DIMENSÃO COOPERATIVO-LAICAL NO OFÍCIO ECLESIÁSTICO

Paulo Tapajós Veveiros

(Revista Direito e Pastoral)

1. A QUESTÃO CENTRAL

Defrontamo-nos com o problema inicial de nossas reflexões e questionamentos. Não pretendemos uma solução que canonistas consagrados não chegaram a alcançar. Não queremos correr o risco de, desviando nosso caminho pelas várias vertentes possíveis, terminar em análises de caráter teológico, para o qual, ainda sem colocações definitivas do magistério, permitem várias hipóteses de entendimento e escapam ao nosso enfoque, prioritariamente de caráter jurídico-positivo.

O Código promulgado, reproduz a compreensão do legislador de acordo com seus princípios orientadores e definiu "para linguagem canonística a própria eclesiologia conciliar"(João Paulo II. Sacrae Disciplinae Leges), e portanto, "a lei já não pode ser ignorada... a todos se oferecem aqui meios suficientes para conhecerem os próprios direitos e deveres"(Prefácio ao Código de 1983).

A nossa reflexão e a nossa conclusão, como hipótese de compreensão do ofício do leigo na Igreja, que se ater nos parâmetros jurídicos e nos limites dos termos propostos pelo Código em vigor. Para atingir este objetivo, intentamos relacionar os dados centrais desta temática poder, colaboração e ofício com seus elementos caracterizados: munus, stabiliter constitutum, ordinatione, in finem.

2. MUNUS

A ampliação da presença do laicato no exercício de diversas funções na Igreja hoje é um dado evidente que procura ser justificado teológica e eclesiologicamente, para fundamentar juridicamente os parâmetros desta participação.

A crescente escassez do clero, acentuada por uma mais rápida secularização da sociedade, produziu nas mais recentes décadas como de formas alternativas de ministério, no qual o laical supre subsidiariamente o clerical. Se assim se deu na prática conciliar e pós-conciliar da Igreja, não por isso se tem deixado de buscar encontrar um fundamento mais eclesiológico que simplesmente funcional, originado na própria apostolicidade da comunidade que, reservaria também aos leigos, como participantes da missão da Igreja. funções própria.

João Paulo II, na sua saudação aos membros da Ação católica Italiana, nas vésperas do Sínodo dos Leigos, o afirmaria taxativamente: "O papel do leigo, portanto, tem sua própria e insubstituível originalidade, irreduzível à do ministério ordenado, para uma plena e completa atuação da única e fundamental missão da igreja, que é a de condução dos homens à salvação eterna e, em tal perspectiva, de penetrar do espírito evangélico as realidades temporais e aperfeiçoá-las (Mais adiante acrescenta "O leigo não é chamado a fazer menos nem o sacerdote a fazer mais; ele é chamado a fazer algo de próprio e de original, que o sacerdote, normalmente não pode fazer, e algo de igual modo útil para edificação da Igreja". L’Osservatore romano. Edição Portuguesa de 04 de Outubro de 1987).

O Concílio Vaticano II, marco referencial da eclesiologia contemporânea, evidencia o caráter ministerial da totalidade da Igreja a partir da unidade da missão na pluralidade das funções em dupla fundamentação.

— um ministério comum, que se origina do Sacramento do batismo;

— um ministério hierárquico que se origina do Sacramento da Ordem ("Uma visão de conjunto dos documentos conciliares, nos leva à convicção de que o Vaticano II coloca em destaque o aspecto ministerial de toda a Igreja. Não se trata de um ou de outro texto, mas da visão global sobre a Igreja na qual se reconhece a unidade da missão em meio a pluralidade de ministérios". E este identifica quatro linhas mestras desta unidade plural:

Os bispos, juntos com os presbíteros e s diáconos recebem o ministério da comunidade para presidir em nome de Deus a grei da qual são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto e ministro dotados de autoridade.

Os sagrados pastores sabem que não foram constituídos para assumir por si toda a missão salvífica da Igreja, mas devem reconhecer os serviços e carismas dos leigos de modo que todos cooperem unanimemente na obra comum).

Os seculares, participando do ministério sacerdotal, profético e régio de Cristo, exercem seu apostolado no mundo como fermento, para o qual todos são chamados.

Alguns leigos, por disposição pessoal ou por chamamento da Hierarquia, se consagram perpétua ou temporariamente, a cooperar no apostolado hierárquico. Cf. MARTIN, Luís Gutiérrez. Los ministros laicales in Ius Canonicum, vol. XXXVI (1986), n. 51, pp. 189-190.

Se até o Vaticano II os temos "Sacerdócio" e "Ministério" estavam sempre vinculados ao entendimento de ordem sagrada e hierárquica, agora aparecem e se desenvolvem os termos "Sacerdócio Ministerial" e "Sacerdócio Comum" que vinculariam o primeiro apenas, ao Sacramento da Ordem.

Mas esta vinculação parece aparente. Já em "Gaudium et Spes"(n. 5) a missão dos leigos é também ministerial. Em documentos pontifícios posteriores é este mesmo termo aplicado a ofícios exercidos por leigos, embora se trate de ofícios litúrgicos e, como tais, participantes do ministério hierárquico (cf. Instrução Eucaristicum Mysterium de 25 de maio de 1967).

