História da Igreja Antiga

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

CONSTANTINO(285-337)

VIDA E HISTÓRIA: Naceu de uma mãe, S. Helena,  filha de um hospedeiro na região da Dalmácia, hoje Yugoslávia, em 285. Foi educado na corte de Diocleciano em Nicomedia. Em 305, ano da renúncia dos dois augustos, e sob o domínio de Galério,  viaja de forma novelesca para reunir-se com seu pai, agora augusto, na Bretanha. Na fuga foi ajudado pela prometida Fausta, filha de Maximiano, que lhe entregou uma ferradura de cavalo de ouro como sinal de sorte. No caminho manda cortar o nervo dos cavalos de posta, uma vez usados, para não ser alcançado pelos emissários do sogro. Ao se reunir com seu pai o encontra enfermo, quando se dispunha a castigar os pictos da antiga Caledônia, hoje Escócia. Os pictos eram povos da Escócia em parte celtas, vizinhos pelo norte da Bretanha romana, que coincidia com a Inglaterra atual.

306, ao morrer o pai , Constâncio Cloro em York, é declarado augusto pelas legiões em solo inglês. Sua nomeação é aceita por  Galério, o augusto das províncias da Asia Menor, que o reconhece só como César. Luta em Colônia contra os reis germanos Axarico e Ragásio que,  derrotados, foram entregues às feras.

307 Casa com Fausta, filha de Maximiano, o antigo augusto do Ocidente. Este pretende matá-lo. Mas Fausta delata o pai ao marido e no lugar de Constantino um servo dorme sob os cobertores. Quando o assassino sai do quarto com a espada coberta de sangue gritando: Fausta, o tirano está morto, Constantino aparece e Maximiano é encerrado numa prisão onde pouco depois apareceu enforcado.

311 Mortos Valério e Galério, Licínio ocupa a  Grécia e Governa o Oriente junto com Maximinino Daza.  O Ocidente está sob o comando de Maxêncio (filho de Maximiano) e Constantino.

312 Na primaveira, Constantino deixa o Reno, após fazer uma aliança com Licínio a quem promete a mão de sua irmã Constança, e enfrenta na Itália Maxêncio. Tinha 40 mil homens escassos,  galos, germânicos e bretãos contra os 100 mil, especialmente africanos, de Maxêncio. No 27 de outubro  desse ano chega às portas de Roma após ter infringido 3 derrotas consecutivas a seu inimigo no norte da Itália.                                        

BATALHA DA PONTE MILVIO: Constantino, que três anos antes afirmava  haver tido uma aparição de Apolo e que invocava o Sol Invictus, teve antes da batalha uma visão, vista por todo o exército. Como era costume, cada general invocou a seu deus propício. Maxêncio consultou os livros sibilinos que lhe disseram que o inimigo dos romanos pereceria. Constantino invocou o Deus dos cristãos, Cristo; e, em pleno dia, pelo lado do poente, viu no céu uma cruz luminosa com estas palavras em grego touto nika, com isto vence. Nessa mesma noite Cristo apareceu em sonhos e mandou que fizesse um estandarte com o sinal da cruz. Esta insígnia foi o Labarum, estandarte imperial em forma de cruz que os soldados de Constantino portaram desde então. .Os escudos de seus soldados foram pintados com o X e P gregos entrelaçados que são as iniciais da palavra XPistós, Cristo. No dia seguinte a batalha é uma derrota completa de Maxêncio que perdeu a vida na ponte de barcas, ao querer fugir da derrota. Constantino entrou triunfante em Roma.

313 De janeiro a março deste ano encontra-se com Licínio em Milão.  Este toma como esposa a Constança, irmã de Constantino e entre os dois se comprometem a dar liberdade aos cristãos. Temos algumas cartas entre os dois augustos com alguns pactos  e o decreto de Licínio, após a derrota e morte de Maximino em 13 de junho deste ano, que se inicia com as palavras : Quando Constantino Augusto e eu, Licínio Augusto... O edito reduz tudo a uma só regra: a liberdade de religião. “Queremos que, qualquer que deseje seguir a religião cristã, possa fazê-lo sem o temor de ser perseguido. Os cristãos tem plena liberdade de seguir sua religião...Cada um tem o direito de escolher e de seguir o culto que prefira sem ser molestado em sua honra ou em suas convicções. Está nisso a tranqüilidade de nosso tempo”. Ë o que se tem chamado de EDITO DE MILÃO. O Papa Milcíades obteve da emperatriz Fausta o palácio de Latrão que se transformou em Basílica e residência dos papas (a catedral de Roma), até o século 14. Como construções religiosas, apareceram as basílicas: espaços cobertos de tetos planos, com 3 ou 5 naves e ao redor do altar tinham o apsis (=concha) da qual se deriva o ábside, espaço semicircular que rodeia o altar. .Junto à igreja estava o baptistérium, ou capela batismal, a única coisa que se conserva do original de S.João de Latrão, embora reformado.

314 Numa guerra contra seu cunhado Licínio, Constantino se apoderou da Grécia, Ilíria(Yugoslávia) e Macedônia, ficando Licínio com a parte da Ásia. Isto deu ocasião para que Licínio perseguisse o cristianismo e até houve algumas execuções de cristãos nos seus domínios.

317 O Labarum, com o  monograma de Cristo, é obrigatório em todos os exércitos e as moedas acunhadas terão o mesmo numa de suas faces. Até houve alguma com o símbolo da cruz.

324 A raiz de um incidente de fronteira, Constantino decidiu-se a aniquilar seu cunhado e aproveitou a perseguição religiosa deste para se apresentar como campeão da fé, e defensor da liberdade de consciência. Licínio foi derrotado perto de Adrianópolis (este de Constantinopla) e suas 300 galeras afundadas na entrada dos Dardanelos (Bósforo). Foi obrigado a se render. Constância, a esposa que era irmã de Constantino, obteve deste a vida de Licínio. Seis meses depois sob pretexto de conspiração, foi estrangulado por ordem de Constantino.

325 Diante da questão da natureza e essência do Logos ao qual Jesus estava unido, celebrou-se em Nicea o chamado primeiro concílio ecumênico (de toda a ecumene ou do império habitado) com a presença de Constantino e de 300 bispos, a maioria do Oriente, sendo que estavam como representantes do Papa Silvestre dois presbíteros Vito e Vicente e dirigia como presidente Osio, o bispo de Córdova, confessor ele, do período das perseguições.

