Redemptor hominis PT 21

A Mãe da nossa confiança

22 Quando no início do novo Pontificado dirijo para o Redentor do mundo o meu pensamento e o meu coração, desejo deste modo entrar e penetrar no ritmo mais profundo da vida da Igreja. Com efeito, se a Igreja vive a sua própria vida, isso acontece porque ela a vai haurir em Cristo, o qual deseja sempre uma só coisa, isto é, que nós tenhamos a vida e a tenhamos abundantemente. 188 Aquela plenitude de vida que está n'Ele é ao mesmo tempo destinada para o homem. Por isso, a Igreja, ao unir-se a toda a riqueza do mistério da Redenção, torna-se Igreja dos homens que vivem; e vivem, porque vivificados do interior pela acção do « Espírito da Verdade », 189 e porque assistidos pelo amor que o Espírito Santo difunde nos nossos corações. 190 Assim, o objectivo de qualquer serviço na Igreja, seja ele apostólico, pastoral, sacerdotal ou episcopal, é o de manter este ligame dinâmico do mistério da Redenção com todos e cada um dos homens.

Se estamos conscientes deste intento a realizar, então parece-nos compreender melhor o que significa dizer que a Igreja é mãe; 191 e, ainda, o que significa que a Igreja, sempre, mas de modo particular nos nossos tempos, tem necessidade de uma Mãe. Devemos uma gratidão especial aos Padres do II Concílio do Vaticano, por terem expresso esta verdade na Constituição Lumen Gentium, com a rica doutrina mariológica que nela se encerra. 192 E dado que Paulo VI, inspirado por esta doutrina, proclamou a Mãe de Cristo « Mãe da Igreja », 193 e que tal denominação teve uma ampla ressonância, seja permitido também ao seu indigno Sucessor dirigir-se a Maria como Mãe da Igreja, no final das presentes considerações, que era oportuno desenvolver no início do seu serviço pontifical.

Maria é a Mãe da Igreja, porque, em virtude da inefável eleição do mesmo Pai Eterno 194 e sob a particular acção do Espírito de Amor, 195 Ela deu a vida humana ao Filho de Deus, « do qual procedem todas as coisas e para o qual vão todas as coisas », 196 e do qual assume a graça e a dignidade da eleição todo o Povo de Deus. O seu próprio Filho quis explicitamente estender a maternidade de sua Mãe — e estendê-la de um modo facilmente acessível a todas as almas e a todas os corações — apontando-lhe do alto da Cruz como filho o seu discípulo predilecto. 197 E o Espírito Santo sugeriu-lhe que parmanecesse no Cenáculo, após a Ascensão do Senhor, também Ela, recolhida na oração e na expectativa, juntamente com os Apóstolos, até ao dia do Pentecostes, quando devia visivelmente nascer a Igreja, saindo da obscuridade. 198

E em seguida, todas as gerações de discípulos e de quantos confessam e amam Cristo — à semelhança do Apóstolo João — acolheram espiritualmente em sua casa 199 esta Mãe, que assim, desde os mesmos primórdios, isto é, a partir do momento da Anunciação, foi inserida na história da Salvação e na missão da Igreja. Nós todos, portanto, os que formamos a geração hodierna dos discípulos de Cristo, desejamos unir-nos a Ela de modo particular. E fazêmo-lo com total aderência à tradição antiga e, ao mesmo tempo, com pleno respeito e amor pelos membros de todas as Comunidades cristãs.

Fazemo-lo, depois, impelidos por profunda ncessidade da fé, da esperança e da caridade. Se, efectivamente, nesta fase difícil e cheia de responsabilidade da história da Igreja e da humanidade nós advertimos uma especial necessidade de nos dirigir a Cristo, que é o Senhor da sua Igreja e o Senhor da história do homem, em virtude do mistério da Redenção, estamos convencidos de que ninguém mais como Maria poderá introduzir-nos na dimensão divina e humana deste mistério. Ninguém como Maria foi introduzido nele pelo próprio Deus. Nisto consiste o carácter excepcional da graça da Maternidade divina. Não somente é única e algo que se não pode repetir a dignidade desta Maternidade na história do género humano, mas única também pela profundidade e raio de acção é a participação de Maria no plano divino da salvação do homem, através do mistério da Redenção.