Talvez resultante das realidades vividas pelas diversas Igrejas particulares espalhadas pelo mundo e manifestadas no Sínodo de 1984, Paulo VI como que oficializa, em "Evangelii Nuntiandi" o exercício ministerial laical ("No entanto, é preciso não descurar ou não deixar no esquecimento outra dimensão: os leigos podem também sentirem-se chamados ou virem a ser chamados para colaborar com os próprios pastores ao serviço da comunidade eclesial, para o crescimento e a vida da mesma, pelo exercício dos ministérios muito diversificados, segundo a graça e os carismas que o Senhor por bem depositar neles"). E para ficarmos mais próximos. João Paulo II, em diversas oportunidades, por motivo do Sínodo de 1987: "O Espírito do Senhor dá-lhe, como aos outros, múltiplos carismas, convida-o a diferentes ministérios e funções...." "Deste modo, os carismas, os ministérios, as funções e os serviços do fiel leigo existem na comunhão e para a comunhão. São riquezas complementares em favor de todos, sob a sábia orientação dos Pastores"( JOÃO PAULO II. Celebração conclusiva do Sínodo. L'Osservatore Romano, edição portuguesa, 08, novembro de 1987).

Luiz Gutierrez (MARTIN, Luís Gutierrez, Op. Cit. p. 192.), observando que a Santa Sé tem deixado mais às iniciativas das Igrejas particulares a instituição de ministérios laicos, propõe o seguinte esquema para a função ministerial na Igreja.:

Pelas definições do autor "los ministerios laicantes son ministerios que no proceden del sacramento del orden pero que son algo más que el ministério comum de todos los cristianos, siendo dones especiales com que el Espiritu de Dios enriquece a su Iglesia.

Si la autoridad eclesiástica otorga caráter público ministerial a determinados servicios o funciones, esos ministerioso no ordenados se denominan instituídos. Pero pueden existir ministerios de hecho que no hay que confundir com actividades que se desarrollan al megen en contra de la autoridad eclesiástica. El ministério laical de hecho se desenpeña de

3. STABILITER

"Não há a menor dúvida que uma coisa é stabiliter constitutum" em que pessoa é estavelmente constituída, seja estabilidade vitalícia ou não (cf. TAPAJÓS, José Maria. Normas Gerais. Apostilha de aula. Instituto Superior de Direito Canônico, Rio de Janeiro). Assim se expressava Mons. Tapajós para destacando, acentuar a intenção do legislador ao alterar a expressão conciliar na sua passagem para o Código.

Além de desvincular a idéia de benefício do exercício do ofício, a opção objetiva da redação codicial, parece expressar com bem mais exatidão o sentido de ofício na Igreja. na apostila acima citada, seu autor termina por afirmar que estabilidade subjetiva só o Sumo Pontífice possui.

Como observa Arrieta (ARRIETA, J. comentário ao c. 145. CIC EUNSA) a definição do ofício no Código é "puramente técnica e conceitualmente desvinculada da noção de poder", mas deve-se ter presente que o poder de governo se exerce através de um ofício. (CIC/83, c. 131).

No aspecto aqui pertinente da estabilidade, ampliaríamos esta observação de Arrieta, para desvincular não só do poder mas também das pessoas físicas que vão exerce-lo. O ofício também não é uma pessoa jurídica, é simplesmente (cf. SOUTO PAZ, Antônio. Dececho Canonico. Madrid, UNED, 1986). Pelo Código anterior este entendimento não seria possível. Excluída esta vinculação, encontramos na atual legislação o cânone 148, que inexistente no Código de 1917, acentua o caráter abstrato do ofício e a impessoalidade de sua estabilidade. A ereção e o conferimento do ofício são procedimentos distintos da mesma autoridade, podendo portanto existir um ofício sem alguém que o exerça.

Considerando que a estabilidade transcende o ocupante do ofício ela é compartilhada temporariamente por pessoas físicas nas quais concretiza a missão da Igreja.

Mas que pessoas estão aptas a exercerem ofícios eclesiásticos? O Código estabelece apenas duas condições: estar em comunhão com a Igreja e possuir as qualidades específicas. Deixamos à parte a exigência de comunhão, pela obviedade de sua necessidade pois seria uma contradição em termos, exercer-se uma missão eclesiástica sem comungar de sua intenção interna: neste caso, já nem seria um ofício eclesiástico apenas uma função burocrática no âmbito da organização eclesiástica (Hervada, cometando o cânone 205, ao colocar como única condição para ser fiel estar unido ao corpo místico de Cristo, que é a Igreja, pelo tríplice vínculo de comunhão: fé, sacramento e Hierarquia, conclui que fora desta condição, jurdicamente se suspendem os direitos e deveres especificamente eclesiais. CIC. EUNSA).

Quanto à idoneidade, como segunda condição para assumir um ofício, além do próprio direito é a autoridade conferente que julga da existência das qualidades requeridas (c. 148) já que é dela o poder de exigir, alterar, suprimir e prover os ofícios.

Pelo próprio direito, não consta mais a cláusula explícita da legislação anterior de estado clerical (CIC/17, c. 153) apenas chama a omissos quanto às qualidades requeridas Arrieta (CIC. EUNSA, comentário ao c. 149) apenas chama a atenção para a possibilidade de invalidade da provisão. Hortal (CIC. Loyola, comentário ao c. 149) supõe outras qualidades humanas não apenas intelectuais. Vito Pinto (CIC.Urbaniana, comentário ao c. 149) apenas reproduz a regulamentação canônica. Manzanares (CIC.BAC, comentário ao c. 149) constata que as qualidades necessárias são exigidas pelo direito comum e pelo direito particular e as conseqüências jurídicas de sua ausência.

