O
NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939
Autor:
d. Estevão Bettencourt
(Fonte:
Pergunte e Responderemos 456 - pp. 208-218)
Ainda Pio XII e sua época:
Em síntese: O presente artigo refere
tópicos da perseguição movida pelo nacional-socialismo alemão contra a Igreja
Católica entre 1933 (ano da ascensão de Hitler ao poder) e 1939 (ano em que
começou a segunda guerra mundial e se acalmou um tanto a
perseguição). Os episódios narrados mostram o requinte de um plano que,
na sua fúria exterminadora, associou entre si cristãos e judeus por causa das
raízes semitas do Cristianismo. O Governo alemão era infenso à Cúria Romana e
ao Papa Pio XI, cujo Secretário de Estado era o Cardeal Eugenio Pacelli; quando este foi à França em 1937, a imprensa alemã
o tachou de amigo dos judeus e dos comunistas - o que
bem mostra quão inverossímil é dizer que Pacelli
(Papa Pio XII) era "O Papa de Hitler" ou amigo do
nacional-socialismo.
* * *
O debate sobre Pio XII e sua
atitude frente ao nacional-socialismo de Adolf Hitier
continua, embora já tenha sido repetidamente demonstrado que
Pio XII não pactuou com o nazismo, mas, ao contrário, opôs-se-lhe e defendeu os judeus contra a sanha
anti-semita. Uma nova abordagem da questão pode ser proposta, ao considerarmos
a perseguição movida por Hitler e seus seguidores contra a Igreja Católica:
ver-se-á que Pio XII soube reagir, direta ou indiretamente, às investidas do
nacional-socialismo, ao qual ele não podia dar o seu aval. - Eis por que, nas
páginas subseqüentes, apresentaremos alguns tópicos da ação antieclesial
do hitlerismo muito significativos para se entender o contexto em que Pio XII
viveu.[1]
1. 1933: o ano da ascensão de Hitier
Aos 30 de janeiro de 1933, o
Presidente Hindenburg, da Alemanha, nomeou Chanceler
do Reich Adolf Hitler, chefe do Partido Nacional-Socialista. Ao subir ao poder,
os hitleristas ainda eram minoria dentro de uma frágil coalisão
no país, mas concebiam o firme propósito de galgar sempre mais os degraus da
administração pública alemã. Dizia Hitler: "Estou decidido a continuar a
luta tão energicamente dentro do governo como eu lutei fora do governo".
O chanceler e seu gabinete, tendo à
frente Hermann Goering,
viam um conjunto de milhões de adversários a isolar e destruir para chegar ao
total domínio da Alemanha. Eram eles: os judeus, os comunistas, os
social-democratas com seu forte eleitorado (o Partido do Centro Católico) e a
Igreja Católica. Todos eram inimigos, que era preciso eliminar tão rapidamente
quanto as circunstâncias o permitissem.
Embora Hitler sentisse que havia
particular urgência em combater judeus e comunistas e neutralizar os Partidos
de oposição, ele entrevia na Igreja Católica um opositor que lhe parecia muito
pernicioso e que era necessário controlar imediatamente e até derrotar
radicalmente a fim de poder estabelecer o seu Reich (reino) de mil anos.
Para dissipar a influência da Igreja
Católica, o chanceler se voltou para Alfred Rosenberg, filósofo e nazista
convicto, que desprezava o Cristianismo. No seu livro "O Mito do Século
XX", Rosenberg elaborou uma "teoria científica" que justificava
o racismo. Para ele, o valor humano supremo era o da raça: cada raça possuiria
a sua alma coletiva própria, "o místico poder do sangue e da terra".
Cada raça teria também seu impulso religioso (no caso dos
germano ários, tal seria o culto pagão de Wotan, rei dos deuses). Segundo Rosenberg, o Cristianismo
era o produto distorcido de tribos semitas que haviam conseguido enganar os ários, fazendo-os renunciar às suas "verdades
pagãs". A Igreja Católica, pioneira nesse embuste
espiritual, era então visada como alvo de veemente ataque, como sendo
ela a promotora de "falsificações" prodigiosas conscientes e
inconscientes.
