoral. Afirma-o claramente o decreto conciliar Optatam totius, relativamente aos seminários maiores: "a educação dos alunos deve tender para o objectivo de formar verdadeiros pastores de almas segundo o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo mestre, sacerdote e pastor.Por isso os aqueles sejam preparados: para o ministério da Palavra, para que a Palavra de Deus revelada seja por eles cada vez melhor entendida, apropriem-se dela pela meditação, e saibam comunicá-la por palavras e com a vida; para o ministério do culto e da santificação, para que pregando e celebrando as acções litúrgicas saibam exercitar a obra da salvação por meio do sacrifício eucarístico e dos sacramentos; para o ministério de pastores, para que saibam apresentar aos homens Cristo que 'não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos' (Mc 10,45 cf. Jn 13,12-17) e para ganhar a muitos, fazendo-se servo de todos (cf. 1Co 9,19). (179)

O texto conciliar insiste na profunda coordenação existente entre os diversos aspectos da formação humana, espiritual e intelectual, e, ao mesmo tempo, na sua específica finalidade pastoral. Nessa linha de idéias, o objectivo pastoral assegura à formação humana, espiritual e intelectual determinados conteúdos e características específicas, da mesma forma que unifica e caracteriza a inteira formação dos futuros sacerdotes.

Como qualquer outra formação, também a formação pastoral se desenvolve através da reflexão madura e da aplicação operativa, e aprofunda as suas raízes vivas num espírito que constitui o fulcro e a força de impulso e de desenvolvimento de tudo.

Exige-se, portanto, o estudo de uma verdadeira e autêntica disciplina teológica: a teologia pastoral ou prática, que é uma reflexão científica sobre a Igreja no seu edificar-se quotidiano, com a força do Espírito, dentro da história; sobre a Igreja, portanto, como "sacramento universal da salvação" (180), como sinal e instrumento vivo da salvação de Jesus Cristo na Palavra, nos Sacramentos e no serviço da Caridade. A pastoral não é apenas uma arte nem um complexo de exortações, de experiências ou de métodos; possui uma plena dignidade teológica, porque recebe da fé os princípios e critérios de acção pastoral da Igreja na história, de uma Igreja que se "gera" em cada dia a si mesma, segundo a expressão feliz de S. Beda o Venerável: "Nam et ecclesia quotidie gignit ecclesiam" (181). Entre estes princípios e critérios, se encontra aquele particularmente importante do discernimento evangélico das situações sócio-culturais e eclesiais, no seio das quais se desenrola a acção pastoral.

O estudo da teologia pastoral deve iluminar a aplicação operativa, mediante a dedicação a alguns serviços pastorais que os candidatos ao sacerdócio, com a necessária gradualidade e sempre de harmonia com os outros compromissos formativos, devem exercer: trata-se de «experiências» pastorais que podem confluír num verdadeiro e autêntico "tirocínio pastoral" que se pode prolongar por algum tempo e exige ser observado de maneira metódica.

Mas o estudo e a actividade pastoral remetem para uma fonte interior que a formação terá o cuidado de defender e valorizar: é a comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus, a qual, como constituiu o princípio e a força do seu agir salvífico, assim, graças à efusão do Espírito Santo no sacramento da Ordem, deve constituir o princípio e a força do ministério do presbítero. Trata-se efectivamente de uma formação destinada não apenas a assegurar uma competência pastoral científica e uma habilitação operativa, mas sobretudo a garantir o crescimento de um modo de ser em comunhão com os mesmos sentimentos e comportamentos de Cristo, Bom Pastor: "Tende entre vós os mesmos sentimentos que existiram em Jesus Cristo" (Ph 2,5).

(179) Decr. sobre a Formação sacerdotal Optatam totius, OT 4.
(180) Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, LG 48.
(181) Explanatio Apocalypsis, lib. II, 12: PL 93, 166.



58 Assim compreendida, a formação pastoral não pode certamente reduzir-se a uma simples aprendizagem, orientada para a familiarização com qualquer técnica pastoral. A proposta educativa do seminário se encarrega de uma verdadeira e autêntica iniciação à sensibilidade de pastor, à assunção consciente e amadurecida das suas responsabilidades, ao hábito interior de avaliar os problemas e de estabelecer as prioridades e meios de solução, sempre na base de claras motivações de fé e segundo as exigências teológicas da própria pastoral.

Através da experiência inicial e gradual no ministério, os futuros sacerdotes poderão ser inseridos na viva tradição pastoral da sua Igreja particular, aprenderão a abrir o horizonte da sua mente e do seu coração à dimensão missionária da vida eclesial, exercitar-se-ão em algumas formas primeiras de colaboração entre eles mesmos e com os presbíteros, para junto dos quais serão enviados. A estes últimos cabe, em união com a proposta do seminário, uma responsabilidade educativa pastoral de muita importância.

