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62 A finalidade e a configuração educativa do Seminário Maior exige que os candidatos ao sacerdócio entrem aí já com alguma preparação prévia. Tal preparação não colocava problemas particulares, pelo menos até alguns decénios atrás, no tempo em que os candidatos ao sacerdócio provinham habitualmente dos seminários menores e a vida cristã das comunidades oferecia facilmente a todos, indistintamente, uma discreta instrução e educação cristã.

A situação, em muitas partes, está alterada. Verifica-se uma forte discrepância entre o estilo de vida e a preparação de base das crianças, dos adolescentes e jovens, mesmo que cristãos e por vezes comprometidos na vida da Igreja, por um lado, e, por outro, o estilo de vida do seminário e as suas exigências formativas. Neste contexto e em comunhão com os Padres sinodais, peço que haja um período adequado de preparação que preceda a formação do Seminário. "é útil que haja um período de preparação humana, cristã, intelectual e espiritual para os candidatos ao Seminário Maior. Estes candidatos devem, porém, apresentar algumas qualidades determinadas: recta intenção, um grau suficiente de maturidade humana, um conhecimento bastante amplo da doutrina da fé, alguma introdução aos métodos de oração, e costumes conformes à tradição cristã. Possuam também atitudes próprias da sua região, pelas quais é expresso o esforço de encontrar Deus e a fé (cf. Evangelii nuntiandi
EN 48)" (196).

"Um conhecimento bastante amplo da doutrina da fé", de que falam os Padres sinodais, é a primeira exigência da teologia: não se pode desenvolver uma "intelligentia fidei", se não se conhece a "fides" no seu conteúdo. Tal lacuna poderá ser facilmente colmada pelo próximo Catecismo Universal.

Embora se vá tornando comum a convicção da necessidade dessa preparação prévia ao Seminário Maior, verifica-se todavia uma diferente avaliação dos seus conteúdos e das suas características, ou seja, do fim preponderante, se de formação espiritual para o discernimento vocacional, se de formação intelectual e cultural. Por outro lado, não se podem esquecer as muitas e profundas diferenças que existem tanto relativamente à pessoa dos candidatos, como às diversas regiões e países. Isto sugere ainda uma fase de estudo e experimentação, para que se possam definir, de modo mais oportuno e significativo, os diversos elementos desta preparação prévia ou "período propedêutico": o tempo, o lugar, a forma, os temas deste período que, além do mais, se deve coordenar com os anos seguintes da formação no Seminário.

Neste sentido, assumo e reproponho ao Dicastério competente o pedido formulado pelos Padres sinodais: "O Sínodo pede que a Congregação para a Educação Católica recolha todas as informações sobre experiências iniciais feitas ou que se estejam fazendo. Em tempo oportuno, a Congregação comunique às Conferências Episcopais as informações sobre este argumento" (197).

(196) Propositio 19.
(197) Ibid.


O Seminário Menor e as outras formas de acompanhamento vocacional

63 Como atesta uma larga experiência, a vocação sacerdotal tem muitas vezes o seu primeiro momento de manifestação, nos anos da pré-adolescência ou nos primeiríssimos anos da juventude. E até em pessoas que chegam a decidir a entrada no Seminário mais adiante no tempo, não é raro constatar a presença da chamada de Deus em períodos muito anteriores. A história da Igreja é um testemunho contínuo de chamadas que o Senhor dirige mesmo em tenra idade. São Tomás, por exemplo, explica a predilecção de Jesus pelo apóstolo João "pela sua tenra idade", tirando daí a seguinte conclusão: "isto nos faz compreender como Deus ame de modo especial aqueles que se entregam ao seu serviço já desde a juventude" (198).

A Igreja toma ao seu cuidado estes germes de vocação, semeados no coração dos pequenos, proporcionando-lhes, através da instituição dos Seminários Menores, um solícito, ainda que inicial, discernimento e acompanhamento. Em várias partes do mundo, estes Seminários continuam a desenvolver uma preciosa obra educativa, destinada a proteger e fazer desabrochar os germes da vocação sacerdotal, a fim de que os alunos a possam mais facilmente reconhecer e se tornem capazes de lhe corresponder. A sua proposta educativa tende a favorecer, de modo tempestivo e gradual, aquela formação humana, cultural e espiritual que conduzirá o jovem a empreender o caminho para o Seminário Maior com uma base adequada e sólida.

