CARTA
APOSTÓLICA DO
SANTO PADRE JOÃO PAULO II
«APROXIMA-SE»
PELO QUARTO
CENTENÁRIO DA
UNIÃO DE BREST
Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. APROXIMA-SE o dia em que a Igreja
greco-católica da Ucrânia celebrará o quarto centenário da união entre os
Bispos da Sede Metropolitana da Rus' de Kiev e a Sé Apostólica. A união foi
efectuada no encontro dos representantes da Sede Metropolitana de Kiev com o
Papa, que teve lugar a 23 de Dezembro de 1595 e foi proclamada solenemente em
Brest-Litovsk, nas margens do rio Bug, no dia 16 de Outubro de 1596. O Papa
Clemente VIII, com a Constituição Apostólica Magnus Dominus et laudabilis
nimis (1), anunciou-o à Igreja inteira e, com a Carta Apostólica Benedictus
sit Pastor (2), dirigiu-se aos Bispos da Sede Metropolitana, comunicando-lhes
a união ocorrida.
Os Papas seguiram com solicitude e afecto o
caminho, muitas vezes dramático e doloroso, desta Igreja. Quereria aqui
recordar, de modo particular, a Carta Encíclica Orientales omnes do Papa
Pio XII, o qual, em Dezembro de 1945, escreveu palavras inesquecíveis, para
recordar o 350º aniversário do restabelecimento da plena comunhão com a Sede de
Roma (3).
A União de Brest abriu uma nova página na
história daquela Igreja (4). Hoje, ela quer cantar com alegria o hino de
agradecimento e de louvor Àquele que, mais uma vez, a levou da morte à vida, e
pôr-se de novo em caminho com impulso renovado na via indicada pelo Concílio
Vaticano II. Aos fiéis da Igreja greco-católica ucraniana unem-se, na acção de
graças e na súplica, as Igrejas greco-católicas da emigração que têm como ponto
de referência a União de Brest, juntamente com as outras Igrejas Orientais
católicas e com toda a Igreja. Aos católicos de tradição bizantina daquelas
terras, quero unir-me também eu, Bispo de Roma, que durante muitos anos, no
tempo do meu ministério pastoral na Polónia, senti a proximidade física, além
de espiritual, com aquela Igreja nesse período tão duramente provada e que,
depois da minha eleição à Sé de Pedro, senti fortemente o dever, em
continuidade com os meus Predecessores, de levantar a voz para defender o seu
direito à existência e à livre profissão da fé, quando ambas eram negadas.
Agora, com comoção, tenho o privilégio de celebrar juntamente com ela, os dias
da liberdade reconquistada.
Em busca da unidade
2. As celebrações da União de Brest devem ser
colocadas no contexto do Milénio do Baptismo da Rus'. Há sete anos, em 1988,
aquele evento foi celebrado com grande solenidade. Na ocasião, publiquei dois
documentos: a Carta Apostólica Euntes in mundum, de 25 de Janeiro de
1988 (5), para a Igreja inteira, e a Mensagem Magnum Baptismi donum, de
14 de Fevereiro do mesmo ano (6), enviada aos católicos ucranianos. Tratava-se,
com efeito, de celebrar um momento fundamental para a identidade cristã e
cultural daqueles povos, com um valor muito particular derivante do facto que
as Igrejas de tradição bizantina e a Igreja de Roma ainda viviam em plena
comunhão.
A partir do tempo da divisão que feriu a
unidade entre o Ocidente e o Oriente bizantino, foram frequentes e intensos os
esforços para reconstituir a comunhão plena. Quero recordar dois acontecimentos
particularmente significativos: o Concílio de Lião, em 1274, e sobretudo o
Concílio de Florença, em 1439, quando foram assinados protocolos de união com
as Igrejas Orientais. Infelizmente, várias causas impediram que as
potencialidades contidas nesses acordos dessem o fruto esperado.
Os Bispos da Sede Metropolitana de Kiev, ao
restabelecerem a comunhão com Roma, referiram-se de modo explícito às decisões
do Concílio de Florença, portanto a um Concílio que tinha a participação
directa, entre outros, dos representantes do Patriarcado de Constantinopla.
Neste contexto, resplandece a figura do
Metropolita Isidoro de Kiev que, fiel intérprete e defensor das decisões daquele
Concílio, teve de suportar o exílio por causa das suas convicções.
