CONGREGAÇÃO PARA O CLERO

CARTA POR OCASIÃO
DO DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO
PELA SANTIFICAÇÃO SACERDOTAL

"O sacerdote, alimentado pela Palavra de Deus
é testemunha universal da caridade de Cristo"

 

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, 15 de Junho de 2007

Queridos amigos sacerdotes!

O Dia Mundial de Oração pela Santificação Sacerdotal, que será celebrado na iminente Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, oferece a ocasião para reflectirmos juntos sobre o dom do nosso ministério sacerdotal, partilhando a vossa solicitude pastoral por todos os crentes e pela humanidade inteira, e de modo específico pela porção do povo de Deus confiado aos vossos respectivos Ordinários, dos quais sois os mais preciosos colaboradores.

O tema que vem proposto este ano, "O sacerdote, alimentado pela Palavra de Deus, é testemunha universal da caridade de Cristo", coloca-se em sintonia com o recente Magistério de Bento XVI e, de modo particular, com a Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis (22.2.2007). Nela, o Santo Padre escreve: "Não podemos ter para nós o amor que celebramos no sacramento. Por sua natureza, ele pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é o amor de Deus, é encontrar Cristo e acreditar n'Ele. Por isso a Eucaristia não é só fonte e ápice da vida da Igreja; também é da sua missão: "Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária" (Propositio 42)" (n. 84).

1. Homem de Deus homem da missão

Levar Deus aos homens: esta é a missão essencial do sacerdote, missão que o ministro sagrado pode realizar porque, sendo escolhido por Deus, vive para Ele, e por Ele. O Santo Padre no seu Discurso à sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe (13.5.2007) com o tema "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n'Ele nossos povos tenham vida", disse, dirigindo-se aos sacerdotes: "Os primeiros promotores do discipulado e da missão são quantos foram chamados "para andar com Jesus e ser enviados a pregar" (cf. Mc 3, 14). ...O sacerdote deve ser antes de tudo um "homem de Deus" (1 Tm 6, 11) que conhece directamente Deus, que tem uma amizade profunda com Jesus, que partilha com os outros os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Fl 2, 5). Só assim o sacerdote será capaz de conduzir os homens a Deus, encarnado em Jesus Cristo, e ser representante do seu amor" (n. 5).

Esta verdade é expressa o versículo de um salmo sacerdotal que outrora fazia parte do rito de admissão ao estado clerical: "O Senhor é minha parte de herança e meu cálice: nas tuas mãos está a minha vida" (Sl 16, 5). Do Deuteronómio (cf. 10, 9) sabemos que depois da tomada de posse da terra prometida, cada tribo era beneficiária por sorteio de uma porção da mesma, realizando-se assim a promessa divina feita a Abraão. Só a tribo de Levi não recebeu terreno algum porque a sua terra era o próprio Deus. A afirmação tinha certamente também um motivo prático: os sacerdotes não viviam, como as outras tribos, do cultivo da terra, mas das ofertas.

Contudo a mesma afirmação do salmista é sinal e símbolo de uma realidade mais profunda: o verdadeiro fundamento da vida sacerdotal, o solo da existência do sacerdote, a terra da sua vida é o próprio Deus. A Igreja viu nesta interpretação veterotestamentária a explicação do que significa a missão sacerdotal no seguimento dos Apóstolos e na comunhão com o próprio Cristo. Em relação a isto Bento XVI disse: "O sacerdote pode e deve dizer também hoje com o levita "Dominus pars hereditatis meae et calicis mei". O próprio Deus é parte da minha terra, o fundamento interno e externo da minha existência. Esta teocentricidade da existência sacerdotal é tanto mais preciosa e deve ser evidenciada precisamente num mundo totalmente funcionalista, no qual tudo se funda em prestações calculáveis e verificáveis. O sacerdote deve verdadeiramente conhecer Deus a partir de dentro e fazer experiência dele e levá-lo aos homens: é este o serviço prioritário do qual a humanidade de hoje precisa" (Discurso à Cúria Romana por ocasião dos votos de Natal, 22.12.2006).

Se numa vida sacerdotal se perde esta centralidade de Deus, esvazia-se todo o fundamento do agir pastoral e no excesso do activismo corre-se o risco de perder o conteúdo e o sentido do serviço pastoral.

Então poderiam crescer protagonismo e extravagâncias desviantes. Em vez da substância teríamos substitutos. Correr-se-ia em vão, esgotando-se sem progredir.

