Teologia da Libertação III


PERGUNTE E RESPONDEREMOS

Ano XXV ´ No 277 ´ Novembro´Dezembro de 1984

Sempre voltando à baila:

Teologia da Libertação: Quatro Enfoques

Em síntese: A revista italiana 30 GIORNI, maio 1984, pp. 41´57, publicou quatro artigos sobre a Teologia da Libertação (TL), devidos à pena dos Prof. Alberto Methol Ferré, uruguaio, Juan Carlos Scannone, argentino, Georges Cottier, suiço, e Rocco Buttlglione, italiano; versam respectivamente sobre a origem e o desenvolvimento da TL, sobre as quatro principais modalidades desta, sobre a impossível ´dupla fidelidade´ a Cristo e a Marx e sobre o conceito de ´pobre proletário´ em Marx e no documento de Puebla.

Apresentamos sumariamente o conteúdo destes artigos: Alberto M. Ferré traça a gênese da TL a partir de dois conceitos: pobres e libertação. J.C. Scannone propõe traços legítimos, traços discutíveis e traços inaceitáveis da TL, levando em conta especial o conluio que alguns dos autores da TL querem realizar com o marxismo. ´ Georges Cottier se detém principalmente sobre o pensamento de Gustavo Gutierrez, no qual ele reconhece o anseio de combater a miséria latino´americana, como também a adoção precipitada e daninha de teses marxistas que desvirtuam a intenção cristã do autor. ´ Rocco Buttiglione explana a diferença existente entre o proletário de Karl Marx e o pobre do Documento de Puebla, desfazendo equívocos disseminados a propósito.

Em suma, os quatro enfoques são de grande valor por projetarem luz serena e profunda sobre a complexa e ambígua temática da TL.

* * *

A Teologia da Libertação (TL) está sempre em foco; parece provocada pela situação de penúria em que se acha o continente latino´americano e; mais de perto ainda, o Brasil. Também os europeus se interessam pelo assunto, desejosos de colaborar na reestruturação da sociedade dos nossos países.

A propósito a revista italiana 30 GIORNI, em seu número de maio de 1984, pp. 41´57, publicou quatro artigos sobre tal temática, redigidos por pensadores notáveis: o uruguaio Alberto Methol Ferré, filósofo e diretor da revista latino´americana NEXO, que trata da origem e do desenvolvimento da TL; o argentino Juan Carlos Scannone, Decano da Faculdade de Filosofia da Universidade São Miguei (Argentina), que distingue quatro correntes principais da TL; o prof. Georges Cottier, docente de Filosofia Moderna nas Universidades de Genebra e de Friburgo, que aborda o relacionamento da TL com o marxismo; e o Prof. Rocco Buttiglione, da Cadeira de Filosofia da Política na Universidade de Urbino, que considera a figura do pobre nu marxismo e na TL. Dada a especial importância destes artigos, vamos, a seguir, apresentar uma síntese dos mesmos.

l. “FOI ASSIM QUE A CENTELHA SE ACENDEU” (pp. 43´45)

Alberto Methol Ferré

1. A TL se baseia sobre dois conceitos´chaves: pobres e libertação.

Aos 12/09/1962, um mês antes de abrir o Concílio do Vaticano II, o Papa João XXIII afirmou: “Diante dos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta como é e como quer ser: a Igreja de todos e, especialmente, a Igreja dos pobres”. Estas palavras tiveram ampla repercussão, desencadeando uma série de estudos sobre a pobreza no mundo e o desafio que ela apresenta ao Cristianismo.

Quanto à palavra “libertação”, utilizada pela resistência francesa que se opunha aos ocupantes nacional´socialistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939´1945), entrou no vocabulário oficial da Igreja em fevereiro de1967: foi assumida pelo CELAM no Documento de Buga (Colômbia) relativo às Universidades Católicas em fevereiro de 1967. De Buga passou para os Documentos de Merellin (1968). Em novembro de 1969, o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez proferiu uma conferência sobre o tema “Notas para uma Teologia da Libertação”; nascia assim a expressão “Teologia da Libertação”, dotada imediatamente de grande voga e eloquência. Tal expressão foi, aos poucos, recobrindo um leque de posições afins entre si, mas não idênticas, como demonstra o artigo de J. C. Scannone, resumido às pp. 445´448 deste fascículo.

A TL despertou o interesse pela teologia fora dos Seminários, pois procurou relacionar´se estreitamento com as ciências humanas da história, da sociologia, da economia, da política, como também corri a praxe pastoral.

2. Todavia a TL tem enfrentado problemas precisamente por entrar em contato com tantas ciências. Em particular, é questionado o seu modo de considerar o marxismo. Pergunta´se: pobres e libertação exigem, sim ou não, o marxismo como método científico? Para Gutiérrez, sim; para Lucio Jera, não. Há quinze anos que se vem discutindo a questão sem que haja novidade de um lado ou do outro. “Até hoje os teólogos que assumem o marxismo, nunca deram uma resposta séria ao problema da justaposição de teologia e marxismo. A ênfase colocada sobre os pobres não é uma solução: dentro mesmo do marxismo, Stalin e Trotski afirmavam estar com os pobres; isto, porém, não impediu que Trotski acabasse seus dias com um golpe de picão na cabeça.

A verdadeira questão, portanto, não são apenas os pobres; há sempre algo mais. Muito freqüentemente os pobres se tornam a capa para uma retórica que esconde a falta de respostas. Não é legítimo usar o “grito dos pobres como alibi (derivativo) intelectual para fugir da responsabilidade diante da verdade” (p. 45) .

3. As variantes cristão´marxistas da TL, a princípio, eram de índole ultra´esquerdista, sustentadas por estudantes que tinham em Camillo Toirres e Che Guevara os seus modelos; apresentavam´se tão radicais que chegavam a ser anti´soviéticas. Todavia em 1973 fundou´se o movimento de “Cristãos para o Socialismo”, que abriu nova fase dentro da TL; esta subordinou´se à política da União Soviética e, entre as suas expressões, move uma campanha de difamação sistemática contra o Papa João Paulo II, servindo´se de livros, revistas, artigos, folhas mimeografadas, etc.

4. Em suma, no binómio marxismo´teologia é geralmente o polo “marxismo” que absorve a teologia e a fé, e não vice´versa. Mais ainda: é de notar que a ala cristão´marxista da TL guarda o mais absoluto silêncio a respeito do marxismo real, ou seja, o marxismo como ele se realiza em sociedades concretas nos últimos decênios (Rússia, China, Polônia, Tchecoslováquia, Albânia, Hungria...). Os apologistas de tal corrente ignoram o marxismo histórico, prático, e falam apenas do marxismo teórico; assim “apagam a metade do mundo contemporâneo. Esse silêncio é muito eloqüente, porque vem a ser uma manobra política” (p. 45).

“Em atitude de serviço à Igreja e à verdade, é tempo de falarmos em voz alta sobre tal assunto, que fere toda a comunidade eclesial” ( p. 45) .

2. TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: AS CORRENTES PRINCIPAIS (pp. 46´50)

Juan Carlos Scannone

Geralmente os comentadores observam que a expressão “Teologia da Libertação” é polivalente ou recobre um leque de posições teológicas; daí a dificuldade de discorrer sobre TL. É, pois, oportuno, antes do mais, tomar consciência dos diversos tipos de TL existentes. Embora quase cada autor seja, no caso, caracterizado por notas próprias, podem´se agrupar as diversas linhas de TL sob quatro principais títulos, segundo o Prof. Juan Carlos Scannone.