Com este comentário final, a questão da habilitação para o exercício do ofício eclesiástico. Vai condicionar-se às disposições de sua constituição, divina ou eclesiástica e à finalidade.

4. ORDINATIONE

O magistério no Concílio e positivado no Código, apresenta a Igreja como o povo de Deus, isto é, a sociedade dos incorporados a Cristo pelo batismo, pelo qual recebem a missão de edificar o Corpo de Cristo (LG, n. 9 e CIC/83, cc. 204 e 208).

São os dois conceitos básicos de qualquer sociedade que estão presente na Igreja "ut societas constituta" que, embora relacionados um ao outro, são elementos autônomos que justificam a realidade: a ordenação e o fim. A organização se justifica para alcançar o fim desejado e é a finalidade almejada que estrutura a organização.

Consideremos separadamente estes conceitos, iniciando pelo elemento societário, constituído pelas pessoas que se encontram em plena comunhão de fé, de sacramento e de regime eclesiástico (CIC/83, c. 205).

Esta estruturação do corpo sacerdotal, porque produz as conseqüências jurídicas na organização da sociedade Igreja, ordenando seu funcionamento, que se concretiza na realização de relações jurídicas através de seus membros que, desempenham diversificados ofícios, visa atingir a finalidade deste ordenamento. A organização deste ordenamento, "sive ecclesiástica", Implica a "potestas" de governo.

Não nos cabe retornar à questão insolúvel se o poder de regime se identifica com o poder de ordem. Apenas registramos a conclusão de Arrieta.

"A solução prática seguida agora pelo legislador consistiu em não se pronunciar doutrinalmente sobre a existência de uma potesta regiminis" desvinculada da "potestas sacra", como implicitamente se reconhecia nos esquemas prévios do atual cânone 129. Pelo contrário, no plano estritamente jurídico, em que primordialmente interessa saber se a "potestas regimis" também pode ser exercida por fiéis leigos, dentro de um apropriado campo de competências, os cânones deste título dissipam qualquer dúvida, e constituem uma afirmação radical dessa possibilidade (ARRIETA, J. comentário ao c. 129 CIC.EUNSA).

Não podemos concordar com esta conclusão. De fato é uma afirmação radical, mas deixa muitas dúvidas.

Preferimos acompanhar Rincón, que ao comentar o cânone 273, fundamentada duplamente o exercício do ofício eclesiástico: a condição de clérigo e o vínculo da incarnação (Os deveres canônicos de obediência e de disponibilidade para assumir e cumprir fielmente o ofício encomendado pelo Ordinário, próprio de todos os clérigos, tem o seu fundamento imediato no vínculo de incardinação, ainda que o fundamento mediato seja a condição de clérigo. Os deveres de obediência canônica e de disponibilidade plena são também conseqüência lógica dessa relação serviço pleno, em que consiste e para que está pensada a incardinação.[Comentário ao cânone 273, CIC.EUNSA]).

No mesmo entendimento segue Manzanares ao afirmar que tanto o poder de ordem quanto o poder de jurisdição tem como fonte comum o sacramento da ordem, porque a "potestas sacras" forma uma unidade e como tal transmitida ao sujeito, embora o fato de receber este poder não implica a possibilidade de seu exercício fora das determinação canônicas (A norma do primeiro parágrafo deriva da mesma natureza do ofício aqui posto. Ninguém pode exercer algo que não possui. Pois a fonte do poder de ordem, é sempre inequivocamente sacramento da Ordem. E quando ao poder de regime eclesiástico, a afirmação é igualmente exata. Na atual eclesiologia de comunhão e responsabilidade, só se explica pela convicção do legislador de que, da mesma forma que o poder de ordem, o poder de regime eclesiástico tem sua origem no Sacramento; não que o Sacramento capacite para receber o poder, mas que ele próprio é a fonte do poder. A sacra potestas forma uma unidade e como unidade é transmitida ao sujeito).

Por isso, ele vai concluir, referindo-se à situação dos leigos, que "a dificuldade maior está em determinados ofícios que podem exercer, sabendo-se que estão excluídos de todos aqueles para cujo exercício se requeira o poder de ordem ou o poder de regime eclesiástico (Comentário ao Cânone 228, CIC.BAC).

Embora o conceito de ofício no aspecto aqui considerado o coloque na dupla origem de direito divino ou eclesiástico, na realidade este só tem o seu valor jurídico enquanto recebe sua autoridade daquele, pois ainda que sejam duas ordens regulando a vida da Igreja, o direito eclesiástico se fundamenta no divino (A constituição hierárquica da Igreja não se limita a uma organização de poderes de governos e administração, mas na sua raiz suporta uma participação específica no sacerdócio de Cristo. Comentários ao cânone 207. CIC.EUNSA) que prevalece sobre o eclesiástico, constituindo-se em conseqüência um único sistema jurídico, enquanto organiza uma única realidade que é a Igreja.

