Estrutura e Teologia da Sacrosanctum Concilium
A liturgia é uma realidade tão rica que ela
deve ser contemplada de vários e diferentes pontos de vista, de fora e de
dentro. Uma abordagem só de fora não é suficiente, embora a liturgia seja
essencialmente uma realidade acessível aos nossos sentidos. Mas este é apenas
um lado da medalha. As palavras e os ritos, os gestos e os símbolos, tudo que
fala aos nossos sentidos, expressa aquilo que é acessível aos olhos da fé: a
ação divino-humana que se realiza quando celebramos o mistério de Cristo. A
teologia litúrgica é o estudo da liturgia em sua totalidade. Através dela
conhecemos sobretudo a natureza da liturgia que, por sua vez, tem também
diversos aspectos e dimensões.
Nossa tarefa é estudar a teologia da liturgia
da constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia, a “Sacrosanctum
Concilium”. Também este documento conciliar contempla a liturgia em sua
integridade. e em suas diferentes dimensões. Basicamente ela faz isso logo no
primeiro item da primeira parte do seu primeiro capítulo, nos artigos 5 a 8,
aos quais o Compêndio do Vaticano II organizado por Boaventura Kloppenburg deu
o titulo: “A natureza da liturgia". Podemos sem problema considerar estes
artigos como a teologia litúrgica do Concílio Vaticano II. Iremos nos deter
quase exclusivamente nestes artigos da SC, já por causa do limite de tempo que
nos é dado, mas sobretudo porque aqui encontramos todo o essencial da
compreensão teológica da liturgia da "Sacrosanctum Concilium".
Realizaremos este estudo em duas grandes
partes, seguindo a própria "Sacrosanctum Concilium": "A liturgia
como momento da história da salvação" e "a liturgia como exercício do
sacerdócio de Jesus Cristo". Estarão integrados e serão acrescentados
itens menores que também têm grande importância num estudo da teologia da
liturgia, tanto para o documento conciliar quanto para nós.
A liturgia - momento da história da salvação
1 – A história da salvação
A SC começa a tratar da natureza da liturgia,
no seu artigo 5, lembrando em grandes linhas a história da salvação. No início
data história está a vontade de Deus de "salvar e fazer chegar ao
conhecimento da verdade todas as pessoas humanas". Para conseguir isso,
Deus acompanha toda a história, particularmente do seu povo eleito,
comunicando-se com ele sobretudo pelos profetas, mas finalmente por seu próprio
Filho. Ele completou a obra da redenção da humanidade e da glorificação de Deus
principalmente pela sua morte e ressurreição. Já neste primeiro artigo debaixo
do titulo "A natureza da liturgia", o Concílio como que prolonga esta
história de Deus com a humanidade dizendo que por Jesus Cristo "nos foi
comunicada a plenitude do culto divino" e que "do lado de Cristo
dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja".
Nesta exposição do Vaticano II sobre a história
da salvação podemos destacar várias afirmações, em vista da própria liturgia:
A vontade de Deus de salvar a humanidade, seu
eterno plano de salvação, que é a fonte de toda a história que chega a seu
ponto culminante na páscoa do seu Filho, revelando assim que é um Deus de amor.
Este é o grande mistério da fé que celebramos na liturgia.
A santificação das pessoas humanas e a
glorificação de Deus são a finalidade da história da .salvação, como também da
liturgia.
Do lado aberto de Cristo na cruz nasceu a
Igreja.
Nesta última afirmação vou me deter primeiro,
em seguida no mistério pascal.
2 - A origem da Igreja e da liturgia
Ao dizer que "do lado de Cristo dormindo
na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja", repetindo assim
palavras de santo Agostinho, o Concílio se refere evidentemente ao relato do
evangelista são João sobre a morte de Jesus. Para dizer que Jesus morreu ele
escreveu: "Entregou o espírito" (Jo 19,30). Muitos dos santos padres
viam nisso uma segunda afirmação do evangelista, a saber que Jesus entregou, na
hora da sua morte, o Espírito Santo. Esta interpretação certamente se baseia no
contexto do quarto evangelho.
