LUTERO E SEU PENSAMENTO
Autor: d. Estevão Bettencourt
Martinho
Lutero nasceu aos 11/11/1483 em Eisleben (Turíngia), de pai mineiro um tanto
rude e mãe austera. O ambiente
de casa era severo; nele foi educado o menino até os doze anos de idade. A
família era católica fervorosa, mas impregnada de superstições correntes na
época: acreditavam em misteriosas forças sobre-humanas, como seriam duendes,
demônios íncubos e súcubos, bruxas, que apareciam aos homens como se tivessem
seu habitat nos ares, nas águas, nas terras de pântano ou desertas; trovões e
relâmpagos eram atribuídos à ação de espíritos malignos ou infernais; as
doenças eram tidas como causadas pelo Maligno.
Mais
de uma vez na sua vida, Lutero acreditou que via e ouvia Satanás sob forma de
cão ou outro animal, que o incomodava. Ao lado de estórias apavorantes, Lutero
recebeu instrução religiosa muito válida; aprendeu a celebrar as grandes festas
da Liturgia e a venerar os Santos, como os Apóstolos, São Martinho, São Jorge,
Santa Ana... A religião que Martinho aprendeu até os doze anos de idade foi de
temor mais do que de confiança, mais externa e formalista do que interior
profunda.
Estudou
humanidades, em Mansfeld, Magdeburgo e Eisenach. Em 1501 Martinho começou os
estudos universitários em Erfurt (Turíngia), matriculando-se na Faculdade de
Artes ou Filosofia.
A
filosofia que Lutero aprendeu na Universidade, era o aristotelismo interpretado
por Guilherme Ockham (t 1347) e sua escola; era a chamada "via
moderna", também dita "Nominalismo" ou "Terminismo".
Afirmava que não há conceitos universais, que exprimem a essência de alguma
coisa; assim, quando se diz "humanidade", não se exprime o essencial
do ser humano ou aquilo que está em todos os seres humanos, mas apenas se
caracteriza um indivíduo em particular; os conceitos universais seriam meros
nomes, não correspondentes a algo de objetivo ou à essência comum a todos os
indivíduos da mesma espécie. A conseqüência desta tese é que o intelecto humano
não é capaz de apreender as essências ou de atingir o que é essencial a cada
objeto; só perceberíamos um conjunto de notas acidentais. Desta maneira a razão
humana era depreciada. A metafísica era posta de lado; entravam em seu lugar as
ciências meramente experimentais, que verificam os fenômenos e fazem estatísticas.
Somente a fé nos levaria a falar dos valores transcendentais; pela razão não se
provaria a existência de Deus nem a imortalidade da alma - o que redunda em
fideísmo anti-racional. Mais: se a razão e a metafísica são depreciadas,
valoriza-se a vontade ou o voluntarismo; isto significa que o bem e o mal são
tais unicamente porque Deus o quer e determina; o mal (matar, roubar,
caluniar...) poderia ser um bem se Deus o quisesse. O Nominalismo levava assim
ao conceito de Deus Soberano Arbitrário, mais terrível do que amável,
identificado com uma vontade todo-poderosa e quase caprichosa e tirânica, que
tanto poderia condenar um justo como salvar um pecador sem apagar o pecado
deste.
A
estas idéias se associava também o descrédito do magistério pontifício, em
favor do conciliarismo, que admitia a supremacia do Concílio Geral (congregando
todos os Bispos) sobre o Papa; a última instância decisória na Igreja seria o
Concílio Geral e não o sucessor de Pedro.
Tendo
adquirido o mestrado em Artes ou Filosofia, Lutero se matriculou na Faculdade
de Direito em Erfurt.
Aos
2 de julho de 1505 deu-se um fato decisivo: quando voltava da casa de seus pais
para Erfurt, onde morava, quase foi fulminado por um raio. Impressionado,
exclamou então: "Ajuda-me, Santa Ana, e serei frade!".
Confessou posteriormente que se arrependeu de ter feito tal voto; os amigos o
quiseram dissuadir de cumpri-lo, mas Lutero julgava-se obrigado a fazê-lo; nem
o pai conseguiu desviá-lo do propósito. Sendo assim, quatorze dias após
proferir o voto, ou seja, aos 16/07/1505, Lutero, com vinte e dois anos de
idade incompletos, entrou no convento dos Agostinianos de Erfurt, tido como uma
casa religiosa de observância fervorosa.