2.1. TL a partir da pastoral da Igreja

Existe uma forma de TL que adota, sim, o linguajar das demais correntes, mas não entra diretamente em reflexões sobre aspectos sócio´políticos; não recorre à mediação socioanalítica do marxismo, embora não recuse levar em conta os dados estatísticos e outras contribuições das ciências sociais.

Procura ser fiel aos documentos de Medellin e de Puebla, como também à hierarquia da Igreja. os fautores desta linha mostram ter consciência de que a hierarquia é guarda da Tradição e do vínculo de unidade da Igreja; não lhe cabe envolver´se em missões políticas, as quais tocam propriamente aos leigos católicos, que Deus chama para santificar as estruturas deste mundo por suas atividades seculares.

Diante desta posição, pode´se perguntar: até (que ponto estamos frente à Teologia da Libertação em sentido estrito? o vocabulário da TL pode aí constar,.., todavia para exprimir proposições que a Igreja não desabona, mas, ao contrário, reconhece como válidas.

2.2. TL a partir da praxe dos povos latino´americanos

Esta corrente se deve ao teólogo Lúcio Jera. Como a anterior, só impropriamente hoje pode chamar´se Teologia da Libertação, embora em suas origens, após o Concílio, tivesse este nome.

A principal diferença em relação às modalidades extremadas da TL consiste no conceito de povo. “Povo”, segundo Lúcio Jera e sua escola, não é entendido como classe (= a classe oprimida pela estrutura capitalista), mas como realidade histórico´cultural. “Povo” é o sujeito comunitário de uma história e de uma cultura, como ocorre quando se diz “povo irlandês, povo francês, povo português...”

Sujeito de uma história, e não da história, isto é, sujeito de experiências históricas concretas vividas por toda a comunidade (assim as experiências da história do povo brasileiro, que são bem diferentes das experiências da história do povo chinês).

Sujeito de uma cultura, isto é, de um estilo de vida, que não se confunde com intelectualismo e alta filosofia. Esse estilo de vida se espelha também em estruturas políticas e econômicas próprias de cada época da história. Tais estruturas exigem atitudes éticas e justas, de tal modo que, onde não há valores éticos nem justiça, não há povo, mas, sim, anti´povo.

A realidade histórico´cultural de um povo inclui sua religiosidade e as expressões de fé e de piedade desse povo: no caso da América Latina, trata´se do patrimônio da fé cristã, que é fundamental na história das respectivas populações. O elemento especificamente religioso cristão dos povos latino´americanos é tido como dinamizador de toda a sua atividade em prol da justiça e da fraternidade.

Tal corrente da TL, valorizando a história concreta dos povos latino´americanos, em vez de ceder a concepções filosóficas e abstratas, julga que tem muito mais probabilidades de atuar com êxito na América Latina do que o marxismo. Este, propondo a secularização da vida ou renegando os valores religiosos, fica longe demais da realidade de nossas populações.

2.3. TL a partir da praxe histórica

1. Esta corrente tem como significativo arauto o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez. É radical nos seus propósitos de transformar as estruturas da sociedade latino´americana. Recorre ao método de análise marxista da realidade como elemento válido para obter o material que a teologia deve considerar com seus olhos próprios. Essa corrente tem “o pobre” ou “o povo” na conta de classe, segundo categorias do marxismo ou próximas ao marxismo; identifica, por conseguinte, a práxis libertadora com a luta de classes, e a opção pelos pobres com opção por uma classe contra a outra; o amor cristão, em tal caso, inclui oposição ou mesmo ódio aos ricos.

Tal modalidade de TL cede largamente à secularização. O elemento “especificamente cristão” da praxe libertadora seria a consciência da salvação e a referência a Jesus Cristo,... referência esta que não ofereceria senão novas motivações para a luta, mas não daria um caráter próprio à ação social do cristão.

2. Os autores desta corrente propõem´se algumas objeções, a saber: não é possível separar entre si análise marxista e filosofia marxista; especialmente a antropologia e o conceito de história professados por Marx estão ligados ao tipo de análise da realidade que ele instituiu. Também não é cabível distinguir entre luta de classes e interpretação marxista da sociedade; sim, a luta de classes marxista tende a instaurar uma sociedade violenta dominada por regime totalitário. Aliás, o Documento de Puebla assinala os perigos que resultam do conluio da teologia com o método de análise marxista:

“Alguns crêem possível separar diversos aspectos do marxismo, em particular sua doutrina e sua análise. Recordamos com o Magistério pontifício que seria ilusório e perigoso chegar a esquecer o nexo íntimo que os urre radicalmente; aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática de luta de classes e de sua interpretação marxista, deixando de perceber o tipo de saciedade totalitária e violenta a que conduz tal processo”.

Cumpre salientar aqui o risco de ideologização a que se expõe a reflexão teológica, quando se realiza partindo de uma práxis que recorre à análise marxista. Suas conseqüências são a total politização da existência Cristã. a dissolução da linguagem da fé na das ciências sociais e o esvaziamento da dimensão transcendental do salvação cristã” (no 544s).

Como se depreende destes textos, o próprio Papa João Paulo II rejeitou a utilização do marxismo na elaboração de uma síntese teológica. A advertência do Sumo Pontífice, feita na abertura da Conferência Episcopal de Puebla, foi renovada no Rio de Janeiro aos 02/07/80, em discurso proferido ao GELAM:

“A libertação cristã usa meios evangélicos, com sua eficácia peculiar, e não recorre a nenhum tipo de violência, nem à dialética da luta de classes ... ou à práxis ou análise marxista, pelo perigo de ideologização a que se expõe a reflexão teológica quando se realiza partindo de uma práxis que recorre à análise marxista”.

2.4. TL a partir da práxis dos grupos revolucionários

A mais extremada linha da TL tem como representante mais significativo o brasileiro Hugo Assmann; inspira o movimento “Cristãos para o Socialismo”.

Recorre à análise marxista como se fosse certamente científica. Alimenta assim a práxis de grupos cristãos politicamente radicalizados e envolvidos em ação revolucionária (não necessariamente violenta). Formula as suas proposições em função da práxis revolucionária, perdendo o contato com a tradição cristã. Com outras palavras: a fé, com suas expressões e instituições, é criticada a partir da ação revolucionária; o critério da verdade, mesmo em matéria de fé, é a força transformadora que alguma proposição possa ter.

Tal corrente se distancia da hierarquia da Igreja e do povo fiel e tende a converter´se em uma “teologia transconfessional” (além ou acima das confissões de fé cristãs) ou mesmo esvaziada de conteúdo de fé propriamente dito. Tende a reduzir´se a mero discurso sociológico de verniz cristão, posto a serviço da luta de classes. A práxis libertadora, em tal caso, é destituída de notas especificamente cristãs. Assim apaga´se a diferença entre Igreja e mundo; realiza´se a total secularização do Cristianismo.

3. A “DUPLA FIDELIDADE” (pp. 51´53)

Georges Cottier

O Prol. Georges Cottier começa seu artigo observando que se deteve especialmente sobre dois autores da TL. O primeiro é Hugo Assmann, com sua obra Opresión´Liberación, desafio a los Cristianos: esta lhe pareceu ser “uma releitura marxista do Cristianismo, que leva a uma secularização da fé”. O outro autor é Gustavo Gutiérrez; este apresenta, de um lado, o anseio de combater eficazmente a miséria dos povos latino´americanos; de outro lado, faz´se arauto de teses do marxismo, aceitas um tanto precipitadamente ou sem juízo crítico.