"Preparar-se para seguir Cristo Redentor com ânimo generoso e coração puro": é este o objectivo do Seminário Menor indicado pelo Concílio, no Decreto Optatam totius, que traça desta forma o seu perfil educativo: os alunos "sob a orientação paterna dos superiores, com a colaboração oportuna dos pais, levem uma vida plenamente conforme à idade, espírito e evolução dos adolescentes, segundo as normas da sã psicologia, sem omitir a conveniente experiência das coisas humanas e o contacto com a própria família" (199).

O Seminário Menor poderá ser, na Diocese, também um ponto de referência da pastoral vocacional, com oportunas formas de acolhimento e oferta de ocasiões informativas para aqueles adolescentes que estão à descoberta da vocação ou que, já determinados a segui-la, se vêem obrigados a adiar a entrada no Seminário por diferentes circunstâncias, familiares ou escolares.

(198) In Iohannem Evangelistam Expositio, c. 21, lect. V, 2.
(199) Decr. sobre a Formação sacerdotal Optatam totius,
OT 3.



64 Onde o Seminário Menor - que "em muitas regiões parece necessário e muito útil" - não encontre possibilidades de concretização, é necessário providenciar a constituição de outras "instituições"(200), como poderiam ser os grupos vocacionais para adolescentes e jovens. Embora não sendo de natureza permanente, tais grupos poderão proporcionar, num contexto comunitário, uma orientação sistemática para a descoberta e crescimento vocacional. Mesmo vivendo em família e frequentando a comunidade cristã, que os ajuda no seu itinerário formativo, estes adolescentes e jovens não deverão ser deixados sós. Eles têm necessidade de um grupo particular ou uma comunidade que lhes ofereça um ponto de referência para de realizarem o itinerário vocacional que o dom do Espírito Santo neles iniciou.

Como sempre aconteceu na história da Igreja, e com algumas características de reconfortante novidade e frequência nas circunstâncias actuais, deveremos registar o fenómeno das vocações sacerdotais que se verificam em idade adulta, já depois de uma longa experiência de vida laical e de empenhamento profissional. Nem sempre é possível, e muitas vezes nem sequer é conveniente, convidar os adultos a seguir o itinerário educativo do Seminário Maior. Deve-se antes providenciar, depois de um cuidadoso discernimento acerca da autenticidade de tais vocações, no sentido de programar uma forma específica de acompanhamento formativo que consiga assegurar, por meio de oportunas adaptações, a necessária formação espiritual e intelectual (201). Um recto relacionamento com os outros candidatos ao sacerdócio e períodos de presença na comunidade do Seminário Maior poderão garantir a plena integração destas vocações no único presbitério, e a sua íntima e cordial comunhão com ele.

(200) Cf. Propositio 17.
(201) Cf. Congr. para a Educação Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (6 de Janeiro de 1970), 19 l.c., 342.



III. OS PROTAGONISTAS DA FORMAÇÃO SACERDOTAL


A Igreja e o Bispo

65 Uma vez que a formação dos candidatos ao sacerdócio pertence à pastoral vocacional da Igreja, deve dizer-se que é a Igreja, enquanto tal, o sujeito comunitário que tem a graça e a responsabilidade de acompanhar todos aqueles que o Senhor chama a ser seus ministros no sacerdócio.

Precisamente neste sentido, a leitura do mistério da Igreja ajuda-nos a precisar melhor o lugar e a função que os seus diversos membros, seja individualmente seja como membros do corpo, têm na formação do candidato ao presbiterado.