Mais
tarde, isto é, em 1521 Lutero escrevia a seu pai, confessando ter entrado
constrangido na Vida Religiosa: "Tu receavas, com paternal afeto, por
minha fraqueza, porque eu era um adolescente de 22 anos incompletos, idade em
que a adolescência fervilha... e porque conhecias muitos casos em que a vida
monástica resultara infeliz para não poucos. Tu, ao contrário, me preparavas um
honesto e opulento matrimônio... Por fim cedeste e submeteste tua vontade à
vontade de Deus, mas sem deixar de recear por minha causa. Pois tenho muito
presente na memória que, quando, já acalmado, conversavas comigo e eu te dizia
que o céu com seus terrores me tinha chamado, visto que eu não me fazia frade
por gosto nem de bom grado, muito menos por amor do corpo, mas porque,
assediado pelo terror e a angústia da morte repentina, fiz um voto forçado pela
necessidade, tu me replicaste: `Oxalá não haja aí engano ou alucinação!'"
(WeimarerAusgabe 8,573s).
Pergunta-se:
por que Lutero ficou no convento, se tinha consciência de ter optado
constrangido ou a contragosto? A explicação é dada pelo desejo de evitar o
pecado e salvar sua alma fugindo do mundo em que as tentações eram fortes; o
perigo de se perder espiritualmente suscitava fases de melancolia no jovem
Lutero. No convento o frade improvisado procurou cumprir a Regra, orando,
jejuando, obedecendo, vivendo em castidade. Todavia sentia-se angustiado e
inquieto pelo temor de não estar agradando a Deus. De modo especial
perturbava-o a incerteza da predestinação: estaria ele irremediavelmente
destinado ao inferno? Era-lhe difícil conceber uma resposta, visto que a
filosofia ockhamista nominalista que aprendera, lhe insuflava a idéia de um
Deus misteriosamente arbitrário em seus desígnios e tremendamente justiceiro,
em vez do conceito de um Pai misericordioso, cuja vontade salvífica universal
se evidencia no fato de haver entregue seu Filho pela salvação dos homens. Em
sua crise, confessa Lutero que "não amava, mas odiava o Deus
justiceiro, que castigava os pecadores e, se não blasfemava em silêncio, ao
menos murmurava, terrivelmente indignado contra Deus" (MIA 54,185).
Atormentado
por dúvidas e remorsos, corria a confessar-se, acusando culpas que talvez não
fossem tais senão em sua imaginação altamente excitada. Afinal o Deus tirânico
que ele forjara, não era o Deus da Tradição cristã, mas sim o Deus sugerido
pelo regime de educação severa e pela formação filosófica que recebera. Para
tentar acalmar a sua alma, Lutero entregava-se à oração, ao trabalho, ao jejum
e à penitência, mas isto tudo lhe parecia inútil, porque continuava a sentir em
seu íntimo a tendência ao pecado ou movimentos de ira, ódio, concupiscência
desregrada...; as obras ascéticas e virtuosas que praticava, de nada lhe
serviam; sentia-se acusado interiormente; ele, que entrara no convento
esperando conseguir paz de consciência e sentir Deus propício, via-se frustrado
- o que muito o afligia.
Eis
alguns testemunhos do próprio Lutero a respeito do seu estado de alma: "Quanto
mais me esforçava por cultivara contrição, tanto maior era a força com que se
levantavam as angústias da minha consciência; não me era possível aceitar a
absolvição e outras consolações que os meus confessores me ministravam. Pois
pensava comigo mesmo: Quem me garante que posso acreditar nessas consolações?
Aconteceu logo casualmente que, falando com meu Mestre e lamentando-me com
muitas lágrimas por sentir essas tentações que eu padecia com freqüência por
causa da minha idade, ele me disse o seguinte: `Filho, que fazes? Não sabes que
o Senhor nos mandou ter esperança?' Esta única palavra me deu força para crer
na absolvição" (WA 40,2. p. 412).