Durante toda a década de 1930
Rosenberg lançou escárnio contra a Igreja. O clero, a hierarquia e o Vaticano
foram injuriados como envenenadores do sangue alemão, mercadores de morticínio
e causa de caos da raça, obscurantistas ou "homens das trevas",
feiticeiros de Roma e, com referência às raízes semitas do Cristianismo,
advogados de pervertido orientalismo. Jesus Cristo foi tido como inconsciente
instrumento nas mãos de conspiradores judeus internacionais que estão em
atividade desde o século I da nossa era. Ou, diziam outros, Jesus em absoluto
não foi judeu, mas um ário prototípico, filho de um
soldado romano lotado na Palestina. Durante toda a sua carreira até a forca em Nürenberg, Rosenberg propagou suas idéias mediante
panfletos, discursos e seminários de treinamento para dirigentes nazistas, aos
quais apregoava a "perfeita raça nórdica".
Sem demora começaram as escaramuças
entre nazistas e católicos. Em fevereiro de 1933 houve em Berlim um conflito
entre comunistas e nazistas. Conflito no qual morreu um policial católico, o
sargento Zuritz. Os seus funerais realizaram-se em
sua cidade natal na Silésia, ocasião em que o
sacerdote celebrante deplorou os numerosos e violentos homicídios dos últimos
tempos e citou como algo de terrível a máxima formulada por Hitler: "Se
eles nos desobedecerem, as suas cabeças rolarão". Esta era uma clara
alusão a um discurso de Hitler. Os muitos policiais de choque presentes ao ato
começaram então a tossir para abafar as palavras do padre. Destemido, este
exclamou: "Vocês todos podem tossir como lhes agrada, mas a mim não farão
tossir para que eu não diga a verdade".
No mesmo mês de fevereiro, o
Ministro Goering proibiu a circulação de todos os penódicos católicos de Colônia. Levantaram-se protestos,
aos quais ele respondeu negando que isso fosse parte de um plano dirigido
contra a Igreja Católica; dizia ele que "o governo estaria lavrando a sua
própria ruína, caso seguisse tal política". A proibição foi posteriormente
revogada, mas deixou a população atemorizada por toda a região da Renânia: de resto, o fato aconteceu pouco antes que a
imprensa católica fosse encampada na Alemanha pelos nazistas.
Ainda aos 22 de fevereiro de 1933 outro notável incidente ocorreu. As tropas de SA
nazistas desbarataram encontros de sindicatos cristãos com o Partido do Centro
Católico. Um eminente político católico, Adam Stegerwald,
foi atacado em público numa plataforma de Krefeld e
vários sacerdotes foram feridos.
Uma breve pausa nos conflitos
verificou-se quando Hitler se dispôs a fortalecer a unidade nacional para poder
enfrentar inimigos de dentro e de fora do país. Dirigiu então um apelo à Igreja
Católica para que aceitasse entrar em negociação. Ao mesmo tempo circulavam
fortes rumores que ameaçavam a Igreja Católica, caso não fosse logo concluído
um acordo. Isto provocou debates. Finalmente o Papa Pio XI e seu Secretário de
Estado, o Cardeal Eugenio Pacelli, apesar de muitas
apreensões, averiguaram que não podiam recusar conversações com um governo
legitimamente instaurado. Se recusassem, Hitler faria público o seu aparente
propósito de paz e acusaria os católicos de o solapar. O Cardeal Pacelli argumentava que um acordo lavrado por escrito seria
melhor base de coexistência tranqüila do que nenhum pacto jurídico. Os
luteranos também aceitaram negociar com o governo. Naquele momento da história,
fim de junho de 1933, já havia campos de concentração e ocorriam
encarceramentos em massa, atingindo centenas de membros do Partido Católico. -
O representante do governo nas negociações, Ministro Franz von
Papen, católico, embora estivesse ciente dos
problemas registrados atrás, declarou aos jornalistas que as relações entre o
Vaticano e o Reich eram tão amigas que em oito dias apenas a Concordata fora
acertada até em seus mínimos pormenores. Por conseguinte, em julho de 1933 foi
assinado um Acordo que assegurava que certas atividades da Igreja Católica no
plano educacional, no da juventude e no de Encontros e Congressos ficavam
garantidas por lei do Reich. Em troca, devia cessar o apoio da Igreja ao
Partido Católico e aos Partidos do povo bávaro. De resto, já antes de ser
assinada a Concordata, o próprio Partido do Centro Católico, pressionado pelo
nazismo, havia decidido dissolver-se, fato este que Pacelli
lamentou, porque o deixara sem respaldo durante as negociações.