326 Visitando Roma, Constantino não foi bem recebido pelos cidadãos e a pedido de Fausta, sua mulher, mandou matar Crispo o filho, acusado de querer tomar a madastra e usurpar os outros filhos. Helena, a mãe, reprovou seu filho pelo crime cometido em seu neto, o preferido.  Constantino viu sua segunda esposa, Fausta,  como culpável e mandou matá-la no momento do banho. Não foram estas, as únicas violências de Constantino. Com verdadeiro desprezo da vida humana, entregou às feras os chefes germanos derrotados, torturou até a morte 6 mil prisioneiros suevos, e foram empregados em trabalhos forçados 49 mil cativos godos para a construção de Constantinopla no lugar de Bizâncio, cidade consagrada à Lua. Precisamente um raio de lua salvou-a de um ataque macedônico. Os bizantinos  puderam assim ver os preparativos dos assaltantes. A cidade gravou nas moedas a meia lua que os turcos conservaram como emblema ao apoderar-se dela.

330 Constantinopla. Iniciadas a obras seis anos antes no dia 11 de maio de 330 inaugurava-se a cidade, que seria a nova Roma. Após as missas cantadas nas basílicas, uma procissão cantando o Kyrie  eleison precedia a estátua de Constantino coberta de ouro e em cuja coroa os raios estavam formados com os pregos da santa cruz; cruz que tinha sido encontrada por Helena sua mãe, em Jerusalém(327) como resultado de uma peregrinação para pagar os crimes do filho( ver ano 326).

337 Morte. Dispunha-se a lutar contra o persa Sapor II; mas sentiu-se enfermo. Encamado e prestes a morrer, pediu o batismo,  que nesse instante supremo era garantia de absoluto perdão para passar da terra ao céu (crença no purgatório). Ordenou que lhe tirassem a púrpura e o vestissem com a alba branca dos neófitos(recém batizados) e exclamou: Eis o dia pelo que tanto tempo desejava, eis a hora da salvação de Deus esperada. Neste dia sou verdadeiramente feliz. Vejo a luz divina. Morreu como cristão quem teve a alma como tal, mas o cérebro de um pagão.

SUAS RELAÇÕES COM A IGREJA.

Após a sua conversão na véspera da batalha da ponte Mílvio, Constantino se auto-definiu, como mais tarde afirmou em Niceia, o bispo de fora. Para entender isto devemos conhecer o significado primitivo da palavra bispo (episcopos = supervisor ou vigilante).. Aquele que cuida para que tudo esteja bem e corra bem. Dentro da Igreja estavam os bispos, mas fora Constantino vigiava para que os conflitos não gerassem em violências e heresias.

A RELIGIÃO : Se as conversas e decisões de Milão em 313 estabeleceram a igualdade entre Cirstianismo e Paganismo, nesse quarto de século em que reinou só sobre o império, Constantino, além de assumir o lábaro de Cristo como estandarte de suas tropas, favoreceu o cristianismo com diversas decisões: eximiu de cargas municipais os sacerdotes, proibiu os judeus de lapidar os que queriam se converter ao cristianismo, deu licença de fazer testamentos em favor da Igreja, e outorgou a concessão de jurisdição civil aos bispos. Porém em contra, conservou o título de Pontifex Maximus. Restaurou em Roma alguns templos pagãos.  Em 319 num edito sobre a arte adivinhatória  proibiu a magia, mas permitiu certas atividades dos arúspices.. Em 335 uma lei confirmou na África os privilégios dos flâmines (sacerdotes de Jupiter=diales, de Marte=martiales e de Rômulo=quirinales principalmente). E quando construiu em Bizâncio a sua cidade de Constantinopla, deixou ali edificar templos pagãos a Ceres( = deusa da agricultura),Rea, a mãe dos deuses e aos Tyxes, gênios titulares das cidades. Sem dúvida admitia que para muitos de seus súditos esses antigos deuses serviam como protetores. Como entender isto? Os antigos semitas dos quais temos muitos exemplos na História, quando tomavam uma cidade, destruíam o templo do deus protetor da mesma e os seus sacerdotes, com o qual pensavam estar livres da influência negativa ou maldição, e colocavam na cidade outros deuses, os próprios, que os protegeriam. Mas com os romanos a coisa era diferente. Conta a História que diante dos muros de uma cidade, o Imperator (=general romano) mandou os arúspices (sacerdotes que examinavam as entranhas para fazer presságios) perguntar qual era o momento oportuno para assaltá-la. E imediatamente depois mandou rezar uma oração ao deus titular da mesma dizendo que prometia, se a cidade caísse em suas mãos, edificar um templo em Roma para nele ser venerado e assim estar livre de sua maldição, o que geralmente se cumpria. Talvez isso explique a atitude ambígua de Constantino. Seu Deus particular era o Cristo da cruz como o tinha visto perto de Roma. Por isso ele fez construir um oratório com um único ornamento que era uma cruz, ante a qual gostava de orar largamente. Dirigiu certas cerimônias como um hierofante (= sacerdote de cultos gregos que era mestre de cerimônias) e até compôs uma oração que ordenou aprendessem os seus soldados. Sua devoção pela cruz desbordou quando sua mãe Helena a descobriu em Jerusalém. Mandou que se edificassem com os melhores materiais as três igrejas, da Paixão, da Cruz e da Ressurreição,  um conjunto de monumentos dignos de tanta maravilha, escrevendo que a razão desfalece e o divino supera todo o humano.

