Redemptionis donum PT 10


V

CASTIDADE - POBREZA - OBEDIÊNCIA

Castidade


11 O aspecto pascal desse chamamento pode ser reconhecido, em relação a cada um dos conselhos, sob diversos pontos de vista.

Assim, é segundo a medida da economia da Redenção que se tem de avaliar e praticar aquelacastidade, que cada um e cada uma de vós prometeu pelo voto, juntamente com a pobreza e com a obediência. Nisso está contida a resposta às conhecidas palavras de Cristo, que são ao mesmo tempo um apelo: «Há eunucos, que tais se fazem a si mesmos, por amor do Reino dos céus. Quem for capaz de compreender, compreenda». (57) Anteriormente Cristo havia frisado bem: «Nem todos compreendem esta doutrina; mas só aqueles aos quais foi concedido». (58) Estas últimas palavras põem claramente em evidência que este apelo é um conselho. O Apóstolo São Paulo também dedicou a este ponto uma apropriada reflexão na primeira Carta aos Coríntios. (59)

Ora este conselho é dirigido de modo especial ao amor do coração humano. Ele põe em relevo sobretudo o carácter esponsal deste amor; ao passo que a pobreza e mais ainda a obediência parecem realçar primariamente o aspecto do amor redentor contido na consagração religiosa. Trata-se aqui, como é sabido, da castidade no sentido de «fazer-se eunuco por amor do Reino dos céus»; ou seja, trata-se da virgindade como expressão do amor esponsal pelo próprio Redentor. Neste sentido, o Apóstolo ensina que «procede bem» quem escolhe o matrimónio; mas «procede melhor» quem opta pela virgindade. (60) «Quem não é casado é todo solicitude pelas coisas do Senhor, procura agradar ao Senhor»; (61) e «a mulher que não é casada, bem como a virgem, anda solícita pelas coisas do Senhor, a fim de ser santa de corpo e de espírito». (62)

Não está aqui incluído — nem nas palavras de Cristo nem nas de São Paulo — nenhum menosprezo do matrimónio. O conselho evangélico da castidade é só uma indicação daquela particular possibilidade que constitui o amor esponsal do próprio Cristo, de Jesus «Senhor», para o coração humano, quer do homem quer da mulher. O «fazer-se eunuco por causa do Reino dos céus» não é, efectivamente, apenas uma renúncia livre ao matrimónio e à vida de família, mas é uma escolha carismática de Cristo como Esposo exclusivo. Esta escolha não só permite «preocupar-se» unicamente com as coisas do Senhor, mas — feita «por causa do Reino dos céus» — aproxima esteReino escatológico de Deus da vida de todos os homens, nas condições da temporalidade, e torna-o presente, de alguma maneira, no meio do mundo.

As pessoas consagradas realizam, mediante isso, a finalidade interior de toda a economia da Redenção. Esta finalidade, de facto, exprime-se no tornar próximo o Reino de Deus com a sua dimensão definitiva, escatológica. Pelo voto de castidade, as pessoas consagradas participam na economia da Redenção, por um lado, mediante a livre renúncia às alegrias temporais da vida matrimonial e familiar; e, por outro lado, precisamente pelo facto de se fazerem eunucos por causa do Reino dos céus», levam para o meio do mundo que passa o anúncio da ressurreição futura(63) e da vida eterna: da vida em união com o próprio Deus mediante a visão beatífica e o amor que compreende em si e penetra intimamente todos os outros amores do coração humano.