A Igreja é, por sua íntima natureza, a "memória", o "sacramento" da presença e da acção de Jesus Cristo no meio de nós e por nós. É à sua presença salvífica que se deve a chamada ao sacerdócio: não só a chamada, mas também o acompanhamento para que o vocacionado possa reconhecer a graça do Senhor e possa dar-lhe uma resposta com liberdade e amor. É o Espírito de Jesus que ilumina e dá força no discernimento do caminho vocacional. Não existe uma autêntica obra formativa para o sacerdócio sem o influxo do Espírito de Cristo. Cada formador humano deve estar plenamente consciente disso. Como não ver um "recurso" totalmente gratuito e radicalmente eficaz, que tem o seu "peso" decisivo no empenhamento formativo em ordem ao sacerdócio? E como não alegrar-se perante a dignidade de todo o formador humano, que, em certo sentido, se configura como representante visível de Cristo para o candidato ao sacerdócio? Se a formação para o sacerdócio é essencialmente a preparação do futuro "pastor" à imagem de Jesus Cristo Bom Pastor, quem melhor que o próprio Cristo, mediante a efusão do seu Espírito, pode conceder e levar ao amadurecimento aquela mesma caridade pastoral que Ele viveu até ao dom total de Si (cf.
Jn 15,13 Jn 10,11) e quer que seja revivida por todos os presbíteros?

O primeiro representante de Cristo na formação dos sacerdotes é o Bispo. Poder-se-ia dizer do Bispo, de cada bispo, quanto nos diz o evangelista Marcos no texto, já várias vezes citado: "Chamou a Si aqueles que quis e eles foram ter com Ele. Constituiu Doze de entre eles que estivessem com Ele, e também para os enviar" (Mc 3,13-14). Na realidade, a chamada interior do Espírito precisa de ser reconhecida como autêntico chamamento pelo Bispo. Se todos podem "ir ter" com o Bispo enquanto Pastor e Pai de todos, podem fazê-lo de uma forma particular os seus presbíteros pela comum participação do mesmo sacerdócio e ministério: o Bispo, diz o Concílio, deve considerá-los e tratá-los como "irmãos e amigos" (202). O mesmo se pode dizer analogamente de quantos se preparam para o sacerdócio. A propósito do "estar com ele", com o Bispo, revelar-se-á muito significativo para as suas responsabilidades formativas com os candidatos ao sacerdócio, que o Bispo os visite frequentemente e de certa maneira "esteja" com eles.

A presença do Bispo adquire um valor particular, não só porque ajuda a comunidade do Seminário a viver a sua inserção na Igreja particular e a sua comunhão com o Pastor que a guia, mas também porque estimula e dá autenticidade àquele fim pastoral que constitui a especificidade da completa formação dos candidatos ao sacerdócio. Sobretudo com a sua presença e partilha com os candidatos ao sacerdócio de tudo o que diz respeito ao caminho pastoral da Igreja particular, o Bispo oferece um contributo fundamental para a formação do "sentido de Igreja", como valor espiritual e pastoral central no exercício do ministério sacerdotal.

(202) Decreto sobre o Ministério e a Vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, PO 7.


A comunidade educativa do Seminário

66 A comunidade educativa do Seminário articula-se à volta de diversos formadores: o reitor, o director ou padre espiritual, os superiores e os professores. Estes devem sentir-se profundamente unidos ao Bispo, que, a título diferente e de vários modos, representam, e devem viver entre si em convicta e cordial comunhão e colaboração: esta unidade dos educadores não só torna possível uma adequada realização do programa educativo, mas sobretudo oferece aos candidatos ao sacerdócio o exemplo significativo e a concreta introdução naquela comunhão eclesial que constitui um valor fundamental da vida cristã e do ministério pastoral.

é evidente que uma grande parte da eficácia formativa depende da personalidade madura e forte dos formadores, tanto sob o aspecto humano como evangélico. Por isso se torna particularmente importante, por um lado, a escolha cuidadosa dos formadores, e por outro, o estímulo destes para que constantemente procurem ser mais idóneos para o encargo que lhes foi confiado. Conscientes de que, precisamente na escolha e na formação dos formadores, reside o futuro da preparação dos candidatos ao sacerdócio, os Padres sinodais detiveram-se longamente a precisar a identidade dos educadores. Concretamente escreveram: "A tarefa da formação dos candidatos ao sacerdócio certamente exige não só uma preparação especial dos formadores, que seja verdadeiramente técnica, pedagógica, espiritual, humana e teológica, mas também o espírito de comunhão e de colaboração na unidade para desenvolver o programa, de modo que seja salvaguardada a unidade na acção pastoral do Seminário sob a orientação do reitor. O grupo dos formadores dê testemunho de uma vida verdadeiramente evangélica e de total dedicação ao Senhor. É oportuno que goze de uma certa estabilidade e tenha residência habitual no seio da comunidade do Seminário. Esteja intimamente unida ao Bispo, como primeiro responsável da formação dos sacerdotes" (203).