Com efeito, afirma Viladrich (VILADRICH, Pedro Juan. Manual de Derecho Canonico. Pamplona, EUNSA) "se todo o Direito Canônico positivo (isto é, Direito humano mais Direito divino canonizado pelo poder humano) tem sua juridicidade baseada na vontade de legislador humano, onde busca por sua vez o legislador humano seu poder de criação do jurídico? Se se responde que surge de si mesmo ou da vontade do povo que representa, o Direito canônico não seria essencial à natureza da Igreja, e sim simples produto das necessidades históricas do poder e do acordo de seus súditos. Admitindo-se esta explicação, supor-se-ia um totalitarismo externo de um poder humano que qualifica um divinos através da canonização os atos de sua vontade e como tal os impõe. Ocorre que se não existe direito divino, em si e por si mesmo jurídico, é insustentável um Direito essencialmente necessário à Igreja; seria somente admissível um Direito exclusivamente humano e, por conseguinte, um Direito acidental e histórico do qual a Igreja poderia prescindir quando julgasse oportuno. Se a Hierarquia pode ditar normas autenticamente jurídicas é porque recebeste poder de uma norma jurídica anterior e superior a ele, a qual há de ser essencial e necessariamente jurídica para fundamentar a juridicidade e legitimidade do poder legislativo humano e de suas normas"

5. IN FINEM SPIRITUALEM

Constatamos em um único sistema jurídico divino eclesiástico, mas separados em vista de sua origem, o legislador divino e o humano. A integração dessa qualidades é então colocada em sua finalidade espiritual (Tendo presente que a lei sempre suprema da Igreja é a salus animarum, é indiscutível que esta finalidade, mais que ao direito ou ao ofício, pertence à própria Igreja).

Além do quanto já consideramos para entender o ofício eclesiástico, isto é, qualquer encargo estavelmente constituído por ordenação divina ou eclesiástica, acresce este último elemento de finalidade espiritual

Congregando os vários elementos do ofício, fica evidente, dispensando argumentação, que é pacífica a relação existente entre a origem divina eclesiástica e o fim, espiritual.

Considerando que a estabilidade de sua constituição identifica mais o modo de ser que a natureza do ser, reta refletir que encargos possuem um final espiritual, enquanto encargos, não enquanto inseridos no contexto maior da atuação da Igreja.

Arrieta (Os requisitos fundamentais que o candidato a qualquer ofício deve reunir são os de comunhão eclesial e os de idoneidade concreta para o oficio de que se trata. Com o primeiro, sublinha-se que não é suficiente a condição de batizado ou a recepção do sacramento da Ordem, mas além disso, já que todo o ofício tem por definição, um fim espiritual, é necessário também a comunhão eclesiástica de fato) ao analisar as condições para promoção de ofício eclesiástico, identifica na sua essência a finalidade espiritual. Em vista do cânone 145, que reproduz "Praesbiterorum Ordinis" parece que devamos concordar que todo ofício eclesiástico tenha uma finalidade espiritual. O que não nos parece evidente é que os ofícios, de possível exercício por parte dos leigos, apresentem de forma plena e própria, esta finalidade.

Das muitas considerações que vimos apresentando não vemos como desvincular o exercício do ofício com o poder de jurisdição divina, produz uma participação de essência, não de grau, no sacerdócio de Cristo, do qual deriva o poder sobre o Corpo Místico de Cristo. E acrescenta Hervada (Comentário ao cânone 207. CIC.EUNSA).

"A constituição hierárquica da Igreja não se limita a uma organização de poderes de governo e administração, mas na sua raiz comporta uma participação específica no sacerdócio de Cristo. O sacerdócio hierárquico é participação de um poder divino, que só por um ato divino pode ser outorgado: a sua causa é o Sacramento da Ordem; o qual produz o caráter sacramental, que contém na sua raiz as funções ou mumera hierárquicos". E esta nos parece ser a verdadeira finalidade espiritual do ofício eclesiástico. Retornamos ao tema central. Constatando que continua questão controvertida a possibilidade de participação dos leigos no exercício do poder de regime como "um dos problemas mais difíceis do Direito Constitucional canônico, a conexão com a precisa determinação das relações entre poder eclesiástico e modalidades de participação do sacerdócio de Cristo" (LOMBARDIA, Pedro. Leciones de Derecho Canonico. Madrid, 1984).

O atual Código que pretendeu traduziu em linguagem jurídica o magistério conciliar, conseguiu manter a imprecisão e indefinição nesta questão, o que pode ser analisado através de todo o processo de sua elaboração.

6. O PODER LAICAL DE REGIME E OFÍCIO

Os leigos e o poder de regime nos trabalhos da reforma codicial é o título de oportuno estudo feito por Emílio MALUMBRES (Los laicos y la potestad de régimen en los trabajos de reforma codicial in Ius Canonicum, Vol. XXVI (1986) n. 52, pp. 563-625), de que nos aproveitamos agora, para iniciarmos enforques conclusivos deste nosso trabalho que pretendeu analisar perspectivas da cooperação laical, "cooperari possunt" no poder de regime eclesiástico.

O processo de revisão do Código que se iniciou com o encerramento do Concílio, foi desenvolvido através de Comissões específicas para cada tema. Acompanhemos esta sistemática para identificar as considerações desenvolvidas até a redação final do Código.

Comissão "De Sacra Hierarchia"

A Comissão toma como ponto de partida o cânone 118 do Código de 1917 que estabelece: "Somente os clérigos podem obter o poder, seja de ordem seja de jurisdição eclesiástica, benefícios e pensões eclesiásticas".