Pobreza


12 Em matéria de pobreza são muito expressivas as palavras da segunda Carta aos Coríntios, que constituem uma síntese precisa de tudo aquilo que lemos no Evangelho sobre este mesmo tema: «Conheceis muito bem a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, fez-se pobre por vosso amor, a fim de enriquecer-vos com a sua pobreza». (64) Segundo estas palavras, a pobreza entra na estrutura interna da própria graça redentora de Jesus Cristo. Sem a pobreza não é possível compreender o mistério da doação da divindade ao homem, doação que se realizou precisamente em Jesus Cristo. É também por isso que ela se encontra mesmo ao centro do Evangelho, no princípio da mensagem das oito Bem-aventuranças: «Bem-aventurados os pobres em espírito». (65) A pobreza evangélica abre diante do olhar da alma humana a perspectiva de todo o mistério «oculto desde todos os séculos em Deus». (66) Só aqueles que são «pobres» desta maneira é que são também interiormente capazes de compreender a pobreza d'Aquele que é infinitamente rico. Apobreza de Cristo esconde em si essa riqueza infinita de Deus; ou melhor, é uma expressão infalível dessa riqueza. Com efeito, uma riqueza assim, como é a própria Divinidade, não poderia ter sido exprimida adequadamente em nenhum bem criado. Ela pode ser exprimida somente na pobreza. Por isso, pode ser compreendida de modo exacto somente pelos pobres, pelos pobres em espírito. Cristo, homem-Deus, é o primeiro destes pobres: Aquele que, «sendo rico, se fez pobre», não é apenas o Mestre, mas é também o porta-voz e o garante daquela pobreza salvífica, que corresponde à infinita riqueza de Deus e ao poder inesgotável da sua graça.

Por conseguinte, também é verdade — como escreve o Apóstolo — que «mediante a sua pobreza nos tornamos ricos». É o Mestre e o porta-voz da pobreza Quem nos enriquece. Por este motivo exactamente, Ele dizia ao jovem nos Evangelhos sinópticos: «vende o que tens e dá-o ... e terás um tesouro no céu». (67) Há nestas palavras um chamamento para enriquecer os outros por meio da própria pobreza; mas no mais íntimo deste chamamento encontra-se escondido o testemunho da riqueza infinita de Deus que, transferida para a alma humana, pelo mistério da graça, cria no mesmo homem, precisamente mediante a pobreza, uma fonte para enriquecer os outros, que não se pode comparar com quaisquer recursos de ordem material: é um manancial para beneficiar os outros à semelhança do próprio Deus. Esta largueza em dar realiza-se no âmbito do mistério de Cristo, que «nos tornou ricos por meio da sua pobreza». Sabemos como este processo de enriquecimento se apresenta nas páginas do Evangelho; ele tem o seu ponto culminante no acontecimento pascal: Cristo, o mais pobre de todos os pobres, na sua morte de Cruz, é ao mesmo tempo Aquele que nos enriquece infinitamente com a plenitude da vida nova, mediante a Ressurreição.

Amados Irmãos e Irmãs, pobres em espírito pela profissão evangélica, adoptai em toda a vossa vida este modelo salvífico da pobreza de Cristo! Procurai, dia a dia, um amadurecimento cada vez maior na vossa condição de pobres! Procurai, acima de tudo, «o reino de Deus e a sua justiça», e todas as outras coisas «vos serão dadas por acréscimo». (68) Que em vós e por meio de vós se realize a bem-aventurança evangélica que está reservada aos pobres, (69) aos pobres em espírito! (70)

Obediência


13 Cristo, «subsistindo na natureza de Deus, não julgou o ser igual a Deus um bem a que não devesse nunca renunciar; mas despojou-se a si mesmo, tomando a natureza de servo e tornando-se semelhante aos homens; e, reconhecido como homem por todo o seu exterior, humilhou-se,fazendo-se obediente até à morte e à morte de cruz». (71)

Tocamos aqui, por estas palavras da Carta de São Paulo aos Filipenses, a própria essência da Redenção. Nesta realidade está inscrita, primária e constitutivamente, a abediência de Cristo. Confirmam este dado também aqueloutras palavras do mesmo Apóstolo, que encontramos desta vez na Carta aos Romanos: «Assim como pela desobediência de um só homem todos foram constituídos pecadores, assim também, pela obediência de um só todos serão constituidos justos». (72)

O conselho evangélico da obediência é o chamamento que promana desta obediência de Cristo «até à morte». Os que acolhem tal chamamento, expresso pela palavra «segue-me», decidem-se — como diz o Concilio Vaticano II — a seguir Cristo, «que redimiu e santificou os homens pela sua obediência até à morte de Cruz». (73) Ao porem em prática o conselho evangélico da obediência, eles atingem a essência profunda de toda a economia da Redenção. Ao cumprirem este conselho, demonstram o desejo de obter uma participação especial na obediência daquele «um só», por cuja obediência «todos serão constituídos justos».

