(Pastoral da Juventude)
A palavra “projeto” vem do latim “pro-iectus” que quer dizer “estar lançado a...”. Toda a pessoa é livre para escolher o que quer ser e o que quer fazer com sua vida. Mas sua liberdade é limitada e condicionada. Esta é sua suprema dignidade, sua grandeza e, ao mesmo tempo, seu drama. O projeto de vida é um elemento constitutivo de todo ser humano. A pessoa humana se entende como projeto aberto que se realiza em comunidade e liberdade.
As pessoas necessitam projetar-se para crescer. Somente quando vivem intensamente determinados ideais, são capazes de optar com decisão. A adolescência e, sobretudo, a juventude são etapas da vida nas quais se tende a apostar, a escolher, a arriscar. São etapas das grandes decisões que orientam a vida. A grandeza da juventude consiste em que nela, os ideais despertam desejos e dinamismos que levam a apostar por uma determinada forma de vida.
O projeto de vida é um convite a tomar a vida nas próprias mãos e a descobrir a grandeza de decidir sobre a própria existência de um modo autônomo e comprometido, e por isso mesmo, pessoal e comunitariamente plenificante. A ausência de projeto leva a uma vida alienada, onde os outros decidem por mim.
Daí a necessidade de viver integrada e unificadamente, de deixar de viver somente satisfazendo as próprias necessidades e pulsões (consumo de atividades, objetos, pessoas) e autotranscender-se; isto é, sair de si, descentrar-se de si mesmo, “perder-se”. A pessoa humana é um ser aberto à transcendência, a ir além de si mesmo, a realizar um desejo de felicidade e plenitude. Aberto ao infinito... como se alguém a chamasse de longe e, ao mesmo tempo, desde o mais profundo de si mesma
Um dos momentos mais luminosos da vida é aquele em que se descobrem valores que se apresentam com incondicionais, com um certo caráter de absolutos, que exigem disponibilidade e resposta incondicionais. Por exemplo, trabalhar pela justiça, pela solidariedade, pelos pobres...Estes valores se descobrem através de determinadas relações interpessoais, de serviços, de compromissos...Se antes, tudo girava em torno de si mesmo, agora há um valor que desperta o coração e compromete a liberdade. São experiências de incondicionalidade que mostram que a vida só pode fazer-se projeto a partir de um valor que comprometa o melhor da pessoa.
Os ideais não se alcançam, se perseguem em fidelidade através de um grande processo que tem avanços e retrocessos, enganos e desenganos, crises, saltos para adiante e saltos para trás. Uma vida verdadeira e autêntica se expressa mais como dinâmica de processos de esclarecimento e de crescimento que como conquista definitiva de metas. O determinante é que a vida se desenvolva desde dentro como expressão da própria verdade, do próprio autoconhecimento e do próprio discernimento. Todo projeto gera um dinamismo que sai do fundo de cada um como aspiração a viver a plenitude e a ser além de si mesmo.
1.1 O projeto de Deus
Quando se diz “projeto de Deus”, muitos tendem logo a pensar que se está dizendo que Deus tem desde sempre um projeto sobre o mundo e sobre a história já definido, pensado e minuciosamente calculado, independente de tudo o que as pessoas possam fazer. Mas não é assim. Pelo contrário, desde o começo, o projeto de Deus conta com os homens, é um projeto compartilhado. É um projeto por e para nós, que não se leva a cabo sem nós.
Um dos aspectos mais originais e característicos do Deus dos cristãos é que Ele se revela e se manifesta na história, de modo progressivo, humano. E não se faz em forma de explicação ou de comunicação conceitual dirigida ao entendimento, senão em forma de doação, de acolhida gratuita, de convite a participar de sua vida, de sua plenitude, de seu gozo. É um mistério de amor e solidariedade. Convida a relacionar-se com Ele: “Eu serei teu Deus e tu serás meu povo” (Ex 6,8).
O projeto de Deus não é um conjunto de enunciados, programas e planos pré-concebidos. A Bíblia é o testemunho dos atos de Deus, da ação de Deus na história humana, que começa com a criação livre e amorosa do mundo, continua com o acompanhamento dos homens nas promessas, a aliança e os profetas e culmina com a intervenção definitiva do mesmo Deus feito homem. Se trata de uma ação histórica, que começa e se desenvolve gradualmente e que alcança seu ponto culminante com a presença de Deus mesmo em Jesus de Nazaré.
O projeto de Deus se constrói e se desenvolve em função dos homens. Jesus é a melhor resposta de Deus às perguntas, às interrogações, às buscas, aos anseios, aos sofrimentos e às esperanças dos homens. Ele é a palavra de Deus, próxima, íntima, compreensível, “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Se dá a conhecer como um Deus libertador. A liberdade é dom de Deus e tarefa do homem. Deus a faz possível criando o homem como um ser capaz de decidir e de eleger, chamado a auto-realizar-se. Deus impulsiona, estimula, acompanha com sua presença sempre atuante; mas é o homem quem tem que realizar-se em liberdade. É uma dialética de “graça” e “liberdade”: a ação de Deus não anula a responsabilidade do homem, a possibilita e a estimula.
O projeto de Deus se realiza em Jesus, por seu Espírito (Ef 1,3-14). É um projeto de salvação, de realização plena do humano: corresponder ao amor livre e gratuito de Deus. O projeto de Deus é a realização plena do ser humano e se dá quando os homens reconhecem e acolhem o amor de Deus. O projeto de Deus é a plena comunhão de Deus com os homens. É tarefa e é dom.
O Antigo e o Novo Testamento mostram como Deus sai continuamente ao encontro do homem, busca ao que está perdido, se preocupa pelos mais pobres...É um Deus compreensivo e misericordioso. Um Deus apaixonado pelo homem, Um Deus que busca sua resposta livre e amorosa; um Deus paciente e confiado, fiel, comprometido até o final, que quer construir entre todos um mundo mais fraterno e solidário, um mundo no qual todos sejam e se sintam filhos e irmãos.
Ao comunicar-se como relação plena e como doação total, Deus dá origem a uma alteridade sem ruptura e a uma perfeita comunhão entre vida e missão. Aparece como a fonte, a referência e a meta das possibilidades dos seres humanos, chamados a viver a plena comunhão com Deus e com os demais (Jo 17,21-23).
1.2 O Projeto de vida de Jesus.
1.2.1 Jesus teve um projeto de vida.
Jesus nasceu em Belém. Viveu e cresceu com sua família em Nazaré. Na cultura e nas realidade de seu povo e em diálogo com o Pai, foi descobrindo e construindo seu projeto. Sua vida foi um contínuo processo de maturidade pessoal e comunitária na qual foi assumindo e levando a pleno todas as realidades da vida humana. Lutou com energia e decisão para pô-lo em prática e deu a vida para realizá-lo.
Elegeu ser mais um, “se fez um de tantos” (Fl 2,5). Não foi um super-homem nem um ser excepcional. Foi simplesmente um homem do povo, que partilhou suas lutas e experiências. Nada o distinguiu. Levou uma vida simples. Veio a salvar toda a humanidade e não saiu da Palestina. Veio a salvar a história inteira e viveu só trinta e três anos, e destes, trinta no anonimato...
Recebeu a vida de sua família, de seu povo, de sua cultura; foi tendo experiências e refletindo sobre elas, foi amadurecendo. As parábolas e a linguagem maravilhosa e direta de seus discursos, os exemplos próximos e familiares, falam de sua paixão pela vida. Romper o anonimato e sair a pregar por Israel, não foi algo repentino e estranho, e sim algo para começar a divulgar o que foi interiorizando durante anos.
No crescimento e na maturidade de seu projeto de vida, influíram decisivamente duas dinâmicas que se encontraram entre si:
· O diálogo e relação com o Pai. Jesus viveu seus anos de Nazaré sob o olhar do Pai que vê no escondido, que olha e descobre a grandeza das pessoas na simplicidade da vida. Esteve atento a sua chamada e O encontrou sempre no cotidiano. Assim foi adquirindo essa experiência íntima de pertença ao Pai. Cresceu interpretando cada vez mais a vida desde o projeto do Pai. Lucas diz que “crescia em sabedoria, em idade em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).
· A abertura à história. Cresceu identificado com as dores e as esperanças de seu povo, que “andava como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Não sabemos bem como nasceu e cresceu a consciência de sua vocação e de seu “projeto de vida”, mas podemos supor que, desde criança e desde de jovem foi crescendo progressivamente até chegar à maturidade. Provavelmente viveu uma grande etapa de discipulado com João Batista e nesse tempo seguramente desenvolveu a consciência de sua identidade e se de sua missão. Logo se separou de João e começou a pregar de maneira original a chegada do Reino.
A existência de Jesus esteve unificada por um desejo, por um valor central, por uma experiência original: “fazer a vontade do Pai” (Jo 4,34).
Seu batismo no Jordão foi um acontecimento significativo. Foi batizado por João...Se pôs na fila com os pecadores...O enviado de Deus para a salvação de seu povo não se manifestou como poder esplendoroso e dominador, senão como solidariedade amorosa e misericordiosa com os pecadores. Quis mostrar que Deus está com os pecadores, que tomo sobre si seus males e que se identifica com eles e com sua condição, para libertá-los de sua situação e de seu pecado.
Desde essa primeira aparição pública, ficou marcada uma linha fundamental de seu projeto de vida: não salva aos homens a partir de fora, senão identificando-se com eles e convidando-os, a partir de sua situação, a converter-se e a começar uma nova relação com Deus e com os demais.
Sem dúvida, também ele teve que discernir seu projeto de vida e buscar o caminho para realizá-lo. Como a toda pessoa humana foram apresentadas diversas opções. Seu lugar de discernimento foi o “deserto”, onde experimentou a tentação de seguir caminhos fáceis. Ali rechaçou a tentação de impor-se pelo poder de Deus em vez de manifestar-se na solidariedade e no amor pelos pecadores e pelos mais abandonados. Sem dúvida, viveu também momentos de desconcerto, sofreu rechaços e abandonos e teve que aprender a obedecer e a ser fiel ...Seu projeto de vida foi um caminho de fidelidade que foi-se construindo pouco a pouco, passo a passo.
1.2.2 Jesus anunciou o Reino de Deus.
O projeto de vida de Jesus tem como centro e como meta o anúncio e a realização do Reino de Deus. Suas primeiras palavras na Galiléia mostram isso com clareza: “O Reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam na Boa Notícia” (Mc 1,15).
O Reino de Deus é o grande projeto do Pai, a grande utopia de Deus, de fazer uma família de filhos e de irmãos, um lar para todos, uma humanidade livre de toda a opressão , reconciliada com a natureza, entre si e com Deus, onde todos possam sentir e ser de verdade, senhores do mundo, irmãos dos outros e filhos de Deus.
É o Reino de vida, porque Deus dá sua vida em abundância (Jo 10,10). É um Reino de justiça e liberdade porque “nos libertou para que fôssemos realmente livres”(Gl 5,1). É um Reino de alegria e de paz, porque está fundado no triunfo de Jesus Ressuscitado (Jo 20,20).
O Reino é uma atitude, uma prática, uma vida, uma pessoa que tem o rosto e o nome de Jesus de Nazaré, “imagem de Deus invisível” (Cl 1,15); um testemunho que revela a presença gratuita de Deus agindo, libertando seu povo, realizando seu plano de salvação, mostrando que é o Senhor da história e convidando a forma parte de seu projeto. O Reino dá sentido à história e à vida que está em processo de plena realização. É “o já e o ainda não”; é presente que ainda não alcançou a plenitude e a realização definitiva (Lc 21,31).
Em Jesus, projeto de vida e Reino de Deus se identificam. O Reino é o valor que unifica sua pessoa, é sua paixão; é o que anuncia e o que vive com coerência e plenitude até a últimas conseqüências.
Ainda que haja diversas formas de expressar o que é e o que propõe ser o Reino de Deus, destacamos aqui três características que surgem da própria prática de Jesus: Jesus optou pelos pobres, Jesus proclamou e viveu as Bem-aventuranças, Jesus formou uma comunidade de discípulos.
1.2.2.1 Jesus optou pelos pobres
O Reino, como grande projeto de Deus, é universal. Mas seus destinatários privilegiados são os que sofrem as conseqüências do pecado e do anti-Reino: os pobres. Jesus optou pelos pobres (Lc 4, 16-22), se identificou com eles e, a partir deles, anunciou a Boa Notícia de que o reino de Deus estava se tornando realidade (Lc 6,20-21). Conviveu como os que não tinham lugar dentro do sistema social e religioso da época. Acolheu aos que não eram acolhidos: os pecadores (Mt 9,13), as prostitutas (Mt 21,31), os pagãos (Mt 15,21-28) e samaritanos (Jo 4,22-24), os leprosos e possuídos (Lc 5 12-14; Mc 1,23-26); os marginalizados, as mulheres (Lc 8,1-3), os enfermos (Mt 4, 24; Mt 8,1, Mt 14,14) e as crianças (Mt 18,1-5), os publicanos (Lc 15,1) e os soldados (Mt 8,5-15), os débeis, os pobres sem poder (Lc 14,15-24). Se identificou tanto com eles que considerou como feito a ele mesmo o que se fez ou deixou de fazer com eles (Mt 25,31-46). Com sua atitude deu a entender claramente que não é possível ser seu amigo e apoiar sistemas que marginalizam ou exploram a pessoa..
1.2.2.2 Jesus proclamou e viveu as Bem-aventuranças.
Nas Bem-aventuranças (Mt 5,1-11) apresentou um caminho de vida novo e original, uma escala de valores radicalmente diferente a que primava na realidade de sua época e a propôs como caminho seguro de felicidade e de realização pessoal. O mesmo Jesus foi o primeiro a dar testemunho desse novo estilo de vida como caminho do Reino. Um caminho para a felicidade que implica ser pobre e comprometer-se com os pobres, partilhar dores e alegrias, gozos e esperanças; trabalhar para saciar a fome e a sede de justiça, ser compassivo, ter um coração limpo, lutar pela paz e ser capaz de aceitar a incompreensão, a perseguição e até o martírio por anunciar o evangelho.
O “Sermão da Montanha” é a expressão da novidade que começa a existir na vida daqueles que se abrem a Deus quando deixam Deus entrar em sua vida. Dentro de casa pessoa há possibilidades e forças adormecidas que muitas vezes nem sequer conhecemos. Jesus consegue elevar a capacidade do homem ao máximo de suas possibilidades, conduz à plenitude.
As Bem-aventuranças são um convite a crescer nessa vida nova, a crer que a vida vai-se transformando no seguimento de Jesus. Respondem a uma nova forma de ser e de amar, que vai além do que qualquer pessoa pode projetar a partir de si mesma. É um convite a abrir-se aos paradoxos do projeto cristão: pobreza-liberdade, amor-solidariedade, morte-vida, cruz-ressurreição, fraternidade-realização pessoal, entrega-domínio de si, silêncio-diálogo, oração-compromisso, fidelidade-felicidade, sacrifício-fecundidade.
1.2.2.3 Jesus formou uma comunidade de discípulos
Para realizar sua missão, Jesus reuniu em torno de si um grupo de gente simples, alguns jovens e outros com experiência de vida e do mundo do trabalho; um grupo de pessoas com quem viver de maneira íntima a experiência do Reino.
Ainda que os tenha chamado um a um, pessoalmente, formou com eles uma comunidade, um grupo, “os Doze” (Mc 3,13-19) ao que se foram unindo depois outros mais para formar a comunidade dos discípulos, dos seguidores de Jesus (Lc 6,17).