Opinando pela não aceitação deste teor, entre outros argumentos por entender que, por disposição da Hierarquia os leigos podem participar do poder de jurisdição, considera que seria conveniente: alterar a redação do Código para permitir aos leigos exercerem ofícios de poder de jurisdição, por disposição da Hierarquia, sobretudo quando estes encargos são de caráter técnico ("Certum est slos clericos potestatem ordinis proprie dictam exercere posse, quia soli clerice per ordinationem hanc possident potestatem; Ad potestatem jurisdictionis quod attinet, laici, si ita disponit Hierarchia, partem habere possunt in eiusdem exercitio". Propõe-se então uma distinção "inter oficia fundata in iure divino vel characterem praevalenter habentia et officia quae secum ferunt functionem solummodo technicam". E conclui o óbvio: "soli clerici possunt potestatem sacram obtinere" Comm. 16 (1984) pp. 168-169).

Esta alternativa resultou mais provisória que definição da questão, visto que a muitos parecia que a expressão conciliar "poder sagrado" pretendia exatamente indicar a unidade e indissolubilidade dos poderes de ordem e jurisdição. A Comissão opta finalmente, pelo acréscimo às expressões ordem e jurisdição uma vinculação ao Sacramento da Ordem, conforme vai constar no Esquema de 1977, considerando que:

— nem todo ofício eclesiástico e nem todo exercício do poder de regime devam ser reservados aos clérigos;

— é conveniente que a questão seja levada a outras Comissões que estudam temas referentes ao poder de regime e ofício ("Re quidem vera, secundum Decretum Concillii Vaticani II Praesbyterorum Ordinis Officium eclesiasticum deinceps intellegi debet quolibet munus stabiliter collatum in finem spritualem exercendum. Quaedam igitur officia quae laicis commituntur, dici debent officia ecclesiástica. Officia ecclesiastica itaque, non resevantur clericis. Similiter clericis non reservatur hodie exercitium omnis potestatis regiminis seu jurisdictionis in Ecclesia": Comm. 3 (1971), p. 187).

Comissão "De fidelium iuribus et associationibus deque laicis"

Considerando os princípios inspiradores da revisão do código aprovados por Paulo VI, a Comissão, a partir da reafirmação da radical igualdade de todos os fiéis, manifesta-se que "a salvo da estrutura hierárquica da Igreja existem ofícios eclesiásticos que supõem o exercício do poder de regime não exigindo o sacerdócio ministerial" ("Sic, laici itemque, facultate gaudent ad munera eclesiastica gerenda quae sacerdotium ministeriale non requirunt", Comm. 2 (1970), p. 95).

Comissão "De Laicis"

Desta Comissão, que na primeira fase realizou duas Sessões em finais de 1966 e 1967, vamos nos ocupar mais extensivamente, por se relacionar ao elemento fundamental deste questionamento.

Inicialmente, a Comissão coloca como suas questões preliminares a discussão dos direitos e das obrigações de todos os fiéis e se compete ao Código tratar dos catecúmenos e outros não batizados.

Como horizonte de estudo a Comissão parte, como seria óbvio, dos documentos do Vaticano II, especialmente o capítulo IV da Constituição Dogmática "Lumem Gentium",, da Constituição Pastoral "Gaudium et Spes" e do Decreto "Apostolicam Actusitatem".

A primeira Sessão, realizada em novembro e dezembro de 1966, desenvolveu-se em torno de três temas (Comm. 17 (1985), pp. 165-173): — noção de leigo; — direitos e obrigações dos leigos — estatuto jurídico dos fiéis.

A proposição de uma definição descritiva de leigo é aberta pelo Secretário da Comissão, observando a dupla definição negativa existente, decorrente quer de direito - leigo é o fiel não clérigo -, quer de direito eclesiástico - nem clérigo nem religioso estando porém concordes todos os membros de que esta definição não é mais possível depois do concílio, pois já se apresenta um aspecto positivo de uma missão própria dos leigos, de um apostolado específico.

Desta forma, vai identificando uma proposta de definição de leigo um elemento genérico que é a incorporação a Cristo pelo Batismo; um elemento específico negativo pelo fato de não possuírem a ordem sagrada nem pertencerem ao estado religioso e um elemento positivo: sua vocação própria de ordenar as coisas temporais para a realização do reino querido por Deus em cooperação com a Hierarquia (Da primeira proposta à última, da definição de leigo proposta nesta Comissão, há uma alteração fundamental, pela qual os leigos são chamados por Deus, não pela Hierarquia, para o exercício de sua missão. Citemos os textos: In canonibus qui sequuntur nomine laicorum intelleguntur omnes christifideles qui non sunt, sacro ordine recepto, ad ministerium sacrum deputati, nec in instituto ab Ecclesia sancito statum religiosum assumunt, christifideles scillicet qui ad populum Dei non pertineant, per se vocantur ut suo modo cum Hierachia in aedificationem Corporis Christi cooperentur, praesertim i rebus temporalibus gerendis Christi testimonium mundo reddentes". In canonibus huius codicis nomine laicorum intelliguntur omnes chrisfideles qui non sunt, ordine sacro recepto, ad ministerium divinum deputati, nec in instituto ab Ecclesia sancito statum religiosum assumpserunt. Qui christifideles, sive viri sive mulieres, a Deo vocantur ut suo modo, etiam eisdem canonibus determinando, debita cum sacris pastoribus relatione servata, apostolatum in saeculo exerceant, speciatim in rebus temporalibus gerendis Christi testimonium reddentes". Comm. 17 (1985), pp. 171 e 174).