Todavia essa confiança
era efêmera. Voltava a ser atormentado pela incerteza
de estar na graça de Deus. Escreveu então: "Por que suportei os mais
pesados trabalhos no mosteiro? Por que macerei meu corpo com jejuns, vigílias e
frio? Porque eu me esforçava por chegar à certeza de que assim conseguiria o
perdão dos meus pecados" (WA 43, 3255). "Quando eu era monge,
nada conseguia com minhas penitências, porque não queria reconhecer meu pecado
e minha impiedade... Em conseqüência, quanto mais eu corria e desejava chegar a
Cristo, tanto mais se afastava Ele de mim... Após a confissão e a Missa não
podia dar satisfação a mim mesmo, porque a consciência não podia encontrar
firme consolação nas obras praticadas" (WA 43, 537). "No
mosteiro eu não pensava em mulher nem em dinheiro ou outros bens, mas o coração
temia e estremecia pensando em como tornaria Deus propício a mim mesmo"
(WA 47, 589s).
Em
1515 Lutero foi designado pelos Superiores da Ordem de S. Agostinho para
lecionar as epístolas de São Paulo. Lendo e meditando tais textos, o frade foi
descobrindo a solução do seu problema, que constava de dois princípios básicos:
"De modo nenhum nos
condena o fato de sermos pecadores, contanto que desejemos ser justos...
Convém, pois, permanecer nos pecados e gemer por nos libertarmos deles na
esperança da misericórdia de Deus" (WA 56, 266). Desenvolvendo tais
concepções, Lutero chega a professar a predestinação ao inferno e rejeita a
universalidade da vontade salvífica de Deus. Existem declarações do próprio
Lutero que manifestam o seu estado de alma angustiado e desesperado na década
de 1510: "Bastava o nome de Jesus Cristo nosso Salvador para que eu
tremesse dos pés à cabeça" (WA 44, 716). "Tenho feito a
experiência de que, quando alguém cai em tentação ou quando a morte o atemoriza
ou corre algum perigo, vem-lhe a vontade de desesperar e fugir de Deus como do
demônio" (WA 46, 660).
"Quando eu estava no mosteiro, metido em minha cogula, era tão
inimigo de Cristo que, se eu visse uma escultura ou pintura que o apresentasse
crucificado, eu me aterrorizava, de modo que fechava os olhos e teria preferido
ver o diabo" (WA 47, 310). "Muitas
vezes me assustei ao nome de Jesus; quando eu contemplava Jesus na cruz,
parecia-me que me fulminava um raio e, quando se pronunciava o seu nome, teria
preferido ouvir o do demônio" (WA 47, 590).
As portas do inferno terrificante
pareciam abrir-se àquele frade desesperado: "Conheço um homem (o
próprio Lutero) que sofria tais penas em muitas ocasiões, ainda que por
brevíssimo intervalo de tempo; eram tão grandes e tão infernais que nem a
língua o pode dizer nem a pena escrever, nem o pode crer quem não o tenha
experimentado. Em conseqüência, se essas penas se consumassem plenamente ou se
protraíssem por meia-hora ou mesmo só pela décima parte de uma hora, esse homem
pereceria e todos os seus ossos se reduziriam a cinzas. Deus se apresentaria
horrivelmente irado, e com Ele também todas as criaturas. Então não é possível
fugir, não há consolação nem interna nem externa, mas tudo é acusação... Não pode
crer que seja temporária aquela pena, só lhe resta um simples desejo de auxílio
e um horrendo gemido; não sabe ele a quem pedir socorro" (WA 1, 557). "Quem
pode amar a quem trata os pecadores segundo a justiça?" (WA 40, 2 p.
445). "Minha vida se aproxima do inferno e cada dia estou pior"
(Briefwechsel 560).
Em particular quanto ao Ofício Divino
(Liturgia das Horas), Lutero refere o seguinte: "Muitas vezes passava
eu dias inteiros lendo, pregando quatro vezes ao dia, com omissão das horas
canônicas. Quando chegava o sábado, eu me encerrava na cela o dia inteiro em
jejum, fatigando-me com assíduas orações. Levei a coisa tão longe que a cabeça
tonteou, e durante cinco semanas não pude ver a luz do dia. Nessas cinco
semanas acumulei boa provisão de horas canônicas. Tendo recuperado a saúde,
determinei cumprir tudo aqui, mas sentia tantos incômodos que nem podia ver o
livro" (Tischreden 6077 V 474-75). "Eu costumava acumular
minhas horas canônicas por quatorze dias ou quatro semanas, quando tinha muito
que fazer...; a seguir, reservava uma semana inteira ou um dia ou três, em que
me encerrava no aposento, sem comer nem beber até ter rezado tudo"
(Tischreden 5428 V 137). "Certa vez assisti à promoção de doutores (na
Universidade) e descuidei-me das minhas horas. Durante a noite estourou uma
violenta tempestade. Então levantei-me e rezei minhas horas, pois julguei que
por causa de mim tivera origem a tormenta" (Tischreden 4919 IV 580).