Os Bispos devem ser os primeiros a sentir a sua grave responsabilidade na formação daqueles que serão encarregados da educação dos futuros presbíteros. Para este ministério, devem ser escolhidos sacerdotes de vida exemplar e na posse de diversas qualidades: "maturidade humana e espiritual, experiência pastoral, competência profissional, estabilidade na própria vocação, capacidade de colaboração, preparação doutrinal nas ciências humanas (especialmente em psicologia) adequada ao cargo e o conhecimento dos modos de trabalhar em grupo" (204).

Ressalvadas as distinções entre o foro interno e o externo, a oportuna liberdade de escolha dos confessores e a prudência e discrição convenientes ao ministério do director espiritual, a comunidade presbiteral dos educadores sinta-se solidária na responsabilidade de educar os candidatos ao sacerdócio. A ela, e sempre tendo como ponto de referência a autorizada avaliação conjunta do Bispo e do reitor, compete em primeiro lugar a tarefa de promover e verificar a idoneidade dos candidatos quanto a dotes humanos, espirituais e intelectuais, tendo como pontos fundamentais de referência o espírito de oração, a assimilação profunda da doutrina da fé, a capacidade para a autêntica fraternidade e o carisma do celibato (205).

Tendo presentes - como aliás os Padres sinodais recordaram - as indicações da ExortaçãoChristifideles laici, e da Carta Apostólica Mulieris dignitatem, (206) que põem em relevo um saudável influxo da espiritualidade laical e do carisma da feminilidade em todo e qualquer itinerário educativo, é oportuno incluir, de forma prudente e adaptada aos vários contextos culturais, a colaboração de leigos, homens e mulheres, no trabalho formativo dos futuros sacerdotes. Devem ser escolhidos com cuidado, no quadro das leis da Igreja e segundo as suas comprovadas competências. Da sua colaboração, oportunamente coordenada e integrada nas responsabilidades educativas primárias dos formadores dos futuros presbíteros, é lícito esperar-se benéficos frutos para o crescimento equilibrado do sentido de Igreja e para uma percepção mais clara da própria identidade sacerdotal por parte dos candidatos ao presbiterado (207).


(203) Propositio 29.
(204) Ibid.
(205) Cf. Propositio 23.
(206) Cf. Exort. ap. pos-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988),
CL 61 CL 63: l. c., 512-514; 517-518; Cart. Ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), MD 29-31: l. c., 1721-1729.
(207) Cf. Propositio 29.


Os professores de teologia

67 Todos quantos introduzem e acompanham os futuros sacerdotes na sacra doctrina, por meio do ensino da teologia, assumem uma particular responsabilidade educativa, que a experiência demonstra ser muitas vezes mais decisiva, no desenvolvimento da personalidade presbiteral, que a dos outros educadores.

A responsabilidade dos professores de teologia, ainda antes de ter em conta a relação docente que devem criar com os candidatos ao sacerdócio, diz respeito à concepção que eles mesmos devem possuir da natureza da teologia e do ministério sacerdotal, bem como ao espírito e estilo segundo o qual devem desenvolver o ensino da teologia. Neste sentido, os Padres sinodais afirmaram justamente que "o teólogo deve estar plenamente consciente de que no seu ensino não se afirma por si mesmo, mas deve abrir e comunicar a inteligência da fé fundamentalmente em nome do Senhor e da Igreja. Deste modo o teólogo, mesmo valendo-se de todas as possibilidades científicas, desempenha a sua tarefa mandatado pela Igreja e colabora com o Bispo na tarefa de ensinar. E porque teólogos e Bispos estão ao serviço da mesma Igreja, na tarefa de promover a fé, devem desenvolver e cultivar uma confiança recíproca, e neste espírito, superar também as tensões e conflitos (cf. mais amplo desenvolvimento na Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé sobreA Vocação eclesial do teólogo)" (208).