É o que induz o Prof. Cottier a refletir nos seguintes termos:

3.1. Algumas lições da história

Os autores da TL, esposando teses marxistas, parecem estar revivendo episódios do passado, nos quais o conluio redundou não em proveito da fé cristã, mas, sim, em absorção da mesma por parte do marxismo.

l) Tal foi o caso, por exemplo, de muitos intelectuais e homens de projeção que nos últimos decênios aderiram ao Partido Comunista do respectivo país como se fosse isto a única maneira de lutar contra a injustiça que afetava a classe operária. ´ Ora, uma vez chegado ao poder, o Partido alijou tais homens e mulheres, tirando´lhes a vida ou legando´os ao ostracismo. Tenha´se em vista, entre outros, o ocorrido na Nicarágua, na Iugoslávia, na Polônia, etc.

2) Na década de 1950, vários sacerdotes se fizeram “padres operários”, inspirados pela louvável intenção de compartilhar as duras condições de vida dos trabalhadores; tal iniciativa, assim intencionada, só podia e pode merecer apoio. Todavia esses presbíteros foram aos poucos absorvendo teses do marxismo que imperava naqueles ambientes. Julgavam poder guardar dupla fidelidade, ou seja, a fidelidade a Crista e à Igreja e a fidelidade ao marxismo; tal fórmula, porém, era uma armadilha; tiveram finalmente que escolher entre Cristianismo e marxismo, e acabaram optando pelo marxismo e a deserção frente ao Senhor Deus; o marxismo era´lhes apresentado pelo Partido Comunista como sendo a consciência da classe operária, de modo que, para ser fiéis ao operariado, deveriam ser fiéis ao marxismo com abandono dos valores da fé; a Igreja era´lhes apresentada, na doutrinação comunista, com o falso rótulo de “expressão ideológico´cultural da classe burguesa” (!).

Conclui Cottier: “Por conseguinte, o meu receio não é infundado, quando considero a ingenuidade com que generosos teólogos acolhem na sua síntese de pensamento teses da filosofia marxista” (p. 52).

Prossegue o autor: “Dir´me´ão que me prendo a fórmulas sem levar em conta as intenções dos teólogos da libertação que adotam tais fórmulas”. Em resposta, observa que as fórmulas não são “inocentes nem neutras”, mas fazem parte de um sistema estruturado que, por sua prática política, exerce colossal impacto no mundo contemporâneo; existe uma coerência lógica entre as fórmulas e a práxis ou a ação revolucionária do marxismo no mundo.

A conseqüência destas considerações, segundo Cottier, é que “a teologia da libertação pousa sobre uma contradição: de um lado, a intenção é cristã e se exprime mediante temas e vocábulos da Bíblia; de outro lado, porém, as fórmulas tomadas de empréstimo, com certa precipitação, de fontes marxistas lançam a TL na órbita do materialismo histórico” (p. 52).

Pergunta então Cottier:

3.2. Quais as teses marxistas que entram na TL?

São quatro as teses que afetam a TL a ponto de se tornar o seu centro de gravitação.

1) É necessária a luta de classes. Para Marx, a luta não é um elemento casual ou. acidental, mas, sim, um dado constitutivo e explicativo da história; esta vai´se desenrolando por força da luta de classes; levando´a a termo, a classe operária julga realizar a sua própria libertação. Assim a história universal vem a ser a história da redenção e da divinização do homem pelo homem.

2) Por conseguinte, o marasmo e, com ele, a TL não aceita meras reformas econômicas e sociais, mas apregoa a revolução ou a práxis revolucionária. Quem não entra na revolução com os oprimidos, é opressor.

3) O objetivo da revolução é derrubar o sistema capitalista e instaurar o socialismo marxista. O vocábulo “socialismo” ocorre nos escritos da TL, mas com certa imprecisão. O socialismo marxista, na verdade, está inseparavelmente conjugado com totalitarismo; sim, de modo geral, nos países em que o marxismo toma o poder, instaura o regime de um Partido único; este, afirmando agir em nome do proletariado, institui uma ditadura totalitária e atéia que não respeita os direitos da pessoa humana. A TL se fecha no silêncio a respeito do totalitarismo e dos métodos de violência que ele aplica às populações dominadas.

4) O Reino de Deus seja secularizado, isto é, despojado de seus valores e de suas manifestações explicitamente religiosas, para coincidir com o reino do homem na terra. A escatologia cristã é transformada em escatologia terrestre sócio´político´econômica; a expectativa da consumada vitória de crista sobre o pecado e a morte no fim dos tempos é substituída pela de uma ordem sócio´econômica em que todas as aspirações do homem encontrem sua resposta.

Enunciados estes pontos, Cottier propõe uma:

3.3. Reflexão final

1) “Não se deveria falar de certa ingenuidade da parte da TL? Falta a esta um exame aprofundado do pensamento marxista” (p. 52).

2) A TL não pretende ser apenas uma práxis decorrente de logos ou da contemplação das verdades eternas reveladas por Cristo no Evangelho. A TL entende práxis no sentido marxista, isto é, como ação revolucionária à qual está subordinado o logos ou o raciocínio; o critério da verdade não é a evidência teórica das proposições, mas o poder transformador e revolucionário das mesmas; a teologia e o discurso teológico estão subordinados aos imperativos da revolução. “Originariamente a TL não intencionava chegar a tal conclusão, mas foi levada a tanto pela inexorável lógica das teses marxistas que ela adota sem prévio e suficiente exame” (p. 53).

3) A TL é vítima de confusão entre o pobre da Sagrada Escritura e o proletário de Marx, confusão esta que decorre da assimilação precipitada e preconcebida de teses marxistas. – O pobre na Sagrada Escritura é o homem injustiçado que tem o coração aberto para Deus e os valores da fé, inclusive os valores transcendentais; cf. Sf 2,3; 3,l1s; Is 49,13; 57,14´21; 66,2; Sl 21,27; 33,3s; 36,l1s; 68,34; 73,19; 148,4; Mt 5,3; Lc 1,52; 6,20; 7,22; é, pois, uma figura profundamente religiosa, que espera do Senhor Deus a sua resposta. ´ Ao contrário, o conceito de proletário, para Marx, resulta de categorias filosóficas; através dessa noção, Marx queria traduzir aversão ao mundo cristão da sua época. Aliás, o artigo de R. Buttiglione trata também deste assunto, como se verá adiante.

4) A conclusão final de Cottier é a seguinte:

“Em conclusão direi que a TL é trabalhada por duas correntes que não se conciliam entre si: de um lado, a generosidade das intenções, e, de outro lado, a lógica das idéias tomadas de empréstimo à ideologia marxista´leninista, sem que tenham sido avaliados todo o seu significado e as conseqüências destas. As idéias são mais fortes do que as intenções destituídas de sólidas bases intelectuais. Essa teologia, portanto, é capturada por uma corrente que tende a distanciá´la das suas raízes cristãs” (p. 53).

É nítida a posição do Prof. Georges Cottier, à qual, de certo modo, faz eco a de Rocco Buttiglione.