Pode-se dizer, portanto, que aqueles que decidem viver segundo o conselho da obediência se colocam, de uma maneira singular, entre o mistério do pecado (74) e o mistério da justificação e da graça salvífica. Passam a estar nessa «situação» com todo o estrato pecaminoso subjacente na própria natureza humana, com toda a herança da «soberba da vida» e com todas as tendências egoístas para dominar e para não servir; e decidem-se, exactamente mediante o voto de obediência, a transformar-se à semelhança de Cristo, que «redimiu e santificou os homens pela sua obediência». No conselho da obediência desejam encontrar o próprio papel na obra da Redenção de Cristo e o próprio caminho de santificação.

Foi este o caminho que Cristo traçou no Evangelho, ao falar muitas vezes do cumprimento da vontade de Deus e da busca incessante da mesma. «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou a realizar a sua obra». (75) «Porque eu não busco a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou». (76) «Aquele que me enviou está comigo; e não me deixou só, porque eu faço sempre o que é do seu agrado». (77) «Porque desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou». (78) Este cumprimento constante da vontade do Pai faz-nos pensar também naquela confissão messiânica do Salmista da Antiga Aliança: «Num livro está escrito de mim: cumprir a vossa vontade; meu Deus, isto eu quero e a vossa lei tenho-a fixa no íntimo do meu coração». (79)

Esta obediência do Filho — repassada de alegria — atinge o seu auge perante a Paixão e a Cruz: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; não seja, porém, a minha vontade a fazer-se, mas a tua». (80) Desde a oração no Getsémani por diante, a disponibilidade de Cristo para fazer a vontade do Pai foi sendo plenamente actuada, até ao extremo limite do sofrimento; e traduz-se naquela obediência «até à morte e morte de Cruz», de que fala São Paulo.

As pessoas consagradas, com o voto de obediência decidem-se a imitar com humildade a obediência do Redentor de um modo especial. Com efeito, se bem que a submissão à vontade de Deus e a obediência à sua lei sejam para todos os estados condição para levar vida cristã, contudo, no «estado religioso», no «estado de perfeição», o voto de obediência cria no coração de cada um e de cada uma de vós, amados Irmãos e Irmãs, o dever de uma referência especial a Cristo «obediente até a morte». E uma vez que esta obediência de Cristo constitui o núcleo essencial da obra da Redenção, como resulta das palavras do Apóstolo acima citadas, também na observância do conselho evangélico da obediência se há-de vislumbrar um momento particulardaquela «economia da Redenção» que impregna totalmente a vossa vocação na Igreja.

Daqui deriva aquela «disponibilidade total ao Espírito Santo», que age primeiro que tudo na Igreja, como se exprime o meu Predecessor Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelica Testificatio; (81) e como, aliás, estará bem claro nas Constituições dos vossos Institutos. Daqui dimana também aquela religiosa submissão que, com espírito de fé, as pessoas consagradas hão-de demonstrar para com os próprios Superiores legítimos, que ocupam o lugar de Deus. (82) Na Carta aos Hebreus encontramos, acerca deste ponto, uma indicação muito significativa: «Sede obedientes e submissos aos vossos superiores, pois eles velam pelas vossas almas, pelas quais terão de dar contas». E o Autor da Carta acrescenta: Obedecei, para que eles façam «isto com alegria e não gemendo, coisa que não redundaria em vossa utilidade». (83)

Os Superiores, por seu turno, recordando-se de que têm o dever de excercer com espírito de serviço o múnus que lhes foi conferido, mediante o ministério da Igreja, mostrem-se sempre disponíveis para ouvir os próprios irmãos, a fim de poderem discernir melhor aquilo que o Senhor pede a cada um, salvaguardada sempre a autoridade que lhes compete para decidir e mandar o que julgarem oportuno.