Jesus convidou a formar comunidade porque somente assim é possível experimentar e entender o Reino. Seu modo de atuar responde ao plano do Pai de formar um povo que fosse ao mesmo tempo semente e fermento do Reino. Somente na pequena comunidade é possível aprender os valores fundamentais do novo estilo de vida que Jesus propõe: os bens partilhados (Mt 6, 24), a fraternidade e igualdade entre todos (Mt 23,8-10), o poder como serviço; “quem quiser ser o primeiro que seja servidor de todos” (Mc 9,35), a amizade até não ter mais segredos (Jo 5,15), a nova forma de viver a relação do homem e da mulher (Mt 19,1-9).
A prática comunitária de Jesus se estendeu a todo seu ministério. O encontro de cada pessoa com ele se converteu em um compromisso com a comunidade. Não era possível relacionar-se com Jesus e viver somente para si. Jesus foi o “homem para os demais” e chamou a todos a ser como ele: “onde dois ou mais estão reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Na comunidade e no serviço aos demais, se compreende em plenitude o mesmo projeto da salvação.
1.2.3 Jesus de Nazaré, um homem apaixonado por uma causa.
Os evangelhos mostram Jesus como uma pessoa profundamente unificada, com todas suas energias fortemente atraídas para uma causa com a que se sente plenamente identificado e, a ela , dedica sua vida inteira. Todo seu coração, toda sua paixão, toda sua entrega e todo seu ser estão centrados no anúncio do Reino.
E o anuncia como a notícia mais desejada e esperada da história, como a oportunidade para mudar e começar algo novo: chama a “nascer de novo” (Jo 3,3) para dar sentido pleno à vida, para dinamizar e projetar a vida com esperança. Chama a uma nova relação dos homens com Deus e dos homens entre si.
A experiência original que impulsiona sua vida e o faz dar-se aos demais com uma entrega impressionante é a experiência de Deus como “Abbá” (Rm 8,15), como pai íntimo e próximo, com “seu pai e pai de todos (Jo 20,17). É uma experiência única, irrepetível, que quer partilhar...Tem consciência relacional, referencial. Se sente plenamente dom do Pai e por isso se apresenta como seu revelador, como alguém com quem não tem distâncias nem segredos (Jo 17,21).
Sabe que o Reino de Deus, isto é, Deus mesmo atuando na humanidade, está próximo porque o experimenta em sua oração e em sua relação com ele. Entre ele e o Pai há total intimidade e compenetração. Veio para manifestar o coração do Pai, o amor paternal de Deus aos homens. Por isso não só se refere a ele como “seu” Pai, mas fala a seus discípulos como o Pai “de vocês”. No Reino, Deus não é o Senhor, é o Pai misericordioso. No Reino não existe escravos, e sim filhos de Deus: não se pede obediência ou submissão, e sim amor e livre participação.
Viver a filiação na fraternidade é estar já no Reino de Deus. O Reino não é a restauração de Israel como unidade política, como esperavam os judeus da época, e sim a restauração e integração da humanidade em uma nova forma de relação com Deus e dos homens entre si. Por isso o grande mandamento do Reino é o “novo” mandamento do amor, que é mais que um preceito moral: é a lei intrínseca e constitutiva do Reino. São do Reino, aqueles que se amam como Deus os ama, como Jesus ama.
Isto é quase o resumo de todo o evangelho. “Como o Pai me amou, assim também vos amo...Este é meu mandamento, que se amem uns aos outros como eu vos tenho amado” (Jo 15,9-12).Amar gratuitamente, totalmente, sempre, em todas as condições, sem fazer distinções, sem esperar recompensa...
1.3 O seguimento de Jesus.
Jesus não só anuncia e propõe o Reino de Deus: também convida ao seguimento.
O período da juventude é o tempo do descobrimento particularmente intenso do “eu” humano e das propriedades e capacidades que encerra. É o tempo de descobrir e programar, de eleger e assumir como algo próprio as primeiras decisões. O jovem do Evangelho está em fase de decisão e de eleição de sua vida. Daí as perguntas que faz a Jesus: “Que tenho que fazer para viver em plenitude, para que minha vida tenha pleno sentido?” (Mc 10,17). O olhar de amor de Jesus, que suscita confiança, anima o jovem a formular uma segunda pergunta; “que mais me falta fazer?” (Mc 10,20), o que indica que o coração do jovem aspira a “algo mais”...
Esse “algo mais” move a Jesus a propor-lhe viver de acordo com o projeto de Deus: as bem-aventuranças, o estilo peculiar de Jesus, pobre, disponível, em comunidade. Isso é o que quer e o que propõe para todos. Mas para recebê-lo necessita uma atitude de busca e abertura, desejar o encontro, perguntar-se... é uma proposta diferente para encher a vida de sentido e plenitude.
O seguimento de Jesus nasce do encontro pessoal com o Ressuscitado, que se já em um dinamismo de conversão, entrega e renúncia, onde cresce a paixão pelo Evangelho e experimenta-se o amor incondicional de Deus. É um compromisso com Jesus, que se dá como fruto de um caminho realizado junto a ele e da ação do Espírito Santo.
O projeto cristão da vida como seguimento de Jesus está desenhado em sua essência a partir do Evangelho. “Subiu ao monte e chamou aos que quiseram e vieram com ele. Instituiu doze, para que estivessem com ele e para enviá-los a pregar com o poder de expulsar demônios” (Mc 3, 13-15)
Aqui aparecem os três elementos essenciais do Projeto de vida:
· O chamado-vocação: “chamou aos que ele quis”. Saber-se chamado pessoalmente por Deus é a experiência chave de toda vocação e de todo projeto de vida. É um sentir-se chamado a dar uma resposta livre de seguimento radicalidade e felicidade.
· A comunidade: “chamou-os para que estivessem com ele”. Jesus chama a criar comunidade, a partilhar seu projeto. A comunidade é o lugar onde se concretiza o projeto como seguimento. Pertencer e viver a fé em comunidade é essencial a todo projeto de vida cristã.
· A missão: Jesus chama ao seguimento em comunidade para anunciar, oferecer e construir o Reino na história dos homens.
O projeto de vida cristã realiza-se em um processo de conversão e seguimento de Jesus. A experiência básica da vida cristã é a conversão do coração a Deus. A proposta de Jesus, seu projeto, é alternativo diante dos “valores” do mundo, ainda que, ao mesmo tempo, encarna-se e se desenvolve nele. Este processo somente desencadeia-se a partir do encontro pessoal com Cristo como Senhor da vida e da humanidade.
Quando Jesus chama a segui-lo, tudo se relativiza e passa a um segundo plano: “imediatamente deixaram as redes e começaram a segui-lo” (Mt 4, 18-22). Tudo: futuro, relações, afetos, trabalho, possibilidades, capacidades, se reordena em função dele. Não se trata de acomodar o projeto de Jesus à própria vida, e sim de acomodar a própria vida ao projeto de Jesus.
O encontro com Jesus reorganiza os valores e nos faz “pessoas para os demais”: o amor de Deus se faz princípio estruturante da vida, unifica o coração e torna possível uma vida nova. O triunfo do amor sobre o egoísmo passa pela “loucura da cruz” (1Cor 1,18), “o que perde a vida a recupera” (Mt 10,39). A vida cristã exige pôr em ação meios que façam possíveis uma permanente conversão: oração, comunidade, acompanhamento, formação, discernimento, compromisso evangelizador. É um caminho interior para o “ter os mesmo sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5), com entranhas de misericórdia, em disponibilidade à vontade do Pai, em atitude de serviço aos irmãos.
O projeto de vida faz relação à vocação como exigência pessoal e como chamada “a partir de fora”. É um compromisso interior entusiasmante: converter-se no que cada um deve chegar a ser para si mesmo, para os demais e para Deus.
O projeto de vida somente pode ser vivido quando a pessoa supera a atitude egocêntrica e descobre um amor que liberta, que salva, que dá plenitude. Quando se descobre profundamente amada por Jesus no que é. Jesus não ama a pessoa pelo que vale, pelo que aparenta, pelo que dá, e sim pelo que é. Aceita e confia...
É o amor e a proximidade entranhável que viveram seus tantos seguidores, a quem mudou-lhes completamente a vida. Trata-se de uma experiência que gera fome e sede de plenitude, que convida a viver com intensidade esse magnífico projeto do Reino, que enamora e apaixona , que faz viver com entusiasmo, pondo todos os dons e capacidades em função dele.
1.4 A Pastoral da Juventude deve propor o Projeto de vida de Jesus.
Jesus oferece um projeto de vida plena aos jovens (Mt 19,6-29; Mc 10, 7-31). A Pastoral da Juventude deve propor o projeto de vida de Jesus como a plenitude de projeto de vida para os jovens: o caminho de Jesus como o que plenifica e realiza a pessoa. Promover o conhecimento da pessoa e da mensagem de Jesus. Apresentar o estilo de vida de Jesus como referente aos jovens, a partir de uma experiência comunitária, com capacidade de proposta a partir de animadores convencidos, com a mesma exigência de Jesus e do Reino.
Os jovens tem uma inata aspiração para serem felizes e viver em plenitude. Vivem esta aspiração com muita força, desejo e entusiasmo. A vida aparece para eles cheia de “possibilidades” e potencialidades. Sentem uma exigência interior de enchê-la de sentido e de significatividade: de “realizar-se na vida”.
A Pastoral da Juventude tem que ajudar aos jovens a descobrir que o projeto de vida de Jesus responde às tendências e desejos mais nobres de seu coração:
· O desejo de viver em plenitude desde a experiência de relações gratificantes. A fé cristã é uma proposta nova de vida e de relações em que a pessoa é o centro dos valores. O Deus de Jesus tem optado profundamente pelo homem, por sua identidade recuperada. É doador de vida e esperança definitivas.
· O desejo de ter um projeto de vida onde possam sentir-se úteis e felizes. O evangelho devolve aos homens uma utopia que está cimentada na aposta de Deus por eles e não na segurança e na eficácia meramente humanas. O projeto de vida de Jesus não resolve tecnicamente as dificuldades e incógnitas dos afazeres humanos, mas dá sentido a todas as solicitações e esforços. E, ao mesmo tempo, infunde forças para a fidelidade e condições para a luta.
· O Reino de Deus infunde nos jovens motivações e objetivos para viver seu desejo e entusiasmo pela justiça e ajuda-os a descobrir onde estão os parâmetros da verdadeira justiça.
· A necessidade de aceitar-se e de ser aceito gratuitamente. No encontro com o Deus de Jesus experimentam a gratuidade e a misericórdia como as batidas mais profundas do coração do Senhor. Na oração percebem uma amizade sempre aberta ao diálogo e à reconciliação. Para eles é gratificante poder recuperar a confiança através do perdão.
O projeto de vida é um fator determinante para o crescimento da pessoa humana. Viver ou não de acordo com um projeto de vida válido e alentador não é algo facultativo, uma realidade mais ou menos acessória ou periférica que pode ser deixada de lado. É algo essencial à pessoa, uma dimensão constitutiva e qualificadora da própria vida. Se chegasse a faltar, a personalidade careceria de um dos fatores mais dinâmicos de seu desenvolvimento.
O adolescente e o jovem crescem realmente projetando-se. Além de outros elementos, o que diferencia fundamentalmente uma pessoa de outra é a qualidade de seu projeto de vida, o tipo de valores, a tenacidade que gera e é capaz de despertar ao mesmo tempo fidelidade e criatividade; a capacidade de resistência frente às indefectíveis contrariedades da própria vida e da vida dos demais e a centralidade que tem dentro da própria personalidade.
Daí as perguntas “pedagógicas” que surgem diante de uma proposta sobre “projeto de vida”: como nasce o próprio projeto de vida?, Como começa seu desenvolvimento dentro da personalidade? Como se elabora e se afirma? Através de que processos psicológicos toma corpo na pessoa? Por que certas pessoas não conseguem elaborar um projeto de vida próprio, como projeção vital para o futuro e sua existência aparece então como carente de vitalidade? Que fazer para descobrir e realizar o próprio projeto de vida?
São interrogações que não têm uma resposta única e definitiva. São como estímulos que servem para impulsionar às pessoas a buscarem a resposta conveniente dentro do viver cotidiano nas diversas etapas da vida.
Algumas chaves pedagógicas
Acompanhar o jovem na realização de seu projeto de vida é, de alguma maneira, abordar e percorrer juntos um processo educativo. E, como se sabe, a ação educativa pode ser entendida de muitas maneiras e a partir de diversas pedagogias.
Algumas propostas de educação estão centradas predominantemente no “ideal” como diretriz única de todo o processo. Leva o educando a assimilar por aceitação, por imitação, por assimilação de papéis, por posturas por ideais e por conteúdos “gravados” mas nem sempre personalizados. O projeto se faz a partir de “como se”, partindo do que se espera dessa pessoa, partindo de seus ideais desejados para ele. Mas este tipo de processo não assegura que os ideais se personalizem e que se consiga uma aprendizagem significativa. O caminho de “parecer-se a...” costuma ser mais curto na hora de traçar um projeto de vida, pode acompanhar-se a partir de uma pedagogia mais diretiva, mas corre o risco de não partir da realidade e de não levar em conta a situação concreta do jovem.
Outras propostas de educação, ao contrário, estão centradas predominantemente no “processo” e atendem particularmente a integralidade da pessoas e de sue processo de maturidade. Partem da realidade concreta do jovem com suas possibilidades e seus limites, vivem-se em “processo” onde a fé tem um sentido libertador que leva à pessoa a autotranscender-se e sentir-se convidada a percorrer um caminho a partir do qual possa aprender e personalizar os valores. Nestes casos, o processo pode ser maior, pode ter avanços e retrocessos e requer um acompanhamento realista e paciente. Mas o resultado enraíza mais a fundo da pessoa e a leva a apropriar-se paulatinamente de sua vida e de seu projeto, construído a partir de um horizonte de transcendência e de busca da vontade de Deus.
Esta vertente de “processo” se apoia em otimizar as condições para que, a partir de nossas atividades, grupos, celebrações, encontros o jovem venha descobrir e gerar sua própria aprendizagem vital, venha personalizar o caminho traduzindo no cotidiano seu horizonte de fé e possa fazer seu próprio processo. Isto requer acompanhamento, continuidade e, evidentemente, um projeto pastoral de fundo que sustente e garanta todo o restante.
Nesta linha, busca-se alcançar alguns destes “objetivos educacionais”: ajudar aos jovens a descobrir e incorporar novos elementos para elaborar o “mapa de sua vida”; ajudá-los a despertar valores e vislumbrar opções maduras e consistentes; ajudá-los a discernir suas necessidades e motivações profundas; ajudá-los a realizar uma experiência de Deus; aproximar-se deles e/ou provê-los de oportunidades para viver experiências integradoras e aprimorar suas aprendizagens com estas experiências, aproximá-los de experiências de confronto consigo mesmos que suponham um desafio a sua capacidade de conhecerem-se e aceitarem-se e lhes exijam iniciativa e decisão pessoal; orientá-los para experiências proporcionadas que lhes permitam dar um passo adiante passando ao nível seguinte e facilitando novos modelos de integração; orientá-los em experiências fundamentadas, acompanhando-os para discernir situações e motivações e para reorientar a rota si for necessário.
A partir deste ponto de vista, o projeto de vida permite correlacionar processo humano e processo cristão em níveis de pedagogia concreta.