4. QUEM SÃO OS VERDADEIROS POBRES (pp. 54´57)

Rocco Buttiglione

A TL teve origem quando faliram as sociologias do desenvolvimento, que na década de 1960 lançavam um olhar compassivo sobre os países latino´americanos; consideravam, porém, a América Latina a partir do ponto de vista das nações abastadas ou ricas. Em torno do ano de 1970 os estudiosos verificaram que a América Latina não é propriamente um continente “atrasado”, mas um continente que tem seu ritmo e seu modo de desenvolvimento peculiares por causa da função que lhe toca no sistema econômico mundial. A América Latina terá seu progresso diferente, fundado sobre o esforço solidário dos seus habitantes e não sobre a exploração. Desta intuição surgiu o propósito de pensar na situação da América Latina a partir da América Latina, ou seja, a partir das esperanças, das exigências e das energias que o pobre latino´americano traz em si. ´ Foi esta a grande e positiva novidade que as Conferências Episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979) confirmaram e explanaram, colocando em foco os pobres da América Latina.

4.1 . O proletariado no marxismo

Tendo em vista “a opção preferencial pelos pobres” proclamada pelos Bispos da América Latina, pergunta´se: quem são os pobres assim considerados?

´ Uma certa corrente da TL, utilizando a análise marxista com seus conceitos próprios, identifica o pobre com proletário marxista, tirando àquele vocábulo o significado concreto e histórico que ele tem na América Latina. Com efeito, para Marx, as categorias de “proletário” e “proletariado” são categorias filosóficas mais do que categorias de sociologia e economia. Sim; o jovem Marx quis renegar, de modo absoluto, o mundo cristão´burguês da sua época; para tanto construiu o conceito de proletário; este seria o homem no estado puro, sem cultura alguma, sem moral nem religião, pois estas lhe são incutidas pela distribuição do trabalho nas fábricas; por isto, o proletariado não tem nação, nem moral nem religião. Tal conceito resulta da noção materialista de história, segundo a qual o elemento que determina a existência humana é a produção dos bens materiais necessários à existência e à reprodução da vida. Este princípio, menos evidente em outras categorias da sociedade, se torna patente de maneira brutal na vida do proletariado.

Assim o conceito filosófico de proletário, formulado por Marx, vem a ser a expressão do ódio deste pensador para com a civilização européia impregnada de Cristianismo.

Notemos, porém, que o próprio Marx reconhecia que o proletário real não chega a ter consciência de ser a “negação absoluta” da ordem de coisas existente.
Geralmente o proletário real tem sua cultura, sua moral, sua religião e sua filosofia de vida. Verdade é que o marxismo considera estes dados como “resíduos de pequeno burguês” que permanecem dentro da mentalidade operária. Como quer que seja, porém, é em torno de tais valores (cultura, moral, religião, filosofia ...) que se organiza a vida do operário. Deve´se mesmo dizer que a cultura do operário, espontaneamente impregnada de elementos religiosos, vive em luta contínua contra as correntes que tendem a cancelá´la.

4.2. Os pobres segundo Puebla

A interpretação marxista da realidade latino´americana parte da analise das estruturas econômicas e procura deduzir destas o comportamento dos homens, especialmente dos operários. Ora a Conferência dos Bispos reunida em Puebla anotou outro procedimento: procurou compreender o homem latino´americano a partir das raízes da sua cultura; procurou penetrar no coração e na consciência do pobre para compreender e compartilhar os valores e as aspirações desse homem. Esta consideração levou à conclusão de que o pobre real´existente (à diferença do imaginário da teoria) é um homem profundamente cristão; os critérios pelos quais ele orienta a sua vida, são os que lhe foram comunicados durante quase quinhentos anos de evangelização. Quando ele entra em luta imposta pelas circunstâncias, trata´se de uma luta em prol da justiça e do respeito à dignidade humana, e não de uma luta de classes em sentido marxista.

É certo que a religiosidade popular latino´americana resultante da evangelização é muitas vezes ofuscada e desviada por elementos espúrios ou supersticiosos. Não obstante, o Documento de Puebla quis colocar em foco a religiosidade popular na medida em que é uma profunda meditação sobre os mistérios do nascimento, do amor e da morte do homem iluminados pela luz de Cristo.

Assim Puebla restituiu ao homem latino´americano a sua cultura e a sua história ou a sua identidade. Isentou´o de representar o papel de uma das figuras do drama de consciência do infeliz intelectual europeu ou europeizante. O pobre, segundo Puebla, não é mera negação ou contestação, pronta a descarregar do fundo do seu coração o incêndio revolucionário. Mesmo atingido pelo sofrimento, o pobre é dignidade, ternura, amor,.., alegria e festa. É uma pessoa que merece respeito e que não pode ser sacrificada a um projeto histórico revolucionário.

4.3. Conseqüências do confronto: a renovação segundo Puebla

1. A comparação entre o conceito de proletário em Marx e o de pobre em Puebla não implica que as exigências da justiça e da renovação social sejam atenuadas. Mas influi no modo de conceber a renovação social.

O caminho da libertação na América Latina já começou há muito ou desde que se prega o Evangelho neste continente. Não há dúvida, tal caminho foi distorcido e desfigurado pelo pecado dos homens, mas, todas as vezes que se restaura a fé no coração dos agentes da história, reluz de novo a imagem do homem com as suas exigências de justiça e os imperativos de renovação.

Assim, em lugar da prospectiva marxista de “revolução total” entendida como completa ruptura com o passado, Puebla propõe a prospectiva de ressurgimento ou revolução como retomada de vigor dos valores fundamentais cristãos que a evangelização colocou no âmago do homem latino´americano. A perspectiva de Puebla parte de um valor positivo, ou seja, da consciência da presença misteriosa e sensível de Deus na história da América Latina (presença recordada, de algum modo, pelo semblante mestiço da Virgem de Guadalupe). E esta presença que dinamiza a caminhada do homem latino´americano e que deve ser, antes do mais, levada em consideração quando se trata de esboçar o futuro do continente.

2. Na perspectiva marxista, a libertação do proletário é o resultado da dialética das forças produtoras e das relações de produção que se reflete na luta de classes. À Igreja não compete função alguma. Apenas se lhe pede que não estorve o esforço revolucionário mediante os seus inoportunos apelos à misericórdia, ao perdão, ao respeito da dignidade de todo homem (qualquer que seja a sua classe social).

Diverso, porém, é o papel que toca à Igreja se, com Puebla, procuramos entender o homem latino´americano a partir das suas raízes culturais. Compete então à Igreja a tarefa de reavivar a consciência da presença de Deus subjacente a tal cultura; compete´lhe resguardar os valores inerentes a esta e deles deduzir as conseqüências éticas para que a luta em prol da verdade e da justiça se desenvolva organicamente, com respeito ao ser humano e aos seus direitos. Desta maneira se atingirá a autêntica libertação do pobre latino´americano.

5 . OBSERVAÇÃO FINAL

Após apresentar a síntese dos quatro artigos de 30 GIORNI nestas páginas, ocorre à redação de PR uma observação final.

