Verbum Domini PT 42

As páginas «obscuras» da Bíblia


42 No contexto da relação entre Antigo e Novo Testamento, o Sínodo enfrentou também o caso de páginas da Bíblia que às vezes se apresentam obscuras e difíceis por causa da violência e imoralidade nelas referidas. Em relação a isto, deve-se ter presente antes de mais nada que a revelação bíblica está profundamente radicada na história.Nela se vai progressivamente manifestando o desígnio de Deus, actuando-se lentamente ao longo de etapas sucessivas, não obstante a resistência dos homens. Deus escolhe um povo e, pacientemente, realiza a sua educação. A revelação adapta-se ao nível cultural e moral de épocas antigas, referindo consequentemente factos e usos como, por exemplo, manobras fraudulentas, intervenções violentas, extermínio de populações, sem denunciar explicitamente a sua imoralidade. Isto explica-se a partir do contexto histórico, mas pode surpreender o leitor moderno, sobretudo quando se esquecem tantos comportamentos «obscuros» que os homens sempre tiveram ao longo dos séculos, inclusive nos nossos dias. No Antigo Testamento, a pregação dos profetas ergue-se vigorosamente contra todo o tipo de injustiça e de violência, colectiva ou individual, tornando-se assim o instrumento da educação dada por Deus ao seu povo como preparação para o Evangelho. Seria, pois, errado não considerar aqueles passos da Escritura que nos aparecem problemáticos. Entretanto deve-se ter consciência de que a leitura destas páginas requer a aquisição de uma adequada competência, através duma formação que leia os textos no seu contexto histórico-literário e na perspectiva cristã, que tem como chave hermenêutica última «o Evangelho e o mandamento novo de Jesus Cristo realizado no mistério pascal».[140] Por isso exorto os estudiosos e os pastores a ajudarem todos os fiéis a abeirar-se também destas páginas por meio de uma leitura que leve a descobrir o seu significado à luz do mistério de Cristo.

[140] Propositio 29.

Cristãos e judeus, relativamente às Sagradas Escrituras


43 Depois de considerar a íntima relação que une o Novo Testamento ao Antigo, é espontâneo fixar a atenção no vínculo peculiar que isso cria entre cristãos e judeus, um vínculo que não deveria jamais ser esquecido. Aos judeus, o Papa João Paulo II declarou: sois «os nossos “irmãos predilectos” na fé de Abraão, nosso patriarca».[141] Por certo, estas afirmações não significam ignorar as rupturas atestadas no Novo Testamento relativamente às instituições do Antigo Testamento e menos ainda o cumprimento das Escrituras no mistério de Jesus Cristo, reconhecido Messias e Filho de Deus. Mas esta diferença profunda e radical não implica de modo algum hostilidade recíproca. Pelo contrário, o exemplo de São Paulo (cf. ) demonstra que «uma atitude de respeito, estima e amor pelo povo judeu é a única atitude verdadeiramente cristã nesta situação que, misteriosamente, faz parte do desígnio totalmente positivo de Deus».[142] De facto, o Apóstolo afirma que os judeus, «quanto à escolha divina, são amados por causa dos Patriarcas, pois os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rm 11,28-29).

Além disso, usa a bela imagem da oliveira para descrever as relações muito estreitas entre cristãos e judeus: a Igreja dos gentios é como um rebento de oliveira brava enxertado na oliveira boa que é o povo da Aliança (cf. Rm 11,17-24). Alimentamo-nos, pois, das mesmas raízes espirituais. Encontramo-nos como irmãos; irmãos que em certos momentos da sua história tiveram um relacionamento tenso, mas agora estão firmemente comprometidos na construção de pontes de amizade duradoura.[143] Como disse o Papa João Paulo II noutra ocasião: «Temos muito em comum. Juntos podemos fazer muito pela paz, pela justiça e por um mundo mais fraterno e mais humano».[144]

Desejo afirmar uma vez mais quão precioso é para a Igreja o diálogo com os judeus. É bom que, onde isto se apresentar como oportuno, se criem possibilidades mesmo públicas de encontro e diálogo, que favoreçam o crescimento do conhecimento mútuo, da estima recíproca e da colaboração inclusive no próprio estudo das Sagradas Escrituras.