A par com a submissão-obediência, concebida deste modo, anda a atitude de serviço, que informará toda a vossa vida, seguindo o exemplo do Filho do homem, o qual «não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos». (84) E a sua Mãe, no momento decisivo da Anunciação-Encarnação, penetrando desde o início em toda a economia salvífica da Redenção, disse: «Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra». (85)

Recordai ainda, amados Irmãos e Irmãs, que a obediência à qual vos comprometestes, consagrando-vos a Deus sem reservas, mediante a profissão dos conselhos evangélicos, constitui uma particular expressão de liberdade interior, assim como a expressão definitiva da liberdade de Cristo foi a sua obediência «até à morte»: «eu dou a minha vida, para retomá-la depois. Ninguém ma pode tirar, mas sou eu que a dou por mim mesmo». (86)

VI

AMOR À IGREJA

Testemunho


14 No Ano Jubilar da Redenção a Igreja toda deseja renovar o seu amor a Cristo, Redentor do homem e do mundo, seu Senhor e ao mesmo tempo seu Esposo divino. E por isso, neste Ano Santo, ela tem os olhos postos em vós, com singular atenção, amados Irmãos e Irmãs, pois, como pessoas consagradas, nela ocupais um lugar especial: quer na Comunidade universal do Povo de Deus, quer em cada uma das Comunidades locais. Ao desejar que, mediante a graça do Jubileu extraordinário se renove também o vosso amor por Cristo, a Igreja ao mesmo tempo está plenamente cônscia de que este amor constitui um bem especial de todo o Povo de Deus. Sim, a Igreja tem consciência de que, no amor que Cristo recebe da parte das pessoas consagradas, o amor de todo o Corpo se dirige de uma maneira especial e excepcional ao Esposo, que ao mesmo tempo é a Cabeça deste Corpo.

Por isso, a Igreja, amados Irmãos e Irmãs, exprime-vos a sua gratidão pela consagração e pela profissão dos conselhos evangélicos, que são um particular testemunho de amor. Ao mesmo tempo ela reconfirma a sua grande confiança em vós, que escolhestes um estado de vida que é um dom especial de Deus à mesma Igreja. Esta conta com a vossa colaboração total e generosa, para que, enquanto fiéis administradores de um dom tão precioso, vós «sintais com a Igreja» e sempre colaboteis com ela, em conformidade com os ensinamentos e com as directrizes do Magistério de Pedro e dos Pastores em comunhão com ele, cultivando, a nível pessoal e comunitário, uma renovada consciência eclesial. Simultaneamente, a Igreja reza por vós, a fim de que o vosso testemunho de amor jamais esmoreça; (87) e pede-vos que acolhais com este espírito a presente mensagem do Ano Jubilar da Redenção.

O Apóstolo, na sua Carta aos Filipenses, orava precisamente neste sentido, assim: «Que a vossa caridade cresça, ainda mais e mais, no conhecimento perfeito e em todo o género de discrição, a fim de que possais discernir o que é melhor, e assim vos tornardes puros e irreprensíveis para o dia de Cristo, repletos do fruto de justiça...». (88)

Pela Redenção operada por Cristo, «o amor de Deus encontra-se largamente difundido nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado». (89) Eu peço incessantemente ao Espírito Santo que conceda a cada um e a cada uma de vós dar, «segundo o seu dom particular», (90) um testemunho excelente desse amor. Que prevaleça em vós, de maneira digna da vossa vocação «a lei do Espírito que dá a vida em Jesus Cristo ...», aquela lei que nos libertou «da lei ... da morte». (91) Procurai viver, portanto, desta vida nova, segundo a medida da vossa consagração e também segundo a medida dos diversos dons de Deus, que correspondem à vocação de cada uma das Famílias religiosas.