Nos Bispos que promoveram a união e na sua
Igreja permanecia muito viva a consciência do estreito vínculo originário com
os seus irmãos ortodoxos, além da consciência plena da identidade oriental do
seu Metropolita, que devia ser salvaguardada também depois da união. Na
história da Igreja católica é de grande valor o facto que esse justo desejo
tenha sido respeitado e que o acto de união não tenha significado a passagem
para a tradição latina, tal como alguns pensavam devesse ocorrer: a sua Igreja
vê reconhecido o direito de ser governada por uma hierarquia própria, com uma
específica disciplina, e de manter os patrimónios litúrgico e espiritual
orientais.
Entre perseguição e florescimento
3. Após a união, a Igreja greco-católica
ucraniana viveu um período de florescimento das estruturas eclesiásticas, com
reflexos benéficos sobre a vida religiosa, sobre a formação do clero e sobre o
empenho espiritual dos fiéis. Grande importância foi atribuída, com notável
clarividência, à educação. Com a contribuição preciosa da Ordem basiliana e de
outras Congregações religiosas, incremento admirável foi dado ao estudo das
disciplinas sagradas e da cultura nacional. No século actual, uma figura de extraordinário
prestígio foi, neste sentido e no testemunho do sofrimento suportado por amor a
Cristo, o Metropolita André Szeptyckyj que, à preparação e ao primor espiritual
da pessoa, soube unir excelentes dotes de organizador, fundando escolas e
academias, sustentando os estudos teológicos e as ciências humanas, a imprensa,
a arte sacra e a conservação das memórias.
Entretanto, tanta vitalidade eclesial foi
sempre acompanhada pelo drama da incompreensão e oposição. Disto foi vítima
ilustre o Arcebispo de Polock e Vitebsk, Josafat Kuncevyc, cujo martírio foi
coroado com a imarcescível coroa da glória eterna. Agora o seu corpo repousa na
Basílica Vaticana, onde continuamente recebe a homenagem comovida e grata de
toda a catolicidade.
As dificuldades e os transtornos repetiram-se
ininterruptamente. Pio XII recordou-os na Carta Encíclica Orientales omnes,
na qual, depois de se ter detido sobre as perseguições precedentes, já
prenuncia a perseguição dramática do regime ateísta (7).
Entre as testemunhas heróicas não só dos
direitos da fé, mas também da consciência humana, que se distinguiram naqueles
anos difíceis, sobressai a figura do então Metropolita Josyf Slipyj: a sua
coragem ao suportar o exílio e a prisão durante dezoito anos, e a confiança
indómita na ressurreição da sua Igreja tornam-no uma das figuras mais vigorosas
de confessores da fé do nosso tempo. Nem devem ser esquecidos os seus numerosos
companheiros de sofrimento, em particular os Bispos Gregório Chomyszyn e
Josafat Kocylowskyj.
Estes tempestuosos eventos devastaram a Igreja
na pátria-mãe. Mas já há tempo a Providência divina tinha predisposto que
numerosos filhos daquela Igreja pudessem encontrar uma solução para si mesmos e
para o seu povo: eles, de facto, a partir do século XIX começaram a difundir-se
em grande número para além do oceano, em fluxos migratórios que os levaram
sobretudo para o Canadá, os Estados Unidos da América, o Brasil, a Argentina e
a Austrália. A Santa Sé quis estar próxima deles, assistindo-os e instituindo
para eles estruturas pastorais nos novos locais de residência, até constituir
verdadeiras e próprias Eparquias. No momento da prova, durante a perseguição
ateia na terra de origem, a voz destes crentes pôde assim erguer-se, em plena
liberdade, com força e coragem. O seu clamor reivindicou no fórum
internacional o direito à liberdade religiosa para os irmãos perseguidos,
reforçando desse modo o apelo que se elevou do Concílio Vaticano II, a favor da
liberdade religiosa (8), e a acção efectuada neste sentido pela Santa Sé.
4. Às vítimas de tantos sofrimentos dirige-se a
recordação comovida da inteira Comunidade católica: os mártires e os
confessores da fé da Igreja na Ucrânia oferecem-nos uma estupenda lição de
fidelidade, à custa da vida. E nós, testemunhas privilegiadas do seu
sacrifício, estamos conscientes que eles contribuíram para manter na dignidade
um mundo que parecia destruído pela barbárie. Eles conheceram a verdade, e a
verdade os tornou livres. Os cristãos da Europa e do mundo, inclinados em
oração no limiar dos campos de concentração e das prisões, devem ser gratos por
essa luz deles: era a luz de Cristo, que eles fizeram resplandecer nas trevas.
Estas, aos olhos do mundo, pareceram durante muitos anos vencedoras, mas não
puderam extinguir aquela luz, que era luz de Deus e luz do homem ofendido mas
não rendido.