[141] João Paulo II, Mensagem ao Rabino-Chefe de Roma (22 de Maio de 2004): Insegnamenti27/1 (2004), 655.
[142] Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã (24 de Maio de 2001), 87: Ench. Vat. 20, n. 1150.
[143] Cf. Bento XVI, Discurso de despedida no Aeroporto Ben Gurion de Telavive (15 de Maio de 2009): Insegnamenti V/1 (2009), 847-849.
[144] João Paulo II, Discurso aos Rabinos-Chefes de Israel (23 de Março de 2000): Insegnamenti 23/1 (2000), 434.

A interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura


44 A atenção que quisemos dar até agora ao tema da hermenêutica bíblica, nos seus diversos aspectos, permite-nos abordar o tema – muitas vezes aflorado no debate sinodal – da interpretação fundamentalista da Sagrada Escritura.[145] Sobre este tema, a Pontifícia Comissão Bíblica, no documento A interpretação da Bíblia na Igreja, formulou indicações importantes. Neste contexto, desejo chamar a atenção sobretudo para aquelas leituras que não respeitam o texto sagrado na sua natureza autêntica, promovendo interpretações subjectivistas e arbitrárias. Na realidade, o «literalismo» propugnado pela leitura fundamentalista constitui uma traição tanto do sentido literal como do espiritual, abrindo caminho a instrumentalizações de variada natureza, difundindo por exemplo interpretações anti-eclesiais das próprias Escrituras. O aspecto problemático da «leitura fundamentalista é que, recusando ter em conta o carácter histórico da revelação bíblica, torna-se incapaz de aceitar plenamente a verdade da própria Encarnação. O fundamentalismo evita a íntima ligação do divino e do humano nas relações com Deus. (…) Por este motivo, tende a tratar o texto bíblico como se fosse ditado palavra por palavra pelo Espírito e não chega a reconhecer que a Palavra de Deus foi formulada numa linguagem e numa fraseologia condicionadas por uma dada época».[146] Ao contrário, o cristianismo divisa nas palavras a Palavra, o próprio Logos, que estende o seu mistério através de tal multiplicidade e da realidade de uma história humana.[147] A verdadeira resposta a uma leitura fundamentalista é «a leitura crente da Sagrada Escritura, praticada desde a antiguidade na Tradição da Igreja. [Tal leitura] procura a verdade salvífica para a vida do indivíduo fiel e para a Igreja. Esta leitura reconhece o valor histórico da tradição bíblica. Precisamente por este valor de testemunho histórico é que ela quer descobrir o significado vivo das Sagradas Escrituras destinadas também à vida do fiel de hoje»,[148] sem ignorar, portanto, a mediação humana do texto inspirado e os seus géneros literários.

[145] Cf. Propositiones 46 e 47.
[146] Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), I, F:Ench. Vat. 13, n. 2974.
[147] Cf. Bento XVI, Discurso aos homens de cultura no «Collège des Bernardins» de Paris(12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 726.
[148] Propositio 46.

Diálogo entre Pastores, teólogos e exegetas


45 A autêntica hermenêutica da fé acarreta algumas consequências importantes no âmbito da actividade pastoral da Igreja. Precisamente a este respeito, os Padres sinodais recomendaram, por exemplo, um relacionamento mais assíduo entre Pastores, exegetas e teólogos. É bom que as Conferências Episcopais favoreçam estes encontros com o «fim de promover uma maior comunhão no serviço da Palavra de Deus».[149] Tal cooperação ajudará a todos a realizarem melhor o próprio trabalho em benefício da Igreja inteira. De facto, situar-se no horizonte do trabalho pastoral quer dizer, mesmo para os estudiosos, olhar o texto sagrado na sua natureza de comunicação que o Senhor faz aos homens para a salvação. Portanto, como afirmou a Constituição dogmática Dei Verbum, «é preciso que os exegetas católicos e demais estudiosos da sagrada teologia trabalhem em íntima colaboração de esforços, para que, sob a vigilância do sagrado magistério, lançando mão de meios aptos, estudem e expliquem as divinas Letras, de modo que o maior número possível de ministros da Palavra de Deus possa oferecer com fruto ao Povo de Deus o alimento das Escrituras, que ilumine o espírito, robusteça as vontades e inflame os corações dos homens no amor de Deus».[150]

[149] Propositio 28.
[150] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum,
DV 23.