Só os que aprenderam "a permanecer com Cristo" estão prontos para ser por Ele "convidados a evangelizar" com autenticidade (cf. Mc 3, 14). Um amor apaixonado por Cristo é o segredo de um anúncio convicto de Cristo. "Sê homem de oração antes de seres pregador", dizia Santo Agostinho (De doctrina christiana, 4, 15, 32: PL 34, 100), exortando os ministros ordenados a ser discípulos de oração na escola do Mestre.

A Igreja, ao celebrar a Solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, convida todos os crentes a elevar o olhar de fé "para aquele que trespassaram" (Jo 19, 37), para o Coração de Cristo, sinal vivo e eloquente do amor invencível de Deus e fonte inexaurível de graça. Fá-lo, exortando os sacerdotes a procurar em si mesmos este sinal, enquanto depositários e administradores das riquezas do Coração de Cristo, e a derramar o amor misericordioso de Cristo sobre os outros, sobre todos.

Verdadeiramente "a caridade de Cristo nos constrange" (2 Cor 5, 14) escreve São Paulo. "Se queres amar Cristo, alarga a tua caridade a toda a terra, porque os membros de Cristo estão em todo o mundo", recorda-nos Santo Agostinho (Comentário à I Carta de São João 10, 5).

Por isso cada sacerdote deve ter um espírito missionário, isto é, espírito verdadeiramente "católico", deve "recomeçar a partir de Cristo" para se dirigir a todos, recordando-se de quanto afirmou o nosso Salvador que "quer que todos os homens sejam salvos e alcancem o conhecimento da verdade" (1 Tm 2, 4-6). O sacerdote é chamado a encontrar Cristo na oração, e a conhecê-lo e amá-lo também no caminho da Cruz, que é o caminho do activo e abnegado serviço da caridade. Só assim é provada e testemunhada a autenticidade do seu amor por Deus e é reflectido sobre todos o Rosto misericordioso de Cristo. "A beleza desta imagem resplandece em nós que somos em Cristo, quando nos mostramos homens bons nas obras", recorda-nos São Cirilo de Alexandria (Tractatus ad Tiberium Diaconum socioque, II, in divi Johannis Evangelium).

2. Para ser testemunha autêntica da caridade de Cristo na sociedade

A missão que o sacerdote recebe na Ordenação não é um elemento exterior e justaposto à consagração, mas constitui o seu destino intrínseco e vital: "a consagração é para a missão" (João Paulo II Exortação Apost. Pastores dabo vobis, 24).

"Amor a Deus e amor ao próximo fundem-se entre si: no mais humilde encontramos o próprio Jesus e em Jesus encontramos Deus" escreveu o Santo Padre (Carta enc. Deus caritas est, 15).

Na Eucaristia que é o tesouro inestimável da Igreja de modo particular, fazendo-nos generosos ministros do Pão de vida eterna, somos convidados sempre a contemplar a beleza e a profundidade do mistério do amor de Cristo e a derramar o ímpeto do seu Coração apaixonado sobre todos os homens sem distinção, sobretudo sobre os pobres e os débeis, sobre os mais pobres entre os pobres que são os pecadores, num ininterrupto, humilde e na maior parte das vezes escondido serviço de caridade.

É parte constitutiva da forma eucarística da existência sacerdotal a tensão missionária. Em relação a isto o Santo Padre escreve: "A primeira e fundamental missão que nos vem dos santos Mestres que celebramos é dar testemunho com a nossa vida. O enlevo pelo dom que Deus nos fez em Cristo imprime à nossa existência um dinamismo novo comprometendo-nos a ser testemunhas do seu amor. Tornamo-nos testemunhas quando, através das nossas acções, palavras e modo de ser, Outro surge e se comunica" (Exort. Apost. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 85).

O sacerdote é chamado a fazer-se "pão repartido para a vida do mundo", a servir todos com o amor de Cristo que nos amou "até ao fim": assim a Eucaristia torna-se na vida sacerdotal o que ela significa na celebração. O Sacrifício de Cristo é mistério de libertação que nos interpela e provoca continuamente.

Cada sacerdote sinta em si mesmo a urgência de ser realmente realizador de justiça e de solidariedade entre os homens: diante deles, o sacerdote é chamado a testemunhar o próprio Cristo. Alimentados pela Palavra de vida, os sacerdotes não podem permanecer à margem da luta pela defesa e pela proclamação da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos universais e inalienáveis. A propósito, escreveu Bento XVI: "Precisamente em virtude do Mistério que celebramos, é preciso denunciar as circunstâncias que estão em contraste com a dignidade do homem, pelo qual Cristo derramou o seu sangue, afirmando assim o alto valor de cada pessoa individualmente" (Ibid.,89).