Como lemos no sétimo capítulo do evangelho de
são João, na festa do templo Jesus anunciou água viva. O evangelho explica que
Jesus estava falando do Espírito, que ainda não havia, porque Jesus ainda não
foi glorificado (Cf. Jo 7,37-39) .A glorificação de Jesus, no entanto, coincide
para são João com a exaltação do Filho do Homem na cruz (Cf. Jo 3, 14s). Na
base desta interpretação se compreende bem que o Ressuscitado na tarde do dia
da ressurreição soprou sobre os apóstolos e lhes disse: Recebei o Espírito
Santo" (Jo 20,22).
Mas devemos dar um passo a mais. Em antigas e
recentes representações iconográficas da morte de Jesus ilustra-se a abertura
do lado aberto pela lança assim que uma figura feminina está debaixo da cruz
com um cálice na mãos. Para dentro deste cálice jorram o sangue e a água. Os
padres da Igreja interpretam também a abertura do lado de Jesus como
derramamento do Espírito Santo, vendo na mulher com o cálice a Igreja e na água
e no sangue os sacramentos do batismo e da eucaristia. Como lemos na
"Sacrosanctum Concilium", em santo Agostinho e em muitos outros
padres da Igreja, este derramamento do Espírito é o nascimento da Igreja como
sacramento universal de salvação, do qual os sete sacramentos, também os
sacramentais e as outras celebrações litúrgicas, são como que um desdobramento.
A Igreja e a liturgia nasceram do coração de Jesus.
Já que estamos falando em nascimento da Igreja,
parece-me bom completar esta visão a partir do evangelho de são Mateus, onde se
pode ver como ela foi concebida. Lemos neste evangelho, no fim do capítulo 9,
que Jesus, percorrendo as cidades e os povoados, ensinando o evangelho do Reino
e curando toda sorte de doenças e enfermidades, "ao ver a multidão teve
compaixão dela, porque estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor".
Então ele pediu aos discípulos que rezassem, para que o Senhor enviasse
operários à messe; mas também e sobretudo ele chamou os doze e "deu-lhes
autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar toda sorte de males e
enfermidades" (Ml 9,35- 10,1). Estes doze são, evidentemente, o núcleo da futura
Igreja. Não será permitido entender este texto no sentido de que a Igreja foi
concebida pela compaixão de Jesus, no seu coração compassivo? Podemos assim
agora concluir que são João e são Mateus têm, no fundo, a mesma visão da origem
da Igreja.
E são Lucas no fundo não discorda de são João e
são Mateus sobre a origem da Igreja pelo derramamento do Espírito Santo, embora
ele a descreva de modo diferente.
Parece-me que a "Sacrosanctum
Concilium" confirma esta visão da origem da Igreja e com ela da liturgia,
dizendo no artigo 6 que a Igreja, que, como vimos no artigo 5, nasceu na cruz,
"no dia de pentecostes apareceu ao mundo". Para a interpretação do
texto citado de são Mateus, que apresentei, vendo ai a concepção da Igreja no
coração de Jesus, não posso indicar referências, mas penso que esteja em
harmonia com o contexto que citei.
3 - O mistério pascal
Depois de ter esboçado a história da salvação,
o Concílio Vaticano II diz em sua constituição sobre a liturgia: "esta
obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram
prelúdio as maravilhai operadas no povo do antigo testamento, completou-a
Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão,
ressurreição dos mor tos e gloriosa ascensão. Por este mistério, Cristo,
'morrendo, destruiu a nossa morte e ressuscitando, recuperou a nossa vida'
(Prefácio da páscoa). Pois do
lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja.
Portanto, assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os
apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o evangelho a toda
criatura, (...) mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da
salvação através do sacrifício e dos sacramentos, sobra os quais gira toda a
vida litúrgica. (...) Nunca, depois (...) a Igreja deixou de reunir-se para
celebrar o mistério pascal: lendo 'tudo quanto a ele se referia em todas as
escrituras' (Lc 24,27), celebrando a eucaristia, na qual se torna
presente a vitória e o triunfo de sua morte (Cone. de Trento) e, ao mesmo
tempo, dando graças 'a Deus pelo dom inefável' (2 Cor 9,15) em Jesus Cristo,
'para louvor de sua glória' (Et 1,12), pela força do Espírito Santo" (SC
5s).'