Independentemente da TL, a Igreja tem uma mensagem muito concreta e eficaz frente ao problema da justiça social no mundo inteiro: é a Doutrina Social da Igreja, foi mudada em encíclicas ou outros documentos dos Papas desde a Rerum Novarun de Leão XIII (1891) até a Laborem Exercens de João Paulo II (1982). Esta Doutrina abrange os pontos concretos da problemática com clareza e precisão, apontando as pistas de solução autenticamente cristã para tais situações. Trata´se de proposições deduzidas logicamente das premissas da fé cristã, sem desvios ou mesclagens deformantes. A Doutrina Social da Igreja substitui com vantagem as correntes ambíguas ou espúrias da TL. Acontece, porém, que o grande público freqüentemente julga ser a TL a resposta católica para a problemática social, de tal modo que não abraçar a TL parece o mesmo que ficar insensível às exigências da justiça no mundo; o público pouco esclarecido sobre a TL abraça qualquer corrente da mesma sem se dar conta de que, com isto, pode estar até apostatando das verdades da fé católica, em vez de lhes dar seu apoio; pode estar favorecendo o marxismo com detrimento do Cristianismo. Daí a necessidade não só de alertarmos os interessados sobre o que é a TL, mas de propormos em termos exatos as grandes teses da Doutrina Social da Igreja; esta é a própria Moral do Catolicismo aplicada aos problemas sociais de nossos tempos sem mediações heterogêneas.

Esperava´se ...

Teologia da Libertação: Palavra 0ficial da Igreja

Em síntese: A ´Instrução...´ emanada da Santa Sé aos 06/08/84 sobre a Teologia da Libertação (TL) mostra claramente que:

1) A TL não é simplesmente a resposta cristã ao problema das injustiças sociais. Quem estuda as obras dos teólogos da libertação infelizmente o grande público, informado apenas pelos jornais, não as conhece), verifica que se trata de algo assaz diferente: a TL, na medida em que recorre à análise marxista, vem a ser uma reformulação total do Cristianismo; embora se sirva de vocábulos e expressões de teologia, propõe um Cristianismo secularizado, laicizado, a´religioso e politizado (cf. Titulo X, ns. 12´14).

Especialmente o conceito de ´luta de classes´ privilegia uma classe (a dos pobres, entendidos no sentido marxista de ´proletariado´, e não no sentido bíblico) contra outra classe, tida como pecadora, condenada e excluída das assembléias de culto. Isto certamente contradiz à intenção de Cristo, que foi a de chamar todos os homens indistintamente à conversão do coração para que haja estruturas sociais justas e fraternas. É o materialismo marxista que faz as consciências depender das estruturas sociais, ao passo que o Cristianismo faz as estruturas depender da consciência dos homens.

2) A Igreja, condenando os erros da TL, não é insensível à questão social. Desde Leão XIII (encíclica ´Rerum Novarum´, 1891) até João Paulo II, os Papas têm formulado as normas da Ética social decorrentes do Evangelho. Deve´se mesmo dizer que a Doutrina Social da Igreja atende melhor aos interesses dos pobres e injustiçados, porque respeita a pessoa humana, não dissemina nem o ódio nem a luta de classes, que só servem para gerar ódio e violência. Aliás, a experiência de .povos regidos por governos totalitários de esquerda bem demonstra que os princípios marxistas são ilusórios, pois não libertam, mas instituem nova forma de escravidão social, fazendo do Estado o grande capitalista, do qual cada cidadão depende para estudar, ser informado, locomover´se, conseguir emprego, sobreviver. . .

* * *

Com a data de 06/8/84 foi publicada uma “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação” aprovada pelo Santo Padre João Paulo II e assina pelo Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. O documento veio esclarecer, de maneira abalizada e serena, a difícil temática, de modo a merecer consideração da parte dos fiéis católicos como também do grande público. Eis por que, nas páginas seguintes, apresentaremos uma síntese objetiva e fiel do mesmo.

INTRODUÇÃO

O documento se abre expondo a problemática em pauta.

A miséria e as condições sub´humanas em que vivem numerosas populações, têm chamado especialmente a atenção dos teólogos dos últimos anos, levando alguns a elaborar sistemas teológicos tendentes a promover a libertação de tais grupos humanos. Visto que desvios e erros se têm registrado em tais concepções, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé se vê obrigada a apontar esses elementos prejudiciais à fé e à vida cristã.

Tal advertência, porém, não significa desaprovação do trabalho realizado por muitos fiéis em favor dos irmãos pobres e sofredores; ao contrário, a Igreja não deixa de exortar seus filhos a que, guiados por fé esclarecida, se empenhem em prol dos irmãos deserdados e perseguidos.

I. UMA ASPIRAÇÃO

A aspiração dos povos a uma vida condizente com a dignidade humana vem a ser um dos sinais dos nossos tempos. E plenamente justificada pelo fato de que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e chamado à filiação divina. Por conseguinte, todos têm direito a ser respeitados ´ o que implica a extinção de gritantes desigualdades entre ricos e pobres, o fim de qualquer forma de colonialismo e o cultivo da solidariedade e da eqüidade nos intercâmbios internacionais.

II. EXPRESSÕES DESTA ASPIRAÇÃO

A aspiração pela justiça toma hoje em dia expressões variadas, das quais algumas vêm contagiadas por ideologias que pervertem o seu sentido: pregando meios de ação que implicam o recurso sistemático à violência e derrogam ao respeito devido ó pessoa humana, são aptas a frustrar mais do que a promover as populações carentes. Daí a necessidade de discernimento no tocante às expressões da aspiração à libertação.

III. LIBERTAÇÃO, TEMA CRISTÃO

Entre os cristãos, tal aspiração suscitou, entre outros, a movimento conhecido como “Teologia do Libertação” (TL). Esta compreende um leque de correntes teológicas diversificadas, que hão de ser consideradas à luz do Revelação Divino autenticamente interpretada pelo magistério da Igreja1. ___ 1Ver a propósito o artigo deste fascículo, pp. 8´15.

IV. FUNDAMENTOS BÍBLICOS

Encontro´se nas Escrituras sólido fundamentação para anseios de libertação. Com efeito; nelas lemos que Jesus Crista nos libertou do pecado e outorgou o vida nova da graça, que nos torna livres do escravidão do pecado.

As teologias da libertação recorrem amplamente à narração do livro do Êxodo. Esta, porém, não significo libertação de natureza prevalentemente político, pois implico o constituição do povo de Deus, que celebrou Aliança como Senhor no monte Sinai. O êxodo do Egito (século XIII a.C.) foi referencial utilizado pelos profetas para predizer o fim do Cativeiro babilônico no século VI a.C. Aliás, toda a literatura profética é marcado por apelos à justiça e à solidariedade, em defesa da viúva e do órfão, oprimidos por ricos poderosos.

Semelhantes exigências encontram´se no Novo Testamento. O discurso das bem´aventuranças, por exemplo, apregoa a felicidade dos que têm um coração de pobre (cf. Mt 5,3); o próprio Jesus, feito pobre por nosso amor, quis identificar´se com todo homem sofredor (cf. Mt 25,31´4ó); além do quê, incitou os seus discípulos a serem misericordiosos como o Pai é misericordioso (cf. Lc 6,36).

“A Revelação do Novo Testamento nos ensina que o pecado é o mal mais profundo, que atinge o homem no cerne de sua personalidade. A primeira libertação, ponto de referência paro os demais, é o do pecado”. Não se pode, porém, restringir o conceito de pecado àquilo que se denomina “pecado social”. Também não é lícito situar o mal única ou principalmente nos estruturas econômicos, sociais ou políticas, como se todos os outros males tivessem nessas estruturas a sua causa; mudadas tais estruturas, apareceria sobre o terra um “homem novo”, segundo dizem teólogos da libertação. Na verdade, é o inverso que se verifica: as estruturas, boas ou más, são fruto do ação do homem; vêm a ser conseqüências antes de ser causas. A raiz de todo mal se encontra no coração do homem, que deve ser convertido pela graça de Jesus Cristo para agir como nava criatura no amor ao próximo e na busca eficaz da justiça.