Descobriremos o verdadeiro sentido do amoris officium, daquela caridade pastoral da qual fala Santo Agostinho (In Iohannis Evangelium Tractatus 123, 5: CCL 36, 687): a Igreja, como Esposa de Cristo, deseja ser amada pelo sacerdote do modo total e exclusivo com que o próprio Cristo, Cabeça e Esposo a amou. Compreenderemos a motivação teológica da lei eclesiástica sobre o celibato na Igreja Latina e do seu vínculo de conveniência profundíssima com a Ordenação sagrada: como dom inestimável de Deus, como singular participação na paternidade de Deus e na fecundidade da Igreja, como formidável energia missionária, como amor maior, como testemunho ao mundo do reino escatológico. O celibato, acolhido com decisão livre e amorosa, torna-se dom de si em e com Cristo à sua Igreja e expressa o serviço do sacerdote à Igreja em e com o Senhor (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbyterorum ordinis, 16; João Paulo II, Exort. apost. Pastores dabo vobis, n. 29).

Podemos perguntar: mas quais são estes âmbitos do testemunho sacerdotal da caridade de Cristo?
a) Antes de tudo, a missão, o Kerigma e a catequese; as catequeses dos jovens e dos adultos, dos próximos e dos distantes. Nela transmite-se de forma completa e clara a mensagem de Cristo. Nos tempos actuais é urgente um conhecimento adequado da fé, como está sintetizada no Catecismo da Igreja Católica, com o seu Compêndio.

Trata-se de não poupar esforços para ir à procura dos católicos que se afastaram e dos que pouco ou nada conhecem de Cristo. A este propósito, Bento XVI dirigindo-se aos Bispos do Brasil recentemente disse: "Faz parte da catequese essencial também a educação nas virtudes pessoais e sociais do cristão, assim como a educação para a responsabilidade social... Devemos ser fiéis servidores da Palavra, sem visões redutivas nem confusões na missão que nos é confiada. Não basta observar a realidade a partir da fé pessoal; é necessário trabalhar com o Evangelho nas mãos e ancorados na autêntica herança da Tradição apostólica, sem interpretações motivadas por ideologias racionalistas" (Discurso no Encontro e Celebração das Vésperas com os Bispos do Brasil, 11.5.2007, nn. 4 e 5).

Neste campo não são suficientes os lugares tradicionais da catequese lições, conferências ou cursos de Bíblia e teologia mas é necessário abrir-se aos outros novos areópagos da cultura global: além da imprensa, da rádio e da televisão, dever-se-á recorrer em maior medida ao correio electrónico, aos sites da internet, às pages, às vídeo-conferências, e a muitos outros sistemas recentes, para comunicar eficazmente o kerigma a um grande número de pessoas. A mesma presença, também externa, da pastoral, com uma atitude consequente ao próprio "ser" deve constituir uma catequese para todos. Por vezes talvez tenhamos subestimado demasiado este aspecto que o povo mostra apreciar e que, se é expressão de conteúdos, não constitui formalismos mas forma adequada para veicular a substância.

b) Outro âmbito deste testemunho é a promoção das instituições eclesiais de beneficência que, a vários níveis, podem desempenhar um precioso serviço em relação aos mais necessitados e débeis. "Se as pessoas que encontramos vivem numa situação de pobreza, é preciso ajudá-las como faziam as primitivas comunidades cristãs, praticando a solidariedade porque se sentiam verdadeiramente amadas", recordou recentemente o Pontífice no Encontro acima mencionado (Bento XVI, ibid., n. 3).

"Devemos denunciar quem esbanja as riquezas da terra, provocando desigualdades que bradam aos céus (cf. Tg 5, 4)", escreveu Bento XVI e prosseguiu afirmando: "O Senhor Jesus, Pão de vida eterna, estimula-nos e torna-nos atentos às situações de indigência em que ainda se encontra grande parte da humanidade: são situações cuja causa exige com frequência uma clara e preocupante responsabilidade dos homens" (Exort. Apost. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 90).