O mistério pascal é, portanto, a páscoa de
Jesus que ele viveu, há quase dois mil anos, sua paixão, morte, ressurreição e
ascensão. Esta páscoa, no entanto, é o ponto culminante de. toda a vida e obra
pascal de Jesus. E devemos abrir o horizonte ainda mais: Ela tinha seus
prelúdios no antigo testamento e se completará no fim dos tempos. Ela é
realmente o centro de toda a história da salvação.
No entanto, desde que Jesus, que se tinha tornado um de nós pela encarnação, nos uniu a si pelo dom do Espírito Santo, que é o fruto da sua páscoa, somos um com ele e ele conosco como membros do seu corpo místico, como filhos e filhas do Pai do céu. Assim também nossa vida e história são vida e história de Cristo glorioso. Os bispos latino-americanas reunidos em Medellin, no ano de 1968, disseram claramente que Cristo está "ativamente presente em nossa história" e que "não podemos deixar de sentir seu passo que salva quando se dá o verdadeiro desenvolvimento" (Docum. de Medellin, introdução n. 5-6). Portanto, nosso sofrer e vencer são participação da morte e ressurreição de Cristo, da sua páscoa. A páscoa de Cristo continua na páscoa do povo.
Ora, é esta páscoa de Cristo e do povo que celebramos quando na liturgia anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a sua ressurreição, até que ele venha. É como também os bispos em Medellin constataram: "A presença do mistério da salvação, enquanto a humanidade peregrina até sua plena realização na parusia do Senhor, culmina na celebração da liturgia eclesial" (Cap. 9,2).
Ainda uma outra dimensão do mistério pascal e
de sua celebração foi destacada em Medellin, quando os bispos ai reunidos
declararam: "O gesto litúrgico não é autêntico se não implica um
compromisso de caridade, um esforço sempre renovado para ter os sentimentos de
Jesus Cristo e uma continua conversão" (9,3). Logo em seguida lemos no
documento de Medellin: "Na hora atual de nossa América Latina, como em
todos os tempos, celebração litúrgica coroa e comporta um compromisso com a
realidade humana (...) precisamente porque toda a criação está inserida no
desígnio salvador" (9,4).
Desta maneira Medellin explicitou e acentuou
uma constatação que o Concílio Vaticano II já tinha feito, dizendo que "a
liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a
fonte donde emana toda a sua força" (SC 10). Embora o Concílio tenha
falado da liturgia como cume e fonte da ação da Igreja, é evidente que a
liturgia, na qual celebramos o mistério pascal, é o ponto culminante também de
toda a vida da Igreja, e não apenas da Igreja, e sim de toda a humanidade e de
sua história.
4 – A liturgia, momento da história da salvação
Depois de ter apresentado no Artigo 5 a
história da salvação que culmina na morte e ressurreição de Jesus, assim como o
nascimento da Igreja e com ela da liturgia, a "Sacrosanctum
Concilium" passa a tratar, no artigo 6, da liturgia como celebração desta
história, particularmente da obra salvífica de Jesus Cristo, na liturgia.
Lemos no início deste artigo: "Assim como
Cristo foi enviado pelo Pai , assim também ele enviou os apóstolos, cheios do
Espírito Santo, não só para pregarem o evangelho (...) mas ainda para levarem a
efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do sacrifício e dos
sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica". A afirmação
principal deste texto é retomada no início do artigo 7 de constituição:
"Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente em
sua Igreja, sobretudo na ações litúrgicas". Assim se coloca para nós a
questão: Se Jesus nos salvou, o que a liturgia acrescenta a esta obra? O que
significa que ela deve ser levada a efeito?
Não se trata de completar ou continuar a obra
de Cristo, como se ela não tivesse sido perfeita. Deus fez através de Jesus
tudo para a nossa salvação. Mas ele nos quer salvar como seres livres.