A profissão dos conselhos evangélicos indica a cada um e a cada uma de vós a maneira como podeis «fazer morrer, com o auxílio do Espírito Santo», (92) tudo aquilo que é contrário à vida e que serve ao pecado e à morte, tudo aquilo que se opõe ao verdadeiro amor de Deus e dos homens. O mundo tem necessidade da genuína «contradição» da consagração religiosa, que seja para ele um permanente fermento de renovação salvífica. «Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, aceito ao mesmo Deus e perfeito». (93)

Passado o período especial de experiência e de actualização, previsto pelo Motu-proprio Ecclesiae Sanctae, os vossos Institutos receberam há pouco, ou estarão para receber, a aprovação da parte da Igreja das Constituições renovadas. Que este dom da Igreja vos estimule a conhecê-las e, sobretudo, a vivê-las com fidelidade e com generosidade, tendo presente que a obediência é uma manifestação não equívoca do amor.

É precisamente deste testemunho de amor que o mundo de hoje e a humanidade têm necessidade. Sim, têm necessidade do testemunho da Redenção, tal como ela está impressa na profissão dos conselhos evangélicos. Estes conselhos, cada um segundo a maneira que lhe é peculiar e todos conjuntamente na sua conexão íntima, «dão testemunho» da Redenção que, pelo poder da Cruz e da Ressurreição de Cristo, encaminha o mundo e a humanidade no Espírito Santo para aquela definitiva realização plena, que o homem e, pelo homem, toda a criação encontram em Deus, e somente em Deus. O vosso testemunho, portanto, é inestimável. É preciso aplicar-se, com constância, para que ele seja plenamente transparente e plenamente frutuoso no meio dos homens. Para isso poderá servir, realmente, a observância fiel das normas da Igreja que dizem respeito à manifestação também externa da vossa consagracão e do vosso compromisso de pobreza. (94)

Apostolado


15 Deste testemunho de amor esponsal a Cristo, através do qual toda a verdade salvífica do Evangelho se torna particularmente visível entre os homens, nasce ainda, amados Irmãos e Irmãs, como algo próprio da vossa vocação, a participação no apostolado da Igreja, na sua missão universal, que se realiza simultaneamente no seio de todas nas nações, de muitas maneiras diversas e mediante a multiplicidade dos dons concedidos por Deus. A vossa missão específica procede harmoniosamente de par com a missão dos Apóstolos, que o Senhor enviou «por todo o mundo» para «ensinar todas as gentes»; (95) e, mais ainda, está unida a esta missão que incumbe à ordem hierárquica. No apostolado que as pessoas consagradas desenvolvem, o seu amor esponsal por Cristo torna-se, de modo quase orgânico, amor pela Igreja enquanto Corpo de Cristo, pela Igreja como Povo de Deus, pela Igreja que é também Esposa e Mãe.

Seria difícil descrever e até mesmo simplesmente enumerar as múltiplas maneiras diferentes pelas quais as pessoas consagradas põem em prática, mediante o apostolado, o seu amor para com a Igreja. Esse apostolado nasceu sempre daquele dom particular dos vossos Fundadores que,recebido de Deus e aprovado pela Igreja, se tornou um carisma para a inteira Comunidade. Tal dom divino corresponde às diversas necessidades da Igreja e do mundo, em cada época da história; e, seguidamente, prolonga-se e consolida-se na vida das comunidades religiosas como um dos elementos perduráveis da vida e do apostolado da mesma Igreja.

Em cada um destes elementos, em todas as suas expressões — quer na da contemplação fecunda para o apostolado, quer na da actividade directamente apostólica — acompanha-vos a bênção constante da Igreja; e, simultaneamente, a sua solicitude pastoral e materna, pelo que respeita à identidade da vossa vida espiritual e em ordem ao acerto da vossa actuação, no seio da grande Comunidade universal das vocações e dos carismas de todo o Povo de Deus. Tanto por cada um dos Institutos, tomados separadamente como pela sua integração orgânica, é no contexto de toda a missão da Igreja que é sempre posta particularmente em realce aquela economia da Redenção, de cuja marca profunda cada um e cada uma de vós, amados Irmãos e Irmãs, é portador em si mesmo, em virtude da própria consagração e da profissão dos conselhos evangélicos.