O simples fato de sentir impulsos
desregrados o atormentava como se tivesse cometido graves pecados: "Eu
experimentava diversos remédios, confessava-me todos os dias, etc., mas não
aproveitava nada, porque sempre voltava a concupiscência da carne; por isto não
me podia tranqüilizar, mas me atormentava constantemente com esses pensamentos:
`Cometeste tal ou tal pecado. Além disto, sofres de inveja, impaciência, etc.
Por conseguinte, em vão te fizeste Religioso e sacerdote; todas as tuas boas
obras são inúteis'" (WA 40, 2 p. 91s).
A Teologia ensina que o sentir a
concupiscência não é pecado se o cristão não lhe dá consentimento. Mas, em
virtude de sua formação ocamista, Lutero valorizava o sentir mais do que o
raciocínio, de modo que sentir o desmando, mesmo sem lhe consentir, já lhe
parecia ser pecado.
Em síntese, Lutero julgava que a concupiscência desregrada é o próprio pecado original. Visto que aquela jamais se extingue no homem, segue-se que o pecado original não é apagado pelo Batismo; por isto todo homem é corrupto e rejeitado pela santidade de Deus; em tudo o que ele faça (mesmo nas boas obras), ele peca; a vontade não é livre para praticar o bem. Donde se conclui que a justificação se faz unicamente pela fé, dom de Deus, sem colaboração ativa do homem. Foi sobre este pano de fundo que sobreveio o episódio das indulgências.
A temática das indulgências geralmente é mal entendida e relatada por historiadores profanos que descrevem a reforma luterana. A versão autêntica e objetiva do assunto é proposta em outro artigo. Aqui apresentaremos apenas os fatos como se deram na época de Lutero, influindo sobre as atitudes do frade agostiniano.
Em 1514 teve origem na Alemanha uma situação pouco honesta. Com efeito, Alberto de Hohenzollem, com 24 anos de idade, foi nomeado Arcebispo de Magdeburgo (em fevereiro) e Administrador Apostólico de Halberstadt (em setembro). No ano seguinte, o cabido de Mogúncia o elegeu para esta diocese primacial da Alemanha. Caso aceitasse a eleição, teria que renunciar às duas outras dioceses. Suplicou, porém, ao Papa Leão X que lhe permitisse acumular as três dioceses - o que não era oportuno para a vida pastoral dos diocesanos. Todavia o Pontífice lho permitiu, por razões de conveniência ocasional, contanto que pagasse à Câmara Apostólica 10.000 ducados de ouro por tal dispensa, além dos 14.000 florins renanos já desembolsados para receber o pálio (insígnia) de arcebispo e a confirmação pontifícia. Para pagar tal dívida, Alberto resolveu pedir emprestado ao banqueiro Tiago Függer, de Ausburgo, a quantia de 21.000 ducados e 500 florins, equivalente aproximadamente a 29.000 florins renanos.
A fim de conseguir reembolsar ao banqueiro, os príncipes eleitores Alberto e seu irmão Joaquim se entenderam com a Cúria Romana no sentido de se promover a pregação de indulgências nas três dioceses de Alberto e no território de Brandenburgo submetido a Joaquim de Hchenzollern, sob a condição de que a metade do dinheiro arrecadado se destinasse à construção da basílica de São Pedro em Roma e a outra metade ficasse para Alberto, arcebispo de Mogúncia. Em outubro de 1515 o Imperador Maximiliano interveio exigindo durante três anos a contribuição de mil florins anuais em favor da igreja de São Tiago em Innsbruck.
A pregação dessas indulgências foi confiada ao frade dominicano João Tetzel, ardoroso pregador, de costumes íntegros, mas orador popular mais do que autêntico teólogo. Com retórica tratou de comover e convencer os fiéis a dar sua contribuição. Não vendia bulas papais que prometessem o perdão dos pecados, como se tem dito, mas soube usar de dialética abusiva e imprudente - o que, em parte, se compreende pelo fato de que seu trabalho era controlado por funcionários do banqueiro Függer. Tetzel seguia as normas estabelecidas por Alberto de Mogúncia no libelo "Instructio Summaria pro Subcommissariis". Deve-se confessar que todo esse plano de arrecadar dinheiro e as suas finalidades não merecem aprovação.