O professor de teologia, como qualquer outro educador, deve permanecer em comunhão e colaborar cordialmente com todas as outras pessoas empenhadas na formação dos futuros sacerdotes e apresentar com rigor científico, generosidade, humildade e paixão, o seu contributo original e qualificado, que não é apenas a simples comunicação de uma doutrina - mesmo sendo asacra doctrina -, mas é sobretudo a oferta da perspectiva que unifica no desígnio de Deus, os diversos conhecimentos humanos e as várias expressões de vida.

Em particular, a especificidade e o êxito formativo dos professores de teologia mede-se pelo facto de eles serem, antes de mais, "homens de fé e cheios de amor pela Igreja, convencidos de que o sujeito adequado do conhecimento do mistério cristão continua a ser a Igreja enquanto tal, persuadindo-se, portanto, de que a sua tarefa de ensinar é um autêntico ministério eclesial, serem ricos de sentido pastoral para discernir não só os conteúdos mas também as formas adequadas para o exercício deste ministério. Particularmente se requer dos professores a fidelidade plena ao Magistério. De facto, ensinam em nome da Igreja e por isso são testemunhas da fé" (209).

(208) Propositio 30.
(209) Ibid.


A comunidade de origem e as associações e movimentos juvenis

68 As comunidades de onde provém o candidato ao sacerdócio, mesmo com a necessária separação que a opção vocacional implica, continuam a exercer um influxo não indiferente na formação do futuro sacerdote. Devem, por isso, estar conscientes da sua específica quota parte de responsabilidade.

Em primeiro lugar, deveremos mencionar a família: os pais cristãos, como também os irmãos e irmãs e outros membros do núcleo familiar, não devem nunca procurar reconduzir o futuro presbítero aos estreitos limites de uma lógica demasiadamente humana, se não mesmo mundana, ainda que sustentada por um sincero afecto (cf.
Mc 3,20-21 Mc 3,31-35). Animados eles mesmos do propósito de "cumprir a vontade de Deus", saberão acompanhar o caminho formativo com a oração, o respeito, o bom exemplo das virtudes domésticas, e a ajuda espiritual e material, sobretudo nos momentos difíceis. A experiência ensina-nos que, em muitos casos, esta multifacetada ajuda se afigurou decisiva para o candidato ao sacerdócio. Mesmo no caso de pais e familiares indiferentes ou contrários à opção vocacional, o confronto claro e sereno com as suas posições e os estímulos que daí derivam podem constituir uma preciosa ajuda, para que a vocação sacerdotal amadureça de modo consciente e decidido.

Em conexão o profunda com as famílias, está a comunidade paroquial, e umas e outra se interligam no plano de educação para a fé; muitas vezes a paróquia, com uma específica pastoral juvenil e vocacional, desempenha um papel de suplência relativamente à família. Sobretudo enquanto realização local mais imediata do mistério da Igreja, a paróquia oferece um contributo original e particularmente precioso para a formação do futuro sacerdote. A comunidade paroquial deve continuar a sentir como parte viva de si mesma o jovem a caminho do sacerdócio, deve acompanhá-lo com a oração, acolhê-lo cordialmente nos períodos de férias, respeitar e favorecer o desenvolvimento da sua identidade presbiteral, oferecendo-lhe ocasiões oportunas e estímulos fortes para pôr à prova a sua vocação para a missão sacerdotal.