Essa herança de sofrimento e de glória
encontra-se hoje numa viragem histórica: caídas as cadeias da prisão, a Igreja
greco-católica da Ucrânia voltou a respirar o ar da liberdade e a readquirir
inteiramente o próprio papel activo na Igreja e na história. Esta tarefa,
delicada e providencial, requer hoje uma reflexão particular, para que seja
cumprida com sabedoria e clarividência.
Na esteira do Concílio Vaticano II
5. A celebração da União de Brest deve ser vivida
e interpretada à luz dos ensinamentos do Concílio Vaticano II. É este, talvez,
o aspecto mais importante para a compreensão do alcance dessa comemoração.
Sabe-se que o Concílio Vaticano II se deteve a
reflectir sobretudo acerca do mistério da Igreja, de tal sorte que um dos
documentos mais importantes por ele elaborados foi a Constituição Lumen
gentium. Precisamente em razão desse aprofundamento, o Concílio reveste uma
particular relevância ecuménica. É confirmação disto o Decreto Unitatis
redintegratio, que elabora um programa muito esclarecido acerca da acção a
ser desenvolvida, em vista da unidade dos cristãos. Pareceu-me oportuno
retornar a esse programa, a trinta anos de distância da conclusão do Concílio,
com a Carta Encíclica Ut unum sint, publicada no dia 25 de Maio do ano
corrente (9). Ela delineia os passos ecuménicos que tiveram lugar depois do
Concílio Vaticano II e, ao mesmo tempo, na perspectiva do Terceiro Milénio da
era cristã, procura abrir novas possibilidades para o futuro.
Colocando as celebrações do próximo ano no
contexto da reflexão sobre a Igreja, promovida pelo Concílio, é sobretudo
urgente que eu convide a aprofundar a função própria que a Igreja
greco-católica ucraniana é chamada a exercer hoje no movimento ecuménico.
6. Há quem veja na existência das Igrejas
Orientais católicas uma dificuldade para o caminho do ecumenismo. O Concílio
Vaticano II não deixou de enfrentar esse problema, indicando-lhes as
perspectivas de solução, tanto no Decreto Unitatis redintegratio, sobre
o ecumenismo, como no Decreto Orientalium Ecclesiarum, a elas
especialmente dedicado. Ambos os documentos se põem na perspectiva do diálogo
ecuménico com as Igrejas Orientais, não em plena comunhão com a Sede de Roma,
de modo que seja valorizada a riqueza que as outras Igrejas têm em comum com a
Igreja Católica, e esteja fundada sobre essa a busca de uma comunhão cada vez
mais plena e profunda. Com efeito, «o ecumenismo busca precisamente fazer
crescer a comunhão parcial existente entre os cristãos, até à plena comunhão na
verdade e na caridade»(10).
Para promover o diálogo com a Ortodoxia
bizantina, foi constituída, depois do Concílio Vaticano II, uma apropriada
Comissão mista que incluiu entre os seus membros também representantes das
Igrejas Orientais católicas.
Em vários documentos procurou-se aprofundar o
esforço para uma maior compreensão entre Igrejas Ortodoxas e Igrejas Orientais
católicas, não sem resultados positivos. Na Carta Apostólica Orientale lumen
(11) e na Carta Encíclica Ut unum sint (12) já tratei dos elementos de
santificação e de verdade (13), comuns ao Oriente e ao Ocidente cristãos, e do
método que é desejável seguir na busca da plena comunhão entre a Igreja
Católica e as Igrejas Ortodoxas, à luz do aprofundamento eclesiológico
realizado pelo Concílio Vaticano II: «Hoje sabemos que a unidade pode ser
realizada pelo amor de Deus, somente se as Igrejas o quiserem juntas, no pleno
respeito das várias tradições e da necessária autonomia. Sabemos que isto pode
realizar-se somente a partir do amor de Igrejas que se sentem chamadas a
manifestar sempre cada vez mais a única Igreja de Cristo, nascida de um único
Baptismo e de uma única Eucaristia, e que querem ser irmãs» (14). O
aprofundamento no conhecimento da doutrina sobre a Igreja, realizado pelo Concílio
e pelo período pós-conciliar, traçou uma via que se pode definir nova para o
caminho da unidade: a via do diálogo da verdade, nutrido e sustentado pelo
diálogo da caridade (cf. Ef. 4, 15).
7. A saída da clandestinidade significou uma
mudança radical na situação da Igreja greco-católica ucraniana: ela
encontrou-se diante dos graves problemas da reconstrução das estruturas, das
quais tinha sido completamente privada e, de modo mais geral, teve de se
empenhar para redescobrir plenamente a si mesma, não só no próprio interior,
mas também em relação com as outras Igrejas.