Quanto ao segundo tema dos direitos e obrigações, verifica-se que a maioria dos itens em que se subdividiam, não se podem afirmar próprios dos leigos, mas comuns ao conjunto dos fiéis, com exceção da liberdade na vida civil e de sua participação na missão da Igreja e cooperação com a Hierarquia (A Comissão estudou os seguintes temas; a obediência para com os pastores; a justa liberdade nas coisas terrenas; o direito espirituais; a colaboração com a ação da Igreja; a obrigação e o direito de conhecer a doutrina cristã; o direito à manifestação de opinião; a participação na missão da Igreja; a cooperação com os pastores; a liberdade na pesquisa científica; a participação nas celebrações litúrgicas; a devida preparação para especiais serviços na Igreja).

Esta última questão, que nos interessa mais no presente estudo, é colocada numa tríplice perspectiva: — a obrigação da participação enquanto cristão; — a especial obrigação obras coisas temporais; — a possibilidade de convocação para cooperar com a Hierarquia.

Quanto esta cooperação, é interessante notar algumas observações de membros da Comissão. Primeiro se coloca esta cooperação, não como um direito subjetivo, mas como uma capacidade (simplice facultate). Em segundo lugar, se distingue "múnus hierárquico" de "múnus eclesiástico" e, finalmente, se exclui desta cooperação a característica de finalidade espiritual, resultando o seguinte texto: "Laici, debita scientia, experientia et virtute praestantes, habiles sunt qui tanquam periti aut consiliarii ab Ecclesiae Pastoribus audiantur".

Esquema de 1977

Congregando os esquemas parciais anteriores, as propostas foram apresentadas ao Sumo Pontífice, ao exame de todo o Episcopado e a outros órgãos para consulta, sendo discutidas as sugestões apresentadas.

Destacamos, inicialmente, a formulação do atual cânone 1008 que, identificando a diferente distinção de clérigo, explicita a dupla existência do sacerdócio ministerial e do sacerdócio comum.

Para o nosso tema, mais importantes são as questões que envolvem o poder de regime e o ofício eclesiástico do leigo, que no atual Código estão expressos nos cânones 129 e 274 (No Esquema de 1977 são os cânones 96 e 128; no esquema de 1980 são os cânones 126 e 244.).

Os debates voltaram a se envolver na questão da identidade ou não da "potestas sacra" com a "potestas regiminis" e a possibilidade da existência de ofícios para o exercício dos quais não fosse exigida a ordem sagrada. Como conclua MALUMBRES "só com o que foi publicado em "Communicationes" fica difícil precisar com mais clareza em que termos se deu a discussão" (Comm. 17 (1985),p. 596).

Colocado em votação, o cânone recebeu apenas dois votos contrários. Todas as conclusões das discussões sobre os esquemas apresentados, são organizadas no primeiro projeto geral do código esquema de 1980 que é apresentado ao papa, como o anterior, aberto a uma ampla discussão de representações da Igreja universal, retornando à Comissão na forma de "Relatio" que inicia questionando a infelicidade de estabelecer uma distinção entre clérigos e leigos pela inabilidade de poder de regime e perguntando se não são inábeis como podem exercê-lo, dando como hipótese o ofício de ecônomo (No exemplo dado, o Ecônomo possui estabilidade jurídica: "ne amoveatur nisi ob gravem causam", implicando o exercício do poder executivo "bona diocesis auctoritate Episcopi administrare"). Acrescenta-se a proposta de excluir a expressão "etiam potestas jurisdictionis vocatur" por ser desnecessária e pela precisão terminológica, pois não convém usar duas expressões para identificar uma mesma instituição (Proposta dos Cardeais Palazzini, Freeman e Bispos O Connell e Bernardin).

A Comissão não aceitou a sugestão (Deve ser mantido o texto, pois a questão trata do poder de jurisdição e mantendo-se esta expressão todos podem saber de que poder se trata).

Considerações mais profundas foram levantadas por outros membros da Comissão (Cardeais Ratzinger, Hume, O’Faick e Freeman.) excluindo qualquer possibilidade de poder ao laicato,. Fundamentando-se em cinco argumentos:

o cânone não é claro na identificação do poder sagrado

na Igreja só existe um único poder que deriva da ordem sagrada, e isto é confirmado pelo Vaticano II (LG, n. 2 e Nota Explicativa.);

é perigosa e contrária a evolução histórica da doutrina do poder, abrir a possibilidade de seu exercício por parte dos leigos (LG n. 19.);

a participação do leigo no poder sagrado e a existência de um poder desvinculado da ordem sagrada são conceitos estranhos dos documentos do concílio;

manifesta uma contradição em termos, a afirmação de que o laicato possa exercer um poder que não possa ter.

Em sentido oposto, é proposta a ampliação da concessão do poder sem a ordem sagrada a leigos, não só pela Suprema Autoridade, como pelos Bispos e conferências Episcopais, dentro do princípio de descentralização (Cardeal Marty).

Outras propostas menos significativas foram apresentadas, como a divisão do cânone em dois parágrafos (Cardeal Palazzini); uma explicitação melhor da expressão "singulis pro causis", e a atenção de que fiéis leigos abrange homens e mulheres (Cardeal Bafile).