Pacelli afirmava que de dois males era
preciso escolher o menor. Se não fora a Concordata, os católicos teriam sido
deixados à mercê das tropas de choque nazistas (SA, SS) e da Gestapo. A
Concordata poderia servir-lhes de amparo para protestarem contra as injustiças.
Em julho de 1933, observava Pacelli frente a um
oficial da Embaixada Britânica que, embora os ataques aos católicos fossem
perdurar, "dificilmente os nazistas violariam todos os artigos da
Concordata ao mesmo tempo". Na verdade, apesar de pretensas garantias,
foram constantemente desrespeitados os termos do Acordo.
Em dezembro de 1933, um Estatuto de
Editores obrigava todos os editores a tornar-se
membros da Câmara Literária do Reich e a obedecer a todas as diretrizes que
dela emanassem. Tal lei proibia dar notícias minuciosas de peregrinações,
imprimir calendários litúrgicos e até anunciar Encontros de agremiações
católicas. Ao definir o que considerava propaganda contra o Estado, o Estatuto
desferia um golpe mortal na ampla e próspera imprensa católica.
A censura enrijeceu. Cada tipografia
ficou sujeita ao capricho das autoridades, e um véu cobriu parcialmente o que
ocorria dentro da própria Alemanha.
O Vaticano, desejoso de saber
exatamente o que acontecia, encontrou quem o ajudasse. Uma numerosa turma de
testemunhas desconhecidas acompanhava os agentes do Estado que estivessem trabalhando
às ocultas, passava para fora do pais relatórios e
documentos secretos. Um dos heróis dessa intelligentzia
católica foi o Dr. Joseph Mueller, mensageiro-chefe. Era este um jurista antinazista de Munique, conhecido por ser pessoa calma e de
confiança. Oficial da Abwehr (Defesa Militar), podia
locomover-se livremente entre Munique, Berlim e Roma. Na sua sacola de
trabalho, isenta de alfândega e dos olhos da Gestapo, ele transportava maços de
documentos que proporcionavam minúcias da campanha contra os católicos da
Alemanha e da Áustria. Quando a Rádio Vaticana levava ao ar extratos dos
relatos trazidos por Mueller, a Gestapo reagia com fúria e pôs-se a procurar
acirradamente a respectiva fonte.
2. De 1934 a 1939
A documentação fornecida por Mueller
permitiu averiguar crescente progresso das medidas anticatólicas
entre 1933 e 1939. O Estado queria forçar os jovens católicos a entrar na
Juventude Hitlerista; as escolas e os sindicatos católicos foram desmantelados,
o clero condenado à perseguição e ao cárcere. Entre 1935 e 1938 os padres e os
Religiosos foram humilhados cinicamente por motivo de "divisas
ilegais" e "imoralidade". Com efeito, as leis do Estado
regulamentavam a importação e exportação de dinheiro; mandar qualquer quantia
para fora do país podia ser considerado "alta traição" e
"sabotagem". Por alegação de infrações às leis vigentes, a campanha
foi dura e resultou em encarceramentos vários e pesadas multas. Tal foi o caso
do Pe. Agner, redentorista,
que foi preso numa cidade e falsamente acusado.
A confiscação de contas bancárias
era procedimento habitual, adotado pela polícia, que era
muitas vezes brutal e agressiva. Em maio de 1935, no convento de S.
Carlos Borromeu em Trebnitz
(Saxônia), duas Religiosas morreram do choque quando a Superiora e outras Irmãs
foram presas sob a acusação de que exportavam dinheiro para um convento na
Tchecoslováquia. As Irmãs responderam que era absurdo pensar que elas
possuíssem elevadas quantias, já que gastavam toda a sua vida em obras de
caridade. Em 22/07/1935 declarou um advogado em Münster:
"Era notório que até juizes e procuradores do Estado caíam em erro no
tocante à legislação econômico-financeira".