Todo processo autenticamente humano é complexo por natureza. Sua personalização permite uma síntese de contrários que é, ao mesmo tempo, o “selo cristão” do projeto: a maior autonomia, maior sentido da existência como disponibilidade; a maior capacidade de decisão, mais abandono na fé; a maior integração humana, mais pobreza espiritual; a maior consciência dos próprios limites, maior confiança na força de Deus. Esta síntese de contrários se estabelecerá em etapas subseqüentes do processo de maturidade humana e cristã, mas suas bases começam a cimentar-se na juventude.
Projeto de vida e processo
O projeto de vida não é algo acabado que um dia se alcançou e se conseguiu para sempre. É algo que cresce, se desenvolve, que sempre se está aprimorando... É um processo que tem metas, passos, etapas, pessoas, gestos visíveis, tempos de avaliação. Não são somente “sonhos”, ideais e valores... O projeto de vida vai-se iluminando a medida que vai-se fazendo. Convém que esteja formulado e concretizado para evitar que seja algo que fique “no ar”.
O projeto de vida consiste, de alguma forma, na realização de um processo que permita ao jovem a busca de si mesmo, de sua própria identidade e de um caminho coerente com seus valores, no marco de uma opção fundamental.
O projeto de vida propõe a integração das necessidades do eu atual (a realidade mesma da pessoa, seu aqui e agora) com os ideais e valores autotranscendentes (cristãos) do eu ideal. Esta integração se expressa em atitudes e se realiza na vida cotidiana, da qual recebe retro-alimentação e contraste.
O projeto de vida permite percorrer um caminho para alcançar uma identidade integrada. Esta integração não se consegue de imediato e com facilidade. É fruto da fidelidade e é resultado de um esforço fatigado e gradual que exige que se implique toda a pessoa com suas capacidades cognitivas e afetivas. O desejo de seguir adiante, de caminhar é fruto da Graça. As estruturas psicológicas da pessoa não causam a ação da graça, mas predispõe a ela.
Há cinco chaves pedagógicas que se consideram muito necessárias para sua realização:
- a autenticidade: fazer o projeto a partir do jovem e de sua realidade levando em conta suas capacidades e limites - que nem sempre podem analisar adequadamente - , seu aqui e agora, seu momento vital;
- o discernimento: pôr-se em atitude de escuta com fé e honradez para favorecer o encontro com aquele que, de verdade, a pessoa quer ser e o Espírito está sugerindo que seja;
- a adequação dos passos a dar, as ações e experiências a realizar, os ajustes, a aceitação de sua realidade e do marco temporal para que a construção do projeto possa ser mais real;
- as estruturas de apoio: identificar as que já têm e implementar as que necessitaria ter para continuar caminhando, descobrindo o que lhe ajuda a centrar-se, que lhe freia e lhe problematiza, que lhe potencializa, etc.;
- avaliação periódica: a necessária revisão que permite confrontar o grau de desenvolvimento do processo e motiva a seguir caminhando.
Etapas da elaboração do projeto de vida.
O nascimento e elaboração do projeto de vida tem lugar ao longo de três processo psicológicos que estão presentes durante todo o tempo da vida, mas que estão especialmente ativos sobretudo durante a adolescência e a juventude. São: o processo de descobrimento e interiorização dos valores, o processo de eleição da opção fundamental e o processo de verificação prática dos valores e das opções feitas.
Descobrimento e interiorização dos valores
Todo autêntico projeto de vida nasce do encontro da pessoa com os valores capazes de promover seu desenvolvimento.
As necessidades da vida
Dentro de cada pessoa existe um conjunto de necessidades vitais que buscam uma satisfação conveniente para obter o crescimento.
Trata-se das necessidades básicas constitutivas do ser humano: a necessidade de amar e ser amado, a necessidade de ser reconhecido, a necessidade de existir e de ter os meios necessários para viver, a necessidade de ter e perceber a própria identidade na relação com o presente e o futuro, a necessidade de realizar a própria afetividade em uma relação interpessoal, a necessidade de receber e dar ternura, a necessidade de dar sentido válido à própria vida, a necessidade de autotranscendência, a necessidade de pertencer a um grupo humano e de contar com ele para a própria conservação e expansão, a necessidade de conhecer e viver conforme a própria missão na vida, percebida como a participação pessoal na construção do bem comum.
Estas necessidades estão presentes em toda pessoa humana, caracterizam-se pela preponderância de uma outra necessidade, que age como fator de arraste. O exagero de uma ou de outra, o mesmo que a atrofia, prejudicam o desenvolvimento harmônico e integral da pessoa.
Os valores da vida
Os autênticos valores da vida favorecem o desenvolvimento da pessoa. Toda a pessoa está de fato dinamizada pelas necessidades e está orientada e apoiada em suas diretrizes de crescimento, pelo valores que a atraem. Os valores , na medida em que se encontram e se interiorizam formando uma hierarquia, atuam como uma forte carga energética que por um lado responde às necessidades e, por outro, abre novos horizontes para o crescimento.
Quando se fala em “valores” , fala-se de um pólo positivo que orienta, de um campo magnético que atrai, de algo que importa, que se percebe como destacado no próprio contexto da vida. Por exemplo: o bem-estar , a cultura, o amor, a beleza, a justiça , a fraternidade, a verdade, a liberdade, a bondade, a paz, o progresso, a igualdade, etc. Ou também : o êxito, a firmação de si mesmo a todo custo, o aproveitamento, a satisfação imediata, etc. No contexto evangélico, as Bem-aventuranças.
Viver para os valores significa não ter a si mesmo como centro e abrir-se, abandonar o sentimento leviano e egocêntrico, para pôr-se em relação com o outro, com todos os outros, com o cosmo, com Deus. Para o crente, há ainda uma nova dimensão: sabe que, mediante a chamada dos valores, é Deus quem chama.
Embora, nem tudo aquilo que chamamos de valor o é de verdade, há algumas realidades que constituem “valores autênticos”. São aquelas que promovem o autêntico crescimento da pessoa humana, o desenvolvimento integral de todas as dimensões sem restrições nem mutilações. Mas há também outras realidades que são “pseudo-valores”. São aquelas que se referem a aspectos parciais do futuro humano apresentados como absolutos, ou a aspectos marginais, periféricos, vividos como centrais. Com freqüência trata-se de valores lúdicos ou de similares da realidade como a droga, a violência, o erotismo, etc. Estes pseudo-valores normalmente produzem um crescimento anormal da personalidade. Todo unilateralismo no campo dos valores é deformante e atrofiante. Freqüentemente origina confusão entre os diversos níveis ou apatia diante de certos valores essenciais.
Os valores não existem no abstrato, teoricamente. Têm um conteúdo existencial. Necessita, de certa maneira, estar comprometido com eles para buscá-los. São como “idéias imanentes” que reclamam, despertam, põe em atitude de busca. Chega-se até eles não diretamente, e sim através de mediações. Há que descobri-los e “decifrá-los” para pode fazê-los próprios. E para que os valores descobertos se convertam em motivações, isto é, em impulso de ação e, portanto, em atitudes, quer dizer, em tomada de posição pessoal em uma determinada direção, têm que ser encontrados por toda a pessoa, com todas suas dimensões e níveis, segundo os dinamismos psicológicos próprios da idade.
Por isso, para que a pessoas assuma os valores indispensáveis para o caminho de sua liberdade é necessário que os descubra pessoalmente, através de diversas mediações.
Pode encontrá-los nos modelos educativos: toda pessoa que cresce tem referência em muitos aspectos com “algumas pessoas-chave”. O projeto de fato se desenvolve e se manifesta com a concorrência de terceiras pessoas. No começo está a mãe, logo o pai, em seguida a família, os companheiros de brincadeiras, a escola, a turma, os amigos, os colegas de trabalho, o grupo mais amplo. Dentro das situações pessoais e grupais, o educador é percebido pelo jovem através do dinamismo psicológico da identificação e a idealização como um modelo, como uma pessoas pela qual ele sente de alguma maneira um prolongamento de si mesmo, realizadora dos próprios desejos e expectativas, uma pessoa da qual tende-se a assumir ideais e estilo de vida, por quem nos sentimos afiançados, um “testemunho luminoso” de uma realidade vital.
Pode encontrá-los também nas situações concretas: nenhum ensinamento teórico, nenhuma exortação ou conselho, nenhum castigo ou ação coercitiva podem conduzir a aquilo que só se pode alcançar através da experiência direta e do contato vivo com os problemas e as situações da vida. Neste nível se capta “a força formativa” dos diversos valores com os que se entra em contato. Quando se consegue fazê-los próprios, é quando o projeto pode amadurecer.
Este contato vivo entre a pessoa e os valores que “a põe em movimento” chama-se interiorização. Cada vez mais, os jovens aceitam e convertem em próprios os valores, porque os têm compreendido em si mesmos, objetivamente, e não porque são a realidade indiscutível indicada pela família, a escola , o ambiente ou as pessoas influentes para eles.
Os valores e o projeto de vida: condições de encontro
Os valores agrupados em constelações, põe em marcha pouco a pouco a elaboração do projeto de vida. Eles são um apoio e alimento, a realidade indispensável para chegar a ser autenticamente você mesmo. Como disse Lavelle “é necessário que eu saiba descobrir a luz de todos as possibilidades que há em mim, o possível que eu posso e quero ser”.
O projeto de vida flui em uma unidade harmônica o “próprio possível”. Oferece a base para a opção vital com a qual a pessoa antecipa e prepara a plena realização do próprio ser, em relação com o ambiente social e dentro de um determinado quadro de valores, percebido como capaz de satisfazer as mais íntimas aspirações da si mesma.
Embora, nem toda experiência é autenticamente fonte de maturidade. Nem toda consciência e experiência dos valores leva consigo uma interiorização. Para que o encontro com os valores seja alimento e sustento do projeto de vida são necessárias algumas condições.
Estas são as principais:
É necessário descobrir as motivações efetivas e os valores implicados nas diversas experiências da vida e colocá-los em relação ao próprio projeto de vida. Toda a experiência significativa tem que confrontar-se com o projeto de vida para obter dele luz e orientação. Desta maneira, todo o acontecimento, grande ou pequeno, adquire um sentido definitivo em referência ao projeto.
É indispensável ter um mínimo de reflexão pessoal. A reflexão permite percorrer as diversas dimensões da realidade e fazer de nexo profundo para uni-las e enchê-las de sentido. Só assim é possível a “análise crítica” e a “impregnação” dos valores encontrados.
Há muitas forças sócio-ambientais e interiores que tendem a fazer com que a pessoa dependa de fora de si mesma ou de forças internas deterministas: pressões conformistas, dependências afetivas, alienações diversas, modas, prejuízos, influências, etc. A pessoa educada desde a infância para realizar pequenas opções, não de todo livre ainda, mas acomodadas gradualmente a sua realidade de criança, de adolescente ou de jovem, pode situar-se de maneira cada vez mais autônoma frente à pluralidade e conflitividade dos convites e solicitações que recebe. Pouco a pouco aprenderá a desprender-se do que lhe pressiona em sentido conformista e saberá eleger e considerar tudo, entre a pluralidade dos valores propostos muitas vezes opostos entre si, de acordo com os valores de seu projeto de vida. Se fará uma pessoa “dirigida a partir de dentro”.
Entre mil necessidades que se apresentam diariamente na vida de cada pessoa, é necessário incrementar as necessidades que estão de acordo com a linha preferencial da opção de vida. Isto exige ascese, oração, auto-controle e disciplina interior. Mas só desta maneira poderá ser possível ir construindo o “húmus” que permite cultivar a linha preferencial de vida e canalizar as necessidades não ajustadas. Somente assim consegue-se um real crescimento da pessoa sem que se dêem elementos de repressão de si mesma.
O aprendizado dos valores.
No processo de aprendizado dos valores podem-se distinguir três etapas:
Uma primeira, de complacência: dá-se uma aceitação exterior do valor que não tem em conta sua conseqüência vital. Pode ser por medo ao castigo ou à exclusão ou por uma busca de recompensa. É a forma menos madura de aprender os valores e é educativa só superficialmente.
Uma segunda, de identificação: se adotam novas atitudes e valores, não porque sejam importantes em si mesmos e sim porque são importante para as necessidades da pessoa (auto-estima, imagem, etc.). Porém não se descobre a importância intrínseca do valor. Outorga um aprendizado dos valores muito ambivalente.
E uma terceira, de interiorização: o valor se vive porque se considera importante em si mesmo, além da auto-estima, da recompensa ou da exclusão. Leva à autotranscendência.
Ainda que indiquem uma progressão na maturidade humano-cristã, estas etapas não são sempre lineares. Algumas pessoas podem ficar na metade do caminho e não chegar nunca à dimensão de interiorização dos valores.
A escolha da “opção fundamental” do projeto de vida.
Os valores não estão dentro das pessoas nem nos grupos humanos em estado bruto, dispersos, separados. Melhor, polarizam-se em torno de um valor central tendo em vista o modo de ser e a identidade pessoal. Em toda personalidade que funcione normalmente a partir do ponto de vista psicológico há sempre um valor ou um conjunto de valores que fazem o papel de “absoluto”, de “viés unificador”. Os valores centrais sempre dizem respeito ao “ser”. São os valores principais que constituem e sustentam o projeto de vida. Os valores que se referem ao “possuir” existem em vistas do “ser”.
O projeto de vida se elabora e se consolida através da lenta individualização, descobrimento e eleição da “opção fundamental”. Trata-se desse algo a que se atribui muita importância, do eixo fundamental que orienta e sustenta as próprias decisões. É como a pedra angular que sustenta e dá segurança a toda a construção; a opção fundamental é um ângulo de visão a partir do qual se olha a vida, é o leme de direção na travessia.
A opção fundamental está formada por valores que constituem o centro da própria vida, por valores em nome dos quais dizem-se os “nãos” e os “sim” que imprimem um selo e uma direção à própria existência.
Esta individualização e eleição da opção fundamental do projeto define-a o psicólogo Goldon Allport como “processo de absolutização”. A inteligência do sujeito sustentada pela afetividade, consegue isolar cada vez mais uma realidade como “transcendente”, ou simplesmente como “absoluta”, com relação às demais.
Então, pouco a pouco, um determinado valor ou grupo de valores começa a destacar-se no quadro de valores da personalidade. Este valor ou grupo de valores assume então o papel de “valor central” da personalidade. Esse valor organiza a personalidade como uma pirâmide. Imprime um sentido a toda a experiência do ser humano. Estimula, numa direção bem determinada, o esforço de compreensão e de ação que é a vida da pessoa. Somente tendo ele como base é possível localizar em uma “visão orgânica e panorâmica” as diversas exigências, as instâncias que, de dentro e de fora, pulsam e reclamam uma resposta.
A individualização e a eleição da “opção fundamental” do projeto de vida leva consigo, portanto, o surgimento lento mas seguro, apesar das contrariedades e dos conflitos, de um valor central como sentido último da vida, todas e cada uma das experiências de unificar os traços da personalidade em torno dele. Um projeto de vida válido requer uma “opção fundamental” estabelecida sobre um absoluto que seja autenticamente tal.
O processo de absolutização não tem lugar de forma automática seguindo a partir de dentro a linha de desenvolvimento da pessoa. Não é um fruto espontâneo, nem uniforme em todos. A eleição da opção fundamental tem lugar em duas etapas e em determinadas condições.
Há primeiro um processo de seleção. Os valores experimentados são avaliados comparativamente. Estas tentativas de avaliação podem, naturalmente, levar consigo uma série de erros. Mas este é o modo natural segundo o qual toda pessoa aprende e amadurece normalmente.