Bíblia e ecumenismo


46 Na certeza de que a Igreja tem o seu fundamento em Cristo, Verbo de Deus feito carne, o Sínodo quis sublinhar a centralidade dos estudos bíblicos no diálogo ecuménico, que visa a plena expressão da unidade de todos os crentes em Cristo.[151] De facto, na própria Escritura, encontramos a comovente súplica de Jesus ao Pai pelos seus discípulos para que sejam um só a fim de que o mundo creia (cf. Jn 17,21). Tudo isto nos fortalece na convicção de que escutar e meditar juntos as Escrituras nos faz viver uma comunhão real, embora ainda não plena;[152] pois «a escuta comum das Escrituras impele ao diálogo da caridade e faz crescer o da verdade».[153] De facto, ouvir juntos a Palavra de Deus, praticar a lectio divina da Bíblia, deixar-se surpreender pela novidade que nunca envelhece e jamais se esgota da Palavra de Deus, superar a nossa surdez àquelas palavras que não estão de acordo com as nossas opiniões ou preconceitos, escutar e estudar na comunhão dos fiéis de todos os tempos: tudo isto constitui um caminho a percorrer para alcançar a unidade da fé, como resposta à escuta da Palavra.[154] Verdadeiramente esclarecedoras eram estas palavras do Concílio Vaticano II: «No próprio diálogo [ecuménico], a Sagrada Escritura é um exímio instrumento da poderosa mão de Deus para a consecução daquela unidade que o Salvador oferece a todos os homens».[155] Por isso, é bom incrementar o estudo, o diálogo e as celebrações ecuménicas da Palavra de Deus, no respeito das regras vigentes e das diversas tradições.[156] Estas celebrações são úteis à causa ecuménica e, se vividas no seu verdadeiro significado, constituem momentos intensos de autêntica oração nos quais se pede a Deus para apressar o suspirado dia em que será possível abeirar-nos todos da mesma mesa e beber do único cálice. Entretanto, na justa e louvável promoção destes momentos, faça-se de modo que os mesmos não sejam propostos aos fiéis em substituição da participação na Santa Missa nos dias de preceito.

Neste trabalho de estudo e de oração, reconhecemos com serenidade também os aspectos que requerem ser aprofundados e que nos mantêm ainda distantes, como, por exemplo, a compreensão do sujeito da interpretação com autoridade na Igreja e o papel decisivo do Magistério.[157]

Além disso queria sublinhar o que os Padres sinodais disseram da importância que têm, neste trabalho ecuménico, as traduções da Bíblia nas diversas línguas. De facto, sabemos que traduzir um texto não é trabalho meramente mecânico, mas faz parte em certo sentido do trabalho interpretativo. A este respeito, o Venerável João Paulo II afirmou: «Quem recorda como influíram nas divisões, especialmente no Ocidente, os debates em torno da Escritura, pode compreender quanto seja notável o passo em frente representado por tais traduções comuns».[158] Por isso, a promoção das traduções comuns da Bíblia faz parte do trabalho ecuménico. Desejo aqui agradecer a todos os que estão comprometidos nesta importante tarefa e encorajá-los a continuarem na sua obra.

[151] Em todo o caso não se esqueça que, relativamente aos chamados Livros Deuterocanónicos do Antigo Testamento e à sua inspiração, os católicos e os ortodoxos não possuem exactamente o mesmo cânon bíblico que os anglicanos e os protestantes.
[152] Cf. Relatio post disceptationem, 36.
[153] Propositio 36.
[154] Cf. Bento XVI, Discurso no XI Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos (25 de Janeiro de 2007): AAS 99 (2007), 85-86.
[155] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, UR 21.
[156] Cf. Propositio 36.
[157] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, DV 10.
[158] Carta enc. Ut unum sint (25 de Maio de 1995), UUS 44: AAS 87 (1995), 947.