V. A VOZ DO MAGISTÉRIO

Fora responder ao desafio lançado à nossa época pela opressão e a fome, o Magistério da Igreja tem lembrado insistentemente os princípios da Ético Cristã. Tenham´se em visto os pronunciamentos pontifícios “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris” de João XXIII, “Populorum Progressio”, “Evangelii Nuntiandi” e “Octogesima Adveniens” de Paulo VI, “Redemptor Hominis”, “Dives in Misericordia” e “Laborem Exercens” de João Paulo II, além de numerosos discursos papais e Declarações de Conferências Episcopais. A “preocupação da Igreja pelo promoção humano traduziu´se também no criação da Pontifício Comissão Justiça e Paz”.

VI. UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO CRISTIANISMO

“O zelo e o compaixão dos pastores correm, por vezes, o risco de ser desviados para iniciativas não menos prejudiciais ao homem do que a própria miséria que se combate”.

“Assim acontece que alguns, diante do urgência de repartir o pão, são tentados a adiar para amanhã a evangelização: primeiro o Pão, mais tarde a Palavra. Ora é erro fatal separar as duas coisas até chegar a opô´las entre si”; pratiquem´se uma e outro.

“A outros parece que a lufa para obter justiça e liberdade humanas, entendidas no sentido econômico e político, constitua o essencial e a totalidade do salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a uma boa´nova meramente terrestre”.

Estas posições doutrinarias redundam numa re´interpretação global da mensagem do Cristianismo; vêm a ser a negação prática da fé, tomando emprestados ao marxismo elementos ideológicos e recorrendo a teses de hermenêutica bíblica, marcada pelo racionalismo. É precisamente tal modalidade de teologia da libertação que a Instrução passo a considerar mais detidamente nos seus incisos seguintes.

VII. A ANÁLISE MARXISTA

Os teólogos que se valem da análise marxista, assim .raciocinam:

Toda situação explosivo exige imediato ação eficaz. Tal eficácia requer prévio análise científica das causas estruturais da miséria. Ora o marxismo oferece um instrumental para essa análise. É, pois, necessário aplica´lo à situação dos países subdesenvolvidos, inclusive da América Latina.

A propósito observe´se:

O conhecimento científico de determinada situação é, sem dúvida, pressuposto para eficaz transformação social. Acontece, porém, que o termo “científico” exerce uma fascinação quase mítica. Nem tudo o que ostento a etiqueta de científico, é necessariamente tal. Por isto a aceitação do método de análise marxista deveria ser precedido de um exame crítico, exame este que não é realizado pelo teologia da libertação em foco. ´ Sabe´se que o marxismo é uma concepção globalizante do mundo, cujos componentes são todos inspirados pelas mesmas premissas materialistas e atéias; por conseguinte, não se pode assumir a análise marxista da sociedade sem assumir ao mesmo tempo os seus princípios anticristãos. Verdade é que o pensamento marxista evoluiu nos últimos decênios, dando origem a linhas diversas (a da Rússia, a da China, a da Albânia, a da lugoslávia ... ); na medida, porém, em que tais correntes se mantêm marxistas, continuam vinculadas a teses fundamentais incompatíveis com a concepção cristã do homem e da sociedade. Por conseguinte, quem pretende integrar em sua síntese teológica tal elemento do marxismo dependente do ateísmo e do materialismo, comete desastrosas contradições.

O critério da verdade, em teologia, não pode ser senão a mensagem de fé transmitida por Jesus Cristo. É à luz da fé que se deve julgar o grau de validade das preposições de outras disciplinas referentes ao homem, à história e ao destino deste. Quem esquece isto, realiza simplificações e confusões em seu sistema teológico.

Do que acaba de ser dito, se depreende também que as fórmulas oriundas do marxismo conservam a significação que receberam na doutrino marxista original. É o que acontece com a expressão “luta de classes” : continua impregnada da interpretação que Marx lhe deu e não pode ser tida como sinônimo da fórmula “conflito social agudo”; quem assim julgasse, alimentaria grave mal´entendido na mente de seus leitores.

VIII. SUBVERSÃO DO SENSO DA VERDADE E VIOLÊNCIA

A teologia da libertação, assumindo elementos do marxismo, chega a conclusões incompatíveis com a visão cristã do homem.

Assim, na lógica do pensamento marxista, a análise da sociedade feito por Marx é inseparável da práxis revolucionário. Em conseqüência, só pode fazer uma correto análise da sociedade quem participa do combate revolucionário. Ora a participação no combate forma a consciência do indivíduo e vem a ser para ele critério da verdade. A verdade, por conseguinte, é partidária; é a verdade da classe; só é verdade a proposição que contribuo para transformar a sociedade.

Mais: “a lei fundamental da história, que é a lei da luta de classes, implica que a sociedade esteja fundada sobre a violência, À violência que constitui a relação de dominação dos ricos sobre os pobres, deverá corresponder a contraviolência revolucionária”.

A luta de classes é, pois, apresentada como lei objetiva e necessário. Quem nela entra, do lado dos oprimidos, “faz a verdade”, “age cientificamente”. Em conseqüência, a concepção da verdade está ligada à violência necessária e, com isto, ao amoralismo político; os conceitos de bem e mal são totalmente transformados nesse contexto ou, melhor, deixam de existir dentro da ótica da luta de classes.

IX. TRADUÇÃO “TEOLÓGICA” DESTE NÚCLEO IDEOLÓGICO

Como se pode perceber dos antecedentes, o sistema da teologia da libertação extremada vem a ser a perversão da mensagem cristã, que é oposta em xeque não em um ou outro dos seus aspectos, mas na sua globalidade. Veja´se mais precisamente como isto ocorre:

a) O princípio da luta de classes aplicado à Sociedade Eclesial divide a Igreja. Esta é cindida pelos arautos da TL em Igreja do povo e Igreja da hierarquia institucional ou Igreja dos pobres e Igreja dos ricos, a tal ponto que não querem aceitar cristãos ricos e cristãos pobres na mesma celebração do culto do Senhor.

b) O conceito de luta de classes dá valor sacral e absoluto à história. Esta se torno um elemento central na concepção da TL: “Deus se fez história”. Em conseqüência, tais teólogos rejeitam a distinção entre história da salvação e história profana; manter tal distinção seria cair no dualismo. Tendem deste modo a identificar o Reino de Deus com o movimento de libertação humana; na história se daria a auto´redenção do homem por meio da luto de classes.