OUTROS DECRETOS CRISTÃOS: Sem ferir os sentimentos dos pagãos mandou que o Domingo , antigo dies solis (dia do sol) fosse, como sinal da ressurreição, dia de descanso. Proibiu o suplício da cruz, e que se marcassem os condenados com ferro candente, pois a face do homem está feita à semelhança da beleza divina. Reorganizou a família e diminuiu o poder pátrio, absoluto segundo as antigas leis. Mandou socorrer os meninos abandonados e melhorou a sorte dos escravos,  cuja igualdade moral reconheceu. Houve medidas contra o adultério, contra o concubinato mantido por homens casados, contra o rapto de mulheres, contra a prostituição. As leis de costumes foram acompanhadas por terríveis castigos, de modo que reservou para os adúlteros, os corruptores, os proxenetas (mediador nos amores ilícitos) os suplícios admitidos para ladrões e bandidos. Exemplos: a ama-de-leite, cúmplice do rapto de uma jovem, teria a boca cheia de chumbo fundido; devia ser queimado vivo o raptor de uma virgem. Nasceram também no lugar das festas pagãs as festividades da Páscoa, Natal, e Pentecostes. E edificaram-se numerosas igrejas que hoje recebem o nome de basílicas constantinianas. Das ruas das cidades desapareceram os velhos deuses e no seu lugar apareceram os oratórios dos santos mártires. Os nomes próprios também cederam lugar a nomes de mártires e santos. Porém nem tudo estava correndo bem na Igreja. Desaparecidas as causas externas de perseguição apareceram os cismas e as heresias como veremos  a continuação.

AS HERESIAS

OS GNÓSTICOS: Daniel Rops escreve uma frase feliz: “O próprio das heresias é magnificar os elementos autênticos do dogma, da tradição, ou da moral até o ponto de falseá-los totalmente”. Pela sua implicância na História da Igreja e as citações que dela se fazem hoje, vamos falar da GNOSIS. A palavra significa conhecimento. Em si era o esforço do homem para entender o divino. Só que se esquecia que a mente humana é limitada e tudo o que escrevamos ou digamos sobre Deus, se não tem um dado revelado (jamais foi visto pelo homem, Jo 6,46), estará falseado em grande parte por nossa elocubração. Um pequeno exemplo: falamos do amor de Deus. Ele é produtivo em si mesmo dando como origem em si, interno, o Espírito Santo, e como obra extra, o mundo e, dentro dele, o incompreensível mistério da Encarnação. Em parte compreendemos e em parte nada entendemos como diria Paulo(1 Co 13,12). O esforço por entender tudo leva a buscar soluções no êxtase intelectual, como eram as soluções gnósticas, ou em comunicações mediúnicas, como são as espíritas de nossos tempos. A crítica, ou descobre contradições, ou observa fantasias e especulações que são fantasmas de uma realidade inalcançável.Mas vejamos o GNOSTICISMO antigo: Ele buscava um conhecimento mais profundo que completasse a revelação dos mistérios e até com revelações dadas a indivíduos particulares, por meio de sua poderosa inteligência. Com o qual se anulava o papel indispensável de Cristo e de sua Igreja. Era a heresia do conhecimento. Os problemas que o gnosticismo queria resolver eram os dois grandes problemas da humanidade: As origens da matéria e da vida. Como um Deus que se diz perfeito poderia criar obras tão imperfeitas? Por isso separavam Deus das obras da criação. Entre Ele e estas havia uma série de seres intermediários: os EONES. Cálculos numéricos esotéricos permitiam dividir em 365 classes estes seres  cujo conjunto formava o pleroma (=carga completa de um navio, que logo se usou para descrever a totalidade). No meio da série um eón cometeu um pecado tentando se igualar a Deus; mas foi lançado fora do mundo espiritual e teve que viver com sua descendência no universo intermediário e em sua rebeldia criou o mundo material, marcado pelo pecado. Alguns o identificaram com o demiurgo (=literalmente artesão, ou primeiro magistrado) outros com o Javé criador da Bíblia. O homem tinha uma faisca divina. Havia três classes entre eles: os materiais rigorosamente perdidos, os psíquicos (=de psiqué, alma) que por meio da gnosis podiam adquirir a salvação, e os espirituais, almas elevadas que estavam salvos. Podemos ver certa relação com os cátaros do século 11 e os espíritas, como o Livro de Baruch, o evangelho de S.Tomás, o evangelho de Judas. Entre seus adeptos está Valentin que morou em Roma de 135 a 165 e Marcion, filho de um bispo de Sínope às margens do mar Negro, que se mostrou tão indisciplinado, que seu próprio pai o excomungou. Policarpo o santo, o chamou primogênito de Satanás. Em Roma deu uma soma considerável de 200 mil sextércios com o qual ganhou a consideração dos chefes da Igreja, mas em 144, declarada sua heresia, foi excomungado devolvendo-lhe o dinheiro. E ele então fundou uma contra-igreja. Em seu livro Antítesis, para solucionar o problema do mal, distingue dois deuses: o demiurgo que identifica com o Deus do AT, criador e justiceiro e o outro, o Deus do NT, o Deus do amor com quem deveríamos identificar-nos para obter a salvação. Rejeitou os textos sagrados e unicamente adotou Lucas e Paulo como revelados, expurgando em parte os mesmos, coisa que também fizeram alguns reformadores do século16.Após a sua morte em 160 praticamente a sua seita se dissolveu ou se confundiu com o Montanismo.

MANIQUEÍSMO: A Pérsia era uma região que no ocidente estava sob o domínio dos Medos e no oriente sob o domínio dos persas, ambos de etnia ário-índiana, formada pelo grupo de povos que habitou nas estepes da Ásia central e Rússia meridional. O poder dos medos foi abatido por Ciro, verdadeiro fundador do Império persa em 599 aC. Os seus sucessores foram engrandecendo os limites do império e com Dario I chegou a ameaçar a Grécia.(491), o que originou as chamadas guerras médicas. Célebre é a batalha de Maratón em que os gregos chefiados por Melciades obtiveram uma grande vitória. Diomedón, o soldado grego que levou a notícia da vitória a Atenas, distante 42 km de donde haviam desembarcado as tropas persas e a batalha teve lugar, morreu pelo esforço. Daí a corrida maratoniana dos jogos olímpicos modernos. Alexandre Magno derrotou o rei persa Dario III (330 aC) e terminou com o império. Aos Selêucidas (dinastia grega)  sucederam em 246 os partos (povo do Irão) que dominaram até 226 aC. Neste ano a dinastia Sassânida se apoderou do trono que manteve até o 652 dC, ano em que a Pérsia foi conquistada pelos árabes, transformando-se numa nação islâmica. A doutrina teve como religião básica estas circunstâncias históricas. Fundada por Mani e recebeu grande influência de ZOROASTRO. Conhecido também por Zaratustra, foi o fundador, talvez mítico, talvez real (660-583 a C) da religião Mazdeista , que deu origem à coleção de livros chamada de Zendavesta, segundo a qual coexistem dois princípios eternos, Ormuz ou Ormazd, deus ou gênio supremo do bem, oposto a Ahriman, gênio do mal e destrutor.