Consequências sobre a organização dos estudos teológicos


47 Outra consequência que deriva de uma adequada hermenêutica da fé diz respeito à necessidade de mostrar as suas implicações na formação exegética e teológica, particularmente dos candidatos ao sacerdócio. Faça-se com que o estudo da Sagrada Escritura seja verdadeiramente a alma da teologia, enquanto se reconhece nela a Palavra que Deus hoje dirige ao mundo, à Igreja e a cada um pessoalmente. É importante que os critérios indicados pelo número 12 da Constituição dogmáticaDei Verbum sejam efectivamente tomados em consideração e se tornem objecto de aprofundamento. Evite-se cultivar uma noção de pesquisa científica, que se considera neutral face à Escritura. Por isso, juntamente com o estudo das línguas próprias em que foi escrita a Bíblia e dos métodos interpretativos adequados, é necessário que os estudantes tenham uma profunda vida espiritual, para se aperceberem de que só é possível compreender a Escritura se a viverem.

Nesta perspectiva, recomendo que o estudo da Palavra de Deus, transmitida e escrita, se verifique sempre em profundo espírito eclesial, tendo em devida conta, na formação académica, as intervenções sobre estas temáticas feitas pelo Magistério, o qual «não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente».[159] Portanto tenha-se o cuidado de que os estudos se realizem reconhecendo que «a sagrada Tradição, a sagrada Escritura e o magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de tal maneira se unem e associam que um sem os outros não se mantém».[160] Desejo pois que, segundo a doutrina do Concílio Vaticano II, o estudo da Sagrada Escritura, lida na comunhão da Igreja universal, seja realmente como que a alma do estudo teológico.[161]

[159] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum,
DV 10
[160] Ibid., DV 10.
[161] Cf. ibid., DV 24.

Os Santos e a interpretação da Escritura


48 A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos.[162] De facto, «viva lectio est vita bonorum».[163] Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua.

Certamente não é por acaso que as grandes espiritualidades, que marcaram a história da Igreja, nasceram de uma explícita referência à Escritura. Penso, por exemplo, em Santo Antão Abade, que se decide ao ouvir esta palavra de Cristo: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céus; depois, vem e segue-Me» (
Mt 19,21).[164]Igualmente sugestivo é São Basílio Magno, quando, na sua obra Moralia, se interroga: «O que é próprio da fé? Certeza plena e segura da verdade das palavras inspiradas por Deus. (…) O que é próprio do fiel? Com tal certeza plena, conformar-se com o significado das palavras da Escritura, sem ousar tirar nem acrescentar seja o que for».[165] São Bento, na sua Regra, remete para a Escritura como «norma rectíssima para a vida do homem».[166] São Francisco de Assis – escreve Tomás de Celano – «ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem possuir ouro, nem prata, nem dinheiro, não devem trazer alforge, nem pão, nem cajado para o caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas, (…) logo exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto quero, isto peço, isto anseio realizar!».[167] E Santa Clara de Assis reproduz plenamente a experiência de São Francisco: «A forma de vida da Ordem das Irmãs pobres (…) é esta: observar o santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo».[168] Por sua vez, São Domingos de Gusmão «em toda a parte se manifestava como um homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras»,[169] e tais queria que fossem também os seus padres pregadores: «homens evangélicos».[170] Santa Teresa de Ávila, nos seus escritos, recorre continuamente a imagens bíblicas para explicar a sua experiência mística, e lembra que o próprio Jesus lhe manifesta que «todo o mal do mundo deriva de não se conhecer claramente a verdade da Sagrada Escritura».[171] Santa Teresa do Menino Jesus encontra o Amor como sua vocação pessoal, quando perscruta as Escrituras, em particular os capítulos 12 e 13 da Primeira Carta aos Coríntios;[172] e a mesma Santa assim nos descreve o fascínio das Escrituras: «Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr».[173] Cada Santo constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus: assim o vemos também em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual, em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens, em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à santidade; na Beata Teresa de Calcutá missionária da caridade de Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e do comunismo representados, os primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita, e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia.

[162] Cf. Propositio 22.
[163] São Gregório Magno, Moralia in Job 24, 8, 16: PL 76, 295.
[164] Cf. Santo Atanásio, Vita Antonii, II: PL 73, 127.
[165] Moralia, Regula 80, 22: PG 31, 867.
[166] Regra 73, 3: SC 182, 672.
[167] Tomás de Celano, Vita prima Sancti Francisci, IX, 22: Fontes franciscani, 356.
[168] Regra I, 1-2: Fontes franciscani, 2750.
[169] Beato Jordão da Saxónia, Libellus de principiis Ordinis Praedicatorum, 104: Monumenta Fratrum Praedicatorum Historica, 16 (Roma 1935), p. 75.
[170] Ordem dos Padres Pregadores, Primeiras Constituições ou Costumes, II, 31.
[171] Vida 40, 1.
[172] Cf. História de uma alma, Manuscrito B, MSB 3vº.
[173] Ibid., Manuscrito C, MSC 35vº.