“Alguns chegam a identificar o próprio Deus com a história e a definir a fé como ‘fidelidade à história’, o que significo fidelidade comprometido com uma prática política”, prática relacionado com a instauração de um messianismo (ou de uma salvação messiânica) meramente temporal.

c) Por conseguinte, a fé, a esperança e a caridade recebem novo significado: são “fidelidade à história”. “confiança no futuro”, “opção pelos pobres”. Isto eqüivale a negar o conteúdo teologal das mesmas. A caridade assim entendido exige do cristão participação na luta de classes; quem queira amar todo homem, de qualquer classe social, ou quem queira entrar em diálogo por via não violenta, está tomando atitude contrária ao verdadeiro amor; por pertencer objetivamente ao mundo dos ricos, o rico é, antes do mais, um inimigo a combater. A universalidade do amor ao próximo e a fraternidade só terão valor quando da revolução vitoriosa surgir o “homem novo”.

d) Destas concepções deriva´se uma politização radical das afirmações da fé e dos juízos teológicas. Não se trata apenas de chamar a atenção para as conseqüência políticas das verdades da fé, mas de subordinar qualquer afirmação da fé a critérios políticos, que, por sua vez, dependem da teoria da luta de classes entendido como movente da história.

e) A igreja, nesta perspectivo, é encarado como sociedade inserido na história e sujeita, também ela, às leis que governam a evolução histórica na sua imanência. Assim se destrói a realidade específica da Igreja, que é sacramento e mistério da fé.

f) O conceito de “pobre” da Bíblia é confundido com o de “Proletário” de Marx. Perverte´se então o sentido escriturístico de “pobre”, porque se lhe dá uma coloração política que ele não tem; o pobre na Bíblia é, antes do mais, o amigo de Deus, ao posso que o proletário de Marx não têm religião1. A Igreja dos pobres torna´se então Igreja classista, que tomou consciência da necessidade do combate revolucionário e que celebra a sua luta na liturgia. “O povo (dos Pobres ) assim entendido chega a tornar´se, para alguns objeto de fé”.

g) A concepção de “Igreja do povo” implica uma crítico das próprias estruturas da Igreja ... Crítica que não é apenas correção fraterna dirigida aos pastores da igreja, mas implica pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica da Igreja tal como a quis o próprio Senhor: a hierarquia e o magistério são denunciados como representantes da classe dominante , que é preciso combater. Isto eqüivale ainda a dizer que o povo é a fonte dos ministérios e portanto pode escolher os ministros que lhe aprazam, de acordo com as necessidades da sua missão revolucionária.

X. UMA NOVA HERMENÊUTICA

Em conseqüência do que foi dito, “os teólogos que não compartilham a TL, a hierarquia e sobretudo o magistério da Igreja são desacreditados de antemão como pertencentes à classe dos opressores. A teologia deles é uma teologia de classe. Os seus argumentos e ensinamentos, portanto, não merecem ser examinados, uma vez que refletem simplesmente os interesses de uma classe. Por isto, decreta´se que o discurso deles é, em princípio, falso”.

a) Disto se segue que é extremamente difícil, se não impossível, conseguir com algum teólogos da libertação um verdadeiro diálogo; tais teólogos partem da premissa de que a classe revolucionário é a única portadora da verdade. Os critérios teológicos da verdade são subordinados aos imperativos da luta de classes. Nesta perspectiva substitui´se a ortodoxia pelo ortopraxis; esta é que vem a ser o critério da verdade. Ora a metodologia teológica sadia admite precisamente o contrário: a práxis ou 1 Ver p. 13´14 deste fascículo (texto). ética é decorrência da fé ou do logos e constitui uma expressão vivenciada dessa fé; a ortopraxis decorre da ortodoxia, e não vice´versa.

b) A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém; esta, dizem, procede da ilusão de um possível compromisso, próprio das classes médias, destituídos de senso histórico.

c) As premissas da TL levam a uma re´leitura essencialmente política da Escritura, que sugere as seguintes conclusões:

´ o êxodo do Antigo Testamento tem importância máxima enquanto libertação da escravidão política. Também o Magnificat de Maria SS, é privilegiado como expressão de exaltação político. – Ora o erro não está, em realçar a dimensão político das narrações bíblicos, mas em fazer desta dimensão a principal e exclusiva;

´ o messianismo é entendido em termos seculares e meramente imanentes à história deste mundo;

´ é silenciada a concepção da Encarnação do Verbo, que, como homem, morreu e ressuscitou em favor de todos os homens; em seu lugar, aparece a figuro de Jesus como símbolo, que resume em si as exigências das lutas dos oprimidos;

´ quem se afasta do magistério da Igreja, afasta´se automaticamente da Tradição (da qual o Magistério não é senão o porta´vaz). Em conseqüência, os teólogos da libertação se privam de um critério teológico essencial e acolhem no vazio as teses mais radicais da exegese racionalista. Propugnam então, sem espírito crítico, a oposição entre o “Jesus da história” e o “Jesus da fé”1. Rejeitando o Jesus da fé clássica e tradicional da Igreja (embora conservem a letra das fórmulas de fé dos Concílios), pretendem chegar ao conhecimento do Jesus da história ou do Jesus real a partir da experiência revolucionária da luta dos pobres pelo sua libertação. Tal experiência, e só ela, revelaria o conhecimento do verdadeiro Deus e do Reino; ´ propõe´se assim uma interpretação exclusivamente política da morte de Cristo. Nega´se o seu valor salvífico e toda a economia da Redenção;

´ de modo geral, a nova interpretação realiza a inversão dos símbolos: por exemplo, em vez de ver no êxodo, com São Paulo (1Cor l0,1´4), uma figura do Batismo, fazem do Batismo um símbolo da libertação política;

´ em virtude do mesmo critério de interpretação, as relações entre a hierarquia e a “base” da Igreja tornam´se relações de dominação que obedecem à lei da luto de classes. É simplesmente ignorada a sacramentalidade que está na raiz dos ministérios eclesiais e que faz da Igreja uma realidade mística (que não se pode reduzir a dimensões meramente sociológicas);

´ a Eucaristia já não é a perpetuação do sacrifício de Cristo sobre os nossos altares, estando o Senhor realmente presente sob as aparências do pão e do vinho, mas vem a ser a celebração da luto do povo em prol da libertação política.

XI . ORIENTAÇÕES

A presente Instrução, chamando a atenção para desvios da TL, não tenciona deter os esforços dos sacerdotes, religiosos e leigos que trabalham pelo promoção dos seus irmãos carentes, mas é uma advertência para que o façam heroicamente em estrita comunhão com seu Bispo e com a Igreja universal.

De modo semelhante, trabalhem os teólogos em consonância com o magistério da Igreja. Reconheçam neste um dom de Cristo à sua Igreja e acolham as suas orientações com respeito.

1 ´Jesus da história´ seria Jesus como, de fato, viveu na Palestina há quase vinte séculos. ´Jesus da fé´ seria Jesus como foi concebido pela fé e pelo senso místico dos discípulos; estes teriam criado uma imagem de Jesus mais bela e portentosa do que a imagem real. Haveria, pois, diferença ou mesmo oposição entre a realidade de Jesus e o conceito teológico formulado pelos antigos cristãos. Tal afirmação é preconceituosa e mesmo contrária aos estudos exegéticos mais sérios. Cf. PR 90/1967, pp. 248´250; 108/1968, pp. 503´515.

Os esforços em prol da justiça social sejam conduzidos de maneira condizente com a dignidade humana. Por isto o recurso sistemático à violência cega deve ser condenado. Quem confia em meios violentos para instaurar mais justiça na sociedade, é vítima de ilusão fatal. Violência gera violência e degrada o homem. A fonte das injustiças se encontra no coração do homem; donde se segue que é prioritária a conversão dos corações para que haja estruturas sociais justas.

Visto que as teses das “teologias da libertação” estão sendo largamente difundidas nos cursos de formação e nas comunidades de base, que carecem de preparação catequética e teológica, os pastores devem vigiar sobre a qualidade e o conteúdo da catequese e da formação; estas devem sempre apresentar a integralidade da mensagem da salvação e os imperativos da verdadeira libertação humana, no quadro desta mensagem integral.