MANI: Também foi chamado de Manés. Havia habitado na Pérsia (Hoje Irã) ao redor do ano 215 dC durante o império dos Sassânidas. Inteligente e bem dotado para as línguas, era filho de um judeu-cristão da seita dos Hellcassitas discípulos de certo Elkesai, quem sob o império de Trajano (98-117), pretendeu ter recebido de um anjo de 100km de altura a revelação de uma rara doutrina, na qual se misturavam observâncias judaicas, dogmas cristãos e práticas mágicas. Segundo a tradição de seus discípulos, Mani, na idade de 24 anos, recebeu de Deus especiais revelações e afirmou ser o encarregado de apresentar aos homens a religião definitiva que suplantaria todas as outras. Então em viagem missionária visitou a China, a Índia, o  Turquestán e o Tibet. O rei persa Sapor II (241), que no início o protegeu, mudou de idéia e o perseguiu. Mani fugiu ao Turquestán. À morte de Sapor (272) voltou; mas por poucos anos, pois teve que manter uma disputa com os sábios do reino que o venceram e foi condenado à morte. Segundo alguns desfolhado vivo, segundo outros na cruz. Sua pele foi enchida de palha para que servisse de troféu num templo irânico(276).

SUA DOUTRINA: A base de seu sistema é a luta entre o bem (Ormuz) e o mal (Ahrimán) ou entre a luz e as trevas .Os cinco elementos de Ahrimán, trevas, barro, vento fogo e fumo, revoltam-se. Então Ormuz produz uma força nova que se desenvolve no homem primitivo, armado com os cinco elementos puros dominados pela luz e água que lutam contra o poder das trevas. No mundo, uma parte da luz está misturada com as trevas: é o Jesus patibilis(passível). E outra partes da luz não o está, como o sol e a lua: é o Jesus impatibilis (impassícel). Daí que o Jesus impatibilis toma forma aparente (docetismo) e ensina como se libertar das trevas: é a redenção. Porém seus apóstolos entenderam mal a sua doutrina. Por isso Cristo envia o Paráclito prometido que aparece na pessoa de Mani com o fim de purificar a religião. A doutrina de Mani  foi uma tentativa de esclarecer os mistérios metafísicos (especialmente a origem do mal) em que a razão humana percebe oposições sem solução. À semelhança dos modernos espíritas que não encontraram solução para os problemas metapsíquicos e tiveram que multiplicar espíritos, também Mani usa divindades e princípios opostos para solucionar a coexistência do bem e do mal, do eterno e do transitório, do perfeito e do imperfeito, do espírito e da matéria. A solução simplista é a coexistência desde a eternidade de duas divindades, sempre em luta e antagonismo: Bem e Mal, luz e trevas, Deus e diabo.

ANTROPOLOGIA: Inicia-se desde a criação com um homem, divino e luminoso pela alma, mas opaco e inclinado ao mal pelo corpo. A estória de Adão e Eva é contada como uma luta entre a luz do varão que desejava obedecer a deus, e a mulher, impura, que o tentou. Por isso ele fala das filhas das trevas opostas aos filhos de deus como em Gn 6,2, de germens seminais caídos nos abismos celestes, de abortos que brotam das entranhas da terra. Era um aparato científico, misturado com astrologia, esoterismo e espiritismo, no qual também teve sua parte o panteísmo indú que pode impressionar no seu tempo.  A história do mundo era a da luta do deus do mal , o poder das trevas, para invadir o reino da luz. Toda a criação era o lugar deste combate, sendo ela mesma a mistura do bem e do mal, da luz e das trevas em perpétuo conflito. O próprio homem era divino e luminoso pela alma, mas opaco e inclinado ao mal pelo corpo. A história d Adào e Eva era um episódio dessa luta O varão desejou obedecer a Deus mas a mulher, impura, encarnou a tentação.

ÉTICA: A moral maniqueísta é uma conseqüência lógica de suas afirmações. Todas as religiões anteriores, por não discernir a dualidade de princípios, não souberam fixar umas regras absolutas de conduta, Com Mani tudo foi mais simples: Segundo afirmavam os antigos sacerdotes persas deve-se ajudar o Bem contra o Mal, isto é, afastar de si tudo o que é material e diabólico, e evitar ofender a parte luminosa e divina que existe no mudo. O canon moral consiste nos três selos que o homem virtuoso deve aplicar sobre sua mão, seus lábios e seu seio. Pelo selo da mão se proíbe ferir a vida, matar, fazer a guerra, o trabalho servil e fazer dano aos animais e plantas (budismo). Pelo selo da boca estamos obrigados a dizer a verdade e nunca comer carne ou alimento impuro, nem beber vinho. Pelo selo do seio é proibida a obra da carne, o sexo, que cria a matéria e prolonga a existência da vida corrompida. O matrimônio é proibido mas não a relação sexual. Quando todo o Universo obedeça à lei dos três selos, quando de existência em existência, o homem se tenha purificado, o deus do bem e da luz triunfaria e então viria o fim do mundo e uma prodigiosa incandescência. Somente os perfeitos ou puros estão obrigados aos três selos. Assim se aproximavam, no seu tempo, dos essênios, e mais tarde  dos bogomilos e cátaros. O resto da humanidade era formada pelos ouvintes, que se aproveitavam de uma tolerância que podia chegar a limites extremos, especialmente na vida carnal.

CRISTOLOGIA: Mani proclamou Cristo como deus. Viu nele um mensageiro da luz, uma força divina enviada pela Potência perfeita, para combater contra o mal. Era a mesma luz que se tinha encarnado pela primeira vez no homem primitivo, Adão. Agora se manifestava pela segunda vez em Jesus e seria vista como última manifestação no fim do mundo. Porém rejeitavam o Jesus da carne e, como os docetas, ensinavam a aparência como base de sua morte e sofrimentos. Como Marcion rejeitavam o AT em bloco e viam no deus judaico, Javé, um deus tenebroso.

