Vita consecrata PT 105

A vida consagrada ao serviço do Reino de Deus

105 « Que seria do mundo se não existissem os religiosos? » (255). Deixando de lado as avaliações superficiais de funcionalismo, sabemos que a vida consagrada é importante precisamente por sersuperabundância de gratuidade e de amor, o que se torna ainda mais verdadeiro num mundo que se arrisca a ficar sufocado na vertigem do efémero. « Sem este sinal concreto, a caridade que anima a Igreja inteira correria o risco de refrear-se, o paradoxo salvífico do Evangelho de atenuar-se, o “sal” da fé de diluir-se num mundo em fase de secularização » (256). A vida da Igreja e a própria sociedade têm necessidade de pessoas capazes de se dedicarem totalmente a Deus e aos outros por amor de Deus.

A Igreja não pode absolutamente renunciar à vida consagrada, porque esta exprime de modo eloquente a sua íntima essência « esponsal ». Nela encontra novo impulso e vigor o anúncio do Evangelho a todo o mundo. Na verdade, há necessidade de quem apresente o rosto paterno de Deus e o rosto materno da Igreja, de quem ponha em jogo a própria vida, para que outros tenham vida e esperança. A Igreja precisa de pessoas consagradas que, ainda antes de se empenharem nesta ou naquela causa nobre, se deixem transformar pela graça de Deus e se conformem plenamente com o Evangelho.

A Igreja inteira encontra nas suas mãos este grande dom e, numa atitude de gratidão, dedica-se a promovê-lo com o seu apreço, a oração, o convite explícito a acolhê-lo. É importante que Bispos, presbíteros e diáconos, convencidos da excelência evangélica deste género de vida, trabalhem para descobrir e amparar os gérmens de vocação, com a pregação, o discernimento e um sábio acompanhamento espiritual. A todos os fiéis, pede-se uma oração constante pelas pessoas consagradas, para que o seu fervor e a sua capacidade de amar aumentem continuamente, contribuindo para difundir, na sociedade actual, o bom perfume de Cristo (cf.
2Co 2,15). Toda a Comunidade cristã — pastores, leigos e pessoas consagradas — é responsável pela vida consagrada, pelo acolhimento e amparo prestado às novas vocações (257).

(255) S. Teresa de Jesus, Livro da vida, c. VIE 32, 11.
(256) Paulo VI, Exort. ap. Evangelica testificatio (29 de Junho de 1971), 3: AAS 63 (1971), 498.
(257) Cf. propositio 48.


À juventude

106 A vós, jovens, digo: se sentirdes o chamamento do Senhor, não o recuseis! Entrai, antes, corajosamente nas grandes correntes de santidade, que foram iniciadas por santas e santos insignes no seguimento de Cristo. Cultivai os anseios típicos da vossa idade, mas aderi prontamente ao projecto de Deus sobre vós, se Ele vos convida a procurar a santidade na vida consagrada. Admirai todas as obras de Deus no mundo, mas sabei fixar o olhar sobre aquelas realidades que jamais terão ocaso.

O terceiro milénio aguarda a contribuição da fé e da inventiva de uma multidão de jovens consagrados, para que o mundo se torne mais sereno e capaz de acolher a Deus e, n'Ele, todos os seus filhos e filhas.



Às famílias

107 Dirijo-me a vós, famílias cristãs. Vós, pais, dai graças a Deus, se Ele chamou algum dos vossos filhos à vida consagrada. Deve ser considerada — como sempre o foi — uma grande honra que o Senhor pouse o olhar sobre uma família e escolha algum dos seus membros, convidando-o a abraçar o caminho dos conselhos evangélicos! Cultivai o desejo de dar ao Senhor algum dos vossos filhos para o crescimento do amor de Deus no mundo. Que fruto do amor conjugal poderia ser mais belo do que este?

Importa recordar que, se os pais não vivem os valores evangélicos, dificilmente o jovem e a jovem poderão perceber o chamamento, compreender a necessidade dos sacrifícios a enfrentar, apreciar a beleza da meta a atingir. De facto, é na família que os jovens fazem as primeiras experiências dos valores evangélicos, do amor que se dá a Deus e aos outros. Também é necessário que eles sejam educados para o uso responsável da sua liberdade, para estarem dispostos a viver, segundo a própria vocação, das mais altas realidades espirituais.

Rezo por vós, famílias cristãs, para que, unidas ao Senhor pela oração e pela vida sacramental, sejais fecundos viveiros de vocações.