Os processos por imoralidade
procuravam destruir a reputação dos Religiosos católicos. Sacerdotes, monges e
freiras foram acusados de "estilo de vida pervertido e imoral". A
polícia secreta lhes preparou numerosas armadilhas: assim em maio de 1936
alguns padres foram chamados para atender a pessoas doentes em quartos de
hotel. Eram aguardados nesses quartos por fotógrafos. Quando o padre entrava no
quarto, a pessoa "doente" revelava ser uma prostituta ali colocada
pela Gestapo. As fotografias assim tiradas eram levadas aos tribunais e ao
público como irrefutáveis provas de corrupção moral.
Em 1936 um famoso processo atingiu
os franciscanos da cidade de Waldreitbach (Renânia). Foi amplamente divulgado, a ponto que as famílias
foram admoestadas por panfletos "santamente
redigidos" a que não matriculassem seus filhos em educandários católicos.
As próprias crianças foram estimuladas a ler os sinistros relatos. Em algumas
cidades, as bancas de jornais foram especialmente
arrumadas, de modo que em prateleiras a pouca altura as crianças pudessem ler
estórias pornográficas acompanhadas de caricaturas nas páginas de Der Sturm (o jornal controlado por Julius Streicher,
notoriamente anti-semita e anticatólico).
Os testemunhos das crianças eram
levados aos tribunais pela polícia secreta de tal forma que não era permitido a
alguém contradizer-lhes. Registraram-se ameaças, subornos,
brutais interrogatórios noturnos, colapsos nervosos...
Nos Estados Unidos comícios e
marchas de protesto começaram a ter lugar logo que lá chegaram as notícias dos infamantes processos. Em junho de 1936, 48
clérigos assinaram um documento que dizia: "Levantamos solene protesto
contra a brutalidade dos ataques movidos contra o clero católico pelo governo
alemão, que o acusa de imoralidade... O bom nome do sacerdócio católico é assim
difamado, na expectativa de que se possa chegar ao extermínio das crenças
judaica e cristã por parte do Estado totalitário". Os rabinos Samuel
Abraham, de Boston, Philip Bernstein, de Rochester, e Philip Bookstaber, de Harrisburg,
dezoito outros rabinos e vinte e um pastores protestantes assinaram tal
protesto.
Voltando à Alemanha, observa-se que
tais vozes ficaram sem resposta. Nos anos subseqüentes continuaram os ataques
aos clérigos nas ruas, nas casas paroquiais e nos postos de fronteira. O culto
divino nas igrejas podia ser interrompido, as procissões dissipadas, enquanto
os fiéis católicos eram assaltados nas ruas.
Na Páscoa de 1935, peregrinos
alemães que voltavam de Roma após visitar o Papa Pio XI, foram punidos na
fronteira por agentes da Gestapo e da SS; receberam a ordem de deixar o trem em
que viajavam e de ficar esperando; isto durou sete horas debaixo de copiosa
chuva; enquanto a sua bagagem era toda minuciosamente inspecionada; foi-lhes
confiscado tudo o que fosse sinal de alguma organização ou associação:
bandeiras, estandartes, livros, barracas, até facas e garfos... Os peregrinos
foram insultados furiosamente: "Assim são os papistas, o povo que
apunhalou a Alemanha pelas costas em 1918! É preciso que eles sejam espancados
e enviados para um campo de concentração... A melhor coisa seria degolá-los!".
Diante dos protestos dos injuriados a polícia local apenas respondeu que
estavam procurando uniformes ilegais.
No dia das eleições para o Reichstag em 1938, sacerdotes e Bispos foram atacados depois que a votação se encerrou. Em Fellbach, perto de Stuttgart, o Pe. Sturm, pároco, foi cercado por uma turma de 25 SS e SA (guardas nazistas), que lhe perguntaram em quem ele votara. Após ter saqueado a casa paroquial, obrigaram-no a passar entre duas fileiras de homens munidos de açoites, que cuspiram nele, zombando: "Este é o traidor, Pe. Sturm!". Depois de duas horas de abuso, foi levado ao chefe, que lhe deu uma lição acerca da doutrina de Hitler e lhe manifestou como ele (chefe) concebia os deveres de um pároco na nova Alemanha. A meia-noite, o Pe. Sturm foi posto em liberdade.