E por conseguinte, embora sejam sumamente importantes as múltiplas obras de apostolado a que vos dedicais, todavia a obra de apostolado fundamental continua sempre a ser aquilo que vós sois (e ao mesmo tempo quem vós sois) na Igreja. Podem repetir-se de cada um e de cada uma de vós, com especial razão, as palavras do Apóstolo: «Vós estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus». (96) E contudo, o facto de «estardes escondidos com Cristo em Deus» permite que se vos apliquem as palavras do próprio Mestre: «Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, a fim de que vendo as vossas boas obras, glorifiquem a vosso Pai que está nos céus». (97)

Para haver esta luz, pela qual vós deveis resplandecer «diante dos homens», é importante entre vós o testemunho da caridade mútua, a que anda ligado o espírito fraterno de todos na Comunidade, uma vez que o Senhor disse: «Nisto precisamente todos reconhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros». (98)

A natureza fundamentalmente comunitária da vossa vida religiosa, alimentada pela doutrina do Evangelho, pela sagrada Liturgia e, sobretudo, pela Eucaristia, constitui um modo privilegiado para realizar esta dimensão interpessoal e social. Usando de delicadeza e tendo atenções mútuas e levando o peso uns dos outros, vós manifestais, pela vossa unidade, que Cristo vive no meio de vós. (99)

Para o vosso apostolado na Igreja é importante que sejais muito sensíveis às necessidades e aos sofrimentos do homem, que se apresentam tão claramente e de maneira tão impressionante no mundo de hoje. O Apóstolo, efectivamente, ensina: «Levai os fardos uns dos outros e desse modo cumprireis a lei de Cristo»; (100) e diz ainda que «o cumprimento perfeito da lei é a caridade». (101)

A vossa missão deve ser visível! O vínculo que a une à Igreja deve ser profundo, muito profundo. (102) Através de tudo o que fazeis e, principalmente, através daquilo que vós sois, que seja proclamada e confirmada constantemente a verdade de que «Cristo amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela», (103) verdade que está na base de toda a economia da Redenção. E que de Cristo, Redentor do mundo, brote também a fonte inexaurível do vosso amor pela Igreja.

VII


CONCLUSÃO


Iluminados os olhos da vossa inteligência


16 Esta Exortação que vos dirijo pela Solenidade da Anunciação do Senhor, no Ano Jubilar da Redenção, desejaria ser uma expressão do amor que a Igreja nutre pelos Religiosos e pelas Religiosas. Com efeito, vós, amados Irmãos e Irmãs, sois um bem especial da Igreja. E é um bem que se torna mais compreensível através da meditação da realidade da Redenção; e para isto, o corrente Ano Santo proporciona uma ocasião constante e um estímulo favorável. Procurai reconhecer, pois, sob esta luz, a vossa identidade e a vossa dignidade. E que o Espírito Santo — por obra da Cruz e da Ressurreição de Cristo — «ilumine os olhos da vossa inteligência, a fim de que possais saber qual é a esperança a que sois chamados, quais as riquezas da sua herança gloriosa que vos prepara entre os santos». (104)

Estes «olhos iluminados da vossa inteligência» é o que a Igreja pede sem cessar para cada um e cada uma de vós, os que já entrastes no caminho da profissão dos conselhos evangélicos. E estes «olhos assim, igualmente iluminados», é o que a Igreja, juntamente convosco, pede para muitos outros cristãos, especialmente para a juventude masculina e feminina, a fim de poderem descobrir este caminho e não terem receio de se comprometer a segui-lo, e para que — mesmo no meio das circunstâncias adversas da vida de hoje — possam ouvir o «segue-me» de Cristo. (105)

Vós deveis, realmente, aplicar-vos a este objectivo, pela vossa oração e também com o vosso testemunho daquele amor mútuo, pelo qual «Deus permanece em vós, e o seu amor é perfeito em vós». (106) Que este testemunho se torne presente em toda a parte e universalmente legível! Que o homem dos nossos tempos, cansado espiritualmente, encontre nesse testemunho apoio e esperança. Por conseguinte, servi aos vossos irmãos, com a alegria que nasce de um coração habitado por Cristo. «Que o mundo do nosso tempo ... possa receber a Boa Nova, não de evangelizadores tristes e desalentados, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie o fervor de quem já recebeu primeiro, em si mesmo, a alegria de Cristo». (107)