Na escolha dos lugares e serviços adaptados ao exercício pastoral, deve reservar-se uma especial atenção à paróquia (182), célula vital das experiências pastorais sectoriais e especializadas, na qual virão a encontrar-se de fronte aos problemas particulares do seu futuro ministério. Os Padres sinodais ofereceram uma série de exemplos concretos, como as visitas aos doentes; o cuidado pelos emigrados, exilados, nómadas; o zelo da caridade que se traduz em diversas obras sociais. Particularmente escrevem: "é necessário que o presbítero seja testemunha da caridade do próprio Cristo que 'passou a vida fazendo o bem' (
Ac 10,38); ele deve também ser o sinal visível da solicitude da Igreja que é Mãe e Mestra. E dado que hoje o homem é ferido por tantas desgraças, especialmente as pessoas vítimas de pobreza desumana, violência cega e poder abusivo, é preciso que o homem de Deus, bem preparado para toda a espécie de boas obras (cf. 2Tm 3,17), reivindique os direitos e a dignidade do homem. Tenha cuidado, porém, em não aderir a falsas ideologias, nem esquecer, ao pretender promover a perfeição, que o mundo é redimido apenas pela cruz de Cristo" (183).

O conjunto destas e de outras actividades pastorais educa o futuro sacerdote para viver como "serviço" a sua própria missão de "autoridade" na comunidade, afastando-se de qualquer atitude de superioridade ou de exercício de um poder que não seja sempre e só justificado pela caridade pastoral.

Para uma adequada formação é preciso que as diversas experiências dos candidatos ao sacerdócio assumam um claro carácter "ministerial", ficando intimamente relacionadas com todas as exigências próprias da preparação ao presbiterado (não certamente em prejuízo do estudo), e com referência ao serviço do anúncio da Palavra, do culto e da presidência. Estes serviços podem tornar-se a tradução concreta dos ministérios do Leitorado e Acolitado, e do Diaconado.

(182) Cf. Propositio 28.
(183) Ibid.



59 Dado que a acção pastoral se destina por sua natureza a animar a Igreja que é essencialmente "mistério", "comunhão" e missão, a formação pastoral deverá conhecer e viver estas dimensões eclesiais no exercício do ministério.

Revela-se fundamental a consciência de que a Igreja é "mistério", obra divina, fruto do Espírito de Cristo, sinal eficaz da graça, presença da Trindade na comunidade cristã: uma tal consciência, longe de atenuar o sentido de responsabilidade próprio do pastor, torna-lo-á ainda mais convicto de que o crescimento da Igreja é obra gratuita do Espírito e que o seu serviço - confiado pela graça divina à livre responsabilidade humana - é o serviço evangélico do "servo inútil" (cf. Lc
Lc 17,10).

A seguir, a consciência da Igreja como "comunhão" preparará o candidato ao sacerdócio para realizar uma pastoral comunitária, em cordial colaboração com os diversos sujeitos eclesiais: sacerdotes e Bispo, sacerdotes diocesanos e religiosos, sacerdotes e leigos. Mas uma tal colaboração supõe a consciência e a estima dos diversos dons e carismas, das várias vocações e responsabilidades que o Espírito oferece e confia aos membros do Corpo de Cristo; exige um sentido vivo e preciso da própria identidade e da dos outros na Igreja; requer muita confiança, paciência, doçura, capacidade de compreensão e de espera; enraíza-se sobretudo num amor à Igreja maior que o amor a si próprio ou aos grupos a que se pertence. Particularmente importante é preparar os futuros sacerdotes para a colaboração com os leigos. "Estejam prontos - diz o Concílio - a escutar o parecer dos leigos, considerando com interesse fraterno as suas aspirações e aproveitando a sua experiência e competência nos diversos campos da actividade humana, de modo a poder juntamente com eles reconhecer os sinais dos tempos" (184). Também este Sínodo insistiu na solicitude pastoral pelos leigos: "é preciso que o aluno seja capaz de propor e de introduzir os leigos, nomeadamente os jovens, nas diferentes vocações (ao matrimónio, aos serviços sociais, ao apostolado, aos ministérios e responsabilidades da actividade pastoral, à vida consagrada, à condução da vida política e social, à pesquisa científica, ao ensino). Sobretudo é necessário ensinar e ajudar os leigos na sua vocação de permear e transformar o mundo com a luz do Evangelho, reconhecendo e respeitando a sua função" (185).

Finalmente, a consciência da Igreja como "comunhão" missionária ajudará o candidato ao sacerdócio a amar e viver a essencial dimensão missionária da Igreja e das diversas actividades pastorais; a estar aberto e disponível para todas as possibilidades hoje oferecidas ao anúncio do Evangelho, sem esquecer o precioso serviço que para tal pode e deve ser prestado pelos meios de comunicação social (186); a preparar-se para um ministério que lhe pode solicitar a concreta disponibilidade ao Espírito Santo e ao Bispo para ser mandado a pregar o Evangelho para além dos confins da sua terra (187).