Aos homens e mulheres de boa vontade

108 A todos os homens e mulheres que quiserem ouvir a minha voz, desejo fazer chegar o convite a procurarem os caminhos que conduzem ao Deus vivo e verdadeiro, mesmo nos itinerários traçados pela vida consagrada. As pessoas consagradas testemunham que « aquele que segue Cristo, o homem perfeito, torna-se mais homem » (258). Quantas delas se debruçaram, e continuam a fazê-lo, como bons samaritanos, sobre as inúmeras feridas dos irmãos e irmãs que encontram pela sua estrada!

Olhai para estas pessoas fascinadas por Cristo, que, no seu autodomínio sustentado pela graça e pelo amor de Deus, apontam o remédio contra a avidez do ter, do prazer, e do poder. Não esqueçais os carismas que plasmaram maravilhosos « perscrutadores de Deus » e benfeitores da humanidade, que abriram caminhos seguros para quantos procuram Deus de coração sincero. Considerai o grande número de santos criados neste género de vida, considerai o bem feito ao mundo, ontem e hoje, por quem se dedicou a Deus! Porventura este nosso mundo não tem necessidade de radiosas testemunhas e verdadeiros profetas da força benfazeja do Amor de Deus? Não tem ele necessidade também de homens e mulheres que, com a sua vida e a sua acção, saibam espalhar sementes de paz e de fraternidade? (259).

(258) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
GS 41.
(259) Cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangelica testificatio (29 de Junho de 1971), 53: AAS 63 (1971), 524; Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), EN 69: AAS 68 (1976), 59.


Às pessoas consagradas

109 Mas é sobretudo a vós, mulheres e homens consagrados, que no final desta Exortação dirijo o meu apelo confiante: vivei plenamente a vossa dedicação a Deus, para não deixar faltar a este mundo um raio da beleza divina que ilumine o caminho da existência humana. Os cristãos, imersos nas lides e preocupações deste mundo mas chamados eles também à santidade, têm necessidade de encontrar em vós corações puros que, na fé, « vêem » a Deus, pessoas dóceis à acção do Espírito Santo que caminham diligentes na fidelidade ao carisma da sua vocação e missão.

Como bem sabeis, abraçastes um caminho de conversão contínua, de dedicação exclusiva ao amor de Deus e dos irmãos, para testemunhar de modo cada vez mais esplendoroso a graça que transfigura a existência cristã. O mundo e a Igreja procuram autênticas testemunhas de Cristo. E a vida consagrada é um dom oferecido por Deus para que seja colocada à vista de todos a « única coisa necessária » (cf.
Lc 10,42). Dar testemunho de Cristo com a vida, com as obras e com as palavras, é missão peculiar da vida consagrada na Igreja e no mundo.

Vós sabeis em quem pusestes a vossa confiança (cf. 2Tm 1,12): dai-Lhe tudo! Os jovens não se deixam enganar: quando vêm ter convosco, querem ver aquilo que não vêem em mais parte nenhuma. Tendes uma responsabilidade imensa no que diz respeito ao amanhã: especialmente os jovens consagrados, testemunhando a sua consagração, podem induzir os da sua idade à renovação da própria vida (260). O amor apaixonado por Jesus Cristo é uma atracção poderosa sobre os outros jovens, que Ele, na sua bondade, chama a segui-Lo de perto e para sempre. Os nossos contemporâneos querem ver, nas pessoas consagradas, a alegria que brota do facto de estar com o Senhor.

Pessoas consagradas, idosas e jovens, vivei a fidelidade ao vosso compromisso com Deus, na mútua edificação e apoio recíproco. Não obstante as dificuldades que às vezes pudésseis ter encontrado e a diminuição do apreço pela vida consagrada em certa opinião pública, vós tendes a tarefa de convidar novamente os homens e mulheres do nosso tempo a olharem para o alto, a não se deixarem submergir pelas coisas de cada dia, mas a deixarem-se fascinar por Deus e pelo Evangelho do seu Filho. Não esqueçais que vós, de modo muito particular, podeis e deveis dizer não só que sois de Cristo, mas que « vos tornastes Cristo » (261).

(260) Cf. propositio 16.
(261) S. Agostinho, In Ioannis Evang., XXI, 8: PL 35, 1568.


Olhar para o futuro

110 Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas.