A Igreja, com o muito amor que tem por vós, não cessa « de dobrar os joelhos diante do Pai», (108) para que sejais «corroborados ... na vitalidade do homem interior»; (109) e para que, do mesmo modo que vós, o sejam igualmente muitos outros nossos irmãos e irmãs baptizados, especialmente jovens, a fim de poderem encontrar também eles o mesmo caminho da santidade. Ao longo da história, este caminho foi percorrido por muitas gerações que, unidas com Cristo — Redentor do mundo e Esposo das almas — deixaram atrás de si, não raro, o clarão intenso da luz de Deus, sobre o fundo cinzento e mesmo de trevas da existência humana.

Para todos vós, os que na fase actual da história da Igreja e do mundo percorreis tal caminho, vão os mais ardentes votos do Ano Jubilar da Redenção, para que «radicados e alicerçados na caridade, sejais capazes de compreender, com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo e conhecer a sua caridade, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus». (110)

Mensagem da Solenidade da Anunciação do Senhor


17 Na festividade da Anunciação deste Ano Santo, quero depor a presente Exortação no Coração da Virgem Imaculada. Entre todas as pessoas consagradas sem reservas a Deus, Ela é a primeira. Ela — a Virgem de Nazaré — é também a mais plenamente consagrada a Deus, consagrada da maneira mais perfeita. O seu amor esponsal atinge o ponto mais alto na maternidade divina pelo poder do Espírito Santo. Ela, que como Mãe, leva Cristo nos braços, ao mesmo tempo corresponde do modo mais perfeito ao seu chamamento: «segue-me». E segue-o — Ela, a Mãe — como seu Mestre em castidade, em pobreza e em obediência.

Quanto foi dedicada a Virgem de Nazaré, durante toda a sua vida terrena, à causa do Reino dos céus, por amor castíssimo! Quanto foi pobre na noite de Belém e se mostrou pobre no Calvário! Quanto foi obediente na altura da Anunciação e depois — aos pés da Cruz — obediente até ao ponto de consentir na morte do Filho, que se tinha feito «obediente até à morte»!

Se para a Igreja toda Maria é o primeiro modelo, com muito mais razão Ela tem de o ser para vós, pessoas e comunidades consagradas no interior da Igreja. No dia que nos traz à lembrança a abertura do Jubileu da Redenção, que se verificou no ano passado, dirijo-me a vós com a presente mensagem, para vos convidar a que reaviveis a vossa consagração religiosa segundo o modelo da consagração da própria Mãe de Deus.

Queridos Irmãos e Irmãs: «fiel é Deus que vos chamou à comunhão de seu Filho, Jesus Cristo». (111) Perseverando, pois, na fidelidade Aquele que é fiel, esforçai-vos por buscar um apoioespecialíssimo em Maria. Com efeito, Ela foi chamada por Deus à comunhão mais perfeita possível com o seu Filho. Que seja Ela, a Virgem fiel, também para vós, a Mãe da vossa caminhada evangélica! Que Ela vos ajude a experimentar e a mostrar diante do mundo quanto o próprio Deus é infinitamente fiel.

Ao formular estes votos, abençôo-vos de todo o coração.

Dado no Vaticano, no dia 25 de Março do Ano Jubilar da Redenção de 1984, sexto do meu Pontificado.

1. Cf. Mt 7, 14.

2. Sl 130 [129], 7.

3. Cf. 2 Cor 11, 2.

4. Cf. Mt 18, 20.

5. Cf. Mt 19, 21; Mc 10, 21; Lc 18, 22.

6. Mc 10, 21.

7. Mt 19, 21.

8. Jo 3,16.

9. 1 Pdr 1, 18

10. 1 Cor 6, 20.

11. 1 Cor 6, 19-20.

12. Mt 5, 48.

13. Lc 19, 2, 11, 44

14. Ef 5, 1-2.

15. Is 44, 22.

16. Mc 8, 35; cf. Mt 10 39; Lc 9, 24.

17. Mt 19, 21.


18
Cf. Mt 6, 19-20.


19
Mt 6, 21.


20
Cf. Mt 19, 21; Mc 10, 21; Lc 18, 22.


21
Cf. Jo 14, 26.


22
Mt 19, 16.


23
Jo 15, 16.


24
1 Jo 4, 10.