Livremente nos colocamos contra Deus pelo pecado, livremente devemos também
aceitar a salvação que Deus operou para nós. Precisamente assim a salvação pode
ter efeito, se nós nos voltamos para Deus, se ouvimos sua palavra e a pomos em
prática e se acolhemos o presente de uma nova vida, de uma nova história, do
Reino que Jesus veio anunciar. Esta acolhida e aceitação acontecem por uma vida
em obediência a Deus, mas de modo especialmente consciente e intenso na
liturgia. É como também a constituição sobre a liturgia diz: "Para levar a
efeito obra tão importante (a obra da salvação) Cristo está sempre presente em
sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas" (SC 7). Portanto, dizendo
"sim" a Deus, sua vontade e sua obra, e sobretudo celebrando na
liturgia este nosso sim vivido, é que se leva a efeito a salvação. Assim a
liturgia cristã, ela mesma um fato histórico, se torna momento privilegiado da
história da salvação.
Seria bem compreensível que alguém pergunte:
Como é que na liturgia pode acontecer salvação? Acabamos de ver que a liturgia
não é uma ação meramente humana. Cristo está presente na celebração litúrgica
como agente principal. Devemos igualmente lembrar que toda ação litúrgica
acontece, como nos diz o Vaticano II, na força do Espírito .Santo (SC 6). Mas é
bom recorrer ainda ao conceito de memória, se queremos entender a eficácia
salvífica da liturgia. Memória litúrgica não é um simples lembrar. Lembramos,
sim, a páscoa histórica de Cristo e do seu povo, mas a lembramos na presença de
Cristo e na força do Espírito Santo. Lembrando a pessoa e a obra de Cristo nos
abrimos para ele. Como ele diz no livro do Apocalipse, ele está à porta e bate.
Se abrimos a porta, ele entra para cear conosco (cf. Ap 3,20). Isso quer dizer
que ele entra em comunhão íntima conosco, e esta comunhão de vida entre Deus e
nós é salvação.
Ninguém pode duvidar que tal liturgia seja um
culto agradável a Deus, suposto que celebramos ritualmente aquilo que vivemos.
Não é apenas um fazer externo, mas a expressão de uma atitude interna e da
nossa vida do dia-a-dia. O que assim vale de cada um de nós, vale das nossas
famílias, das nossas comunidades eclesiais, vale da Igreja e de certo modo de
toda a humanidade e de sua história. Todas as pessoas de boa vontade que vivem
o amor e a solidariedade, que lutam pela justiça e a paz, estão fazendo a
vontade de Deus. Embora muitos não tenham consciência de sua vida pascal em
união com Jesus Cristo e não a celebrem na liturgia cristã ou talvez de maneira
alguma, também neles é levada a efeito a obra salvífica de Cristo. Toda a
história da humanidade é história da salvação, porque nela se leva a efeito a
obra redentora de Cristo até o fim dos tempos. A liturgia é um momento
privilegiado desta história.
Sendo assim, não poderíamos dispensar toda a
liturgia e apenas viver um culto espiritual? Não, porque desde Caim e Abel a
humanidade, de modo particular - para não falar em outras religiões - o povo da
antiga aliança, celebrava sua vida e história. Assim fez também Jesus, e ele
nos mandou fazer o mesmo em sua memória. Celebrar ë uma dimensão essencial e indispensável
de uma vida verdadeira e plenamente humana. Na festa, celebrando a vida,
vivemos mesmo. Por isso, não há nada mais humano do que celebrar na liturgia a
verdadeira vida de cada um de nós e de toda a humanidade que Jesus nos mereceu
por sua morte e ressurreição.
A liturgia, exercício do sacerdócio
Conforme acabamos de ver, o Concílio Vaticano
II explica a liturgia em primeiro lugar como momento da história da salvação.
Mas este não é o único aspecto a ser considerado por quem quer conhecer a natureza
da liturgia. Sobretudo quando o Vaticano II faz aquela descrição da liturgia
que geralmente é considerada como definição, várias outras dimensões são
mencionadas, entre as quais se destaca aquela de a liturgia ser o exercício do
sacerdócio de Cristo e dos cristãos. Aprofundaremos primeiro esta dimensão e em
seguida duas outras que são também essenciais para um conhecimento da natureza
da liturgia: sua dimensão simbólica e as duas vertentes da ação litúrgica.
Outro aspecto importante da liturgia é que nela participamos da liturgia
celeste.