Também as associações e movimentos juvenis, sinal e confirmação da vitalidade que o Espírito assegura à Igreja, podem e devem contribuir para a formação dos candidatos ao sacerdócio, em particular daqueles que procedem da experiência cristã, espiritual e apostólica dessas entidades agregadoras. Os jovens que receberam a sua formação de base em tais agregações e a elas se referem para a sua experiência de Igreja, não deverão sentir-se convidados a cortar com o seu passado e a interromper as relações com o ambiente que contribuiu para concretizar a sua vocação, nem deverão apagar os traços característicos da espiritualidade que aí aprenderam e viveram, em tudo aquilo que de bom, edificante e enriquecedor essas agregações contêm (210). Também para eles, este ambiente de origem continua a ser fonte de ajuda e apoio na caminhada formativa para o sacerdócio.

As ocasiões de educação para a fé e de crescimento cristão e eclesial, que o Espírito oferece a tantos jovens, através de múltiplas formas de grupos, movimentos e associações de variada inspiração evangélica, devem ser sentidas e vividas como o dom de uma alma alimentadora dentro da instituição do Seminário e ao seu serviço. Um movimento ou uma espiritualidade particular, de facto, "não constitui uma estrutura alternativa à instituição. É, sim, a fonte de uma presença que continuamente regenera a sua autenticidade existencial e histórica. O sacerdote pode, por isso, encontrar num movimento a luz e o calor que o tornam capaz da fidelidade ao seu Bispo, pronto para as incumbências da instituição e atento à disciplina eclesiástica, de modo que seja mais fértil a vibração da sua fé e o gosto da sua fidelidade" (211).

é por conseguinte necessário que, na nova comunidade do Seminário, na qual estão reunidos pelo Bispo, os jovens provenientes de associações e de movimentos eclesiais aprendam " o respeito pelas outras vias espirituais e o espírito de diálogo e cooperação", tenham como ponto de referência coerente e cordial as indicações formativas do Bispo e dos educadores do Seminário, entregando-se com tranquila confiança à sua orientação e às suas avaliações (212). Esta atitude, de facto, prepara e de certo modo antecipa a genuína opção presbiteral de serviço a todo o Povo de Deus, na comunhão fraterna do presbitério e na obediência ao Bispo.

A participação do seminarista e do presbítero diocesano em espiritualidades particulares ou agregações eclesiais é certamente, em si mesma, um factor benéfico de crescimento e de fraternidade sacerdotal. Mas esta participação não deve obstaculizar, antes deverá ajudar o exercício do ministério e a vida espiritual que são próprios do sacerdote diocesano, o qual "permanece sempre o pastor de todos em conjunto". Não é só o 'permanente', disponível para todos, mas preside ao encontro de todos - em particular se está à frente das paróquias - a fim de que todos encontrem o acolhimento que têm direito de esperar na comunidade e na Eucaristia que os reúne, qualquer que seja a sua sensibilidade religiosa ou o compromisso pastoral" (213).

(210) Cf. Propositio 25.
(211) Discurso aos sacerdotes ligados ao movimento « Comunhão e Libertação » (12 de Setembro de 1985): AAS 78 (1986) 256.
(212) Cf. Propositio 25.
(213) Encontro com os representantes do clero suíço em Einsiedeln (15 de junho de 1984), 10:Insegnamenti VII/1 1984) 1978.



O próprio candidato

69 Não se pode esquecer, finalmente, que o próprio candidato ao sacerdócio deve ser considerado protagonista necessário e insubstituível na sua formação: toda e qualquer formação, naturalmente incluindo a sacerdotal, é no fim de contas uma auto-formação. Ninguém, de facto, nos pode substituir na liberdade responsável que temos como pessoas individuais.

Certamente também o futuro sacerdote, e ele antes de mais ninguém, deve crescer na consciência de que o protagonista por antonomásia da sua formação é o Espírito Santo que, com o dom do coração novo, configura e assimila a Jesus Cristo Bom Pastor: nesse sentido, o candidato afirmará a sua liberdade da maneira mais radical, ao acolher a acção formadora do Espírito. Mas acolher esta acção significa também, da parte do candidato ao sacerdócio, acolher as "mediações" humanas de que o Espírito se serve. Por isso mesmo, a acção dos vários educadores só se revela verdadeira e plenamente eficaz se o futuro sacerdote lhe oferece a sua pessoal, convicta e cordial colaboração.