25
Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. Perfectae Caritatis, 5; cf. também o Documento da Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares - « Elementi essenziali dell'insegnamento della Chiesa sulla vita religiosa » (21 de Maio de 1983), nn. 5 ss.


26
Rom 6, 34.


27
Rom 6, 6.


28
Rom 6, 11.


29
Cf. Ef 4, 22-24


30
Is 43, 1.


31
Mt 19, 21.


32
Sl 135 [134], 4.


33
Jo 17, 19.


34
Rom 12,1.


35
Hebr 10, 5. 7.


36
Rom 12,1.


37
Sl 73 [72], 25-26.


38
Sl 16 [15], 2. 5.


39
Cf. Cânt 8, 6.


40
Cf. Lc 20, 38.


41
2 Cor 5, 17.


42
Cf. Mt 7, 1.


43
Lc 6, 35.


44
Cf. Mt 5 40-42.


45
Cf. Lc 14, 13-14.


46
Cf. Mt 6, 14-15.


47
Rom 8, 19-21.


48
1 Jo 2, 15-17: segundo o texto da antiga Vulgata, que inspirou uma longa tradição patrística e ascética.


49
Gén 1, 28.


50
Jo 17, 15.


51
Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. Perfectae Caritatis, 5.


52
2 Cor 5, 17.


53
Flp 2, 6-7.


54
Mc 8, 34; Mt 16, 24.


55
Flp 3, 8-9.


56
2 Cor 4 ,16


57
Mt 19, 12.


58
Mt 19, 11.


59
Cf. 1 Cor 7, 28-40.


60
Cf. 1 Cor 7, 38.


61
1 Cor 7, 32.


62
1 Cor 7, 34.


63
Cf. Lc 20, 34-36; Mt 22, 30; Mc 12, 25.


64
2 Cor 8, 9.


65
Mt 5, 3.


66
Ef 3, 9


67
Mt 19, 21; cf. Mc 10, 21; Lc 18, 22.


68
Mt 6. 33.


69
Lc 6, 20.


70
Mt 5, 3.


71
Flp 2, 6-8.


72
Rom 5, 19.


73
CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. Perfectae Caritatis, 1.


74
«Mysterium iniquitatis»: cf. 2 Tess 2, 7.


75
Jo 4, 34.


76
Jo 5,30.


77
Jo 8, 29.


78
Jo 6,38.


79
Sl 40 [39], 8-9, Cf. Hebr 10, 7.


80
Lc 22, 42; Cf. Mc 14, 36; Mt 26, 42.


81
Cf. Evangelica Testificatio, 6: AAS 63 (1971), p. 500.


82
Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. Perfectae Caritatis, 14.


83
Hebr 13, 17.


84
Mc 10, 45


85
Lc 1, 38.


86
Jo 10, 17-18.


87
Cf. Lc 22, 32


88
Flp 1, 9-11.


89
Rom 5, 5


90
Cf. 1 Cor 7, 7.


91
Rom 8, 2.


92
Cf. Rom 8, 13.


93
Rom 12, 2.


94
Cf. C.I.C. cân. 669.


95
Cf. Mt 28, 19.


96
Col 3, 3.


97
Mt 5, 16.


98
Jo 13, 35.


99
Cf. CONC. ECUM. VATICANO II. Decr. Perfectae Caritatis 15.


100
Gál 6, 2.


101
Rom 13, 10.


102
Isto mesmo é recordado explicitamente pelo Código de Direito Canónico, a propósito da actividade apostólica: cf. cân. 675, § 3.


103
Cf. Ef 5, 25.


104
Ef 1, 18.


105
Lc 5, 27.


106
1 Jo 4, 12.


107
PAULO PP. VI, Exort Apost. Evangelii Nuntiandi, 80: AAS 68 (1976), p. 75.


108
Cf. Ef 3, 14.


109
Cf. Ef 3,16.


110
Ef 3, 17-19.


111
1 Cor 1, 9.


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Redemptionis donum PT 10