HIERARQUIA: Copiando a hierarquia da Igreja Católica Mani organizou a sua seita formando primeiro os doze apóstolos, cujos sucessores deviam dirigir a sua igreja como mestres, mandando sobre os sessenta e dois bispos e  uma multidão de sacerdotes e diáconos. Conservou do cristianismo o Batismo e a Eucaristia e uma espécie de extrema unção com o perdão dos pecados na hora da morte (Ver cátaros). Seus ritos eram extremamente simples, reduzidos a cantos, orações e cerimônias ao ar livre. Havia uma festa especial no início da primavera em honra da memória de Mani, uma vez morto este.

DIFUSÃO E RAMIFICAÇÕES: O velho dualismo satisfazia de modo lógico e simples os desejos humanos de uma explicação metafísica da origem do mal. Sincretizava todas as heresias cristãs e por isso a todas respondia de modo lógico. Pensava fundir o ocidente de Cristo com o oriente de Zoroastro. Morto em 276, suas idéias se difundiram em Roma, de tal modo que em 290 Diocleciano mandou queimar vivos os chefes de suas comunidades. A fogueira não foi pois,  invenção da inquisição. A ética maniqueísta  provocou sempre os poderes públicos a se defender em todos os países em que sua influência foi suficientemente importante, pois se transformou num anarquismo espiritual próprio para desagregar os mais sólidos princípios da ética e da vida social obrigando seus seguidores a se desligar de toda responsabilidade,  deixados a seus instintos materiais. Como compaginar uma norma que declarava igualmente abominável o ato de matar e o ato de gerar? Como seus bispos e profetas tivessem um zelo comparável aos dos missionários cristãos, a Igreja combateu o maniqueísmo com todas as forças. No século V o Papa Leão o condenou. No século VII na Trácia foram chamados de Bogomilos  e no século XII deu origem aos cátaros ou albigenses na França meridional

ARIANISMO

ÁRIO.- BIOGRAFIA:  Nascido na Líbia aderiu-se ao cisma de Melécio. Na perseguição de Diocleciano (302-05), o bispo Pedro de Alexandria (Egito) ausentou-se da diocese, enquanto outros bispos haviam sido encarcerados. Melécio, bispo de Licópolis, aproveitando a confusão geral devida às ausências por desterro ou prisão dos outros bispos,  tomou então posse da diocese de Alexandria. Terminada a perseguição, Pedro ocupou a diocese, e através de um sínodo em 305 depôs o usurpador Melécio. Uma nova perseguição enviou Melécio ao desterro, enquanto Pedro morria mártir da mesma. Porém Melécio após a paz, manteve sua oposição até que no concílio de Nicéia terminou de fato seu cisma. Os que não se conformaram, aderiram ao arianismo. Ário  se reconciliou com a Igreja e já na sua velhice, foi ordenado diácono (308)  e logo presbítero (310). No ano de 313 estava encarregado da igreja de Baucalis, um dos bairros de Alexandria. Era um ancião de 60 anos, quando estourou a crise de sua heresia em 321. Tinha, como diz Rops, essa inextricável mistura de qualidades e defeitos fundidos no seu orgulho, que sempre se encontra nos grandes heresiarcas. Nada nele era insignificante: nem a inteligência, nem  o caráter, nem a violência nem a ambição. Tinha um bonito rosto de asceta, um ar de modesta austeridade, uma serena e vibrante severidade de palavra. Tudo nele estava feito para seduzir; e assim eram muitas as virgens que o rodeavam. Era certamente um sábio e estava dotado para a dialética; virtuoso e duro para si mesmo, entregado à penitência e ascese, estava aureolado de dignidade e santidade. Nenhum dos seus adversários formulou contra ele críticas na ordem moral. Semelhante homem exigiu ser combatido unicamente no plano das idéias. No grande porto egípcio correu a voz de que o pároco de Baucalis, maravilhoso como orador,  atraía multidões, aportando em matéria de dogma, idéias novas. O bispo de Alexandria, Alexandro, chegou a inquietar-se. Em 321, à instância de fiéis que delataram Baucalis como foco de heresias, Alexandro resolveu intervir, e convidou as duas partes, Ario e seus adversários, a dar explicações num sínodo em que se reuniram 100 bispos do Egito e Líbia. A exceção de dois ou três bispos, todos os demais votaram por Alexandro e contra Ario. No momento em que Ario disse que Cristo, sendo pura criatura  poderia ter caído e pecar, a assembléia lançou um grito de repulsa. Ário e os poucos clérigos, seus partidários, foram condenados. Recebeu ordem formal de submeter-se e demitir. Então saiu do Egito e foi para Cesaréia, na Palestina, onde o bispo Eusébio, o historiador da Igreja,  tinha idéias próximas às suas teses. Desde sua nova residência, informou ao bispo de Nicomedia, então a capital do império sob Constantino, do sucedido em Alexandria. Eusébio de Nicomedia o chamou a seu lado. Alexandre, seu antigo bispo, protestou e o que era um assunto local se tornou uma disputa que ameaçou a Igreja oriental.  Durante o inverno 323-24 a disputa se transformou em batalha ideológica. Usando expressões de duplo sentido, equívocos e anfibologias, escreve um livro Thalia, (banquete), metade versos e cantos, para difundir suas idéias. Constantino pensou ser necessária sua intervenção. Assim enviou seu conselheiro Ósio, bispo de Córdova (Espanha), confessor da fé, de setenta anos, mas que morreu com mais de cem, para tomar conhecimento do problema. Ósio, após visitar Alexandria, deu a razão a Alexandre, o bispo, e condenou as doutrinas de Ário. Ósio voltou a Nicomedia e o imperador castigou Ário e seus partidários a pagar duas vezes o imposto de capitação (pessoal). Para acabar finalmente com a divisão dentro da Igreja, Constantino convoca um concílio universal. Em Niceia, próxima de Nicomedia, se reuniram 250 ou 300 bispos com uma pequena participação dos latinos e dois representantes do papa Silvestre que por sua idade viu-se impedido de fazê-lo. No concílio saiu uma nova fórmula ou melhor alguns textos que esclareceram o texto do símbolo apostólico que chamamos de credo.  A palavra principal foi HOMOUSIOS, (=da mesma substância), invenção segundo se diz, do próprio Ósio, presidente do Concílio. Somente dois bispos não quiseram concordar e foram desterrados pelo imperador, junto com Ário às montanhas ilíricas(Yugoslávia). Meses mais tarde Eusébio de Nicomendia voltou do desterro das Gálias e com suas intrigas minou a ortodoxia de Constantino. Num gesto de conciliação, mandou este que Ário fosse admitido à comunhão da Igreja pelo bispo de Constantinopla, ao se rebelar o povo em Alexandria contra o  recebimento do heresiarca. Quando Ário estava a ponto de triunfar, achou-se seu cadáver na latrina, com as vísceras fora do ventre por rotura de uma hérnia e banhado no seu próprio sangue (336). Muitos não deixaram de pensar na morte de Judas.