c) O apoio da cultura da vida. Em toda a parte, os sacerdotes, em comunhão com os seus Ordinários, são chamados a promover uma cultura da vida que permita, como afirmava Paulo VI "passar da miséria à posse do necessário, da aquisição da cultura... à cooperação do bem comum... até ao reconhecimento, por parte do homem, dos valores supremos e de Deus que é a sua fonte e fim" (Carta enc. Populorum progressio, 21). A este propósito será necessário pôr em evidência, na formação dos fiéis leigos, que o desenvolvimento autêntico deve ser integral, isto é, orientado para a promoção de todo o homem e de todos os homens, sugerindo aqueles meios necessários para suprimir as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças no acesso aos bens.

d) A formação dos fiéis leigos. Eles, formados na escola da Eucaristia, serão cada vez mais exortados a assumir directamente as suas responsabilidades políticas e sociais em coerência motivada com o próprio baptismo. Todos os homens e mulheres baptizados devem tomar consciência de que foram configurados na Igreja com Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor, por meio do sacerdócio comum dos fiéis. Eles devem sentir-se co-responsáveis na construção da sociedade segundo os critérios do Evangelho e, em particular, segundo a doutrina social da Igreja. "Esta doutrina, maturada durante toda a história da Igreja, caracteriza-se pelo realismo e equilíbrio, ajudando assim a evitar desviantes compromissos ou utopias vazias" (Bento XVI, Exort. Apost. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 91).

Como recordou várias vezes o Magistério petrino, aos fiéis leigos incumbe a especial responsabilidade de transformar as estruturas injustas e de erigir as justas, sem as quais uma sociedade justa não se pode reger, produzindo o consentimento necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo o modelo destes valores (cf. Bento XVI, Discurso à sessão inaugural da V Conferência geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, n. 4).

e) O apoio à família. Todos os sacerdotes, são chamados a amparar a família cristã promovendo de diversos modos, segundo os diferentes carismas vocacionais e a missão que vos foi confiada, uma adequada e orgânica pastoral familiar nas respectivas comunidades eclesiais (cf. João Paulo II, Novo millennio ineunte, n. 47). Importância particular tem a necessidade de defender o valor da unicidade do matrimónio, como união para toda a vida entre um homem e uma mulher, na qual, como marido e mulher, eles participam na amorosa obra da criação de Deus.

Infelizmente numerosas doutrinas políticas e correntes de pensamento continuam a fomentar uma cultura que fere a dignidade do homem, ignorando ou comprometendo, em diversas medidas, a verdade sobre o matrimónio e sobre a família. O sacerdote deve proclamar em nome de Cristo, sem se cansar, que a família, como formadora da pessoa por excelência, é indispensável para uma verdadeira "ecologia humana" (cf. João Paulo II, Centesimus annus, 39).

3. Alegre por elevar o cálice da salvação e invocar o nome do Senhor (cf. Sl 115, 12-13)
João Paulo II na sua Carta aos sacerdotes para a Quinta-Feira Santa de 2002, exclamava: "Que vocação maravilhosa é a nossa, meus queridos irmãos sacerdotes! Verdadeiramente podemos repetir com o Salmista: "Que darei eu ao Senhor por todos os Seus benefícios? Elevarei o cálice da salvação invocando o nome do Senhor" (Sl 115, 12-13).

Este cálice é o cálice da bênção (cf. 1 Cor 10, 16), o cálice da nova aliança (cf. Lc 22, 20; 1 Cor 11, 25).

São Basílio comenta a este propósito: "Que darei eu ao Senhor? Não sacrifícios, nem holocaustos... mas toda a minha própria vida. Por isso diz o salmista: Elevarei o cálice da salvação, chamando cálice o sofrimento no combate espiritual, a resistência ao pecado até à morte" (Homilia sobre o Salmo 115: PG XXX, 109).

Como experimentaram tantos santos sacerdotes no cumprimento heróico do seu ministério, assim também nós somos convidados a haurir da Eucaristia a força necessária para testemunhar a Verdade, sem concessões, "irenismos, sem falsos compromissos para não adulterar o Evangelho", como recordava Bento XVI no seu encontro com os Bispos da Alemanha (Discurso no Seminário de Colónia, 21.8.2005).

Em sociedades e culturas muitas vezes fechadas à transcendência, sufocadas por comportamentos consumistas, escravas de antigas e novas idolatrias, redescobrimos com admiração o sentido do Mistério eucarístico. Renovemos as nossas celebrações litúrgicas para que sejam sinais cada vez mais eloquentes da presença de Cristo nas nossas Dioceses, em particular nas nossas Paróquias; garantamos novos espaços ao silêncio, à oração e à contemplação adorante da Eucaristia, para ter em nós um verdadeiro espírito missionário vibrante.