Embora os SS e a Juventude
Hitlerista tivessem sido instruídos para não fazer mártires, era muito
freqüente encontrar sacerdotes ameaçados. Muitos foram tratados com aspereza,
sendo que um, atirado janela abaixo, teve as duas pernas quebradas. O Cardeal Faulhaber, de Munique, foi alvo de um tiro; o Cardeal lnnitzer teve sua residência saqueada em Viena no mês de
abril de 1938. Neste mesmo mês deu-se um incidente notável, quando o Bispo
Mons. Sproll, de Rottenburg,
foi maltratado. Posteriormente ele recebeu uma carta anônima de um agente SA,
que foi obrigado a tomar parte na agressão e que dizia: "Sempre fui ufano
do meu país, mas nesse sábado eu me senti, pela primeira vez, envergonhado de
ser um alemão".
Nessa mesma década de 1930, canções,
filmes, discursos de membros do Partido, cartazes e peças de teatro satirizavam
o clero. O produtor Anderl Kern
redigiu a peça anticlerical intitulada "O Último
Camponês", que circulou por toda a Alemanha, provocando sérios debates.
Foram então apresentados ao público um pároco com um
filho ilegítimo, um olho no sexo oposto e dinheiro fácil; um jovem seminarista
volta para a casa dos pais, anunciando que perdeu a vocação; uma senhora mãe
tenta matar uma jovem empregada doméstica com o rosário numa mão e o punhal na
outra. No fim da peça aparece o ex-seminarista como "o autêntico herói
alemão", tendo renunciado ao sacerdócio e prometido ao pai uma numerosa
família "para a segurança futura da raça ariana".
A estratégia nazista consistia,
essencialmente, em destruir o Catolicismo, eliminando todas as organizações
patrocinadas pela Igreja desde as escolas infantis até os sindicatos. Em 1939,
as escolas e os sindicatos católicos estavam praticamente extintos. Em troca
havia as escolas nacional-socialistas, a Frente de Trabalho Nazista e a
Juventude Hitlerista com seu ramo feminino, que era a Liga das Moças Alemãs.
Em 1937 os pais de família eram
obrigados a escolher a escola de seus filhos perante duas testemunhas,
geralmente homens da tropa de choque rigorosamente uniformizados; essas
testemunhas os advertiam a respeito de perda de emprego e outras sanções. As
próprias crianças nas escolas católicas sofriam represálias; não havia para
elas prêmios pelos estudos primários, pois estes só podiam ser concedidos pelas
escolas oficiais; aos pais que optassem por uma escola católica, era dito que
seus filhos teriam que ir freqüentá-la nos subúrbios, a algumas milhas de
distância. Em Speyer, cidade da Renânia,
um operário narrou ao seu Bispo pormenores de como sua opção de escola foi
obtida: "Disseram-me que fosse à Secretaria da paróquia; lá chegando,
declarei que escolhia a escola católica, e preparava-me para ir embora, quando
um agente nazista me segurou pelas costas e escreveu um ofício à minha firma de
trabalho declarando que, por causa da minha opção, eu merecia ser demitido.
Então disse-me um policial que, se eu não mudasse de
alvitre, eu jamais poderia conseguir emprego".
Em 1936, na Baviera, 600 Religiosas
dedicadas ao magistério foram afastadas do cargo. Em conseqüência deste e de
outros casos semelhantes, muitas Religiosas se voltaram para empregos profanos
nas fábricas, a fim de sobreviver. Em Baden, no verão
de 1938 havia 41 Religiosas trabalhando numa fábrica de téxteis
após ter deixado o magistério. O governo proclamava que todas as Religiosas que
deixassem o convento, seriam imediatamente empregadas em instituições estatais.
Na Renânia, em abril de 1939, 330 educandários
católicos foram fechados por decreto do governo no chamado "Dia Negro para
a Renânia Católica". As associações de jovens
católicos foram declaradas "não alemãs", embora contassem centenas de
milhares de membros. Os professores foram advertidos no sentido de que, como
funcionários do Estado, tinham a obrigação de estimular seus alunos a entrar na
Juventude Hitlerista ou na Liga das Moças Alemãs; a jovem que não se filiasse à
Liga, era ameaçada de não encontrar rapaz para se casar quando terminasse seus
estudos: caso viesse a se casar, o seu marido perderia o emprego logo que
descobrissem que a esposa não pertencera à Liga das Moças Alemãs. Muitos
trabalhadores católicos foram ameaçados de demissão, caso não pudessem provar
que seus filhos se haviam alistado nas associações hitleristas de jovens.