Este mistério formou-se, podemos dizer, sob o coração da Virgem de Nazaré, quando Ela pronunciou o seu « fiat » (faça-se). A partir daquele momento esse coração virginal e ao mesmo tempo materno, sob a particular acção do Espírito Santo, acompanha sempre a obra do seu Filho e palpita na direcção de todos aqueles que Cristo abraçou e abraça continuamente com o seu inexaurível amor. E, por isso mesmo, este coração deve ser também maternalmente inexaurível. A característica deste amor materno, que a Mãe de Deus insere no mistério da Redenção e na vida da Igreja, encontra a sua expressão na sua singular proximidade em relação ao homem e a todos as suas vicissitudes. Nisto consiste o mistério da Mãe. A Igreja, que A olha com amor e esperança muito particular, deseja apropriar-se deste mistério de maneira cada vez mais profunda. Nisto, de facto, a mesma Igreja reconhece também a via da sua vida quotidiana, que é todo o homem, todos e cada um dos homens.

O eterno amor do Pai, manifestando-se na história da humanidade através do Filho que o mesmo Pai deu « para que todo aquele que crê n'Ele não pereça mas tenha a vida eterna », 200 esse amor aproxima-se de cada um de nós por meio desta Mãe e, de tal modo, adquire sinais compreensíveis e acessíveis para cada homem. Por conseguinte, Maria deve encontrar-se em todas as vias da vida quotidiana da Igreja. Mediante a sua maternal presença, a Igreja ganha certeza de que vive verdadeiramente a vida do seu Mestre e Senhor, de que vive o mistério da Redenção em toda a sua vivificante profundidade e plenitude. De igual modo, a mesma Igreja, que tem as suas raízes em numerosos e variados campos da vida de toda a humanidade contemporânea, adquire também a certeza e, dir-se-ia, a experiência de estar bem próxima do homem, de todos e de cada um dos homens, de que é a sua Igreja: Igreja do Povo de Deus.

Perante tais tarefas, que surgem ao longo das vias da Igreja, ao longo daquelas vias que o Papa Paulo VI nos indicou claramente na primeira Encíclica do seu Pontificado, nós, cônscios da absoluta necessidade de todas estas vias e, ao mesmo tempo, das dificuldade que sobre elas se amontoam, sentimos ainda mais ser-nos indispensável uma profunda ligação com Cristo. Ressoam em nós, como um eco sonoro, as palavras que Ele disse: « Sem mim, nada podeis fazer ». 201 E não só sentimos esta necessidade, mas ainda um imperativo categórico para uma grande, intensa e crescente oração de toda a Igreja. Somente a oração pode fazer com que estas grandes tarefas e dificuldades que se lhes seguem não se tornem fonte de crise, mas ocasião e como que fundamento para conquistas cada vez mais maturadas na caminhada do Povo de Deus em direcção à Terra Prometida, nesta etapa da história que se vai aproximando do final do segundo Milénio.

Portanto, ao terminar esta meditação, com uma calorosa e humilde exortação à oração, desejo que se persevere nesta oração unidos com Maria, Mãe de Jesus, 202 assim como perseveraram os Apóstolos e discípulos do Senhor, após a Ascensão, no Cenáculo de Jerusalém. 203 E suplico a Maria, celeste Mãe da Igreja, sobretudo, que nesta oração do novo Advento da humanidade, Ela se digne de perseverar connosco, que formamos a Igreja, isto é, o Corpo Místico do Seu Filho unigénito. Eu espero que, graças a tal oração, nós possamos receber o Espírito Santo que desce sobre nós; 204 e, deste modo, tornar-nos testemunhas de Cristo « até às extremidades da terra », 205 como aqueles que sairam do Cenáculo de Jerusalém no dia do Pentecostes.

Com a Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 4 de Março, primeiro Domingo da Quaresma, do ano de 1979, primeiro do meu Pontificado.


(188) Cfr.
Jn 10,10.
(189) Jn 16,13.
(190) Cfr. Rm 5,5.
(191) Cfr. Conc. Oecum. Vat. Il, Const. dogm. de Ecclesia Lumen Gentium, LG 63-64: AAS 57 (1965), P. 64.
(192) Cfr. cap. VIII, LG 52-69: AAS 57 (1965), pp. 55-67.
(193) Allocutio in Vaticana Basilica inibita, tertia esatta Oecum. Concilii Vaticani II Sessione (21 Nov. 1964): AAS 56 (1964), P. 1015.
(194) Cfr. Conc. Oecum. Vat. II, Const. dogm. de Ecclesia Lumen Gentium, LG 56: AAS 57 (1965), p. 60.
(195) Ibidem. LG 56
(196) He 2,10.
(197) Cfr. Jn 19,26.
(198) Cfr. Ac 1,14 Ac 2.
(199) Cfr. Jn 19,27.
(200) Jn 3,16.
(201) Jn 15,5.
202) Cfr. Ac 1,14.
(203) Cfr. Ac 1,13.
(204) Cfr. Ac 1,8.
(205) Ibidem. Ac 1,8




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