Disse João Paulo II aos nossos irmãos Prelados de Portugal: "Como sentinelas da Casa de Deus, vigiai, estimados Irmãos, para que em toda a vida eclesial se reproduza de qualquer forma o ritmo binário da Santa Missa, com a liturgia da palavra e com a liturgia eucarística. Sirva-vos de exemplo o caso dos discípulos de Emaús, que reconheceram Jesus só ao repartir do pão (cf. Lc 24, 13-35)" (Discurso aos Bispos de Portugal em visita "ad limina Apostolorum", n. 6: em L'Oss. Rom. de 1.12.1999).

Na Eucaristia está encerrado o segredo da fidelidade e da perseverança dos nossos fiéis, da segurança e da solidariedade das nossas Comunidades eclesiais, no meio das aflições e das dificuldades do mundo. Na nossa pastoral, feita de palavras e de Sacramento, evitaremos os obstáculos do activismo, do fazer por fazer, e superaremos os ataques do laicismo e do secularismo onde Cristo não tem voz nem lugar, levando aí o Pão de vida eterna.

Pensemos na importância missionária das nossas paróquias que constituem como que o tecido de conexão das nossas Dioceses (cf. CIC, 374 1).

Pensemos em cada paróquia, que é uma comunitas christifidelium e que não o pode ser se não for uma comunidade-eucaristia e aberta aos mais distantes, isto é, se não for uma comunidade idónea para celebrar a Eucaristia com espírito de missionariedade, na qual se encontram a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do seu ser em plena comunhão com toda a Igreja (cf. João Paulo II, Exort. Apost. Christifideles laici, n. 26).

Pensemos nos párocos, que devem ser sacerdotes ordenados, porque fazem e dizem na Liturgia eucarística e na liturgia da Palavra o que eles "in proprio", "por eles", não podem fazer nem dizer; de facto, eles agem e falam "in persona Christi capitis". Pensemos em todos os sacerdotes, jovens e idosos, sadios e doentes, que redescobrindo o dom radical de si mesmos, ínsito no próprio ministério ordenado, podem repetir com palavras de João Paulo II: "Chegou o tempo de falar corajosamente da vida sacerdotal, como de um valor inestimável e forma maravilhosa e privilegiada de vida cristã!" (Exort. Apost. pós-sinodal Pastores dabo vobis,39).

Assim a Igreja da Palavra e dos Sacramentos será necessariamente a Igreja da prática infatigável do sacerdócio ministerial, será a Igreja do sacerdote santo, do sacerdote que ama na raiz da sua alma, com todo o seu ser, a chamada que recebeu do Mestre, para se comportar em cada momento como ipse Christus.

Bento XVI disse recentemente no seu discurso aos Bispos da Conferência Episcopal do Canadá-Quebeque em visita ad limina Apostolorum (11 de Maio de 2006): Contudo, a diminuição do número dos sacerdotes... nalguns lugares, chama em causa de modo preocupante o lugar da sacramentalidade na vida da Igreja. As necessidades da organização pastoral não devem comprometer a autenticidade da eclesiologia que nela se expressa. O papel central do sacerdote que, in persona Christi capitis, ensina, santifica e governa a comunidade, não deve ser diminuído.

O sacerdócio ministerial é indispensável para a existência de uma comunidade eclesial. A importância do papel dos leigos, aos quais agradeço a sua generosidade ao serviço das comunidades cristãs, nunca deve ocultar o ministério absolutamente insubstituível dos sacerdotes para a vida da Igreja".

Nós, sacerdotes, preocupemo-nos por fazer resplandecer a nossa verdadeira, ontológica identidade, de exercer um ministério jubiloso mesmo nas dificuldades mais ásperas, um ministério ardentemente missionário porque é consequente à nossa identidade e, com todos os fiéis, ocupemo-nos de pedir incansavelmente ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe. Existem vocações, mas nós devemos favorecer a sua resposta positiva com estes meios, com os meios que nos foram ensinados pelo Senhor, e não com outros.

Esta é a Igreja que desejamos ver reflorescer e dar novos frutos, na sua vitalidade e actividade. Esta é a Igreja da missão divina, a Igreja in statu missionis.

Dirijamo-nos a Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe dos sacerdotes. Confiemos a ela a nós próprios, o nosso ministério pastoral e cada sacerdote. À sua imitação, que ela nos ajude a ser tabernáculos e ostensórios de Jesus Bom Pastor!

 

CLÁUDIO Card. HUMMES
Prefeito

D. MAURO PIACENZA
Arcebispo Titular de Victoriana
Secretário