(184) Decr. sobre o Ministério e a Vida dos Sacerdotes Presbyterorum ordinis, PO 9; cf. João Paulo II, Exort. Ap. Christifideles laici, (30 de Dezembro de 1988), CL 61: 1. c., 512-514.
(185) Propositio 28.
(186) Cf. Ibid.
(187) Cf. Carta Enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), RMi 67: 1. c., 67-68.


II. OS AMBIENTES DA FORMAÇÃO SACERDOTAL


A comunidade formativa do Seminário Maior

60 A necessidade do Seminário Maior - e da análoga Casa Religiosa - para a formação dos candidatos ao sacerdócio, defendida com autoridade pelo Concílio Vaticano II (188), foi reafirmada pelo Sínodo com estas palavras: "A instituição do Seminário Maior como lugar ideal de formação deve certamente confirmar-se como espaço normal, mesmo material, de uma vida comunitária e hierárquica, mais, como casa própria para a formação dos candidatos ao sacerdócio, com superiores verdadeiramente consagrados a este servício. Esta instituição deu muitíssimos frutos ao longo dos séculos e continua a dá-los em todo o mundo" (189).

O Seminário apresenta-se como um tempo e um espaço; mas configura-se sobretudo como uma comunidade educativa em caminhada: é a comunidade promovida pelo Bispo para oferecer, a quem é chamado pelo Senhor a servir como os apóstolos, a possibilidade de reviver a experiência formativa que o Senhor reservou aos Doze. Na realidade, uma prolongada e íntima permanência de vida com Jesus é apresentada no Evangelho como premissa necessária para o ministério apostólico. Esta permanência requer dos Doze a realização, de modo particularmente claro e específico, da separação, em certa medida proposta a todos os discípulos, do ambiente de origem, do trabalho habitual, dos afectos, até dos mais queridos (cf.
Mc 1,16-20 Mc 10,28 Lc 9,23 Lc 9,57-62 Lc 14,25-27). Já mais de uma vez apresentámos a tradição de Marcos que sublinha a ligação profunda que une os apóstolos a Cristo, e entre si: antes de serem enviados a pregar e a fazer curas, são chamados a "estar com Ele" (Mc 3,14).

A identidade profunda do Seminário é a de ser, a seu modo, uma continuação na Igreja da mesma comunidade apostólica reunida à volta de Jesus, escutando a sua palavra, caminhando para a experiência da Páscoa, esperando o dom do Espírito para a missão. Esta identidade constitui o ideal normativo que estimula o seminário, nas mais diversas formas e nas múltiplas vicissitudes que, enquanto instituição humana, vive na história, a que encontre uma concreta realização, fiel aos valores evangélicos em que se inspira e capaz de responder às situações e necessidades dos tempos.

O seminário é, em si mesmo, uma experiência original da vida da Igreja: nele o Bispo torna-se presente por meio do ministério do reitor e do serviço de corresponsabilidade por ele animado com os outros educadores, em ordem a um crescimento pastoral e apostólico dos alunos. Os vários membros da comunidade do Seminário, reunidos pelo Espírito numa única fraternidade, colaboram, cada qual segundo os dons de que dispõe, para o crescimento de todos na fé e na caridade a fim de se preparem adequadamente para o sacerdócio, e por conseguinte, prolongarem na Igreja e na história a presença salvífica de Jesus Cristo, o Bom Pastor.

Já na sua vertente humana, o Seminário Maior deve tender a tornar-se uma "comunidade impregnada de uma profunda amizade e caridade de modo a poder ser considerada uma verdadeira família, que vive na alegria" (190). Na sua face cristã, o Seminário deve configurar-se - dizem os Padres sinodais - como "comunidade eclesial",como "comunidade dos discípulos do Senhor, na qual se celebra uma mesma Liturgia (que permeia a vida de espírito de oração), formada dia a dia na leitura e na meditação da Palavra de Deus, no sacramento da Eucaristia, e no exercício da justiça e da caridade fraterna; uma comunidade onde, no progresso da vida comunitária e na vida de cada membro, resplandece o Espírito de Cristo e o amor para com a Igreja" (191). Como confirmação e desenvolvimento concreto da essencial dimensão eclesial do Seminário, acrescentam os Padres sinodais: "Enquanto comunidade eclesial, seja diocesana, seja interdiocesana, seja mesmo religiosa, o Seminário alimente o sentido da união dos candidatos com o seu Bispo e Presbitério, de modo que participem das suas esperanças, das suas angústias, e saibam estender esta abertura às necessidades da Igreja universal" (192).