CAPÍTULO VI

EXORTO-TE A QUE REANIMES O DOM DE DEUS QUE ESTÁ EM TI


A formação permanente dos sacerdotes

As razões teológicas da formação permanente

70 "Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que está em ti" (2Tm 1,6).

As palavras do Apóstolo ao bispo Timóteo podem legitimamente aplicar-se àquela formação permanente, à qual são chamados todos os sacerdotes por força do "dom de Deus" que receberam na sagrada ordenação. Elas introduzem-nos na compreensão da verdade plena e da originalidade inconfundível da formação permanente dos presbíteros. Nisto somos ajudados também por um outro texto de Paulo, que escreve ao mesmo Timóteo: "Não descuides o dom espiritual que recebeste e que te foi concedido por uma intervenção profética, com a imposição das mãos dos presbíteros. Atende a estas coisas e ocupa-te nelas com todo o empenho, a fim de que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Cuida de ti mesmo e do teu ensino; insiste nestas coisas, porque, fazendo isto, salvar-te-ás a ti mesmo e aos outros que te escutam" (1Tm 4,14-16).

O Apóstolo pede a Timóteo para "reanimar", ou seja, para reacender o dom divino, como se faz com o fogo sob as cinzas, no sentido de acolhê-lo sem nunca perder ou esquecer aquela "novidade permanente" que é própria de todo o dom de Deus, d'Aquele que faz novas todas as coisas (cf. Ap Ap 21,5) e, portanto, de vivê-lo na sua inesgotável pujança e beleza original.

Mas aquele "reanimar" não é só sucesso o de uma tarefa confiada à responsabilidade de Timóteo, nem apenas o resultado de um empenhamento da sua memória e vontade. É o efeito de um dinamismo de graça intrínseco ao dom de Deus: é o próprio Deus, portanto, a reanimar o Seu próprio dom, melhor, a libertar toda a extraordinária riqueza de graça e responsabilidade que nele está encerrada.

Com a efusão sacramental do Espírito Santo que consagra e envia, o presbítero é configurado a Jesus Cristo Cabeça e Pastor da Igreja e é mandado a exercer o ministério pastoral. Assim, o sacerdote é assinalado para sempre e de modo indelével no seu ser como ministro de Jesus e da Igreja, é inserido numa condição permanente e irreversível de vida, e é encarregado dum ministério pastoral que, radicado no ser, compromete toda a sua existência e é também ele permanente. O sacramento da Ordem confere ao sacerdote a graça sacramental que o torna participante não só do "poder" e do "ministério" salvífico de Jesus, mas também do seu "amor" pastoral; ao mesmo tempo assegura ao sacerdote todas aquelas graças actuais que lhe serão dadas sempre que forem necessárias e úteis para o digno e perfeito cumprimento do ministério recebido.

A formação permanente encontra, assim, o seu fundamento próprio e a sua motivação original no dinamismo do sacramento da Ordem.

é certo que não faltam razões mesmo puramente humanas que solicitem o sacerdote a realizar a formação permanente. Esta é uma exigência da sua realização progressiva: cada vida é um caminho incessante em direcção à maturidade, e esta passa através da formação contínua. Além disso, é uma exigência do ministério sacerdotal, visto simplesmente na sua natureza genérica e comum a qualquer profissão, ou seja, como um serviço prestado aos outros: hoje não existe profissão, compromisso ou trabalho que não exija uma contínua actualização, se quiser ser credível e eficaz. A exigência de "acertar o passo" com o caminho da história é outra razão humana que justifica a formação permanente.

Mas estas e outras razões são assumidas e especificadas pelas razões teológicas já recordadas e que se podem aprofundar ulteriormente.

O sacramento da Ordem, pela sua natureza de "sinal" que é própria de todos os sacramentos, pode considerar-se, como realmente é, Palavra de Deus: é Palavra de Deus que chama e envia, é a expressão mais forte da vocação e da missão do sacerdote. Mediante o Sacramento da Ordem,Deus chama «coram Ecclesia» o candidato "ao" sacerdócio. O "vem e segue-me" de Jesus encontra a sua proclamação plena e definitiva na celebração do sacramento da sua Igreja: manifesta-se e comunica-se através da voz dela, que ressoa nos lábios do Bispo que reza e impõe as mãos. E o sacerdote responde, na fé, ao chamamento de Jesus: "venho e sigo-te". A partir desse momento, tem início aquela resposta que, como escolha fundamental, deve exprimir-se e reafirmar-se ao longo dos anos do sacerdócio em numerosíssimas outras respostas, todas elas radicadas e vivificadas pelo "sim" da Ordem sagrada.