Estas tentativas podem, abarcar momentos de frustrações, demoras, regressões , fixações parciais. A linha de desenvolvimento leva consigo sempre obstáculos mais ou menos atraente. Necessita-se tomar a direção complexa do caminho percorrido. Este processo de seleção é contínuo com alguns momentos de maior intensidade.
Há logo um processo de opção. O dinamismo psicológico que orienta a personalidade juvenil em torno de uma valor absoluto é a decisão. Esta implica a inteligência, a afetividade, a operatividade ao longo do fio condutor da vida. Compreende toda a história do sujeito, incluídos fatores do inconsciente.
Condições indispensáveis para uma eleição válida da “opção fundamental” do projeto de vida são: a autenticidade dos valores vividos, a relação harmônica entre o valor central e os demais valores eleitos e a ajuda pedagógica adequada.
A verificação prática dos valores e das opções escolhidas
O projeto de vida se vive no cotidiano. Para que possa desenvolver-se e consolidar-se tem que passar através de um “confronto único” com os ambientes de vida.
De fato, os valores que constituem o núcleo do projeto não se encontram no abstrato, em intelectualismos e teorizações, nem em belos discursos, e sim em situações vivas e concretas dos ambientes de vida. Estes são o lugar, também geográfico, em que surgem os modelos com os quais há que confrontar-se e no quais interagem as forças psico-sociológicas que influem na pessoa. Dali parte o projeto, ali é onde cresce, reencontra-se e dá seu fruto, ou pelo contrário, fica aprisionado e morre.
Por ambientes de vida entende-se o conjunto de coisas, pessoas, objetos, situações com os que estabelece-se uma relação duradoura no tempo e que, de certa forma, incidem sobre as mesmas pessoas modificando sua relação com cada um deles. Resulta assim, um conjunto mais ou menos homogêneo de valores, juízos, prejuízos, filosofias de vida, costumes, tradições, lugares comuns, modos de agir, de dizer, de pensar, de reagir mais ou menos imediatos e irreflexivos.
Toda a pessoa vive um ambiente determinado que influi nela e, ao mesmo tempo, está em relação com outros ambientes. Pode ser mais ou menos conscientes desta influência, pode sofrê-la ou também pode orientá-la. De fato, influi sempre sobre as opções, mas algumas vezes, pode chegar a fazê-lo de um modo determinante.
O projeto de vida tem a ver também com os fatores pessoais temperamentais. Atualmente, a incidência dos ambientes de vida vem se acentuando e multiplicando como conseqüência da rápida evolução social imperante e da crescente socialização. Toda a pessoa que queira elaborar um projeto vivo e válido tem que revisar constantemente o tipo de relação que existe entre ela e seus ambientes de vida: a família, o grupo, a escola, o trabalho, a paróquia, os ambientes de lazer, etc.
Na realidade atual, parece necessário ajudar ao jovem a reconciliar-se consigo mesmo, com suas realidade juvenil, familiar, histórica, de grupo, de bairro, de comunidade eclesial frente aos modelos impostos pela sociedade de consumo. Tem que fazer experiências que levem aos jovens a pensar criticamente, superar o desânimo e incrementar sua auto-estima. Tem que reconhecer que existem situações novas e ajudar aos jovens a viverem as tensões como pistas de maturidade progressiva. Tem que confrontar o ideal e o real, os valores e suas possibilidades de realização e descobrir o sentido do fracasso, a frustração, os limites, o pecado.
O Acompanhamento
Nenhum projeto de vida pode ser construído pela pessoa sozinha. Muito mais os jovens que têm especiais dificuldades para decidir-se por um caminho e para escolher os meios para percorrê-los.
São necessárias a comunidade, os amigos, a família...e sobretudo, educadores que possam ajudá-los a encontrar o caminho e os meios para realizar seus projetos de vida e para integrar as necessidades e as exigências que lhes estabeleçam os valores cristãos.
Construir um projeto de vida exige um acompanhamento. Um acompanhamento “pedagógico”, isto é, um acompanhamento que não dá tudo pronto nem condiciona a fazer o que o educador quer, e sim um acompanhamento que ajuda a confrontar, que dialoga sem impor, que contribui com ferramentas, que faz seguimento com paciência e misericórdia.
O adulto que acompanha tem que ter também seu próprio projeto de vida, tem que saber deixar-se acompanhar e tem que deixar-se confrontar tanto pela Palavra de Deus como pela comunidade. É importante apresentar modelos de vida concretos que sejam testemunhas de que é possível viver os valores que são propostos: nisto é fundamental o testemunho pessoal do assessor. O acompanhante se enriquece na medida em que trabalha em equipe e é importante criar as condições para fazê-lo.
Para acompanhar aos jovens na construção de seus projetos de vida e responder ao projeto desde suas realidades concretas, poder ser interessante:
* Contribuir para que conheçam suas motivações concretas, para que possam integrá-las em seu projeto de vida;
* Acompanhá-los na descoberta de suas necessidades (pertença, afeto, desejo de incidir, etc.) não são más em si mesmas, mas têm que integrá-las com valores, pô-las ao serviço destes para que lhes emprestem sua energia psíquica como motor para a realização de seus projetos de vida. * Sem esquecer que toda identidade pessoal integrada se expressa em atitudes coerentes com suas necessidades e valores. É um processo que há que ir “ensaiando” ao longo de toda a vida...;
* Ajudá-los a amadurecer para valorizar a diferença entre auto-realização e autotranscendência. Na auto-realização desenvolve-se a si mesmo, em função de si mesmo e tendo como horizonte último seus próprios desejos. Isto não é negativo, mas a partir de um olhar cristão, não é suficiente, porque o último horizonte não somos nós mesmos. Na autotranscendência, ao contrário, estabelece-se o desenvolvimento da pessoa com outros a partir de um horizonte de transcendência que me realiza, Deus, que muitas vezes leva por caminhos pascais onde tem que “morrer a si mesmo” para que cresça o “homem novo”. O desenvolvimento do “eu pessoal” situa-se a partir das referências que são Deus , o Reino, os irmãos e, desde logo, a própria pessoa.
* Ajudá-los a ser pacientes e conscientes de suas possibilidades e seus limites e a não viver passivamente os que lhes impõe a própria realidade. Aderir a ideais não é uma prova automática de que se estão vivendo. Muitas vezes os jovens têm dificuldades para reconhecer esta distância em suas próprias vidas, já que vivem os ideais a partir de uma grande valorização. Ajudá-los a olhar com paciência que a vida cotidiana é o cenário de maturidade e realização da opção, que nem sempre são coerentes e estão “terminados”, que nem sempre estão “vivendo já o que dizemos” e sim que estão em processo, os faz viver “tensos” positivamente para adiante. E nem por isso o caminho se faz menos exigente...
* Ajudá-los a ver que se utilizam equivocadamente os ideais quando só se põe ao serviço das próprias necessidades e não do Reino. O Aspecto chave do caminho é a vertente de purificar os desejos, além de buscar-se a si mesmo;
* Promover para que os jovens eduquem-se a dar respostas realistas integrando limitações e desejos. Quanto mais se consegue isso, mais se prepara para outras responsabilidades maiores e para que abram-se ao projeto de vida.
Como relacionar “projeto de vida” e pastoral juvenil?
Ainda que tenha sido utilizada, nos primeiros anos da Pastoral da Juventude, a expressão “projeto de vida” é, até hoje, uma expressão quase desconhecida na terminologia do trabalho e da práxis desta pastoral. Nela costuma-se falar mais , propor e procurar realizar “processos de educação na fé”. Estabelecer uma proposta sobre “projeto de vida” é estabelecer algo novo e diferente? Trata-se de realidades alternativas ou de realidades complementares? São formas diversas de expressar a mesma realidade? Existe algum vínculo entre uma e outra? Ou trata-se de seguir fazendo o mesmo que antes mas com uma nova terminologia e uma apresentação diferente?
As contribuições que seguem tentam dar resposta a estas interrogações feitas por muitos agentes de pastoral.
3.1 “PROJETO DE VIDA” E “PROCESSOS DE EDUCAÇÃO NA FÉ”
3.1.1 A proposta latino-americana da Pastoral Juvenil
A primeira sistematização de experiências da pastoral da juventude latino-americana, realizada em 1987 e expressada no livro “Pastoral da Juventude – Sim à Civilização do Amor” (São Paulo: Paulinas, 1987), publicada pela Seção de Juventude do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), considerava como proposta pedagógica, os “processos de educação na fé”.
“Nesta terceira parte – dizia – consideramos a forma de transmitir, intacto e vivo, a mensagem do Evangelho para que seja acolhido pelos jovens e seja capaz de gerar processos de conversão, entusiasmando-os na tarefa que hoje lhes propomos: construir a Civilização do Amor”. E acrescentava: “queremos dirigir-nos aos agentes da pastoral juvenil e, em particular, aos animadores e assessores para que no acompanhamento do processo de educação na fé dos jovens, saibam diferenciar as etapas a viver em cada experiência e saibam manter o ritmo nos inumeráveis descobrimentos que o jovem irá fazendo na relação entre fé e vida, na própria educação de sua fé e na relação entre fé e conscientização”. E mais adiante: “temos optado por uma pedagogia da ação que articule as diferentes etapas do processo; que garanta a assimilação dos conteúdos; que, no dinamismo das comunidades juvenis, ajude a descobrir o sentido e a necessidade de vinculá-las a um processo social e eclesial que implica organização, coordenação, planejamento, acompanhamento e capacitação”.
O 6º e 7º Encontros Latino-americanos de Responsáveis Nacionais de Pastoral da Juventude realizados em Caracas (1988) e em Quito (1989), aprofundaram o sentido, os conteúdos e as formas de implementar e acompanhar o processo e cada uma das de suas etapas. A nova sistematização realizada em 1995, apresentada no livro “Civilização do Amor, tarefa e esperança” retomou as reflexões anteriores e ofereceu uma descrição mais bem acabada do que são e do que se quer alcançar com os “processos de educação na fé”.
3.1.2 Os processos de educação na fé
“A Pastoral Juvenil é uma proposta educativa e evangelizadora, que surge como resposta da Igreja à situação da juventude na América Latina. Como tal, fundamenta-se numa pedagogia pastoral, tem uma proposta de processos integrais de formação e uma metodologia para realizá-los, supõe uma determinada forma de organização e exige agentes pastorais especialmente capacitados para acompanhá-los”.
Como antecedente necessário para entender a proposta sobre “projeto de vida” em relação aos “processos de educação na fé”, parece oportuno recordar aqui alguns de seus elementos mais característicos:
- a opção pedagógica fundamental da pastoral da juventude é o reconhecimento do caráter processual e dinâmico da formação e da educação na fé. Não é possível entender a ação da pessoa sem esta tarefa que se converte num projeto diário e num desafio cada vez mais original. Nem o ser humano nem os grupos nascem prontos; ao contrário, têm diante de si um grande caminho de formação que abarca diversos aspectos e comporta diversas exigências.
Isto significa que deve-se levar em conta os “tempos” de crescimento, de identificação afetiva, de assimilação e de compromisso que são próprios dos jovens. Significa, também, reconhecer que o processo educativo é um caminho que é realizada pelo próprio jovem, que ele é o principal responsável para dar os passos correspondentes, que dele são os méritos dos resultados obtidos e que sua é também a responsabilidade do que não consegue”.
Para a Pastoral da Juventude Latino-americana, formar é gerar nos jovens e nos grupos novas atitudes de vida e novas capacidades que lhes permitam ser, clarear seus projetos de vida, viver em comunidade e intervir eficazmente para a transformação da realidade...A formação é um processo de crescimento, tanto pessoal como grupal e social, com metas claras a alcançar e profundamente encarnado nas condições históricas e sociais em que se vive. Trata-se de um processo de educação não-formal... Através de metodologias adequadas, propõe-se uma formação na ação onde se ofereça ao jovem a possibilidade de realizar uma ação refletida e de ter uma reflexão comprometida...”
“Para ter em conta a multiplicidade e a riqueza de aspectos do crescimento da pessoa e o caráter processual de sua maturidade, a Pastoral da Juventude Latino-americana propõe um processo de formação integral que atende cinco dimensões: a relação consigo mesmo, a relação com o grupo, a relação com a sociedade, a relação com Deus e a relação com a Igreja. E três etapas: a nucleação, a iniciação e a militância”.
“A relação do jovem consigo mesmo corresponde à realidade psico-afetiva e ao processo de personalização que o jovem vive. A relação com o grupo corresponde à dimensão social essencial a toda pessoa e ao processo de formação para ser capaz de integrar-se em uma comunidade onde viva e se alimente continuamente seu crescimento pessoal integral. A relação com a sociedade corresponde ao processo de socialização ou de inserção na sociedade para ser capaz de projetar-se na comunidade local, nacional e internacional. A relação com Deus corresponde à experiência de fé do jovem. É a progressiva experiência da presença de Deus atuando nos acontecimentos da vida, da vocação mais profunda de ser filho e irmão, do descobrimento de Jesus como Senhor e Libertador e da opção por segui-lo, do discernimento da ação do Espírito nos sinais dos tempos da história pessoal, grupal, eclesial e social e do compromisso radical de viver os valores do Evangelho. A relação com a Igreja corresponde ao processo de inserção do jovem na Igreja a partir do grupo ou comunidade juvenil que se propõe como experiência de “pequena Igreja” numa situação ?escala apta para o jovem”.
“ A etapa de nucleação é a etapa na qual os jovens são convocados, respondem afirmativamente e decidem começar sua participação nos grupos juvenis... A etapa de iniciação é a etapa efetivamente percorrida pela imensa maioria dos grupos de jovens... Nela, o jovem descobre-se como ser histórico – em situação, em relação e em projeto - e formula-se perguntas sobre o sentido da vida que o levará à elaboração de um projeto de vida pessoal e à opção vocacional... A etapa da militância é uma etapa ativa e criativa que se desenvolve uma vez superada a adolescência e que supõe a integração dinâmica dos elementos cognoscitivos, afetivos, sociais e transcendentes em uma opção e projeto de vida... É uma meta que se propõe a todo jovem sujeito de um processo de educação na fé, uma meta a que deve tentar chegar, um compromisso iniludível que todo jovem cristão deve assumir.”
“Para facilitar uma consecução mais harmônica dos objetivos e uma melhor organização dos conteúdos e das atividades promovidos para desenvolver as diferentes dimensões, algumas sistematizações mostram que, durante esta etapa, ocorrem diversos “momentos” que se pode distinguir claramente e que assinalam a progressividade do processo de crescimento que os jovens realizam. Os momentos e dimensões descritos não são compartimentos estanques. Separam-se por razões de clareza. Na vida real, influenciam-se mutuamente e podem ocorrer e combinarem-se de diversas maneiras. Não é possível determinar antecipadamente o prazo para passar de um momento a outro, pois cada grupo tem sua história e esta deve ser respeitada”.
3.1.3 O Projeto de Vida
Com a expressão “projeto de vida” pode-se entender realidades muito diferentes. Para alguns, falar de “projeto de vida” é falar de “sentido de vida”; para outros, falar de “projeto de vida” faz referência a uma série de atividades que se deve executar para conseguir realizá-lo; para outros, trata-se de um “tema” que tem sua importância em determinado momento do processo pessoal e grupal e que deve ser tratado e atendido com tal.