Antes de entrarmos no estudo das diferentes
dimensões, vejamos o texto conciliar em questão. Embora não seja uma definição
em sentido estrito, porque o Concílio julgou que definir fosse tarefa da
ciência litúrgica e não do magistério, ele é de suma importância: "Com
razão (...) a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus
Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a
cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público
integral pelo corpo místico de Cristo, cabeça e membros" (SC 7).
l. O sacerdócio de Jesus Cristo
Jesus Cristo praticou em sua vida e preconizou
o culto em espírito e verdade, o culto que Deus tinha prescrito a seu povo ao
selar a aliança no Monte Sinai. A carta aos hebreus, descrevendo o sacerdócio
novo, único e definitivo de Jesus Cristo, diz: "Ao entrar no mundo, ele
(Jesus Cristo) afirmou: 'Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém,
formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram do teu
agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, - no rolo do livro está escrito a meu
respeito - eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade'. Assim, ele declara,
primeiramente: 'Sacrifícios, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado,
tu não quiseste, e não te agradaram'. Trata-se, notemo-lo bem, de oferendas
prescritas pela Lei. Depois ele assegura: 'Eis que eu vim para fazer a tua
vontade'. Portanto, ele suprime o primeiro para estabelecer o segundo. E graças
a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo,
realizada uma vez por todas" (Hb: 10, 5-10). É o culto da vida de Jesus
que ele completou pela sua morte na cruz e cuja aceitação o Pai manifestou
ressuscitando seu Filho da morte. Como Jesus entrou pela sua morte no santuário
verdadeiro, o céu, assim ele está agora e eternamente diante do Pai,
entregando-se em eterno amor obediente, e associa a si aqueles que na terra
estão em comunhão com ele, sobretudo aqueles que pelo batismo se tornaram com
ele e nele sacerdotes, os membros do seu corpo místico. Em sua vida e
especialmente quando eles celebram a liturgia, Jesus está presente e agindo,
como diz a constituição sobre a liturgia, " no sacrifício da missa, tanto
na pessoa do ministro, 'pois aquele que agora oferece pelo ministério dos
sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz' (Concílio de Trento),
quanto sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos
sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo, mesmo que batiza.
Presente está pela sua palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as
sagradas escrituras na igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e
salmodia, ele que prometeu: 'Onde dois ou três estiverem reunido em meu nome, aí
estarei no meio deles' (Mt 18,20) (SC 7). Evidentemente, os membros do seu
corpo que participam do seu sacerdócio, devem celebrar como ele, quer dizer,
celebrar aquilo que vivem, sua obediência ao Pai e entrega pelos irmãos,
exatamente como Jesus na última ceia celebrou ritualmente seu sacrifício vivido
desde a sua encarnação até a morte na cruz.
2 – O sacerdócio dos cristãos
Ao selar a aliança no deserto do Sinai com o
povo libertado da escravidão do Egito Deus tinha dito: "Se ouvirdes a
minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade
particular entre todos os povos... Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e
uma nação santa" Ex 19,5-6). É este texto que ressoa nas palavras de São
Pedro em sua primeira carta: "Dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de
oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo",
e: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de
particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos
chamou das trevas para a sua luz maravilhosa" (1 Pd 2,5.9). No mesmo
sentido diz ó livro do apocalipse que Jesus "fez de nós um reino de
sacerdotes para Deus, seu Pai" (Ap 1,6). Como no antigo, assim também no
novo testamento, este sacerdócio é um sacerdócio espiritual que, no entanto,
não exclui, e sim inclui o oferecimento de sacrifícios rituais, na Igreja o
sacrifício eucarístico. É igualmente claro que o exercício deste sacerdócio se
estende a toda a liturgia, a todas as celebrações. E, finalmente, não há
dúvidas de que este povo sacerdotal são todos os batizados. Como no batismo
nascemos pelo dom do Espírito Santo como filhos e filhas de Deus em Jesus
Cristo, assim somos no batismo ungidos sacerdotes no sumo sacerdote Jesus
Cristo.
E o sacerdócio dos ordenados? Como diz o termo
que o especifica, "sacerdócio ministerial", ele está a serviço do
sacerdócio comum de todos os batizados. Os ordenados ajudam todo o povo dos
batizados a viver e exercer o seu sacerdócio espiritual e ritual.