“Nesta apresentação integral do mistério cristão, será oportuno acentuar os aspectos essenciais que as ‘teologias da libertação´ tendem especialmente a desconhecer ou eliminar: transcendência e gratuidade da libertação em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; soberania da sua graça; verdadeira natureza dos meios de salvação, e especialmente da Igreja e dos sacramentos. Tenham´se presentes a verdadeira significação da ético, para a qual a distinção entre o bem e o mal não pode ser relativizada; o sentido autêntico do pecado; a necessidade da conversão e a universalidade da lei do amor fraterno. Chame´se a atenção contra uma politização da existência, que, desconhecendo ao mesmo tempo a especificidade do Reino de Deus e a transcendência da pessoa, acaba sacralizando a política e abusando da religiosidade do povo em proveito de iniciativas revolucionários”.

CONCLUSÃO

“As palavras de Paulo VI, na Profissão de Fé do povo de Deus, exprimem, com meridiana clareza, a fé da Igreja, da qual ninguém se pode afastar sem provocar, juntamente com a ruína espiritual, novas misérias e novas escravidões:

´Nós professamos que o Reino de Deus iniciado aqui na terra, na Igreja de Cristo, não é deste mundo, cujo figura passa, e que seu crescimento próprio não se pode confundir com o progresso da civilização, da ciência ou de técnica humanas, mas consiste em conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis riquezas de Cristo, em esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em responder cada vez mais ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez mais amplamente a graça e a santidade entre os homens.

Mas é este mesmo amor que leva a Igreja a preocupar´se constantemente com o bem temporal dos homens. Não cessando de lembrar a seus filhos que eles não têm aqui na terra morada permanente, anima´os também a contribuir, cada qual segundo a sua vocação e os meios de que dispõem, para o bem da sua cidade terrestre, a promover a justiça, a paz e a fraternidade entre os homens, a prodigalizar´se na ajuda aos irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. A intensa solicitude da Igreja, Esposa de Cristo, pelas necessidades dos homens, suas alegrias e esperanças, seus sofrimentos e seus esforços, nada mais é do que o seu grande desejo de lhes estar presente para os iluminar com a luz de Cristo e reuni´los todos nele, seu único Salvador. Esta solicitude não pode, em hipótese alguma, comportar que a própria Igreja se conforme às coisas deste mundo, nem que diminua o ardor da espera pelo seu Senhor e pelo Reino eterno´. O Sumo Pontífice João Paulo II, no decorrer de uma audiência concedido ao Cardeal Prefeito que subscreve este documento, aprovou a presente Instrução. . , e ordenou que a mesmo fosse publicado. Roma, Sede da Sagrada Congregação para o Doutrina da Fé, ó de agosto de 1984, na festa da Transfiguração do Senhor.. Joseph Card. Ratzinger ´ Prefeito Alberto Bovone ´ Arcebispo titular de Cesaréa de Numídia ´ Secretário”

RECAPITUIIANDO . . .

O documento apresentado vinha sendo esperado desde muito, pois as disputas suscitadas pela TL provocavam nos fiéis o desejo de ler uma palavra abalizada e dirimente a respeito. ´ Recapitulando o conteúdo de tal Instrução, poremos em relevo os seus tópicos principais: 1) A TL não é simplesmente a resposta cristã ao problema da fome e da miséria no mundo, como, à primeira vista, poderia pensar o grande público. A TL atrai muitos observadores contemporâneos precisamente porque parece ser a autêntica formulação do senso de justiça e fraternidade dos cristãos no mundo contemporâneo. ´ Todavia quem estuda as obras dos teólogos da libertação (infelizmente o grande público, informado apenas pelos jornais, não as conhece), verifica que se trata de algo assaz diferente: a TL, na medida em que recorre à análise marxista, vem a ser uma re´interpretação ou reformulação total do Cristianismo:

1.2. Propõe´se uma interpretação exclusivamente política da morte de Cristo. Nega´se desta maneira o seu valor salvífico e toda a economia da Redenção.

1.3. A nova interpretação atinge assim todo o conjunto do mistério cristão.

1.4. De modo geral, ela opera o que se poderia chamar ´inversão dos simbolos´ (Título X).

Pode´se dizer que a inspiração básica da TL extremada é materialista; serve´se de vocábulos e formulas do Cristianismo que lhe dão aspecto teológico. Tal aspecto, porém, é o de um Cristianismo secularizado, laicizado, a´religioso e politizado; todos os conceitos cristãos são revistos à luz de categorias sociais, políticas e revolucionárias; é através da prática revolucionária que se reformulam as proposições do Cristianismo a fim de condizerem com ela e a apoiarem. Com outras palavras: a TL extremada não fere apenas um ou outro aspecto da mensagem cristã, mas afeta a Boa´Nova de Cristo em sua totalidade, atribuindo´lhe sentido radicalmente diverso daquele que o Senhor Jesus lhe quis dar; sentido derivado do materialismo, do racionalismo e do ódio a irmãos. Para tomar plena consciência disto, o estudioso não se limitará a ler apenas os escritos de teólogos da libertação brasileiros, mas tomará contato também com os escritos de Pablo Richard, Enrique Dussel, Jon Sobrino...

2) A Igreja, condenando os erros da TL, não é insensível à questão social:

“A preocupação com a pureza do fé não subsiste sem a preocupação de dor a resposta de um testemunho eficaz de serviço ao próximo e, em especial, ao pobre e ao oprimido, através de uma vida teologal integral” (Título XI, no 18). Desde o século passado (encíclica “Rerum Novarun” de Leão XIII em 1891), a Igreja vem formulando as conseqüências éticas do Evangelho diante dos problemas sociais dos últimos decênios; as encíclicas e cartas dos Papas têm acompanhado minuciosamente a evolução da questão social, respondendo´lhe de maneira cada vez mais pormemorizada; o Papa João Paulo II, ao mesmo tempo que se mantém fiel à doutrina da fé, é muito insistente no tocante à genuína ação social cristã. Por conseguinte, quem não abraça a TL, não é necessariamente partidário de situações injustas, mas pode adotar a doutrina social da Igreja; esta, posta em prática, se revela mais eficaz do que as teorias materialistas, que desrespeitam a dignidade da pessoa humana e, aplicando violência, geram violência: “Conceitos tomados por empréstimo, de maneira acrítica, à ideologia marxista e o recurso a teses de uma hermenêutica bíblica marcada pelo racionalismo encontram´se na raiz da nova interpretação, que vem corromper o que havia de autêntico no generoso empenho inicial em favor dos pobres” (Título VI, no 10). As experiências dos países submetidos a regimes de extrema esquerda são assaz eloqüentes para mostrar que os princípios marxistas não trazem a solução para a questão social: “A luta de classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as reformas e agrava a miséria e os injustiças. Aqueles que se deixam fascinar por este mito, deveriam refletir sobre os experiências históricos amargas às quais ele conduziu. Compreenderiam então que não se trata, de modo algum, de abandonar uma via eficaz de luto em favor dos pobres em prol de um ideal desprovido de efeito. Trato´se, pelo contrário, de libertar´se de uma miragem para se apoiar no Evangelho e na sua força da realização” (Titulo XI, no 11). E, pois, para desejar que a palavra da Santa Sé, serena e objetiva como é, projete luz sobre a problemática e contribua para que os fiéis católicos evitem ilusões e o grande público possa discernir a autêntica fé das contrafações da mensagem de Cristo!

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