Na realidade, falar de “projeto de vida” é falar de uma necessidade cada vez mais presente na vida dos jovens e no trabalho da Pastoral Juvenil. Com a dispersão e a fragmentaridade da vida, com o relativismo e a crises de valores, com a idolatria do imediato e do eficaz que trouxeram o neoliberalismo e a pós-modernidade, a busca, a concretização e a realização de um projeto de vida aparece como algo urgente e absolutamente necessário para a vida dos jovens.
Falar de “projeto de vida” é dar uma resposta ao caráter “presentista” da cultura atual. Mas é também uma resposta a muitas propostas de trabalho com jovens que não tem um “fio condutor”, que não estabelecem etapas e que estão ligadas muito mais a “eventos” que a “processos”. Nesse sentido, a pastoral juvenil não está propondo algo totalmente novo, e sim continuando e aprofundando o que se vem realizando.
Discernir e realizar um projeto de vida ajuda aos jovens em seu compromisso de ser pessoas capazes de crescer integralmente na relação consigo mesmos, com os demais, com a natureza e com Deus. É uma forma de ajudá-los a integrar harmoniosamente os valores, aspirações e ideais da vida e de atender adequadamente suas etapas de crescimento e seus desafios. É a concretização histórica do descobrimento do sentido da vida e da resposta ao chamado de Deus a viver em fraternidade e em irmandade e a construir um mundo melhor.
Não se trata, pois, de um conjunto de ações pontuais. Nem de um conjunto de atividades. Nem de uma reunião ou um bloco de trabalho em algum encontro, retiro ou convivência. Trata-se de um processo de formação e de discernimento para poder descobrir o sentido da própria vida e tomar as decisões que permitam concretizá-lo e fazê-lo realidade.
3.1.4 Projeto de vida e processos de educação na fé
A partir do expressado até aqui, apresentam-se algumas indicações para orientar a maneira de trabalhar a proposta sobre “projeto de vida” em relação aos “processos de educação na fé”.
3.1.4.1 Como apresentar a proposta sobre “projeto de vida”?
O “projeto de vida” não se elabora de um dia para outro. Muito menos pode fazer-se em um retiro de fim-de-semana ou através de alguma dessas “experiências fortes” que alguns propõem como caminho quase mágico para descobrir a vontade de Deus e responder as inquietudes e perguntas dos jovens.
As Orientações 1997-2000 da Pastoral Juvenil do Uruguai, aprovadas na 3ª Assembléia Nacional de Pastoral da Juventude realizada em outubro de 1997, falam de “uma pastoral da juventude que convoque o jovem a partir de sua realidade e o acompanhe em seu processo grupal de crescimento e no discernimento e realização de seu projeto de vida”. O que significa uma reafirmação do valor e a importância do processo grupal, uma exigência de estabelecer metas, etapas e pontos de referência, um convite a desenvolver atitudes de busca e discernimento e uma necessidade de estabelecer um acompanhamento adequado. Em meio às infinitas possibilidades que podem acontecer nas distintas realidades, o desafio da Pastoral da Juventude é ajudar aos jovens a discernir e concretizar seu projeto de vida guiados pela proposta e o estilo de vida de Jesus anunciado no Evangelho e vivido na comunidade Igreja. Ajudar a discernir e realizar o projeto de vida é um elemento essencial do processo de educação na fé dos jovens.
Todo “projeto de vida” tem uma pré-história que é o que cada pessoa vai vivendo desde seu nascimento, no contexto de sua realidade familiar, econômica, social, religiosa e cultural, com as influências das experiências e situações de vida que tem que enfrentar. A aspiração de ser feliz, de conseguir realizar-se e de encontrar um sentida para a vida sente-se de uma maneira especial na idade juvenil. Por isso, o chamado a construir um “projeto de vida” é uma realidade que está presente na vida e nas buscas dos jovens que chegam aos grupos e às comunidades ainda que nem sempre possam expressá-la dessa maneira. A Pastoral Juvenil terá que ajudar a explicitar e a fazer realidade isso que está pulsando neles.
Por isso, a proposta de discernir e realizar um “projeto de vida” tem que estar formulada claramente desde o início do processo grupal e desenvolver-se como “fio condutor” de todo o processo de educação na fé. Não se trata, portanto, de um tema, nem de uma reunião, nem de um conjunto de atividades a realizar. É algo que se vai construindo lentamente no encontro semanal do grupo e que deve chegar a constituir-se no objetivo mesmo do grupo.
Daí, a importância de garantir, desde o princípio, o “processo grupal” para que, quando chegue o momento adequado, possa apresentar explicitamente a proposta sobre o “projeto de vida”. Os fundamentos teológicos e pedagógicos enunciados anteriormente ajudarão a fazer que esta proposta não apareça como um “evento” que começa e termina em um tempo determinado.
Isto implica valorizar o grupo de jovens como espaço comunitário para encontrar-se, apoiar-se, buscar respostas às inquietações e descobrir Jesus na história. Como espaço de crescimento e acolhida. Como experiência de comunidade vivida, partilhada e celebrada na fé. Como espaço para ir definindo as prioridades e discernindo o próprio projeto de vida.
Não pode ser somente um espaço dedicado a fazer atividades: deve propor um processo de integração eclesial . Não pode ser apenas um espaço dedicado a “estar juntos”: deve propor processos de amizade e de partilha abertos a todos os ambientes da vida do jovem. Não pode ser somente um espaço dedicado a conversar assuntos de interesse ou temas da atualidade : deve apresentar propostas claras, promover a dimensão de fé, levar ao encontro com Jesus e a propor elementos para ajudar a tomar as decisões fundamentais da vida.
A resposta pessoal de cada jovem integrante de um grupo pode ser muito diversa. Mas, em todos os casos, há que se assegurar que o processo grupal lhe ofereça uma possibilidade adequada para elaborar seu projeto de vida, para ir definindo sua opção fundamental, para estruturar sua escala de valores, para tomar as decisões importantes com base nas experiências e para assumir como suas essas opções.
3.1.4.2 Quando apresentar a proposta sobre “projeto de vida”?
A proposta do “projeto de vida” é, então, uma proposta para todo o processo grupal. Como tal, deve estar presente na etapa de nucleação, ser trabalha e aprofundada na etapa de iniciação e verificada na etapa da militância.
O convite à participação no grupo deve ser honesto: o assessor tem que ter claro seu próprio projeto de vida e estar diante dos jovens com uma proposta de vida pessoal. Pode haver um tempo de proposta implícita, momentos nos quais se estabeleça a possibilidade de ter seu próprio projeto de vida. Mas tem que haver também uma proposta explícita: não será na primeira reunião, mas não se pode deixar que os jovens passem pela Pastoral da Juventude sem haverem traçado metas claras para suas vidas.
Na etapa de iniciação, os jovens descobrem que as coisas têm sentido e que a vida das pessoas têm sentido. É aí, quando deve estabelecer também que suas próprias vidas têm um sentido e, portanto, devem ter um projeto. Cada um decidirá se aceita-o ou se deixa para mais adiante. Ainda que a proposta tenha sido feita anteriormente.
O “projeto de vida” deve ser o fio condutor de todo o processo grupal: é proposto na etapa de nucleação, se estabelece explicitamente e se começa a discernir na etapa de iniciação e realiza-se e verifica na vida de no grupo durante a etapa de militância. No momento de propô-lo há que se levar em conta a idade, a situação do jovem e seu processo de crescimento. Mas o mais adequado parece ser ao final da etapa de iniciação e começo da etapa de militância.
Não se pode fazer na etapa de nucleação, porque a proposta não será entendida e porque não é essa a inquietude dos jovens. Aos 15 ou 16 anos, a preocupação pelo projeto de vida ainda não está presente. Há que se trabalhar primeiro determinados elementos antropológicos como o sentido da vida, os ideais, etc., para que se possa estabelecer uma proposta sobre o projeto de vida.
Por isso não se pode propor tampouco no começo da etapa de iniciação e, muito menos ainda, na Pastoral de Adolescentes. Isto pode criar dificuldades às pastorais juvenis integradas majoritariamente por grupos de adolescentes e para muitas realidades do interior onde os estudantes logo devem deixar sua cidade natal para estudar/trabalhar nos grandes centros urbanos. Mas o fato de que “os jovens saem” ou não poder segui-los em sua própria realidade, não autoriza para realizar antes do tempo uma proposta para a qual não estejam capacitados.
A solução não se encontrará adiantando o processo e sim buscando formas de seguir acompanhando os processos quando os jovens saem de seu meio, através de grupos de migrantes ou de fomentar a integração nos grupos de jovens do meio urbano.
É certo que há tempos e momentos...Uma proposta deste tipo não pode ser feita a jovens que recém se integram a um grupo ou aos que estão saindo da adolescência. Mas jovens de mais idade e com mais tempo de integração grupal, não deveriam “passar” por um grupo de pastoral juvenil sem que este lhes proporcione elementos neste sentido e os ajude a tomar esta decisão tão fundamental da sua vida.
Por aí, quem sabe, possam surgir também caminhos novos para que os jovens que terminam sua etapa nos grupos de jovens encontrem, naturalmente na comunidade, o lugar e o espaço onde continuar crescendo e fazendo realidade seu projeto de vida.
3.1.4.3 Como acompanhar a proposta sobre o “projeto de vida”
Todo jovem é chamado a viver um processo cristão. A partir dele mesmo, quando surge a proposta, ou desde o assessor que deve estar atento e aberto para propor no momento que pode ser melhor aproveitado.
Não se pode discernir e realizar um projeto de vida sem acompanhamento. Deve-se acompanhar aos jovens nas etapas de nucleação, iniciação e militância com pessoas que tenham uma visão de conjunto do mesmo processo de fé. Necessitam-se assessores formados, coerentes, de vida sacramental, capazes de ajudar aos jovens a estruturarem sua personalidade diante do “vale-tudo” da cultura atual e às clássicas “fugas” da realidade, a “aterrizarem” na vida e a assumirem suas responsabilidades no estudo, no trabalho, no grupo, na família, na comunidade, na vida de fé, na vida social, etc.
Isto exige redescobrir mais profundamente o serviço e a missão do assessor como acompanhante de processos grupais para discernir e realizar projetos pessoais de vida.
O processo de educação na fé dá-se no contexto mais amplo da comunidade paroquial e da comunidade diocesana. As comunidades devem saber que os jovens necessitam processos de integração, devem dar-lhes testemunhos de coerência pastoral e estarem abertos a eles, não para “usá-los” primeiro e logo abandoná-los, e sim para ajudá-los a integrarem-se e participar.
3.2 “PROJETO DE VIDA”, PASTORAL JUVENIL E PASTORAL VOCACIONAL
Não pode surpreender a ninguém que, ao falar da proposta sobre “projeto de vida” e da Pastoral da Juventude, surjam, de imediato, as perguntas sobre o lugar e a tarefa da pastoral vocacional bem como o vínculo e os possíveis pontos de encontro entre a proposta sobre “projeto de vida”, a pastoral da juventude e a pastoral vocacional.
Ainda que exista muito desconhecimento e com freqüência tem-se visões demasiado parciais como as de quem afirma que “a pastoral juvenil não se preocupa com o aspecto vocacional” ou que “a pastoral vocacional não gera processos e somente pensa nas vocações sacerdotais e religiosas”. Nos últimos anos tem-se avançado neste sentido e, hoje, há uma consciência maior das relações que realmente existem e das que devem existir entre ambas pastorais.
Cada vez mais, os agentes de pastoral vocacional vão descobrindo que a proposta e o acompanhamento vocacional pressupõe aspectos fundamentais de formação humana e cristã que se deve fazer referência. Têm consciência que ser pessoas e ser cristãos é a primeira grande vocação a que todos são chamados e a que está ligada a qualquer outra vocação particular.
E cada vez mais, também, os agentes da pastoral juvenil vão descobrindo que a proposta de formação humana e cristã que apresentam aos jovens leva-os a comprometerem-se com um projeto de vida relacionado com todos os aspectos de sua pessoa, incluindo a definição vocacional.
O acompanhamento para discernir e realizar o “projeto de vida” dos jovens pode ser, quem sabe, um novo ponto de encontro entre ambas pastorais e um alento ao trabalho comum que vem-se promovendo nos últimos anos. Mas, para que este possa realizar-se e alcançar resultados satisfatórios, será necessário continuar esclarecendo conceitos, situações e tarefas.
3.2.1 Projeto de vida e vocação
“Projeto de vida” e “vocação” são dois aspectos de uma mesma realidade que devem estar em permanente relação: o caminho de realização intuído, descoberto, assumido e realizado pela pessoa e o chamado de Deus na história através de sinais que se interpretam a partir de um olhar de fé. Assim, entre Deus que chama e a pessoa que responde dá-se um convite a estabelecer um diálogo que manifeste e ponha em relação, ao mesmo tempo, o amor gratuito de Deus e a liberdade da pessoa humana.
Em ambos aspectos, aparece claramente que a iniciativa do chamado é sempre de Deus. A vida e a vocação são manifestações de seu amor. Diante da iniciativa de Deus que chama, a pessoa toma consciência de sua realidade de limitação e de pecado e da distância que existe entre a grandeza do que Deus lhe propõe e as capacidades humanas que ela possui. Mas igualmente se anima a responder, a partir da fé de quem se reconhece “imagem e semelhança de Deus”, pecador redimido, “homem novo”, chamado a viver uma nova realidade no seguimento do Senhor Jesus.
Toda vocação pressupõe uma missão. Toda a realização pessoal dá-se no serviço e na entrega aos demais. Deus chama para construir comunidade, para fazer a cada pessoa “irmão” com outros irmãos, para seguir construindo um mundo que seja a “casa de todos”, onde todos possam viver com dignidade. Descobrir o chamado de Deus é encontrar horizontes possíveis para a própria realização pessoal.
3.2.2 A Pastoral Juvenil
Os processos de educação na fé que já foram descritos, mostram que a pastoral da juventude tem muito claro que estes processos devem integrar a definição vocacional, pois sem ela a maturidade humana e cristã dos jovens ficaria truncada.
E isto porque crê que as vocações surgem ali onde acontecem os processos que permitem aos jovens encontrar-se com Jesus, descobrir as necessidades do mundo e da Igreja, receber propostas vocacionais concretas e ser contagiados pelo testemunho entusiasta de quem os acompanha.
Uma Pastoral Juvenil realizada da maneira que foi apresentada, tem muitos pontos de encontro com elementos fundamentais de uma pastoral vocacional:
- O chamado de Deus é sempre concreto e encarna-se na situação real de cada jovem. A primeira vocação de todo ser humano é a vocação humana a ser e a realizar-se como pessoa;
- O método “ver-julgar-agir-revisar-celebrar” e a experiência grupal e comunitária criam hábitos de discernimento que capacitam para a resposta vocacional;
- A ação direta a favor dos demais é um exercício de entrega, um encontro com as necessidades dos irmãos e uma experiência da força libertadora da ação de Deus que predispõe para a entrega total da vida ao serviço do Reino;
- A reflexão sobre o próprio projeto de vida capacita para uma atuação gozosa das opções realizadas como resposta às necessidades da Igreja e da sociedade.
- A relação pessoal com um assessor ajuda a descobrir as próprias disposições e inclinações e a fazer coerentes as respostas.
Todo grupo de jovens trabalhado desta maneira converte-se em “vocacional”.
Por isso é necessário que a Pastoral Juvenil tenha sempre em conta a realidade dos jovens, ajude-os a aprofundar o conhecimento da fé, oriente-os em suas opções vocacionais e anime-os para serem agentes de mudança na sociedade e a participarem ativamente na vida da Igreja. É necessário que os ajude a percorrer o caminho para poder realizar não somente seu próprio projeto pessoal como também o projeto que Deus tem para eles. É necessário que ajude-os a descobrir e a assumir valores, a tomar decisões e a pô-las em prática com decisão e coerência. Assim estará educando-os para descobrir e concretizar seu projeto de vida e sua vocação.