Muitas escolas de Artes e Ofícios anunciavam que só aceitariam como aprendiz
quem estivesse filiado ao Partido. Os ferroviários alemães, num total de
centenas de milhares de pessoas, publicaram semelhantes normas.
A censura imposta à imprensa e ao
rádio fez que a Igreja se tornasse o único lugar em que o cidadão católico
podia ouvir uma voz de protesto. Era extremamente perigoso, para os clérigos,
exprimir-se contra o governo, embora alguns o fizessem energicamente, correndo
os riscos respectivos, como o Pe. Rupert
Mayer, de Munique. Os padres, aliás, estavam conscientes de que na igreja,
disseminados entre os fiéis, havia agentes hitleristas clandestinos à escuta de
seus sermões. Nem os Bispos eram poupados: tenham-se
em vista o Bispo Clemens von
Galen, de Münster, o
Cardeal-arcebispo Faulhaber, de Munique, o Cardeal Bertram, de Breslau, o Cardeal Shulter, de Colônia.
Os sermões do Cardeal Faulhaber, de todos o mais famoso, proferidos na igreja de
São Miguel durante o Advento, despertaram interesse nacional e internacional.
Tornaram-se tão expressivos que milhares de pessoas os acompanhavam fora da
igreja, nas ruas. No primeiro desses sermões, proferido em dezembro de 1933, Faulhaber defendeu o Cristianismo proclamando as suas
raízes, ou seja, o judaísmo; enfatizou que o Cristianismo não admitia
discriminação por causa da raça, e perguntou se os racistas ainda tinham fé. No
mês seguinte algumas balas lançadas contra as janelas do seu escritório
quebraram-lhe os vidros. Em março de 1934 o livro de seus sermões publicado com
o título "Judaísmo, Cristianismo e Germanismo" foi retirado do
comércio por causa de suas "caluniosas afirmações concernentes ao
Estado". Apesar disto, o Cardeal Faulhaber
continuou a denunciar a política nazista referente às escolas católicas, às
associações de jovens, às eleições controladas, à esterilização de adultos, aos
ataques contra o Papa e às tentativas de substituir o Cristianismo por aquilo
que ele chamava "uma falsa religião". Faulhaber
desempenhou importante papel na redação da encíclica antinazista
Mit brennender Sorge (Com
ardente Preocupação) publicada em março de 1937; este documento denunciava
ataques contra a fé, a violação de quase todos os
artigos da Concordata assim como os itens da ideologia nacional-socialista. A
encíclica foi interditada pela Gestapo, mas foi secretamente policopiada e enviada para toda a Alemanha; a rede católica
de comunicações clandestinas encarregou-se de a fazer chegar a todas as
paróquias da Alemanha; centenas de agentes se empenharam, para tanto utilizando
carros, bicicletas, motocicletas..., que transportavam até mesmo cópias feitas
à mão.
A reação à encíclica não se fez
esperar. O governo alemão enviou um protesto a Roma, que foi energicamente
rejeitado pelo Cardeal Pacelli, Secretário de Estado
e futuro Papa Pio XII. Uma ordem de Hitler e Goebbels
mandou furiosamente que fossem acusadas publicamente dezenas de clérigos por
delitos de imoralidade e calúnias contra o Estado. A Gestapo e os agentes SS
puseram-se a procurar as oficinas que haviam reproduzido a encíclica; as
tipografias suspeitas foram confiscadas e seus proprietários desalojados. Numa
paróquia da diocese de Oldenburg, sete moças foram
presas dentro da igreja quando confeccionavam cópias do texto após a Liturgia
do domingo de Ramos.
3. O ano de 1939
A morte de Pio XI em fevereiro de
1939 e a eleição de seu sucessor, o Cardeal Pacelli,
suscitaram o escárnio do periódico Das Schwarze Korps (O Corpo Negro), órgáo do
SS[2] e porta-voz do Ministro Himmler.
Referia-se a Pio XI como sendo "o Rabino-chefe dos cristãos, patrão da
firma Judah-Roma". O Cardeal Pacelli
já fora considerado pelo jornal como um aliado dos judeus e dos comunistas numa
série de caricaturas e artigos publicados por ocasião de sua visita à França em
1937; ver ilustração à p. 218 [abaixo].