Quando a "Instructio Summaria" chegou às mãos de Martinho Lutero, este se insurgiu e protestou energicamente junto ao respectivo autor, Alberto de Mogúncia.
É comum dizer-se que Lutero concretizou tal protesto ao meio-dia de 31/10/1517, afixando às portas da Schlosskirche (igreja do castelo) de Wittenberg 95 teses sobre as indulgências e convidando todos os eruditos para uma disputa pública a respeito das mesmas. Na verdade, porém, esta versão é lendária. Ninguém mencionou tal façanha enquanto Lutero viveu. O primeiro a referi-ia foi Melancton em 1546; não se sabe donde tirou a notícia, nem ele cita fonte alguma; em 1517 Melancton não se achava em Wittenberg, mas sim em Tübingen; portanto não foi testemunha do alegado. De resto, sabe-se que Melancton nem sempre é exato quando narra pormenores da juventude de Lutero. Pode-se supor que, lendo as 95 teses e o convite de Lutero para um debate público, tenha Melancton imaginado que se tratava do anúncio de uma disputa acadêmica, anúncio que se fazia geralmente afixando proclamas às portas das igrejas.
O fato certo é que, aos 31/10/1517, Frei Martinho Lutero escreveu, indignado, uma carta de protesto ao arcebispo de Mogúncia, enviada com um exemplar de suas teses. A carta pedia que fosse retirada de circulação a Instructio e corrigido o modo de pregar as indulgências.
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AS 95 TESES DE LUTERO
Observações ao Texto
Algumas das proposições de Lutero se
ressentem de falso conceito de indulgências: o reformador as entendia como
aquisição material de uma bula papal donde resultaria o perdão dos pecados; não
levava em conta o conceito correto de indulgências, que exigia o arrependimento
e a confissão dos pecados; não se vendia o perdão dos pecados.
Ao escrever suas teses, Lutero já havia
concebido sua noção de justificação pela fé e de penitência cristã, noção
incompatível com a da Teologia clássica.
Quem lê as 95 teses, pode ter a impressão
de que foram lançadas sem muita ordem nem encadeamento de idéias; vão sendo
propostas às vezes em tom passional, às vezes em vestes de humildade; estão
sujeitas a repetições e imprecisões. O que têm de válido, é a preocupação,
presente em quase todas as teses, com a necessidade de compunção interior mais
do que de obras exteriores; infelizmente, porém, o estilo extremado e
temperamental das teses leva a exageros impróprios a um teólogo.
A variedade das proposições permite distinguir rumos diversos entre elas. Assim há:
Lutero proferiu suas teses sem a intenção
de se afastar da Igreja.
O fato, porém, é que se tornaram o ponto
de partida público de uma ruptura que foi crescendo até a consumação do cisma
em 1521.
Conclusão
O cisma perdura até nossos dias; é a
conseqüência de um problema pessoal, problema de uma personalidade fogosa e
temperamental (há quem seja mais severo), que projetou o problema e sua falsa
solução no mundo de sua época. A nação alemã aproveitou-se da rebeldia de
Lutero para desabafar suas tendências anti-romanas, que haviam caracterizado a
política dos Imperadores germânicos durante a Idade Média. O ambiente
predisposto pela política contra Roma favoreceu o cisma de Lutero, que tem sido
visto pelos alemães não somente como figura religiosa, mas também - e muito -
como porta-voz das reivindicações da nação germânica do século XVI.
A doutrina luterana é, como dito, a
expressão de um problema pessoal de Lutero apavorado, problema que o reformador
resolveu a seu modo, tranqüilizando-se por uma re-leitura tendenciosa das
epístolas de São Paulo. Tal solução foi lançada ao público como sendo a
autêntica modalidade de entender o Cristianismo. Deste problema pessoal de
Lutero originou-se o protestantismo, que é uma forma mais suave de se viver o
Evangelho, mas uma forma subjetiva, concebida por Martinho Lutero apavorado
para Martinho Lutero. Verdade é que a época de Lutero (primeiras décadas do
século XVI) foi um duro período na história da Igreja Católica,
cujos problemas podiam provocar críticas e censuras, mas não fundamentavam
uma ruptura ou um cisma chefiado por um homem muito religioso, mas pouco
equilibrado como foi Lutero.