A resposta a toda esta problemática, confirmou a dificuldade de definição e opção ou a prudência de uma decisão: encaminhar a questão à Sessão Plenária ()As questões aqui propostas serão levadas para decisão da Congregação Plenária).

Esta Plenária, realizada em outubro de 1981, sintetizou seis questões consideradas indefinidas para uma decisão, iniciando exatamente pela possibilidade aberta ao laicato de participação no poder de regime.

Com relação a este assunto, encaminhou-se aos membros da Plenária as observações já apresentadas pelos Cardeais, os pareceres de Stickler e de Beyer e a dúvida: "Devem-se suprimir os cânones 126, 244 e 1373 § 2 que permitem à Suprema Autoridade da Igreja conceder alguma participação no exercício do poder de regime aos que não estejam investidos da ordem sagrada, ou deve ser mudado o sentido da doutrina acerca da origem sacramental de todo o poder na Igreja".

A opção da Plenária foi por alteração nas redações dos cânones, que resultaram assim: "Quem recebeu a ordem sagrada está habilitado, segundo as normas do direito, ao poder de governo, que por instituição divina existe na Igreja, e que também é chamado poder de jurisdição; no exercício deste poder, contudo, os leigos podem participar, por concessão da autoridade suprema em cada caso". "Só os clérigos podem obter ofícios para os quais seja exigido o poder de ordem, de acordo com o c. 129" (Redações do Esquema de 1982).

A redenção deste último não manifesta nenhuma definição já que se remete para o interior. O primeiro, excluindo a expressão "ordine sacro no inixa" – eximiu-se da questão de um possível duplo poder – "inixa" e "non inixa" – mantendo a possibilidade "tamem" do laicato "partem habere in exercicio eiusdem potestis", em situações concretas por concessão da autoridade eclesiástica.

A redação final que consta no atual Código, resultou de decisão pessoal do Sumo Pontífice da qual não se tem pormenores e, na essência, não apresenta alteração mais importante à proposta da Plenária, pois: a) evita a distinção de dois poderes; b) distribuindo o cânone em dois parágrafos, fixa o princípio de que aptos para o exercício do poder são os ordenados e abre a possibilidade de cooperação dos leigos. Como? "ad normam iuris".

7. As normas do direito

De todas as questões refletidas no título anterior, manifestou-se de forma clara a dificuldade dos formuladores do código em expressar de forma explícita em que consiste a participação do laicato no exercício do poder eclesiástico.

Por outro lado, a afirmação desta possibilidade está colocada de forma positiva, sob a condição "ad normam iuris" e a modo de cooperação in exercitio potestatis (CIC/83, c. 129).

Como já afirmamos nas considerações primeiras não se trata aqui de questionar o tema sob perspectiva teológica, eclesiológica ou mesmo jurídica, pelo que já foi estabelecido por competência pessoal do Legislador universal. o que podemos e queremos procurar concluir é, como "ad normam iuris" o laicato coopera no poder da Igreja. e nosso entendimento se desenvolve em dupla direção.

Em primeiro lugar uma análise semântica dos cânones que envolvem o tema. O cânone 274 ao afirmar a existência de ofícios "ad quorum exercitium requiritur potestas ordinis",, faz supor também a existência de ofícios para cujo exercício não se requereria o poder de ordem.

O cânone 131 ao distinguir poder ordinário de poder delegado por este estar desvinculado de qualquer ofício, poderia nos permitir supor a existência também da alternativa oposta, ou seja, o ofício desvinculado de qualquer poder.

Por último, o cânone 129 coloca a cooperação do leigo "in exercitio potestatis" e não "in potestate" (Note-se que esta redação, como pessoal do Papa, substitui a expressão bem diferente da proposta pela Plenária de 1981, que dizia: "partem habere possunt") o que parece querer afirmar que a cooperação de que fala este cânone não se dá propriamente com o poder hierárquico, mas muito mais com a hierarquia que possui o poder.

Se nos detivéssemos na análise dos demais cânones do Código que afirmam possibilidades de atuação laical, encontraríamos constante o enfoque de uma atividade complementar ao exercício de um poder que não é laical. (Parece que o caráter clericalista do antigo Código, ainda está pouco superado no atual. Isto pode ser verificado já a partir do princípio geral do cânone 228 que diz serem os leigos "nabiles as officia", isto é não se trata de um direito, mas de uma capacidade, habilitação.

No que se refere à missão de ensinar compete ao papa "praecipue Evangelli annuntiandi"; aos Bispos relativamente a Igreja particular "illud munus exercent"; aos Presbíteros "proprium est Evangelium Di annuntiare". Competindo em fim aos leigos "evangelicinuntii sunt testes" (cc. 756, 757 e759).

Quanto a missão de santificar a distinção permanece. O múnus santificador "exercent imprimis Episcopi", illud quoque exercent praesbyteri", competindo as demais fiéis "propriam siboartem habent... suo modo participando" (c. 835).

Nas questões especificas do ministério litúrgico, se de forma estável "viri laci" porque estão na linha do sacerdócio ministerial exclusivo dos homens; a pregação, não eucarística (homilia) em caso de necessidade (c. 7660. A ordem para o envio de missionários termina "sive alii christifideles laici" (c. 784); os outros ministérios possuem sempre o caráter de extraordinariedade (cc. 861, 910, 943, 1112, 1116, 1168).