DOUTRINA

PRINCÍPIO BÁSICO: Como todas as heresias, a de Ário partia de uma idéia correta de Deus: Ele era único, eterno, incriado e incomunicável; portanto Deus é o absoluto do ser, poder e eternidade. Até aqui tudo bem. Mas Ário tira uma conseqüência errada: Deus é incomunicável. Se entendemos que sua substância não é repetível fora dEle, tudo bem. Mas sem se repetir a substância fora dele, dentro dEle existe a comunicação pessoal. Existe uma trindade de pessoas numa única substância ou natureza. Esta distinção e solução, não a encontrou a sutil mente de Ário. Assim  a sua lógica o levou a outra radical conclusão como era a de dizer que o Logos (Verbo) não era Deus mas simples criatura. Jesus, o Logos encarnado, não era propriamente Filho de Deus, não tinha a essência divina como um composto de sua personalidade. O Logos, o Filho, foi criado não por necessidade, mas por libérrima vontade do Pai, para que o servisse como instrumento para a criação do mundo. O Logos ou Verbo é por sua natureza mutável e suscetível de pecado. Apesar disto, Ário porém, tem sobre o Verbo um conceito excelente: primogênito de toda criatura(Col 1,15) foi elevado a uma verdadeira impecabilidade e chega a um grau de sublimidade que merece o título de Deus, podendo chamá-lo de Deus por catacrese ou abuso e extensão da palavra.

A ESCRITURA: Deixando textos claros como “o verbo era Deus” (Jo 1.1), Ário reduz seu conhecimento bíblico a textos escuros, interpretados segundo o critério precedente de quem quer demonstrar sua tese. Tais eram O Pai é maior do que eu (Jo 14, 28). Ninguém conhece o dia ...nem o Filho, mas somente o Pai (Mt 24,36) e até de mui duvidosa aplicação como Quem oprime o indefeso ultraja a quem o criou,(Pr 14,31) sendo que esse indefeso é o Cristo.

CONSEQÜENCIAS: Destruía o mistério da Trindade e deixava a razão como árbitro da escritura, produzindo um Summus Deus mui à gosto dos filósofos, mas que deixava os teólogos com a redenção e todo o evangelho em pedaços. Cristo não era um Deus convertido em homem, como afirma Paulo em Filipenses 2, 6; mas um homem divinizado à semelhança dos grandes heróis greco-romanos. Esta linha de pensamento, pela sua concordância com o jogo da razão humana, teve ampla difusão em determinados ambientes e entre povos bárbaros que, na época, começavam a se associar com o império, como os visigodos.

CRITÉRIO FINAL: Como temos visto, não era só a razão filosófica que constituía a base da doutrina de Ário, mas também entrava a Escritura. Como definir de maneira exata uma e interpretar corretamente a outra? Por isso pela primeira vez depois do Concílio de Jerusalém em que os apóstolos e os anciãos(At 15,23) decidiram sobre o problema da admissão dos gentios, a Igreja universal se reuniu num concílio para tratar de definir termos de compreensão e explicação humana ao mistério fundamental de Cristo: Ele era Deus pre-existente, encarnado, ou era uma criatura escolhida pelo único Deus e única pessoa, chamada de Pai, para se relacionar com os homens? A tradição é a única forma de interpretar corretamente a Escritura. Se essa interpretação é pessoal, o erro será individual, podendo ser múltiplo, como são as pessoas e os indivíduos. Porém, se é coletiva, o erro será de todos e não é lógico pensar que esse erro possa se transformar em verdade. É muito mais lógico opinar que é a voz comum do Espírito Santo que fala como mestre interior nos membros do corpo de Cristo que é a Igreja. Pregar um Deus razoável é se ajustar a um modo humano de pensar; mas nada tem a ver com um Deus revelado em que a razão está totalmente subordinada e ultrapassada, porque jamais poderia pensar nessa verdade que permaneceu oculta a sua luz. Um exemplo: O relato joaneo da ressurreição de Lázaro é tão original e pitoresco por não dizer esquisito, que alguns duvidam ser um fato real e o atribuem mais bem a um apanhado ou midrash (=parábola) do evangelista para provar que Jesus é a vida e a ressurreição de seus seguidores aos que ama, substituindo relatos reais como a ressurreição da filha de Jairo, e a do filho da viúva em Naim

CONCÍLIO DE NICÉIA (325): DISTINÇÃO ENTRE CONCÍLIO E SÍNODO: Vamos fazer uma distinção entre Concílio e Sínodo. Concílio provém do latim cum (com) e cieo(mover) significando reunião. Sínodo é palavra grega de sin (com) e odos (caminho). Em termos reais atuais, o sínodo é uma reunião de eclesiásticos, que também recebe o nome de concílio provincial e que tem os mesmos fundamentos teológicos dos grandes concílios.(ver Mt 18,20). Porém os temas tratados, ou não são universais, ou não abrangem a igreja total, ou são temas não dogmáticos, como ritos, disciplina, adaptação às circunstâncias mais ou menos locais. Entre os sínodos atuais destaca-se o sínodo universal dos bispos em Roma, realizado periódicamente,   com temas especializados. Atualmente, no sínodo de Roma, o mais universal,  15 % dos membros são nomeados pelo Papa, há membros determinados pelo cargo, e outros eleitos pelos bispos ou conferências episcopais. O último foi sobre os bispos, celebrado no ano passado. Para as reuniões das conferências nacionais dos bispos se reserva o nome de assembléia ou conferência. Já o Concílio é uma assembléia universal quando é ecumênico (=de todos, ou melhor, “da terra habitada”), assembléia que atualmente só pode ser convocada pelo Papa e cujas conclusões são aprovadas por ele. Não é possível um concílio ecumênico sem sua presença.