Sobretudo na liturgia se exerce o sacerdócio de
Jesus Cristo, do qual participam todos os batizados e, de modo particular, os
ordenados. É neste sentido que a constituição sobre a liturgia fala da
"plena, cônscia e ativa participação das celebrações, que a própria
natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão,
geração escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo de conquista tem direito
e obrigação" (SC 14). No mesmo sentido a constituição diz ainda: "As
ações litúrgicas (...) são (...) celebrações da Igreja, que é o sacramento da
unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos. Por
isso, estas celebrações pertencem a todo o corpo da Igreja, e o manifestam e
afetam" (SC 26).
3 - A liturgia como ação simbólico-sacramental
A constituição sobre a sagrada liturgia diz que
pelo exercício do sacerdócio de Jesus Cristo "mediante sinais sensíveis é,
de modo particular a cada sinal, realizada a santificação do homem" e a
glorificação de Deus (SC 7).Não se pode aqui apresentar toda uma antropologia e
teologia de sinal e símbolo. Mas isso nem é necessário para uma compreensão
daquilo que o Concílio queria dizer sobre a natureza da liturgia. A
constituição não fala de simples sinais que apenas manifestam uma realidade ou
a ela remetem. Ela fala de sinais que também realizam aquilo que manifestam ou
significam. Tais sinais chamamos na liturgia e na ciência litúrgica geralmente
de símbolos. A realidade sensível do símbolo é também na liturgia normalmente
uma coisa, um objeto ou uma ação sensível que manifesta e realiza o mistério
celebrado ou a salvação. Assim, por exemplo, a comunidade reunida em assembléia
litúrgica, não apenas remete ao corpo místico de Cristo, mas é este corpo. E
quando alguns membros desta assembléia exercem determinados ministérios, são os
membros do corpo de Cristo que o fazem. Naquele que preside, a cabeça deste
corpo, Jesus Cristo mesmo, está presente e agindo, falando para nós em nome do
Pai do céu, ou levando a nossa oração a Deus. Quando o presidente da celebração
eucarística diz: "Isto é o meu corpo que será entregue por vós", é
Jesus Cristo mesmo que diz isso; e então a espécie do pão não nos remete apenas
ao corpo de Cristo, mas é o corpo de Cristo eucarístico. Convém lembrar ainda,
neste momento, que graças a seu caráter simbólico a liturgia pode manifestar
aquilo que nela se realiza muito melhor do que o poderiam as palavras. Por
exemplo, um aperto de mão ou um abraço podem dizer muito mais do que apenas
palavras.
Falando assim do caráter simbólico da liturgia,
falamos de sua sacramentalidade. Os sete sacramentos são ações simbólicas que
realizam o que significam. Desta sacramentalidade participam todas as ações
litúrgicas, também os agentes da celebração, os objetos que se usam, e até o
espaço e o tempo em que a liturgia se realiza.
4 – Na liturgia Deus nos santifica e nós
glorificamos a Deus
Na história de Deus com a humanidade realiza-se
o eterno plano do amor divino: desde a criação e sobretudo através da obra da
salvação do mundo, até a última vinda do Senhor na gloria - num dinamismo que
costumamos considerar como descendente. A este dinamismo corresponde o
ascendente, em que a humanidade, enquanto conhece Deus e o reconhece como seu
criador e salvador lhe responde em louvor e ação de graças, não apenas em palavras,
mas sobretudo pela vida e ação conforme a vontade de Deus, caminhando assim
para a plenitude do Reino. A mesma vertente dupla observamos na liturgia. De um
lado, celebramos a ação santificadora de Deus, principalmente na proclamação da
Palavra, ou, por exemplo, no perdão e no novo nascimento com que Deus nos
agracia, talvez o mais evidentemente na eucaristia, no Corpo do Senhor entregue
e no seu Sangue que bebemos. A este dinamismo descendente da nossa santificação
corresponde, também na liturgia, outro, o ascendente, o da glorificação de
Deus, em nossa oração litúrgica, quando levantamos nossas mãos em sinal de
elevar os corações a Deus, de modo particular quando oferecemos o sacrifício
eucarístico e pedimos que o Pai nos aceite com seu Filho.