3.2.3 A Pastoral Vocacional
Todo ser humano é chamado a ser sujeito e a realizar-se como pessoa. Mas, ainda que a vocação primeira seja esta vocação humana, toda a pessoa tem também uma vocação cristã e uma vocação específica, quer dizer, uma maneira própria, pessoal e única de dar resposta ao chamado de Deus e um lugar onde viver sua missão de serviço na Igreja ou na sociedade.
A pastoral vocacional é a ação da Igreja para ajudar e orientar aos cristãos no nascimento,
discernimento e acompanhamento de sua opção vocacional. “Entende-se como um serviço que se oferece a cada pessoa para que possa descobrir o caminho para a realização de seu projeto de vida tal como Deus quer e necessita para o mundo de hoje”.
A pastoral vocacional parte da situação mesma do jovem, aproxima-se dele com uma atitude de respeito a sua dignidade pessoal, oferece-lhe elementos de discernimento e o acompanha no processo de resposta dinâmica que vai durar toda a vida.
Há então uma pastoral vocacional para acompanhar o nascimento, discernimento e realização da vocação humana e cristã, que é responsabilidade de todos os educadores da fé e que de fato corresponde ao que faz normalmente a Pastoral da Juventude. E há também uma pastoral vocacional para acompanhar o nascimento, discernimento e realização da vocação específica que se refere aos diversos estados de vida que estão dentro da Igreja.
3.2.4 Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional
Pelo que foi dito até aqui, pode-se afirmar que a Pastoral da Juventude e a Pastoral Vocacional têm elementos em comum: ambas são pastorais da mesma Igreja e ambas procuram orientar aos jovens para que cheguem a ser pessoas do mundo, de acordo à vocação de cada um. Ambas tem como destinatários aos mesmo jovens e atuam no momento em que estão tomando decisões fundamentais que definirão e marcarão para sempre suas vidas.
A pastoral vocacional encontra na Pastoral Juvenil seu espaço vital e a Pastoral Juvenil é
completa e eficaz quando abre-se a dimensão vocacional. Não pode haver pastoral vocacional independente da Pastoral da Juventude nem Pastoral da Juventude independente da pastoral vocacional: ambas pastorais são complementares e têm que trabalhar em conjunto.
O vocacional emerge do juvenil nesses momentos da vida nos quais surgem com mais força a busca de realização pessoal e a tomada de decisões para as opções mais importantes da vida. O espaço natural da vida eclesial de todo jovem é o grupo juvenil. Nele, começa e realiza seu processo de crescimento e de maturidade. Nele, quando chega o momento da proposta e da decisão vocacional, a pastoral vocacional tem que dar elementos adequados para poder amadurecer sua resposta vocacional. O jovem que começa um processo de discernimento vocacional não deixa de ser jovem e não deixa, portanto, de ter que participar em seu grupo de jovens. Como se vê, a pastoral vocacional é chamada a estar presente em momentos chaves do processo dos grupos juvenis e a dar sua contribuição própria, assessorando especialmente os momentos vocacionais.
Toda a Pastoral Juvenil que procure ajudar ao jovem a descobrir sua vocação como projeto de vida, necessita da pastoral vocacional para iluminar e levar a bom termo esse projeto. Toda a pastoral vocacional que procure desenvolver uma proposta educativa necessita da Pastoral Juvenil que a apoie e a sustente. A pastoral vocacional não articulada com a Pastoral da Juventude pode produzir alguns resultados imediatos, mas logo se reconhecerá ineficaz e até perigosa pela desorientação que pode provocar no jovens e pelo desgaste de energias a que submete aos agentes pastorais.
A pastoral vocacional não poderá ser um conjunto de ações isoladas à margem da Pastoral
Juvenil, pois forma parte de seu processo. Cumprindo sua missão orientadora, estará recordando continuamente a meta a que deve chegar. A Pastoral da Juventude, por sua vez, terminará na pastoral vocacional. Cumprindo sua missão, preparará o caminho para que os jovens possam descobrir o lugar específico em que Deus o chama para construir o Reino. Ambas pastorais, portanto, necessitam-se mutuamente.
3.2.5 Projeto de Vida, Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional
O lugar natural para discernir o projeto de vida e a vocação específica é o grupo de jovens,
enriquecido com a contribuição que a pastoral vocacional pode oferecer. Sua presença tem que dar-se em todas as etapas do processo grupal, mas faz-se mais forte, própria e específica quando chega o momento de discernir e realizar o projeto de vida.
Como acompanhar processos para discernir e realizar o “projeto de vida”?
4.1 O ACOMPANHAMENTO
Ao começar este último capítulo, parece importante voltar a lembrar que quando falamos de “acompanhamento” estamos falando do acompanhamento de processo grupais para que se possa dar processos pessoais que ajudem aos jovens a discernir e realizar seus projetos de vida. Estamos falando, portanto, dos grupos juvenis que existem e funcionam em nossas paróquias e comunidades.
Não se trata agora de identificar simplesmente “grupos de pastoral juvenil” com “grupos de projeto de vida” nem transformar, a priori, todos os “grupos de pastoral juvenil” em “grupos de projeto de vida”. Trata-se de assegurar que os grupos de pastoral juvenil cheguem a ser de fato, espaços onde os jovens que os integram, possam realizar processos de crescimento e de maturidade que os levem a discernir e realizar seus projetos pessoais de vida. Trata-se de conseguir que os grupos de pastoral juvenil, depois das etapas de nucleação e de iniciação, levem aos jovens a irem construindo seus próprios projetos de vida, fazer que a vida grupal apoie e promova o desenvolvimento destes processos pessoais e que exista o acompanhamento adequado para torná-los realidade.
4.4.1 O que é acompanhar?
Quando falamos de “acompanhamento” estamos falando da relação que se dá entre um “acompanhante” e um “acompanhado” em um processo pedagógico que tem como finalidade facilitar o caminho para que a pessoa possa descobrir e vivenciar o projeto de Deus para sua vida.
Supomos, portanto, uma fé vivida em um Deus que “acompanha” a um povo de eleitos, em um Deus que convoca a valorizar a vida e a dignificar a realidade de ser filhos de Deus, em uma comunidade onde se vive esta fé “acompanhados”. Na história da salvação, Deus agiu sempre através de mediações. Suscitou pessoas e instituições que acompanharam de diversas maneiras aos integrantes de seu povo. Essas mediações são hoje, na pastoral juvenil, a comunidade, o grupo, os animadores, os assessores... Toda experiência de acompanhamento, pois, encontra seu fundamento nesta maneira de agir de Deus e sobretudo na experiência de Jesus de Nazaré “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6) em suas relações com os discípulos.
No processo de acompanhamento, o acompanhante cria as condições, põe os fundamentos e proporciona as oportunidades para que o acompanhado possa inter-relacionar, de maneira permanente, sua experiência de vida, a reflexão sobre essa experiência e a ação que a continua e possa discernir, assim, para onde o Espírito o guia e o impulsiona a caminhar.
O acompanhamento é um processo, e como tal, é integral, isto é, não passa somente pelo sentimental ou pelo racional e nem só pelo espiritual. Como todo processo, é também gradual e progressivo, tem metas, etapas, passos e itinerários e deve ser convenientemente avaliado. É um processo que quer ajudar aos jovens a fazer opções fundamentais para suas vidas, pelo que tem suas exigências pedagógicas próprias. Tratando-se de fazer opções que tocam as dimensões mais profundas da vida, o processo de acompanhamento tem que ser livremente aceito pelo acompanhante e pelo acompanhado.
Na cultura neoliberal e pós-moderna que vivemos, faz-se cada vez mais necessário promover e impulsionar explicitamente, nos jovens, esta atitude de buscar discernir e realizar seu próprio projeto de vida. Com efeito, são muitas as pessoas que passam pelo mundo sem sentir a necessidade de dar uma direção e um sentido a sua existência, de pro-jetar, de “olhar para adiante”. Será necessário pois, motivar e acompanhar aos jovens, mas deve-se estar muito atento para não projetar por eles. Neste sentido, o grupo reforça as convicções e favorece a escolha dos valores e é um instrumento muito adequado para motivar uma mística positiva e ajudar a “sonhar” e a sentir que “é possível”.
Tratando-se de processos pessoais que se dão dentro de processos grupais, deve-se levar em conta a natural ambivalência do processo grupal que, às vezes favorece o desenvolvimento e o crescimento dos processos pessoais, mas que, às vezes, também dificulta e impede que os processos pessoais se desenvolvam e consolidem. Atender a esta realidade ajudará a promover uma verdadeira personalização da experiência de fé e tornará possível a articulação da diversidade que de fato existe no caminho da fé de cada pessoa.
O acompanhamento de um processo grupal pra discernir e realizar projetos de vida se desenvolve em cinco etapas principais: contextualizar a realidade, partir da experiência, entrar em nível de reflexão, agir e avaliar.
4.1.2 As etapas do processo de acompanhamento
4.1.2.1 Contextualizar a realidade
A primeira etapa do processo de acompanhamento é “contextualizar a realidade”. Isto é, tratar de ajudar ao acompanhado a situar-se em suas circunstâncias e especialmente naquele ou naqueles aspectos de suas realidade vital que mais quer experimentar, conhecer melhor, apropriar-se ou transformar.
Contextualizar supõe ver os condicionamentos sociais, econômicos, políticos e culturais que podem melhorar ou distorcer a percepção e compreensão da realidade. Supõe ver as referências históricas, sociais, culturais e religiosas dos integrantes do grupo, os processos vividos e as relações interpessoais. Supõe levar em conta as realidades e circunstâncias próprias do jovem que realiza o processo (idade, lugar, origem, história pessoal, experiência eclesial, tempo, etc.). Supõe também ver os dados da fé religiosa e a situação diante dos movimentos espirituais que são suscitados nele, no momento de iniciar o processo de acompanhamento. Estes dados são fundamentais para comprovar se é possível iniciar um processo de acompanhamento ou se é necessário a atenção de um psicoterapeuta ou uma intervenção de caráter mais catequético.
Contextualizar a realidade, ajudará ao acompanhado a tomar consciência de seu próprio entorno e a detectar as fortalezas e debilidades de sua pessoa e ajudará ao acompanhante a dar-se conta da pessoa que tem diante de si e a avaliar melhor qual vai ser sua contribuição no processo. Neste momento, terá em conta muito especialmente que muitas vezes os contextos geram necessidades geralmente não satisfeitas que influem fortemente nas pessoas, estruturam identidades e condicionam a tomada de decisões sobre as opções fundamentais.
A complementaridade de enfoques que podem os acompanhantes podem contribuir, sejam leigos, religiosos ou sacerdotes e a diferenciação de papéis masculinos e femininos, tornam possíveis diferentes caminhos de acesso e captação da realidade gerando assim, um aprendizado recíproco e um clima fecundo para o acompanhamento e seguimento dos processos.
4.1.2.2 Partir da Experiência
A segunda etapa do processo de acompanhamento é partir da experiência.
A “experiência” ou “comunicação dos fatos da vida” é condição de todo o conhecimento humano. Os canais deste conhecimento são os sentidos externos complementados pela memória, a imaginação e a afetividade.
Toda “experiência” implica uma abertura radical da pessoa a sua própria realidade. É a notícia prévia e sem estrutura formal, carente ainda dos significados que podem emergir, que adquire seu sentido mais pleno quando é “entendida”, isto é, quando a pessoa pode chegar a responder às perguntas que a movem a sentir, imaginar, inquirir e buscar.
Ao “tomar a vida nas mãos”, a pessoa se reconhece a si mesma como receptora dos dados de suas próprias operações sensíveis e afetuosas, ainda que não possa chegar a captar o sentido do que está sentindo, percebendo ou registrando.
Neste nível de consciência, o acompanhamento consiste em desenvolver e ampliar o mais possível nas pessoas a capacidade de entender-se e de estarem atentas para perceber a realidade e os fenômenos que estão lhe ocorrendo. Consiste em ajudá-la a “ler” as situações que vivem e a reconhecer suas maneiras e categorias de codificar sua experiência. Consiste em ajudá-las a alinhavar sua vida, a dar-lhe significados e a referir as lutas à própria história de salvação.
Para iniciar o processo de acompanhamento, o acompanhante deverá ter sempre presente o “princípio de realidade” e procurar recolher a maior quantidade de dados possível sobre a vida e a situação do acompanhado.
4.1.2.3 Entrar no nível da reflexão
A terceira etapa do processo de acompanhamento é “entrar no nível de reflexão”. É a etapa que recolhe a atividade intelectual. É o lugar em que se dá realmente a apropriação do mundo interior da própria pessoa e é, portanto, um lugar de humanização.
Nesta etapa, fazem-se perguntas como: O que tenho vivido com esta experiência? Qual é seu significado? Que relação tem com as outras dimensões de minha vida? Que outras relações têm com a situação em que me encontro? O acompanhante ajudará ao acompanhado a entrar neste âmbito com uma atitude compreensiva e empática e lhe ajudará a compreender a si mesmo.
Neste processo da reflexão, dão-se duas operações fundamentais: entender e verificar.
4.1.2.3.1 Entender
É descobrir o significado da experiência É estabelecer as relações que há entre os dados vistos, ouvidos e tocados. É a “fagulha” que ilumina o que se apresentava em penumbras na percepção sensível . “Entender” permite à pessoa conceituar, formular hipóteses e conjecturas, elaborar teorias, definições, suposições, etc.
Partindo da experiência e impulsionada pelo dinamismo intencional de sua consciência, a pessoa alcança, assim, um nível superior no processo de conhecimento: o nível da intelecção. Na reflexão, a inteligência interpreta e compreende o conteúdo da “experiência”, com o que tem de perplexidade e admiração e atua com a intenção de decifrá-la, codificá-la e entendê-la.
“Entender” é um ponto de chegada para as perguntas que surgem da experiência e é, ao mesmo tempo, um ponto de partida para a reflexão que busca a verificação, isto é, a certificação de que se entendeu corretamente. Tanto o acompanhante como o acompanhado necessitam entrar nesta “zona do entender”. Quando isto ocorre, o acompanhado começa a “entender-se a si mesmo” e o acompanhante vai recolhendo os dados necessários para chegar à “verificação”.
4.1.2.3.2 Verificar ou Julgar
A segunda operação do pensar humano contida no termo “refletir” é a verificação ou a emissão de um juízo.
“Emitir um juízo” é verificar a adequação entre o entendido e o experimentado na própria realidade. Com o juízo, se completa o processo do conhecer humano. Com ele, nos apropriamos de nossa própria experiência e a integramos em nossa vida. No “juízo” emerge um nível de consciência superior ao “entender”: a reflexão crítica ou consciência crítica. Ainda que se trata de um momento importante, não se pode esquecer que o conhecimento humano não pode estar exclusivamente no julgar, excluindo o experimentar e o entender.
Neste momento, dão-se também, além das perguntas próprias da dedução humana, as perguntas fundamentais que surgem da fé que são próprias do seguimento de Jesus: Quem é Deus? O que Deus quer de mim?