NICÉIA: Geralmente se admite que o primeiro concílio foi o de Jerusalém no ano 49 com a presença dos apóstolos, que dirimiram a questão dos incircuncisos como aptos a ser batizados e formar parte do novo povo de Deus em Cristo.(At 15,3+). Porém muitos afirmam que o primeiro concílio foi o de Nicéia. O convocante, através de cartas, que segundo Eusébio de Cesaréia eram muito respeitosas, foi Constantino. Sua idéia era a de governar uma Igreja unida como estava o Império em suas mãos, à raiz da derrota de Licínio. Diocleciano já tinha interferido contra seitas heréticas,como as dos maniqueus em 290, mandando queimar vivos seus chefes em Roma, 8 anos antes da sua perseguição contra os cristãos. O próprio Constantino de 317 a 321  teve que recorrer à força para combater os donatistas do norte da África que através de bandidos chamados saqueadores (circumcelliones) assaltavam os cristãos de ritos diferentes. Um bispo donatista e um pequeno grupo de fiéis da mesma igreja foram executados pelos soldados do imperador, o “gendarme da Igreja” como chama Rops a Constantino. Na segunda metade de seu reinado também ditou editos conta os pagãos como a proibição dos oráculos de Apolo, que iniciaram a perseguição contra os cristãos de Diocleciano, a proibição de certos cultos orientais em que a moral resultava muito ofendida, e a destruição dos livros de Porfírio (234-305) o polemista anti-cristão.

INTERVENÇÃO: Compreende-se, pois, que à vista dos distúrbios eclesiásticos, promovidos pela heresia de Ário, Constantino pensasse numa assembléia geral para retornar à unidade e paz, para ele muito mais úteis e preciosas que a verdade teológica da doutrina eclesiástica. Nas suas cartas comprometia-se a pagar a viagem e estadia a todos os bispos que quisessem participar no concílio. Inicialmente se pensou em Ancyra, atual Ankara capital da Turquia, situada no planalto de Anatólia. Mas as comunicações e o clima suave da primavera fizeram com que se adotasse Nicéia, (Iznit atual) perto do Bósforo e na época capital do império romano, após a derrota de Licínio. Parece que era a antiga Nicomedia, destruída pelo fogo, ou estava muito próximo dela. O lugar da reunião era o palácio imperial. Assistiram ao concílio um total de 250 bispos ou 318 segundo Atanásio. Praticamente todos os orientais. Do ocidente Ósio, bispo de Córdoba na Espanha, que foi o presidente, o bispo de Cartago, um bispo das Gálias outro de Calábria, e um da Panônia (Iugoslavia atual). Como o Papa Silvestre I estava muito velho e doente, mandou dois presbíteros Victor e Vicente, que em seu nome assistiram ao concílio.

BISPOS CÉLEBRES: SANTA CLAUS: Entre as personagens ilustres que assistiram ao concílio, temos Nicolau ou Nicolás Bispo de Mira na Anatólia, Turquia atual, também chamado Nicolás de Bari, na Itália. Era um defensor da fé (tinha sido encarcerado em tempos de Diocleciano), liberto por Constantino. Ao mesmo tempo um taumaturgo (fazedor de milagres).  A tradição, misturada com a lenda, conta que nasceu em Patras, no Peloponeso da Grécia, de uma família rica e que sendo bebê, não aceitava o peito nos dias da semana que os cristãos da época jejuavam a não ser uma vez por dia (Final do século III).Muito caritativo, se conta dele que  havia uma família com três filhas adultas que o pai enfermo não podia casar por falta de dote. Então o pai as persuadiu a por um pano vermelho na janela (símbolo de casa pública). As donzelas não queriam isso. Aquela noite não entrou homem algum, mas uma bolsa foi lançada com 50 moedas de ouro. Valor para casar uma das três. Na noite seguinte mais uma bolsa. Na terceira noite espiaram o doador e resultou ser o Sr Nicolás um dos mais ricos cidadãos de Pátara ou Patras, cidade da Lícia que se servia de sua imensa fortuna para fazer o bem a seus semelhantes. Socorria os enfermos, libertava os escravos e ajudava os vizinhos em extremas situações.  Ajudava os navegantes, ressuscitou alguns mortos. Era o primeiro a entrar na igreja. Por tudo isso foi nomeado bispo de Mira. Como tal assistiu ao concílio, onde teve uma séria controvérsia com Ário ao qual esbofeteou. Por causa disso Constantino o despojou de sua dignidade e o encarcerou. Porém o bispo apareceu em sonho ao imperador dizendo-lhe como também três generais estavam no xadrez de forma injusta, pois eram inocentes. Constantino então se retificou. Faleceu em Mira no ano de 343. Diz a lendária tradição que em seu sepulcro brotou um azeite que operava milagres, era o oposto do azeite da deusa Diana que o diabo fabricou para envenená-lo. Sua fama lendária foi tal que chegou a ser o padroeiro da Grécia e da Rússia. e em sua homenagem foram erigidas milhares de igrejas na Europa medieval. Pois cientes da fama do santo bispo em 1083,  uns mercadores italianos resgataram seu corpo do poder muçulmano e o levaram para Bari no sul da Itália, onde tem uma magnífica basílica e onde os peregrinos buscam o santo óleo que seus ossos destilam, em busca de remédio para males e doenças. A sua fama de milagreiro e distribuidor de presentes foi levada por colonos holandeses à América do Norte, onde sua figura se transformou no bondoso velhinho de Santa Claus, pois na cultura bizantina era apresentado como o sucessor de Deus (pela bondade) quando este envelhecesse. Na América e nos paises do Norte sua festa, 6 de dezembro e o dia dos presentes que se tornou famosa no dia de Natal em outros. Ainda em alguns países aparece com mitra como bispo. Em outros tem perdido essa prenda e no lugar do cavalo tem como montaria renas do polo norte.