Neste sentido, pode falar-se duma vocação "no" sacerdócio. Na realidade, Deus continua a chamar e a enviar, revelando o seu desígnio salvífico no desenrolar histórico da vida do sacerdote e das vissicitudes da Igreja e da sociedade. É precisamente desta perspectiva que emerge o significado da formação permanente: ela é necessária para discernir e seguir esse contínuo chamamento ou vontade de Deus. Assim, o apóstolo Pedro é chamado a seguir Jesus já depois de o Senhor ressuscitado lhe ter confiado a sua grei: "Respondeu-lhe Jesus: 'Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde tu não queres'. E disse isto para indicar o género de morte com que ele havia de glorificar a Deus. E, dito isto, acrescentou: 'Segue-me' " (). É, portanto, um "segue-me" que acompanha a vida e a missão do apóstolo. É um "segue-me" que acompanha o apelo e a exigência de fidelidade até à morte (cf. Jn 21,22), um "segue-me" que pode significar uma sequela Christi até ao dom total de si no martírio (214).

Os Padres sinodais expressaram a razão que justifica a necessidade da formação permanente e, ao mesmo tempo, revela a sua natureza profunda, designando-a como "fidelidade" ao ministério sacerdotal e como "processo de contínua conversão" (215). É o Espírito Santo, infundido pelo sacramento, que sustém o presbítero nesta fidelidade e que o acompanha e estimula neste caminho de incessante conversão. O dom do Espírito não dispensa, antes solicita a liberdade do sacerdote, para que coopere responsavelmente e assuma a formação permanente como um dever que lhe é confiado. Assim esta é expressão e exigência da fidelidade dele ao seu ministério, ou melhor, ao seu próprio ser. É, portanto, amor a Jesus Cristo e coerência consigo mesmo. Mas constitui também umacto de amor ao Povo de Deus, ao serviço do qual o sacerdote está posto. É ainda um acto deverdadeira e própria justiça: ele é devedor ao Povo de Deus, chamado como é a reconhecer e a promover aquele seu "direito" fundamental de ser destinatário da Palavra de Deus, dos Sacramentos e do serviço da Caridade, que são o conteúdo original e irrenunciável do ministério pastoral do padre. A formação permanente é necessária para que ele esteja em condições de responder condignamente a tal direito do Povo de Deus.

Alma e forma da formação permanente do sacerdote é a caridade pastoral: o Espírito Santo, que infunde a caridade pastoral, introduz e acompanha-o no conhecimento sempre mais profundo do mistério de Cristo, que é insondável na sua riqueza (cf. Ep 3,14-19), e, por conseguinte, no conhecimento do mistério do sacerdócio cristão. A mesma caridade pastoral impele o presbítero a conhecer cada vez mais as esperanças, as necessidades, os problemas, as sensibilidades dos destinatários do seu ministério: destinatários envolvidos nas suas concretas situações pessoais, familiares, e sociais.

A tudo isto tende a formação permanente, vista como consciente e livre proposta em ordem ao dinamismo da caridade pastoral e do Espírito Santo, que é a sua primeira fonte e alimento contínuo. Neste sentido, a formação permanente é uma exigência intrínseca ao dom e ao ministério sacramental recebido e revela-se necessária em todos os tempos. Hoje, porém, ela é particularmente urgente, não só pela rápida mudança das condições sociais e culturais dos homens e dos povos, no meio dos quais se exerce o ministério pastoral, mas também por aquela "nova evangelização" que constitui a tarefa essencial e inadiável da Igreja no final do segundo milénio.

(214) Cf. Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium Tractatus, 123, 5: 1. c., 678-680.
(215) Cf. Propositio 31.



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