O acompanhante ajudará ao acompanhado a descobrir que o projeto de vida de toda a pessoa encontra em Jesus uma proposta de plenitude que em nada contradiz seus sonhos de felicidade. Vai lhe ajudar a confrontar, de forma permanente, sua vida com a vida e o projeto de vida de Jesus, a vincular o seguimento de Jesus com a busca da verdade e a vivê-lo como o “encontro” com uma pessoa e não só como a adesão a um conjunto de valores, atitudes, linhas ou orientações de vida.
4.1.2.4 Agir
O processo de acompanhamento seria truncado se ficasse somente no “entender” ou na “verificação” e no “juízo crítico” sobre a matéria ou experiência analisada, porque o dinamismo da consciência não termina até que se chegue à ação.
A contribuição decisiva de um processo de acompanhamento consiste em desafiar à pessoa a dar um passo mais, a assumir uma postura frente à verdade descoberta, seja revelada ou construída e a agir em coerência com ela.
Entende-se a ação como a manifestação operativa de uma decisão livremente assumida para a transformação da pessoa e da realidade institucional e social em que vive e é executada em dois momentos: a decisão e a operatividade ou realização do projeto de vida.
4.1.2.4.1 A Decisão
A afirmação ou negação que se realiza no “juízo”, como conclusão do trabalho reflexivo crítico, é o suporte do último nível da consciência: a decisão livre e responsável.
Diante da descoberta da verdade, a pessoa é capaz de tomar decisões livres. O ser humano se revela como uma criação original, capaz de criar novos projetos, de tomar decisões e de realizar ações comprometidas. Pelo próprio dinamismo de sua consciência, a pessoa se sente impulsionada a decidir, a definir a orientação de sua vida, a exercer sua liberdade. Desta decisão se percebem, se descobrem e se explicitam os ideais e se elegem como valores a seguir e a integrar na própria vida.
Neste nível de decisão, o dinamismo da consciência se manifesta não agora pelo desejo de conhecer corretamente e sim, pelo desejo de amar a realidade para transformá-la. Se poderia dizer que decidir é transcender à reflexão crítica, à verdade descoberta por aquele que se ama; é operar o autêntico ser da pessoa criada como “ser para os demais” e é assumir a visão do mundo que resulta do experimentar-se amada por Deus para transformar a realidade, com critérios de justiça, para a implantação do Reino.
4.1.2.4.2 A operatividade ou realização do projeto de vida
Logo da tomada da decisão, a pessoa entra na fase de pôr em prática esta opção, buscando os meios, modos e tempos para poder efetivamente agir e assumindo valores, atitudes e condutas consistentes e conseqüentes com sua opção, já que “o amor se mostra mais através de obras que de palavras”.
Por isso, todo acompanhamento necessita ter um tempo dedicado à deliberação e à ponderação das razões favoráveis e das razões contrárias a cada uma das alternativas e os movimentos e inspirações espirituais que se sucedem dentro da pessoa na hora da ação na tomada de decisões.
Neste sentido, o discernimento espiritual pode ser um bom instrumento para realizar o projeto de vida em que cada pessoa se sente chamada por Deus.
4.1.2.5 Avaliar: revisar e ponderar o processo seguido
Quando falamos de avaliar, nos referimos a uma revisão da totalidade do processo seguido durante o acompanhamento para verificar e ponderar em que medida se está realizando fiel e eficientemente e para determinar em que grau se tem obtido os objetivos perseguidos, em termos de mudança e transformação pessoal ou grupal.
A avaliação tem também dois momentos: a revisão de processos e a confirmação do processo pessoal ou grupal.
4.1.2.5.1 A revisão dos processos
Revisar os processos é voltar a prestar atenção e focar o pensamento sobre os processos mesmos nos quais se tem estado envolvido, sobre os conteúdos desenvolvidos, as atividades realizadas e os meios utilizados nas diferentes etapas do processo de acompanhamento para constatar sua idoneidade, sua articulação e sua eficiência.
A revisão do processo pode ser realizada também durante o transcurso das etapas para corrigir a caminhada e ponderar melhor os resultados.
Todas as avaliações, sejam parciais, globais ou operativas, tem que seguir como dinâmica interna a decisão fundamental de Jesus e sua opção pelo Pai e o Reino.
Realizada desta maneira, a avaliação vai fazendo progredir e crescer o processo de acompanhamento. Não se trata de um mero questionamento, e sim de um exame dos resultados do processo que busca as causas e os possíveis remédios ou modos de superação e, portanto, abre caminhos novos para seguir avançando.
4.1.2.5.2 A confirmação do processo pessoal ou grupal
Em um clima de oração, deve-se finalmente confirmar externamente, no encontro com outros, a eleição ou as decisões tomadas em nível interior.
Há muitas técnicas para avaliar um processo de acompanhamento. Alguns indicadores de que o processo e seus resultados vão na linha do que fundamenta e orienta a vida de uma pessoa são, entre outros, a paz, a alegria, a audácia, a criatividade, o aumento da esperança e o consenso com que a comunidade assume uma decisão.
4.1.3 Acompanhamento, Processos de Educação na Fé e Pastoral de Conjunto
Os processos de acompanhamento não acontecem “no ar” ou fora da realidade. Dão-se nos grupos que querem realizar processos de educação na fé e que vivem em uma Igreja concreta onde atua uma pastoral de conjunto e onde existem opções, orientações e prioridades.
Estar a caminho para discernir e realizar o projeto de vida, deve levar aos animadores e assessores de grupos juvenis a estimular a realização de processos grupais de educação na fé que "aterrizem na vida" e levem a assumir responsabilidades na vida profissional, familiar, estudantil, política, social, etc.
Como o projeto de vida não é um serviço para um tempo e sim uma contribuição para toda a vida, não tem um fim quando termina o tempo de passagem pelos grupos de pastoral juvenil. Por isso, é indispensável seu engajamento em outras discussões/demandas que a pastoral de conjunto oferece vinculada a um projeto de pastoral mais amplo. Daí a exigência de uma comunidade de referência que seja a garantia de sua continuidade e de sua eficaz realização.
4.2. O ACOMPANHANTE
Para que o acompanhamento de processos grupais que ajudem a discernir e realizar projetos pessoais de vida chegue a ser efetivo e eficaz é necessário contar com “acompanhantes” adequados.
Neste sentido, os primeiros e naturais acompanhantes são os assessores dos grupos juvenis, tal como são descritos no livro “Civilização do Amor: tarefa e esperança”: “o assessor é um cristão adulto chamado por Deus para exercer o ministério de acompanhar, em nome da Igreja, os processos de educação na fé dos jovens..., um ministério que não é exclusivo do sacerdote ou do religioso...e sim, também e fundamentalmente, um ministério laical” (p.276).
O assessor é “um adulto, isto é, uma pessoa que já tenha passado a etapa da juventude e tenha vivido um processo de amadurecimento no qual já definiu seu projeto de vida e tenha alcançado uma estabilidade afetiva para optar livremente e para assumir com responsabilidade os desafios próprios de sua opção” (p. 277). É “pessoa de fé, que vive o seguimento de Jesus na opção que faz pelos jovens, nos quais reconhece diariamente o rosto de Deus e a voz profética do Espírito” (p. 278). É “um vocacionado, isto é, uma pessoa chamada por Deus para cumprir uma missão na Igreja, não para si mesmo, e sim para serviço aos demais”. É “uma pessoa de Deus... uma pessoa que conhece, ama e serve à Igreja...é um enviado a todos os jovens” (p. 279). É “um educador que age de acordo com a pedagogia de Deus e seguindo o modelo que Jesus utilizou com seus discípulos” (p. 281). E é “uma pessoa encarnada em sua realidade e com profundo sentido de pertença a ela...Procura ser um ator social e não permanecer passivo diante dos desafios da realidade (p. 282).
4.2.1 O perfil do acompanhante
Mas para poder ser acompanhante de processos grupais que ajudem a discernir e realizar projetos pessoais de vida, é conveniente além disso, que o assessor possua algumas outras atitudes que tem a ver com a tarefa específica do acompanhamento.
Para orientar este serviço da pastoral juvenil e para ir marcando caminhos que levem à formação e capacitação destes “acompanhantes”, se assinalam aqui alguns elementos referidos aos que estão chamados a “ser”, a “saber” e a “fazer” os acompanhantes para poder prestar um melhor serviço aos jovens.
Alguns elementos sobre o “ser” do acompanhante
É importante que o acompanhante conheça a si mesmo e que esteja vivendo e realizando um projeto de vida inspirado nos valores da proposta de Jesus. Que cultive e promova atitudes humanas como a capacidade de animar, motivar e orientar; a responsabilidade, a perseverança e a vocação de serviço; o respeito pelos processos, o sentido crítico e a tolerância; a abertura e a criatividade; a capacidade de escutar e propor; a autenticidade e a coerência entre o que diz e o que faz; a solidariedade, a participação ativa na vida social e a inculturação em seu meio.
É importante também que o acompanhante tenha obtido um certo grau de maturidade cristã, isto é, que tenha feito sua própria experiência de fé e sua própria experiência de Deus, que esteja integrado em uma comunidade, que tenha uma vida de oração e uma vida sacramental ativas, que seja testemunha coerente de vida e que, na medida do possível, tenha vivido a experiência de “ser acompanhado”. Com efeito, não é fácil acompanhar processos que não tenham sido vivenciados ou responder a perguntas que não tenham sido formuladas.
E é importante, finalmente, que viva o serviço de acompanhamento com a espiritualidade que nasce de sentir-se chamado à vocação de acompanhar aos jovens, de saber-se instrumento eleito por Deus e enviado pela comunidade para fazer algum bem a algumas pessoas, em algum aspecto de suas vidas, durante algum tempo. Uma espiritualidade que o leve a deixar-se confrontar pela Palavra de Deus e pela comunidade e a colocar o centro do processo de acompanhamento em Jesus e não em sua própria pessoa. Que esteja convencido que o seguimento de Jesus plenifica e realiza a pessoa, que crê na ação e na presença de Deus e saiba descobri-la e contemplá-la na vida dos jovens e na história e que, reconhecendo-se frágil, sinta-se ao mesmo tempo amado profundamente por Deus.
Alguns elementos sobre o “saber” do acompanhante
É importante que o acompanhante tenha uma formação antropológica, cristológica, eclesiológica e bíblica tal que, sem ser um “expert”, permita-o conhecer e apresentar a fé, entender os caminhos e as formas de agir de Deus na história e saber detectar e valorizar sua presença e sua ação na vida dos jovens.
É importante também que o acompanhante tenha uma certa formação pedagógica, que conheça elementos da psicologia juvenil, do desenvolvimento dos processos grupais, a proposta educativa da Pastoral Juvenil e o momento e a forma de estabelecer a necessidade de discernir e realizar um “projeto de vida”.
É importante, finalmente, que como educador e pastor, conheça e saiba ler a realidade e os processos dos jovens e saiba dialogar com a cultura atual. Que saiba comunicar-se, escutar e dialogar. Que esteja atento para acompanhar, ao mesmo tempo, o processo grupal e os processos pessoais. Que saiba escolher as estratégias adequadas para responder às dificuldades que se estabelecem. Que tenha inquietude por seguir formando-se permanentemente. Que saiba enfrentar as crises como momentos privilegiados para renovar o encontro com Deus. Que conheça seus próprios limites e possibilidades e que seja capaz de mudar de rumo se não puder acompanhar.
Alguns elementos sobre o “fazer” do acompanhante
É importante que o acompanhante aja com orientações pedagógicas e metodológicas claras e adequadas.
Nesse sentido, procura partir da realidade do acompanhado e da valorização de suas vivências e situações de vida e estabelece um plano de ação com objetivos definidos, com metas viáveis e realizáveis, com etapas intermediárias marcadas pelo desenvolvimento do processo e não só pelos tempos cronológicos e com momentos precisos para a avaliação.
Esforça-se para criar um ambiente que ajude ao processo e para promover um clima que favoreça o diálogo que o ajude a crescer com perguntas e respostas relevantes. Busca que sua comunicação seja certeira, clara e comprometida. Expressa sua abertura à comunicação com gestos e atitudes, demonstra que entende e compreende, retém os gestos mais simples, escuta as mensagens não-verbais e recorda o expressado pelo acompanhado.
Procura acompanhar de forma integral, escutando, propondo e orientando. Está presente e caminha com os jovens no processo. É solidário com eles ainda que possa equivocar-se. Põe limites quando necessário, mas está atento para não restringir a liberdade e para não criar dependência. É honesto ao aceitar a proposta: “te acompanho no discernimento de teu projeto de vida e não faço terapias contigo ou outras coisas semelhantes”.
É importante também que o acompanhante proponha caminhos concretos de espiritualidade para os jovens.
Por isso, apresenta a proposta de Jesus como projeto de vida e procura que o acompanhamento parta ou tenda para o encontro e o seguimento de Jesus. Ajuda a descobrir a ação do Espírito na vida dos jovens e orienta-os em sua relação com Deus, com a Igreja e com o mundo. Promove o comunitário e o eclesial contra o individualismo, favorece a abertura à realidade e à Igreja contra o encerrar-se em si mesmo, ajuda a estruturar a personalidade frente ao relativismo do “vale tudo” de hoje. Anima os jovens a conhecer suas motivações concretas e a assumir sua vocação cristã. Incentiva a participação pessoal e grupal na comunidade e no social . Ajuda a canalizar a energia em projetos comuns. Desperta valores. Tem como modelo de acompanhamento a prática de Jesus e não se deixa influenciar por certas formas de “acompanhamento” que estão sendo promovidas na realidade eclesial de hoje.
É importante, finalmente, que o acompanhante tenha disponibilidade de tempo e que aceite e se comprometa com as exigências do acompanhamento, que se organize para a escuta empática de seu acompanhado e para as entrevistas e que tenha claro que não é bom eternizar-se no serviço nem na relação com as pessoas.
Os acompanhantes de hoje
São pessoas – leigos, sacerdotes ou religiosos – que acompanham com o que são, com seu testemunho, mais que com o que sabem ou dizem – que é importante também! São pessoas que têm experimentado em sua vida e vêem na história o dom da fé e comunicam esta experiência de Deus como um serviço fraterno no seio da comunidade eclesial.
São pessoas que têm encontrado seu lugar específico na Igreja e, desde ali, com amplitude, acompanham aos jovens na busca do seu lugar, respeitando sua liberdade e seu caminho pessoal e apresentando, sobre todas as coisas, a Jesus Cristo. Pessoas que – vale a redundância! – são também acompanhadas e que podem contrastar sua vida pessoal com o Evangelho, na comunidade eclesial ou em um grupo próximo.
Os acompanhantes de hoje... somos nós!! Se escutamos o chamado a prestar este serviço e se reconhecemos ou outros reconhecem em nós, a presença deste dom. É uma tarefa gratificante, na qual crescemos como cristãos e como comunidade de fé.
Um olhar que descobre nas comunidades a quem tem o dom de escutar, testemunhar e acompanhar a outros – especialmente aos jovens – é um olhar que se abre ao desafio pastoral de responder ao processo de personalização sadia da fé que os jovens requerem nestes tempos tão difíceis. Cada tempo desafia a cada homem e a cada mulher, cada momento histórico “traz o seu”. A partir deles, somos interpelados por Jesus para testemunhar e provocar testemunhos de fé viva em obras e em verdade. Para isso, todos necessitamos acompanhar-nos mutuamente...
O acompanhante “perfeito” não existe. Existem sim, bons acompanhantes... E ainda que o fazemos em nome do Senhor, é necessário também buscar caminhos que nos preparem e capacitem para esta tarefa.