Fazei da vossa vida uma ardente expectativa de Cristo, indo ao encontro d'Ele como virgens prudentes que vão ao encontro do Esposo. Permanecei sempre disponíveis, fiéis a Cristo, à Igreja, ao vosso Instituto e ao homem do nosso tempo (262). Deste modo, sereis renovados por Ele, dia após dia, para construir com o seu Espírito comunidades fraternas, para com Ele lavar os pés aos pobres e dar a vossa insubstituível contribuição para a transfiguração do mundo.

Este nosso mundo confiado às mãos do homem, enquanto vai entrando no novo milénio, possa tornar-se cada vez mais humano e justo, sinal e antecipação do mundo futuro, onde Ele, o Senhor humilde e glorioso, pobre e triunfante, será a alegria plena e duradoura para nós e para os nossos irmãos e irmãs, com o Pai e o Espírito Santo.

(262) Cf. Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, Doc. Religiosos e promoção humana (12 de Agosto de 1980), 13-31: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa: 18 de Janeiro de 1981), 7.



Oração à Trindade

111 Santíssima Trindade, beata e beatificante, tornai felizes os vossos filhos e filhas que chamastes para confessarem a grandeza do vosso amor, da vossa bondade misericordiosa e da vossa beleza.

Pai Santo, santificai os filhos e filhas que se consagraram a Vós, para a glória do vosso nome. Acompanhai-os com o vosso poder, para que possam testemunhar que Vós sois a Origem de tudo, a única fonte do amor e da liberdade. Agradecemo-Vos o dom da vida consagrada, que na fé Vos procura e, na sua missão universal, convida a todos a caminharem para Vós.

Jesus Salvador, Verbo Encarnado, tendo entregue a vossa forma de vida àqueles que chamastes, continuai a atrair para Vós pessoas que sejam, para a humanidade do nosso tempo, depositárias de misericórdia, prenúncio do vosso regresso, sinal vivo dos bens da ressurreição futura. Que nenhuma tribulação os separe de Vós e do vosso amor!

Espírito Santo, Amor derramado nos corações, que concedeis graça e inspiração à mente, Fonte perene de vida, que levais a cabo a missão de Cristo com os numerosos carismas, nós Vos pedimos por todas as pessoas consagradas. Enchei o seu coração com a certeza íntima de terem sido escolhidas para amar, louvar e servir. Fazei-lhes saborear a vossa amizade, cumulai-as da vossa alegria e do vosso conforto, ajudai-as a superarem os momentos de dificuldade e a levantarem-se confiadamente depois das quedas, tornai-as espelho da beleza divina. Dai-lhes a coragem de enfrentar os desafios do nosso tempo e a graça de levarem aos homens a bondade e o amor do nosso Salvador Jesus Cristo (cf.
Tt 3,4).


Prece à Virgem Maria

112 Ó Maria, figura da Igreja, Esposa sem ruga nem mancha, que imitando-Vos « conserva virginalmente (...) uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma verdadeira caridade » (263), amparai as pessoas consagradas na busca da eterna e única Bem-aventurança.

Confiamo-las a Vós, Virgem da Visitação, para que saibam correr ao encontro das necessidades humanas, para levarem ajuda, mas sobretudo para levarem Jesus. Ensinai-lhes a proclamar as maravilhas que o Senhor realiza no mundo, para que todos os povos glorifiquem o seu nome. Sustentai-as na sua acção em favor dos pobres, dos famintos, dos desesperados, dos últimos e de todos aqueles que procuram o vosso Filho com coração sincero.

A vós, Mãe, que quereis a renovação espiritual e apostólica dos vossos filhos e filhas na resposta de amor e dedicação total a Cristo, dirigimos confiantes a nossa oração. Vós que fizestes a vontade do Pai, pronta na obediência, corajosa na pobreza, acolhedora na virgindade fecunda, alcançai do vosso divino Filho que, quantos receberam o dom de O seguir na vida consagrada, saibam testemunhá-Lo com uma existência transfigurada, caminhando jubilosamente, com todos os outros irmãos e irmãs, para a pátria celeste e para a luz que não conhece ocaso.

Nós Vo-lo pedimos, para que, em todos e em tudo, seja glorificado, bendito e amado o Supremo Senhor de todas as coisas que é Pai, Filho e Espírito Santo.

Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 25 de Março, Solenidade da Anunciação do Senhor, do ano 1996, décimo oitavo de Pontificado.


JOÃO PAULO II


(263) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
LG 64.


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