49 Assim a santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se de certo modo na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efectuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.

Tivemos um testemunho directo desta ligação entre Palavra de Deus e santidade durante a XII Assembleia do Sínodo quando, a 12 de Outubro na Praça de São Pedro, se realizou a canonização de quatro novos Santos: o sacerdote Caetano Errico, fundador da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria; a Irmã Maria Bernarda Bütler, nascida na Suíça e missionária no Equador e na Colômbia; a Irmã Afonsa da Imaculada Conceição, primeira santa canonizada nascida na Índia; a jovem leiga equatoriana Narcisa de Jesus Martillo Morán. Com a sua vida, deram testemunho ao mundo e à Igreja da perene fecundidade do Evangelho de Cristo. Pedimos ao Senhor que, por intercessão destes Santos canonizados precisamente nos dias da assembleia sinodal sobre a Palavra de Deus, a nossa vida seja aquele «terreno bom» onde o Semeador divino possa semear a Palavra para que produza em nós frutos de santidade, a «trinta, sessenta, e cem por um» (
Mc 4,20).



II PARTE


VERBUM IN ECCLESIA

«A todos os que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus»

(Jn 1,12)

A palavra de Deus e a Igreja

A Igreja acolhe a Palavra


50 O Senhor pronuncia a sua Palavra para que seja acolhida por aqueles que foram criados precisamente «por meio» do Verbo. «Veio ao que era Seu» (Jn 1,11): desde as origens, a Palavra tem a ver connosco e a criação foi desejada numa relação de familiaridade com a vida divina. O Prólogo do quarto Evangelho apresenta-nos também a rejeição da Palavra divina por parte dos «Seus» que «não O receberam» (Jn 1,11). Não recebê-Lo quer dizer não ouvir a sua voz, não se configurar ao Logos. Mas, quando o homem, apesar de frágil e pecador, se abre sinceramente ao encontro com Cristo, começa uma transformação radical: «A todos os que O receberam, (…) deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jn 1,12). Receber o Verbo significa deixar-se plasmar por Ele, para se tornar, pelo poder do Espírito Santo, conforme a Cristo, ao «Filho Único que vem do Pai» (Jn 1,14). É o início de uma nova criação: nasce a criatura nova, um povo novo. Aqueles que crêem, ou seja, aqueles que vivem a obediência da fé «nasceram de Deus» (Jn 1,13), são feitos participantes da vida divina: filhos no Filho (cf. Ga 4,5-6 Rm 8,14-17). Santo Agostinho, comentando este trecho do Evangelho de João, afirma de modo sugestivo: «Por meio do Verbo foste feito, mas é necessário que por meio do Verbo sejas refeito».[174] Vemos esboçar-se aqui o rosto da Igreja como realidade que se define pelo acolhimento do Verbo de Deus, que, encarnando, colocou a sua tenda entre nós (cf. Jn 1,14). Esta morada de Deus entre os homens – a shekinah (cf. Ex 26,1) –, prefigurada no Antigo Testamento, realiza-se agora com a presença definitiva de Deus no meio dos homens em Cristo.

[174] In Iohannis Evangelium Tractatus, I, 12: PL 35, 1385.

Contemporaneidade de Cristo na vida da Igreja


51 A relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja não pode ser compreendida em termos de um acontecimento simplesmente passado, mas trata-se de uma relação vital na qual cada fiel, pessoalmente, é chamado a entrar. Realmente, falamos da Palavra de Deus que está hoje presente connosco: «Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,20). Como afirmou o Papa João Paulo II, «a contemporaneidade de Cristo com o homem de cada época realiza-se no seu corpo, que é a Igreja. Por esta razão, o Senhor prometeu aos seus discípulos o Espírito Santo, que lhes haveria de “lembrar” e fazer compreender os seus mandamentos (cf. Jn 14,26) e seria o princípio fontal de uma nova vida no mundo (cf. Jn 3,5-8 Rm 8,1-13)».[175] A Constituição dogmática Dei Verbum expressa este mistério com os termos bíblicos de um diálogo nupcial: «Deus, que outrora falou, dialoga sem interrupção com a esposa do seu amado Filho; e o Espírito Santo – por quem ressoa a voz do Evangelho na Igreja e, pela Igreja, no mundo – introduz os crentes na verdade plena e faz com que a palavra de Cristo neles habite em toda a sua riqueza (cf. Col 3,16)».[176]