A política nazista podia variar
segundo as circunstâncias históricas, tentando novas estratégias ou suprimindo
táticas pouco profícuas. A perseguição podia tornar-se dissimulada ou mesmo
sustada quando convinha. Por exemplo, em agosto de 1937, por ocasião dos Jogos
Olímpicos em Berlim, o governo deu ordens de suspender qualquer atividade
hostil aos judeus, aos católicos e aos protestantes; deviam ser subtraídos aos
olhares dos jornalistas estrangeiros todos os espetáculos agressivos à
religião. Todavia, logo que partiram os estrangeiros, a estrutura persecutória
voltou a funcionar.
Quando irrompeu a segunda guerra
mundial em setembro de 1939, Hitler preferiu deixar de lado o seu propósito de
total destruição do Cristianismo para melhor desenvolver a ação bélica. Contudo
houve no Partido quem julgasse ser um erro a suspensão da luta contra a Igreja
(Kirchenkampf). Martin Bormann
em 1941 fez ver a Himmler, chefe dos agentes SS, que
"a influência da Igreja Católica deveria ser inteiramente sufocada".
No tocante, porém, à perseguição movida contra os judeus, houve quase
unanimidade na cúpula do nacional-socialismo em favor da continuação: a guerra
dava a Hitler a oportunidade de novas investidas contra os israelitas para
assim "purificar a Europa" pela eliminação dos não ários. Por quase toda a Europa os judeus foram maltratados
e assassinados, ao passo que os eslavos foram escravizados ou mortos. A
extensão do poder nazista para dentro da URSS dilatou enormemente o seu campo
de ação exterminatória. A respeito da posição do Papa
Pio XII frente ao Holocausto judaico, muito se tem escrito; está comprovado que
se empenhou por salvar a vida de quantos judeus lhe foi dado atingir; só não se
pronunciou em alta voz contra o anti-semitismo para evitar mais veementes
represálias da parte do nacional-sociajismo. Cf. PR
446, 1999, pp. 317-331.
Embora o alcance da perseguição
contra os cristãos tenha sido menor do que o da luta contra os judeus (com
exceção talvez do que aconteceu na Polônia), as duas moções persecutórias
manifestam a monstruosidade do sistema nazista.
Baldur von Schirach, chefe da Juventude Hitlerista, nas assembléias de
seus colegas, gostava de lhes dizer, à guisa de chavão: "Somos jovens que
crêem em Deus, porque servimos à Lei Divina, que se chama Alemanha". - É
preciso não esquecer que essa blasfema concepção de Lei Divina, por dez mil
caminhos tortos, levou à guerra, ao saque, a sofrimentos inauditos e, por fim,
à destruição do ser humano.
Em Apêndice veja-se como o
nacional-socialismo considerava o Cardeal Pacelli.
[IMAGEM PR456-1.GIF]
Segundo
a propaganda nazista, Pio XII foi sempre um adversário
do nacional-socialismo e um amigo dos judeus. Essa caricatura apareceu no
jornal Das Schwarze Korps
dos SS, quando em 1937 o Cardeal Pacelli visitou a
França. No alto da figura o título reza: "A viagem do Cardeal à
França". Na parede há um mural que diz; "Cozinha Venenosa da Frente
Popular", referência ao Partido Comunista Francês. O rótulo da botija diz: "Horríveis
Mentiras", enquanto a mulher judia comunista tem
nas mãos um exemplar do jornal comunista L'Humanité
com a manchete: "Perseguição dos cristãos na Alemanha". Diz o Cardeal
Pacelli: "Sem dúvida, ela não é bonita, mas
cozinha bem". Note-se que o Cardeal foi reproduzido com traços típicos de
um judeu (da propaganda nazista) para combinar com as feições da mulher judia e comunista.
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Notas:
[1] O conteúdo deste artigo é
retirado dos escritos do Prof. Karol
Josef Gajewski, de Sandbach
(Inglaterra), especialista em História da Europa. Os resultados de seus estudos
foram publicados pela revista norte-americana Inside the Vatícan, novembro 1999, pp.
50-54.
[2] SS = Staatsicherheit
(Segurança do Estado)