No que se refere ao poder d governo, aspecto preferencial deste estudo, podem ser convocados para Concílio Ecumênicos Concílio Particulares, Conselhos de assuntos econômicos e Conselhos Pastorais, sempre sem voto deliberativo. (cc. 339, 443, 492 537). Os leigos podem exercer ofícios curiais, com reservas aos assuntos clericais, ainda que se exija destes leigos "debent esse integrae famae et omni suspicione maiores" (c. 483) Finalmente na área do judiciário além de promotores, defensores e auditores, leigos podem compor um colégio de Juizes formados de clérigos na sua maioria (cc. 1421, 1424, 1428 e 1435)).

Por ocasião do II Encontro Nacional de Canonistas, realizado no Rio de Janeiro em julho de 1987, Pe. Antônio da Silva Pereira apresentou um amplo estudo sobre a "Participação dos leigos nas decisões da Igreja à luz do CDC" (Revista Eclesiástica Brasileira, n, 47 (1987), pp. 771-802). Sintetizando as quatro correntes em que ele analisa a questão, conclui: "Salvo melhor parecer dentro dos parâmetros das correntes opostas é possível autêntica participação, ou ao menos cooperação dos leigos nas decisões da Igreja". O grifo é nosso, por nos parecer bastante distantes as idéias de participação e cooperação.

Na seqüência de seu trabalho, o autor vai identificando as várias formas de participação dos leigos nas decisões da Igreja para concluir "que uma linha do co-governo na Igreja, sem supressão dos pastores. É possível e de "iure condendo" parece desejável.

Concordamos em grande parte com a tese defendida pelo Pe. Pereira que nos permite derivar a possibilidade prevista no "iure condito".

Uma segunda direção de nosso entendimento para concretizar a cooperação do laicaito "ad normam iuris" nos leva, quase que por exclusão, ao instituto jurídico das faculdades habituais de que trata o cânone 131, infelizmente, para auxílio ao nosso trabalho, este tema das faculdades habituais é considerado muito por alto em quase todos os comentaristas do Código, tanto o antigo como o atual.

De início é de se observar o deslocamento deste instituto jurídico no atual Código em relação ao anterior, que o classificava no campo dos privilégios como concessão especial de um poder superior, alheio ou mesmo contra o direito "pois do contrário seria desnecessário o privilégio" (Privilégio em sentido isto é uma lei privada favorável. Em sentido estrito é um direito favorável outorgado por especial concessão do superior competente. O privilégio pode ser contra ou extra o direito, pois do contrário seria desnecessário).

O cânone fala em faculdades habituais em oposição a faculdades atuais, na distinção comumente classificada pelos comentaristas do Código, entendendo estas como "referidas a casos individualmente determinados"(Comentários ao cânone 132, CIC.Loyola), diferentemente daquelas "que se concedem para sempre, por um determinado tempo, em situações específicas, sem no entanto precisá-las individualmente" (Comentários ao cânone 132, CIC.BAC).

Podemos então identificar os seguintes elementos: — estabilidade, já que são habituais; — situa-se além do que é direito, senão seria uma concessão; — participa do poder por delegação, visto que se rege por estes cânones.

Parece-nos dedutível que o exercício de um encargo por delegação não implica a existência de um ofício, pela própria definição (CIC/83, c. 131); em participação no poder delegante (ordinário) já que a delegação transfere o encargo não o poder que deriva da graça sacramental.

É neste enquadramento que nos parece possível situar a cooperação laical de que fala o cânone 129, sem qualquer poder próprio e que não pode ser classificada como exercício de ofício eclesiástico.

Sintetizando os pensamentos de nossa conclusão:

o exercício de encargos na Igreja por parte de leigos, talvez melhor ficassem entendidos na compreensão do instituto jurídico das "faculdades", não como capazes de exercícios de um ofício eclesiástico;

o exercício do ofício implica uma estabilidade (CIC/83, c. 145) que o vincula à existência do poder de regime (CIC/83, c.131), do qual é sujeito pelo direito divino eclesiástico ou ordenado (CIC/83, c. 129, § 1);

a possibilidade de cooperação do leigo (CIC/83, c. 129 § 2.) se concretiza não por possuir participação no poder de regime, mas por participação no múnus sacerdotal (CIC /83, c. 204 § 1).

Vamos concluir com o nosso mestre orientador:

"Faculdade no Direito é um instituto jurídico que nem é privilégio, nem é dispensa nem é delegação, embora se aproxime, ou como dizia o antigo Código "accessentur" a tudo isso, e segundo o novo Código a elas se aplicam quanto o direito estabelece de Delegação. Faculdade é uma concessão além do que é direito, ao menos como exercício do direito, tornando expedito "in actu secundo" algo que só se possuía ontologicamente "in actu primo"; mas que não se podia exercer porque o direito lhe negava o exercício ou o Superior se reservava ao exercício. Pouco importa o objeto ou o sujeito da Faculdade recebida, o modo de concedê-la, o tempo e o número de casos: é uma concessão, é uma exceção, é uma ampliação, é um ato voluntário do concedente e que "omnis perpensis" não é direito concreto fora dos termos da concessão facultativa" (TAPAJÓS, José Maria. Normas Gerais Apostila de aula. Instituto Superior de Direito Canônico. Rio de Janeiro. p. 116.).