Mestra de escuta, a Esposa de Cristo repete, com fé, também hoje: «Falai, Senhor, que a vossa Igreja Vos escuta».[177] Por isso, a Constituição dogmática Dei Verbum começa com estes termos: «O sagrado Concílio, ouvindo religiosamente a Palavra de Deus e proclamando-a com confiança…».[178] Com efeito, trata-se de uma definição dinâmica da vida da Igreja: «São palavras com as quais o Concílio indica um aspecto qualificante da Igreja: esta é uma comunidade que escuta e anuncia a Palavra de Deus. A Igreja não vive de si mesma, mas do Evangelho; e do Evangelho tira, sem cessar, orientação para o seu caminho. Temos aqui uma advertência que cada cristão deve acolher e aplicar a si mesmo: só quem se coloca primeiro à escuta da Palavra é que pode depois tornar-se seu anunciador».[179] Na Palavra de Deus proclamada e ouvida e nos Sacramentos, Jesus hoje, aqui e agora, diz a cada um: «Eu sou teu, dou-Me a ti», para que o homem O possa acolher e responder-Lhe dizendo por sua vez: «Eu sou teu».[180] Assim a Igreja apresenta-se como o âmbito onde podemos, por graça, experimentar o que diz o Prólogo de João: «A todos os que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jn 1,12).

[175] Carta enc. Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), VS 25: AAS 85 (1993), 1153.
[176] N. DV 8.
[177] Relatio post disceptationem, 11.
[178] N. DV 1.
[179] Bento XVI, Discurso no Congresso Internacional «A Sagrada Escritura na vida da Igreja» (16 de Setembro de 2005): AAS 97 (2005), 956.
[180] Cf. Relatio post disceptationem, 10.


Liturgia, lugar privilegiado da Palavra de Deus

A Palavra de Deus na sagrada Liturgia


52 Considerando a Igreja como «casa da Palavra»,[181] deve-se antes de tudo dar atenção à Liturgia sagrada. Esta constitui, efectivamente, o âmbito privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo, que escuta e responde. Cada acção litúrgica está, por sua natureza, impregnada da Sagrada Escritura. Como afirma a Constituição Sacrosanctum Concilium, «é enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua capacidade de significação as acções e os sinais».[182] Mais ainda, deve-se afirmar que o próprio Cristo «está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura».[183] Com efeito, «a celebração litúrgica torna-se uma contínua, plena e eficaz proclamação da Palavra de Deus. Por isso, constantemente anunciada na liturgia, a Palavra de Deus permanece viva e eficaz pela força do Espírito Santo, e manifesta aquele amor operante do Pai que não cessa jamais de agir em favor de todos os homens».[184] De facto, a Igreja sempre mostrou ter consciência de que, na acção litúrgica, a Palavra de Deus é acompanhada pela acção íntima do Espírito Santo que a torna operante no coração dos fiéis. Na realidade, graças ao Paráclito é que «a Palavra de Deus se torna fundamento da acção litúrgica, norma e sustentáculo da vida inteira. A acção do próprio Espírito Santo (…) sugere a cada um, no íntimo do coração, tudo aquilo que, na proclamação da Palavra de Deus, é dito para a assembleia inteira dos fiéis e, enquanto reforça a unidade de todos, favorece também a diversidade dos carismas e valoriza a acção multiforme».[185]

Por isso, para a compreensão da Palavra de Deus, é necessário entender e viver o valor essencial da acção litúrgica. Em certo sentido, a hermenêutica da fé relativamente à Sagrada Escritura deve ter sempre como ponto de referência a liturgia, onde a Palavra de Deus é celebrada como palavra actual e viva: «A Igreja, na liturgia, segue fielmente o modo de ler e interpretar as Sagradas Escrituras seguido pelo próprio Cristo, quando, a partir do “hoje” do seu evento, exorta a perscrutar todas as Escrituras».[186]