Evidentemente, em tudo isso, em todas as nossas
ações simbólico-sacramentais, sempre quando exercemos o nosso sacerdócio na
liturgia, devemos expressar com autenticidade o mistério que celebramos e, da
nossa parte, aquilo que somos e vivemos, nossa atitude interior. Só assim nossa
liturgia será um culto agradável a Deus, adoração em espírito e verdade. Tal
liturgia nunca pode ser uma ação meramente humana, mas sempre se realizará por
força do Espírito Santo e em sintonia com a ação de Jesus, nosso sumo sacerdote.
5 – Na liturgia terrena participamos da liturgia celeste
Geralmente, quem preside a missa introduz o
Santo, convidando a cantá-lo em comunhão com os anjos e os santos do céu. Esta
não é uma linguajem figurativa, mas sacramental-real. Para toda a liturgia vale
o que a constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia diz da liturgia
das horas: "O sumo sacerdote do novo e eterno testamento, Cristo Jesus,
assumindo a natureza humana, trouxe para esse exílio terrestre aquele hino que
é cantado por todo o sempre nas habitações celestes" (SC 83). De fato, ele
que está à direita do Pai, nos fala na proclamação e explicação da Palavra e
com ele e por ele nós nos dirigimos ao Pai, unidos no Espírito Santo; estando,
portanto, em íntima comunhão com as três pessoas da Santíssima Trindade,
participando da sua ação, como partilhamos também a vida divina, por força do
nosso batismo. Por isso, a constituição sobre a liturgia pode com todo direito
dizer: "Na liturgia terrena, antegozando, participamos da liturgia celeste,
que se celebra na Cidade Santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos
encaminhamos" (SC 8).
Certamente poder-se-ia dizer muito mais sobre a
liturgia. Mas também não há dúvida de que o Concílio Vaticano II no início da
constituição sobre a liturgia, nos artigos aos quais nos referimos neste
estudo, nos diga aquilo que é o mais pertinente, o essencial que se possa e
deva dizer sobre a natureza da liturgia: Que ela é um momento da história da
salvação, porque nela se leva a efeito a obra redentora de Jesus Cristo, pelo
exercício do seu sacerdócio, da cabeça e dos membros do seu corpo místico.
A estrutura da "Sacrosanctum Concilium"
I. Objetivo geral do Concílio Vaticano II:
Fomentar a vida cristã entre os fiéis;
acomodar aquilo que é suscetível de mudança às
necessidades da época;
unidade dos que crêem em Cristo;
evangelização também dos não-crentes.
Objetivo especifico com respeito à liturgia:
Reforma e incremento da liturgia,
na qual se exerce a obra da salvação
e que ajuda os fiéis a viver e manifestar o
mistério de Cristo e a verdadeira Igreja
Para se conseguir este objetivo, o Concílio
quer relembrar principias e estabelecer normas.
II. Estrutura da SC: A dinâmica dos seus
passos:
Dizer a que liturgia se quer chegar: A natureza
da liturgia.
O lugar da liturgia no conjunto da vida e ação
da Igreja e dos fiéis.
Já que todos os batizados são povo sacerdotal
com direito e dever de celebrar a liturgia, devem participar.
4) Condição para participação. Formação. Quem
inicia? Os pastores.
E a estes? Os seminários e institutos de
teologia. E quem forma os formadores? Institutos especializados.
5) Tendo esclarecido tudo isso, pode-se falar
em reforma:
Preâmbulo importantíssimo:
Respeitando o imutável, modificar, enquanto
necessário, o mutável,
para se chegar a uma liturgia simples e clara
Instâncias responsáveis pela reforma
Normas gerais para a reforma:
Tradição e progresso; caráter bíblico da reforma
Normas de índole hierárquica e comunitária
Normas de índole didática e pastoral
Normas para se realizar a adaptação
6) Orientações para o incremento da liturgia
nas dioceses e paróquias e a pastoral litúrgica
7) Aplicação destes principias e normas às
diversas celebrações e nas diferentes dimensões da liturgia. SC 1
SC 2
SC 3
SC 5 - 8
SC 9 - 13
SC 11, 14, 19,26...
SC 14 - 19
SC 21
SC 22
SC 23
SC 26 – 32
SC 33 - 36
SC 39 - 40
SC 41 – 46
SC 47 - 130