ÓSIO: Um outro bispo famoso foi Ósio de Córdoba, na Espanha. Na realidade ele foi o secretário e conselheiro do imperador e o presidente do concílio. Era também um confessor dos tempos das perseguições. Segundo muitos foi o autor do HOMOUSIOS (consubstancial) da fórmula final do concílio. Tinha na época mais de setenta anos e de tão vigorosa saúde que parece que morreu com mais de cem anos. Era verdadeiramente um homem de Deus. Em tempos de Constâncio presidiu o concílio de Sárdica, sendo  Papa Júlio I (343). Este concílio se limitou a reafirmar o de Nicéia e declarar que Atanásio e Marcelo eram verdadeiros bispos de suas respectivas sedes, pois tinham sido depostos. Constâncio o imperador, era favorável aos arianos. Como Ósio se opusera, este o chamou a Milão onde quis dobrar a sua vontade. Osio lhe escreve:  “A ti Deus te deu o Império, a nós a Igreja. Quem te roubasse o império opor-se-ia à vontade divina; do mesmo modo guarda-te de incorrer no horrendo crime de te apropriar o que é só da Igreja”. Em vez de aceitar  o reproche,  Constâncio, ferido em seu orgulho, pretende dobrar o ancião e o desterra  a Sírmio e durante um ano o submete ao mais terrível desterro. Os arianos espalharam a história de que Ósio foi forçado a admitir a culpa de Atanásio admitindo a doutrina ariana. Um caso parecido foi o do papa Libério também desterrado  a Berea da Trácia. Voltou após aparentemente admitir a 3a fórmula de Sirmio, que pode ser interpretada em sentido católico ortodoxo.  

SÍMBOLO: a palavra em grego significa sinal. Da antiga igreja temos recebido três símbolos de fé ou conjuntos de verdades que devem ser aceitas pelos que formam parte de seu credo ou crenças legítimas. São pois fórmulas de fé: O símbolo apostólico, o de Nicéia, e o de Constantinopla que completou o de Niceia sobre a atuação e essência do Espírito Santo. Vamos falar dos dois primeiros.

SÍMBOLO APÓSTÓLICO: Sem dúvida que a primeira fórmula de fé foi Jesus-Cristo. Como as línguas semíticas carecem do verbo ser, a palavra é uma afirmação mais do que um nome composto, e teria o significado de Jesus é Cristo, Jesus é Messias.. Logo, os primitivos cristãos, de origem pagã, aderiram a uma fórmula mais elaborada: Jesus vive e é Senhor. O etíope que foi batizado por Filipe teve uma fórmula simples e primitiva: Eu creio que Jesus é o Filho de Deus. Paulo em I Co 15, 3-7 nos oferece um credo que  formula desta maneira: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado; logo apareceu a Cefas, depois aos doze, e em seguida a mais de quinhentos irmãos”. Segundo se acredita, os dados essenciais da fé foram reunidos muito cedo num texto único que servia de ensino para os catecúmenos, e que foi denominado Símbolo dos Apóstolos. Não há dúvida que o símbolo foi redigido na maioria das grandes comunidades cristãs, diferindo ente si em pequenos detalhes. O texto atual é da versão romana do século IV nas Gálias (França),  de onde recebeu o nome de versão galicana, do tempo de S. Cesáreo de Arlés. Eis o texto: (1)Creio em Deus Pai todo-poderoso{criador do céu e da terra}(2)e em Jesus Cristo seu único Filho, nosso Senhor(3) que foi concebido{pelo poder} do Espírito Santo;  (4)nasceu da Virgem Maria (5) {padeceu}sob Pôncio Pilatos foi crucificado{morto} e sepultado(6)desceu à mansão dos mortos(7) e ao terceiro dia ressuscitou de entre os mortos(8)subiu aos céus, está sentado à direita do Deus{Pai} Todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.(9) {Creio} no Espírito Santo(10) na santa Igreja Católica {na comunhão dos santos}(11) no perdão dos pecados(12)na ressurreição da carne { na vida eterna} Amém

SÍMBOLO DE NICÉIA: O credo anterior, de 12 artículos(atribuídos segundo uma tradição lendária um a cada apóstolo) é recitado aos domingos nas missas com os únicos acréscimos dos colchetes.  Em Nicéia definiu-se a consubstancialidade do Filho com o Pai. A palavra, que com toda probabilidade, foi inventada pelo seu presidente Ósio, era Homousios (homós igual e ousía, substância), que em latim foi traduzida por consubstancial. O credo resultante foi completado no Concílio de Constantinopla I (381). O novo símbolo de Nicéia declara: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador {do céu e da terrra}, de todas as coisas visíveis e invisíveis; E num só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é da essência do Pai,{antes de todos os séculos} Deus de Deus {luz da luz} Deus verdadeiro de  Deus verdadeiro. Gerado não feito, consubstancial ao Pai, pelo qual todas as coisas foram feitas. Que por nós os homens e por nossa salvação desceu {dos céus }se encarnou{por obra do Espírito santo de Maria Virgem}se fez homem.{Que foi crucificado também por nós } padeceu{sob Pôncio Pilatos e foi sepultado}E ressuscitou ao terceiro dia {segundo as escrituras}E subiu aos céus: {está sentado à direita do Pai.}E de novo há de vir {de novo em sua glória}a julgar os vivos e os mortos{cujo reino não terá fim} E creio no Espírio Santo”. Os colchetes foram acréscimos ou do Concílio de Constantinopla ou como explicações que hoje recitamos no texto dominical mais longo. O resto do credo que trata da essência e atuação do Espírito Santo foi acrescentado no Concílio de  Constantinopla I sob Teodósio I (381), de onde vem o Credo Niceno-constantinopolitano, o mais longo dos dois da missa dos domingos.

OUTROS DECRETOS: É interessante saber que foi neste primeiro concílio universal que se tratou do celibato do clero. No concílio hispânico de Elvira (305?,canon 33) declarou-se que os sacerdotes deviam ser celibatários, proposição que foi acolhida em todo ocidente. Esta mesma proposta foi levada ao concílio de Nicéia, propondo que se estendesse a prática a toda a Igreja. Houve uma discussão, até que a intervenção do Bispo Pafnúcio, ele mesmo célibe, dirimiu a questão para o Oriente (só 5 dos bispos presentes eram ocidentais). Permitiu aos clérigos o uso do matrimônio contraído antes de receber o sacerdócio. Mas proibiu que tivessem em suas casas uma companheira, permitindo, porém, a mãe, irmã, ou uma mulher fora de toda suspeita. Justiniano I (525-565) tratou de impor o celibato, mas sem éxito, e no sínodo Quinisexto {entre o quinto e o sexto} (692) determinou-se que só os bispos estão obrigados ao celibato, mas se proíbem as segundas núpcias aos clérigos.( para maor informação sobre Nicéia ver em www.presbíteros.com.br no apartado de História da Igreja,  o artigo”Os primeiros concílios”)