Aqui se vê também a sábia pedagogia da Igreja que proclama e escuta a Sagrada Escritura seguindo o ritmo do ano litúrgico. Vemos a Palavra de Deus distribuída ao longo do tempo, particularmente na celebração eucarística e na Liturgia das Horas. No centro de tudo, refulge o Mistério Pascal, ao qual se unem todos os mistérios de Cristo e da história da salvação actualizados sacramentalmente: «Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham de graça».[187] Por isso exorto os Pastores da Igreja e os agentes pastorais a fazer com que todos os fiéis sejam educados para saborear o sentido profundo da Palavra de Deus que está distribuída ao longo do ano na liturgia, mostrando os mistérios fundamentais da nossa fé. Também disto depende a correcta abordagem da Sagrada Escritura.

[181] Mensagem final, III, 6.
[182] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,
SC 24.
[183] Ibid., SC 7.
[184] Ordenamento das Leituras da Missa, 4.
[185] Ibid., 9.
[186] Ibid., 3; cf. Lc 4,16-21 Lc 24,25-35 Lc 24,44-49.
[187] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 102.

Sagrada Escritura e Sacramentos


53 Ocupando-se do tema do valor da liturgia para a compreensão da Palavra de Deus, o Sínodo dos Bispos quis sublinhar também a relação entre a Sagrada Escritura e a acção sacramental. É muito oportuno aprofundar o vínculo entre Palavra e Sacramento, tanto na acção pastoral da Igreja como na investigação teológica.[188] Certamente, «a liturgia da Palavra é um elemento decisivo na celebração de cada um dos sacramentos da Igreja»;[189] na prática pastoral, porém, nem sempre os fiéis estão conscientes deste vínculo, vendo a unidade entre o gesto e a palavra. É «dever dossacerdotes e diáconos, sobretudo quando administram os sacramentos, evidenciar a unidade que formam Palavra e Sacramento no ministério da Igreja».[190] De facto, na relação entre Palavra e gesto sacramental, mostra-se de forma litúrgica o agir próprio de Deus na história, por meio docarácter performativo da Palavra. Com efeito, na história da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. He 4,12), como aliás indica o significado do termo hebraico dabar. Do mesmo modo, na acção litúrgica, vemo-nos colocados diante da sua Palavra que realiza aquilo que diz. Quando se educa o Povo de Deus para descobrir o carácter performativo da Palavra de Deus na liturgia, ajudamo-lo também a perceber o agir de Deus na história da salvação e na vida pessoal de cada um dos seus membros.

[188] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 44-45: AAS 99 (2007), 139-141.
[189] Pont. Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja (15 de Abril de 1993), IV, C, 1: Ench. Vat. 13, n. 3123.
[190] Ibid., III, B, 3: o.c., n. 3056.

Palavra de Deus e Eucaristia


54 Quanto foi dito de modo geral a respeito da relação entre Palavra e Sacramentos, ganha maior profundidade aplicado à celebração eucarística. Aliás a unidade íntima entre Palavra e Eucaristia está radicada no testemunho da Escritura (cf. Jn 6 Lc 24), é atestada pelos Padres da Igreja e reafirmada pelo Concílio Vaticano II.[191] A este propósito, pensemos no grande discurso de Jesus sobre o pão da vida na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jn 6,22-69), que tem como pano de fundo o confronto entre Moisés e Jesus, entre aquele que falou face a face com Deus (cf. Ex 33,11) e aquele que revelou Deus (cf. Jn 1,18). De facto, o discurso sobre o pão evoca o dom de Deus que Moisés obteve para o seu povo com o maná no deserto, que na realidade é a Torah, a Palavra de Deus que faz viver (cf. Ps 119 Pr 9,5). Em Si mesmo, Jesus torna realidade esta figura antiga: «O pão de Deus é o que desce do Céu e dá a vida ao mundo. (...) Eu sou o pão da vida» (Jn 6,33 Jn 6,35). Aqui, «a Lei tornou-se Pessoa. Encontrando Jesus, alimentamo-nos por assim dizer do próprio Deus vivo, comemos verdadeiramente o pão do céu».[192] No discurso de Cafarnaum, aprofunda-se o Prólogo de João: se neste o Logos de Deus Se faz carne, naquele a carne faz-Se «pão» dado para a vida do mundo (cf. Jn 6,51), aludindo assim ao dom que Jesus fará de Si mesmo no mistério da cruz, confirmado pela afirmação acerca do seu sangue dado a «beber» (cf. Jn 6,53). Assim, no mistério da Eucaristia, mostra-se qual é o verdadeiro maná, o verdadeiro pão do céu: é o Logos de Deus que Se fez carne, que Se entregou a Si mesmo por nós no Mistério Pascal.