Se estamos convencidos que escutar e acompanhar pessoalmente aos jovens é um serviço importante, sabemos que é necessário “perder” o tempo para poder “ganhá-lo”, que trata-se de um trabalho artesanal que tem o sabor de “cem por um” prometido Jesus.
ALGUNS INSTRUMENTOS PARA O ACOMPANHAMENTO
Entre os muitos instrumentos que se podem utilizar para levar adiante processos pessoais de acompanhamento, vamos fazer referência aqui a dois que podem ser de utilidade para o serviço a ser prestado nos grupos de jovens.
A entrevista pessoal
A entrevista é uma modalidade comunicação interpessoal, de diálogo entre acompanhante e acompanhado que se estabelece em um processo que inclui os seguintes elementos:
O acompanhado. É a pessoa que comunica a mensagem. Toda pessoa e toda a mensagem está contida em um marco subjetivo que chamamos “contexto”. Não basta estar diante da pessoa ou de um grupo de pessoas que se acompanham, deve-se estar presente diante do “contexto” que os envolve.
O acompanhante. É o interlocutor natural do acompanhado. Não somente “percebe mecanicamente a mensagem e sim “percebe ao acompanhado”, isto é, decodifica-o e interpreta de acordo com seu contexto pessoal. Durante a entrevista, as duas partes são alternadamente interlocutoras; ainda que o predomínio deva ser sempre do acompanhado.
O contexto. No diálogo, acompanhante e acompanhado são influenciados por seus próprios contextos pessoais (físicos, intelectuais, emocionais, espirituais, culturais, etc.). A comunicação será tanto mais plena, quanto mais conscientes sejam ambos de seus mútuos contextos pessoais. Durante a entrevista, irão captando-se empaticamente os “marcos de referência do acompanhado, o que facilitará logo o diálogo posterior.
A mensagem. É o que constitui o conteúdo central do diálogo. O acompanhante deve compreender, na totalidade, a mensagem emitida, pois do contrário o diálogo será frustrante, vago e impreciso. Através dele, se poderá discernir melhor as inspirações do Espírito que estão operando no acompanhado.
A demanda. Ainda que não tenha formulado explicitamente uma pergunta, o acompanhado estará sempre à espera de uma resposta por parte do acompanhante. Não se trata de dar um conselho (o acompanhado não o necessita) e sim de perguntar-lhe e orientá-lo perante a demanda expressada. A demanda ou resposta é o “para quê” da comunicação.
Os canais. São os meios que se utilizam para a comunicação. Podem ser “verbais” ou “não-verbais” é muito rica e intensa na relação interpessoal. Toda a pessoa é comunicação: seu corpo, seu rosto, seu olhar, suas mãos, seu penteado, seu vestido, seu perfume, etc. Às vezes pode negar-se com um gesto ou pelo tom de voz o que se está afirmando verbalmente. As mensagens “não-verbais” são parte essencial na etapa de acolhida.
Os códigos. A mensagem deve ser codificada de acordo com o canal verbal ou não-verbal no qual é emitida. Cada canal tem seu próprio código ou conjunto de signos e símbolos verbais ou não-verbais. A imensa maioria das falhas de comunicação se devem mais aos erros de codificação que aos conflitos na mensagem: má interpretação ou mal uso dos signos ou dos símbolos, palavras que podem ter diversas interpretações conforme sejam os códigos culturais, etc. Tanto a codificação como a decodificação da mensagem estão profundamente condicionadas pelo contexto e pelo sistema de valores dos intercomunicadores.
No diálogo espiritual, o acompanhante deve tratar de decodificar a mensagem, quer dizer, deve ajudar ao acompanhado a discernir as inspirações do Espírito e facilitar-lhe o domínio de um vocabulário psicológico, cultural e teológico para melhorar a qualidade da comunicação.
A realimentação. É a resposta do acompanhante depois de ter decodificado a mensagem. A partir da “realimentação”, o acompanhado poderá verificar de que modo tem sido captada sua mensagem. Na comunicação interpessoal, a realimentação é imediata. Enquanto o acompanhado intervém, o acompanhante “realimenta” o diálogo com um sorriso, com um gesto, com algum monossílabo (“hum”, “sim”, ...) e também pode interromper para perguntar verbalmente algo. A “realimentação” inverte constantemente os papéis de acompanhante e acompanhado, que passam assim a alimentar-se mutuamente.
Através da “realimentação” vai sendo criado um processo de “envolvimento emocional” entre os interlocutores, que favorece o clima de confiança do acompanhado. Mas há que se cuidar e conduzir com prudência este “envolvimento emocional”, porque podem criar-se transferências emocionais geradoras de dependências afetivas que dificultam o crescimento do acompanhado. Se bem que, o diálogo deve realizar-se nas melhores condições de acolhida e cordialidade, sua estruturação e sua finalidade o fazem radicalmente diferente de uma conversa de amigos.
Os ruídos. São as interferências ou distorções que ocorrem durante o processo de comunicação da mensagem. Alguns o chamam “filtros comunicacionais”.
Podem ser ruídos físicos, como sons alheios à conversa, má articulação das palavras, cheiros desagradáveis, vestimenta inadequada, gestos ou posturas distrativas, presença de um telefone como constante ameaça de interrupção, etc. Podem ser ruídos culturais, como os constituídos pelas categorias ou pautas a que estamos sujeitos como membros de um grupo social determinado: valores, cultura, viver no campo ou em uma zona carente, normas sociais, etc. Podem ser ruídos psicológicos, como características fortes ou frágeis entre os interlocutores, dependências afetivas ou rechaços mútuos, incapacidade de verbalizar o mundo interior, bloqueios por desconfiança, etc. E podem ser ruídos ideológicos, como pré-julgamentos filosóficos, políticos ou teológicos que podem interferir no nível perceptivo e intelectual das pessoas.
Os ruídos são superados eliminando a fonte que os origina, estudando bem o contexto, selecionando bem os códigos ou suprimindo as causas físicas; utilizando mais canais de comunicação: por exemplo, acrescentando o gesto à voz, mostrando uma fotografia, fazendo um desenho ou um gráfico e controlando o fluxo da informação (falando menos e mais pausado) ou voltando a repetir o exposto com outras palavras.
As entrevistas devem ser agendadas com antecedência e não devem exceder o tempo de 45 a 60 minutos, já que a capacidade para captar as mensagens tem um limite. Todo acompanhamento requer sessões periódicas – semanais, quinzenais ou mensais - de entrevistas.
O discernimento espiritual
Para fazer um discernimento sadio, Santo Inácio propõe (conforme “Exercícios Espirituais”, n.º 175-188) três tempos, dois modos e uma confirmação.
Os três tempos
O primeiro tempo é quando Deus atrai a vontade da pessoa de tal maneira que esta segue, sem duvidar, o caminho que lhe é apresentado. É a experiência de Mateus, de Paulo e de tantos outros ao receber o chamado do Senhor.
Caracteriza-se pela certeza e a clareza com que se percebe o concreto da escolha como vontade de Deus para nós. Santo Inácio fala aqui do “consolo”, porque não está excluído que a pessoa perceba esta vontade de Deus em um profunda desolação. Com efeito, a percepção da vontade de Deus não é fruto de uma interpretação do jogo das consolações e sim, o resultado de uma certeza de caráter intuitivo e portanto, não é necessário buscar, fora da experiência, critérios para poder percebê-la como autêntica e como vinda de Deus.
Santo Inácio nada disse sobre como se chega a essa certeza. Não se afirma nem se nega que tenha existido uma história anterior ou que se tenha chegado até ali depois de um extenso processo. Nem tampouco que se trate de uma experiência instantânea que, em um determinado momento, se fez tão clara para a pessoa que a levou a não ter mais a mínima dúvida nem a questionar sequer a possibilidade de duvidar. Trata-se de um contato direto com Deus no qual, o influxo do Espírito Santo, é percebido de uma maneira evidente por uma clareza e uma certeza interior.
Neste primeiro tempo, Deus e o conteúdo da eleição são experimentados como uma ação extraordinária de sua graça. Este é um dos elementos místicos presente dentro dos Exercícios que encontram sua origem na própria experiência mística de Santo Inácio. É um dom extraordinário, ainda que ocorra sem que se dêem fenômenos externos extraordinários.
O segundo tempo é o clássico modo de discernir a vontade de Deus através do jogo das consolações. A pessoa encontra-se “mexida” por motivações opostas através das quais trata de perceber o que estas significam em termos da vontade de Deus.
O primeiro passo do discernimento é saber situar-se diante do fenômeno mais global dos movimentos internos de consolação e desolação. Para isto, Santo Inácio propõe as regras de discernimento da primeira e segunda semana dos Exercícios Espirituais: que se entende por consolação-desolação, como atua o bom ou o mau espírito e que fazer em caso da consolação ou da desolação.
O segundo passo, mais difícil, é interpretar as consolações. Neste momento, se necessita um cuidado maior porque o processo de discernimento avança e se acrescenta a oração e a observação atenta do que ocorre no íntimo da pessoa ou do grupo que discerne. O silêncio, o recolhimento, os exames, as repetições de sentidos, o respeito por escutar a opinião do outro e a melhor disponibilidade ajudam a estar dispostos para observar com mais clareza o que está sucedendo em cada um e na comunidade, para ver as causas da consolação ou da aridez e para perceber melhor o que está sucedendo. Como fruto desta observação, a pessoa ou o grupo que discerne aprende a classificar as inspirações e a encontrar nesse processo a vontade de Deus.
O terceiro tempo é um tempo tranqüilo para usar, livre e serenamente, as potencialidades naturais. A pessoa já não está sob o impacto das consolações e das desolações e, sim, é uma atitude serena onde suas potencialidades podem ser utilizadas sem a interferência dessas aspirações. Não se trata de uma deliberação puramente racional, que fica só no plano das razões objetivas do sentido comum e não recebe nenhuma influência da perspectiva de fé. Como se trata de uma escolha ou discernimento para buscar a vontade de Deus, as razões tem que estar sempre iluminadas pela fé. Ou melhor dizendo, brotam da própria realidade de fé, de sua raiz mais profunda.
Os dois modos
O primeiro modo refere-se ao discernimento no que diz respeito às razões que poderiam mover-nos a abraçar ou deixar de lado o objeto da opção.
O ponto de partida é ajudar à pessoa a situar-se no plano da fé: “considerar o fim para o qual fomos criados, que é louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor e salvar nossa alma” e a verificar se está em atitude de indiferença ou de desapego frente aos afetos desordenados. Se aparecem “apegos”, há que fazer inclinar a balança para o lado contrário e convencer-se de que, quanto mais a pessoa se libera de seu amor próprio e de sua vontade de interesse, muito mais progride nas coisas espirituais.
Para isso, se traça um quadro de quatro colunas. Na primeira coluna são colocadas as razões favoráveis e as razões contrárias para abraçar a coisa em questão (“os prós”) e na segunda coluna, colocam-se as razões favoráveis e as razões contrárias para não abraçar a coisa em questão (os “contras”). Provavelmente, muitas razões se repetirão em ambas colunas. Contudo, o exercício de escrevê-las ajuda a desmascarar as resistências inconsistentes já que pode acontecer que uma pessoa creia que está no terceiro tempo – isto é, “tranqüilo - e de fato está influenciado, sutilmente, pelo mau espírito.
Depois da reflexão, deve-se verificar para onde se inclina e onde pesam mais as razões apresentadas e deliberar sobre a coisa proposta segundo a maior inspiração racional e não segundo qualquer inspiração sensual. A decisão deve seguir a objetividade das razões e ali aparece a inspiração divina. Pois o homem racional, à luz da fé, é movido por Deus, ainda que Deus não se faça sentir à maneira de uma consolação ou de uma desolação.
No segundo modo, Santo Inácio convida a deliberar sobre a pessoa mesma e já não sobre as razões que a movem a agir. Como preâmbulo (primeira regra), faz refletir sobre “o amor que nos move e nos faz eleger a coisa” para verificar se vem “de cima”, quer dizer, do Amor de Deus. Convida logo a imaginar a um homem a quem nunca se viu e a quem se deseja todo o bem possível e a considerar o que ele diria para fazer e escolher para maior glória de Deus e para maior bem dele mesmo em relação à coisa em questão. É um modo de tomar distância de si mesmo pra julgar com maior objetividade (segunda regra) e para aplicar logo o conselho à própria pessoa.
A terceira e quarta regra põe em uma situação limite: às portas da morte e no dia do juízo. Aí já não existem justificações falsas e a verdade aparece com toda sua limpidez. Ao pôr-se nessa situação, a pessoa se pergunta com que sinceridade julga sobre a coisa em questão. Este modo é menos aconselhável que o anterior para as pessoas que se evadem facilmente e que freqüentemente racionalizam, posto que elas costumam ser muito objetivas em seus juízos.
A confirmação
O processo de discernimento pessoal ou grupal leva a uma escolha na qual se percebe, no concreto, com maior ou menor clareza, a vontade de Deus no histórico da vida de cada um.
O resultado final ou escolha, certamente não é uma caminhada sem dúvidas nem lutas. Santo Inácio só fala de “confirmação” ao referir-se ao terceiro tempo, já que o primeiro tempo goza de tal evidência que não se pode duvidar e o segundo tempo, com o jogo das inspirações e com o signo claro das consolações divinas, faz que a escolha não necessite confirmação: “Deus já o confirmou com o consolo”.
O terceiro tempo, sendo tranqüilo e predominantemente racional, não recebeu o selo divino da consolação e por isso busca-se a consolação confirmadora. Terminada a eleição, as semanas seguintes são tempo de confirmação.
Há uma confirmação interna e uma externa. A confirmação interna é uma experiência pela qual a pessoa percebe que seu oferecimento agrada a Deus. Traz paz, gozo, consolação e satisfação. É um impulso dinâmico nascido do mais profundo da pessoa. Sente paz porque tem encontrado o que Deus pede. A paz surge ao recapitular a decisão e é portanto, uma paz confirmadora. Experimenta-se a alegria do Ressuscitado que fez a vontade de seu Pai. Tem um selo pascal. E há também uma confirmação externa. Toda decisão pertence também ao âmbito externo, social, histórico e, por conseguinte, entra em relação com a história, com a Igreja hierárquica e com a autoridade religiosa. A comunidade eclesial exerce aqui um papel de confirmação e se transforma em um sacramento de ratificação divina.
1ª parte de quatro do Texto apresentado no 4º Seminário Nacional de Assessores – Uruguai-2000.
Ex-assessor da Secção Juventude do CELAM.
SEJ-CELAM, “Pastoral da Juventude construtora da Civilização do Amor”, Santafé de Bogotá, 1987, p.123. Valemo-nos da edição espanhola.
Cf. SEJ-CELAM, “Os processos de Educação na Fé dos Jovens” CCJ, 1990, SP.
SEJ-CELAM, “Pastoral da Juventude construtora da Civilização do Amor”, Ed. Paulinas, 1987, p.123
Ib. P. 200-201. No Brasil a terminologia é diferente, mas são muito semelhantes as propostas.
Ib.,210-3. No Brasil existem várias sistematizações destes momentos. A mais conhecida é a do Pe. Florisvaldo Orlando, ex-assessor nacional da Pastoral da Juventude.
Declaração final do 1º Congresso Latino-americano de Vocações, Itaici, 1994, n.º 26
3ª e última parte do texto “Discernir e Realizar o Projeto de Vida” apresentado no 4º Seminário Nacional de Assessores do Uruguai no ano 2000. A 1ª e a 2ª parte estão nos números 87 e 88 desta Revista.
Seção Juventude do CELAM. São Paulo: Ed. Paulinas 1997.