é essencial para a formação dos candidatos ao sacerdócio e ao ministério pastoral, o qual por sua natureza é eclesial, que o seminário seja sentido não de um modo exterior e superficial, quer dizer, como simples lugar de habitação e de estudo, mas de um modo interior e profundo: como comunidade, uma comunidade especificamente eclesial, uma comunidade que revive a experiência do grupo dos Doze unidos a Jesus (193).

(188) Cf. Decr. sobre a Formação sacerdotal Optatam totius, OT 4.
(189) Propositio 20.
190) Ibid.
(191) Ibid.
(192) Ibid.
(193) Discurso aos alunos e ex-alunos do Almo Colégio Caprânica (21 de Janeiro de 1983):Insegnamenti, VI/1 (1983) 173-178.



61 O Seminário é, pois, uma comunidade eclesial educativa, mais, uma particular comunidade educante. E é o fim específico a determinar-lhe a fisionomia, ou seja, o acompanhamento vocacional dos futuros sacerdotes, e portanto o discernimento da sua vocação, a ajuda para lhe corresponder e a preparação para receber o sacramento da Ordem com as graças e as responsabilidades próprias, pelas quais o sacerdote é configurado a Jesus Cristo Cabeça e Pastor e é habilitado e comprometido a partilhar a Sua missão de salvação na Igreja e no mundo.

Enquanto comunidade educante, a inteira vida do seminário, nas suas mais diversas expressões, está empenhada na formação humana, espiritual, intelectual e pastoral dos futuros presbíteros: trata-se de uma formação que, embora assuma tantos aspectos comuns à formação humana e cristã de todos os membros da Igreja, apresenta conteúdos, modalidades e características que decorrem especificamente do seu fim principal, que é o de preparar para o sacerdócio.

Ora os conteúdos e as formas da obra educativa exigem que o seminário tenha uma precisaprogramação, isto é, um programa de vida que se caracterize seja pela sua organicidade-unidade, seja pela sua sintonia ou correspondência com o único fim que justifica a existência do Seminário: a preparação dos futuros presbíteros.

Neste sentido, os Padres sinodais escrevem: "Enquanto comunidade educativa, (o Seminário) deve obedecer a um programa claramente definido que, como nota característica, tenha a unidade de direcção manifestada pela figura do Reitor e dos colaboradores, na coerência do regulamento de vida, da actividade formativa e das exigências fundamentais da vida comunitária, a qual comporta também os aspectos essenciais da tarefa formativa. Este programa deve estar clara e decididamente ao serviço da única finalidade específica que justifica a existência do Seminário, a saber, a formação dos futuros presbíteros, pastores da Igreja" (194). E para que a programação seja verdadeiramente adequada e eficaz, é necessário que as grandes linhas programáticas se concretizem mais detalhadamente, mediante algumas regras particulares, destinadas a ordenar a vida comunitária, estabelecendo alguns instrumentos e ritmos temporais precisos.

Um outro aspecto é de sublinhar aqui: a obra educativa, por natureza, é o acompanhamento de pessoas históricas, concretas que caminham para a escolha e adesão a determinados ideais de vida. Precisamente por isso, a obra educativa deve saber harmonicamente conciliar a proposta clara da meta a atingir, a exigência de caminhar com seriedade em direcção a essa meta, a atenção ao "caminhante", ou seja, ao sujeito concreto empenhado nesta aventura, e depois a uma série de situações, de problemas e de dificuldades, de ritmos diversificados de caminho e de crescimento. Isto exige uma sapiente elasticidade, que não significa, de facto, transigência sobre os valores nem sobre o empenhamento consciente e livre, mas amor verdadeiro e respeito sincero por quem, nas suas condições pessoais, está caminhando para o sacerdócio. Isto vale não só relativamente à pessoa singular, mas também relativamente aos diversos contextos sociais e culturais onde se encontram os seminários e à diferente história que tem cada um deles. Neste sentido, a tarefa educativa exige uma contínua renovação. Isto mesmo foi salientado pelos Padres, relativamente à configuração dos seminários: "ressalvada a validade das formas clássicas de Seminário, o Sínodo deseja que o trabalho de consulta das Conferências Episcopais sobre as necessidades actuais da formação prossiga como se estabeleceu no Decreto Optatam totius nº 1, e no Sínodo de 1967. Revejam-se oportunamente as Rationes de cada nação ou rito, seja por ocasião das consultas das Conferências Episcopais, seja nas visitas apostólicas aos seminários das diversas nações, para nelas integrar diversas formas de formação aprovadas que devem responder às necessidades dos povos de cultura chamada indígena, das vocações de homens adultos, vocações para as missões, etc" (195).

(194) Propositio 20.
(195) Ibid.



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