A narração de Lucas sobre os discípulos de Emaús permite-nos uma reflexão subsequente acerca do vínculo entre a escuta da Palavra e a fracção do pão (cf. Lc 24,13-35). Jesus foi ter com eles no dia depois do sábado, escutou as expressões da sua esperança desiludida e, acompanhando-os ao longo do caminho, «explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito» (Lc 24,27). Juntamente com este viajante que inesperadamente se manifesta tão familiar às suas vidas, os dois discípulos começam a ver as Escrituras de um novo modo. O que acontecera naqueles dias já não aparece como um fracasso, mas cumprimento e novo início. Todavia, mesmo estas palavras não parecem ainda suficientes para os dois discípulos. O Evangelho de Lucas diz que «abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-No» (Lc 24,31) somente quando Jesus tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lho deu; antes, «os seus olhos estavam impedidos de O reconhecerem» (Lc 24,16). A presença de Jesus, primeiro com as palavras e depois com o gesto de partir o pão, tornou possível aos discípulos reconhecê-Lo e apreciar de modo novo tudo o que tinham vivido anteriormente com Ele: «Não estava o nosso coração a arder cá dentro, quando Ele nos explicava as Escrituras?» (Lc 24,32).

[191] Cf. Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, SC 48 SC 51 SC 56; Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, DV 21 DV 26; Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, AGD 6 AGD 15; Decr. sobre o ministério e a vida dos presbíteros Presbyterorum ordinis, PO 18; Decr. sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, PC 6. Na grande tradição da Igreja, aparecem expressões significativas como: «Corpus Christi intelligitur etiam (…) Scriptura Dei – a Escritura de Deus também se considera Corpo de Cristo»: Waltramus, De unitate Ecclesiae conservanda, 1, 14 (ed. W. Schwenkenbecher, Hannoverae 1883), p. 33; «A carne do Senhor é verdadeiro alimento, e o seu sangue verdadeira bebida; tal é o verdadeiro bem que nos está reservado na vida presente: nutrirmo-nos da sua carne e beber o seu sangue, não só na Eucaristia mas também na leitura da Sagrada Escritura. De facto, verdadeiro alimento e verdadeira bebida é a Palavra de Deus que se absorve do conhecimento das Escrituras»: São Jerónimo, Commentarius in Ecclesiasten, III: PL 23, 1092 A.
[192] J. Ratzinger (Bento XVI), Jesus de Nazaré (Lisboa 2007), 336.

55 Vê-se a partir destas narrações como a própria Escritura leva a descobrir o seu nexo indissolúvel com a Eucaristia. «Por conseguinte, deve-se ter sempre presente que a Palavra de Deus, lida e proclamada na liturgia pela Igreja, conduz, como se de alguma forma se tratasse da sua própria finalidade, ao sacrifício da aliança e ao banquete da graça, ou seja, à Eucaristia».[193] Palavra e Eucaristia correspondem-se tão intimamente que não podem ser compreendidas uma sem a outra: a Palavra de Deus faz-Se carne, sacramentalmente, no evento eucarístico. A Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada Escritura, como esta, por sua vez, ilumina e explica o Mistério eucarístico. Com efeito, sem o reconhecimento da presença real do Senhor na Eucaristia, permanece incompleta a compreensão da Escritura. Por isso, «à palavra de Deus e ao mistério eucarístico a Igreja tributou e quis e estabeleceu que, sempre e em todo o lugar, se tributasse a mesma veneração embora não o mesmo culto. Movida pelo exemplo do seu fundador, nunca cessou de celebrar o mistério pascal, reunindo-se num mesmo lugar para ler, “em todas as Escrituras, aquilo que Lhe dizia respeito” (Lc 24,27) e actualizar, com o memorial do Senhor e os sacramentos, a obra da salvação».[194]

[193] Ordenamento das Leituras da Missa, 10.
[194] Ibidem.


Verbum Domini PT 42