Sejam dadas graças ao Senhor por lhes ter
concedido celebrar este jubileu, em condição de reconquistada liberdade
religiosa. Sejam-Lhe dadas graças também pelo crescimento do diálogo da caridade,
em virtude do qual foram dados passos significativos no caminho rumo à desejada
reconciliação com as Igrejas Ortodoxas.
Migrações e deportações múltiplas delinearam de
novo a geografia religiosa daquelas terras; tantos anos de ateísmo de Estado marcaram
de modo profundo as consciências; o clero ainda não é suficiente para responder
às imensas necessidades da reconstrução religiosa e moral; são estes alguns dos
desafios mais dramáticos com que todas as Igrejas estão a confrontar-se.
Diante destas dificuldades requer-se um comum
testemunho da caridade, para que a pregação do Evangelho não seja dificultada.
Como eu disse na Carta Apostólica Orientale lumen, «hoje podemos
cooperar para o anúncio do Reino ou tornarmo-nos fautores de novas divisões»
(15). Digne-se o Senhor guiar os nossos passos pelo caminho da paz.
O sangue dos mártires
8. Na liberdade reencontrada não podemos
esquecer a perseguição e o martírio que as Igrejas daquela região, católicas e
ortodoxas, sofreram na própria carne. Trata-se de uma dimensão importante para
a Igreja de todos os tempos, como recordei na Carta Apostólica Tertio
millennio adveniente (16). Trata-se de uma herança particularmente
significativa para as Igrejas da Europa, que permanecem profundamente marcadas
por ela: dever-se-á reflectir sobre ela, à luz da Palavra de Deus.
Parte integrante desta nossa memória religiosa
é, portanto, o dever de revocar à mente o significado do martírio, para indicar
à veneração de todos as figuras concretas dessas testemunhas da fé, na consciência
de que também hoje conserva plena validade o que Tertuliano disse: «Sanguis
martyrum, semen christianorum» (17). Nós, cristãos, temos já um
martirológio comum, no qual Deus mantém e realiza entre os baptizados a
comunhão na exigência suprema da fé, manifestada com o sacrifício da vida. A
comunhão real, ainda que imperfeita, já existente entre católicos e ortodoxos
na sua vida eclesial, chega à sua perfeição em tudo aquilo que «nós
consideramos o ápice da vida de graça, o martyria até à morte, a comunhão
mais verdadeira que possa existir com Cristo que derrama o Seu sangue e, neste
sacrifício, aproxima aqueles que outrora estavam longe (cf. Ef. 2, 13)»
(18).
A recordação dos mártires não pode ser
cancelada da memória da Igreja e da humanidade: sejam eles vítimas de
ideologias do Oriente ou do Ocidente, todos estão unidos pela violência que,
por ódio à fé, foi praticada contra a dignidade da pessoa humana, criada por
Deus «à Sua imagem e semelhança».
A Igreja de Cristo é una
9. «Credo unam, sanctam, catholicam et
apostolicam Ecclesiam». Esta profissão de fé, contida no Símbolo
niceno-constantinopolitano, é comum aos cristãos tanto católicos como
ortodoxos: isto põe em evidência que eles não só crêem na unidade da Igreja,
mas vivem e querem viver na Igreja una e indivisível, como foi fundada por
Jesus Cristo. As diferenças que surgiram e se desenvolveram entre cristianismo
do Oriente e do Ocidente, ao longo da história, são em grande parte diversidade
de origem cultural e de tradições. Neste sentido, «a legítima diversidade não
se opõe de forma alguma à unicidade da Igreja, antes, aumenta o seu decoro e
contribui significativamente para o cumprimento da sua missão» (19).
O Papa João XXIII gostava de repetir: «É muito
mais forte aquilo que nos une, do que o que nos divide». Estou certo de que
este espírito pode ser de grande proveito para todas as Igrejas. Passaram mais
de trinta anos desde que o Papa pronunciou estas palavras. Muitos indícios nos
levam a pensar que nesse período os cristãos tenham progredido neste caminho.
Disto são sinais eloquentes os encontros fraternos entre o Papa Paulo VI e o
Patriarca ecuménico Atenágoras I, e os que eu mesmo tive com os Patriarcas
ecuménicos Dimítrios e, recentemente, Bartolomeu, e com outros venerados
Patriarcas das Igrejas do Oriente. Tudo isto, juntamente com as numerosas
iniciativas de encontro e de diálogo que são favorecidas por toda a parte na
Igreja, encoraja-nos à esperança: o Espírito Santo, o Espírito de unidade, não
cessa de actuar entre os cristãos ainda separados entre si.
Entretanto, a debilidade humana e o pecado
continuam a opor resistência ao Espírito de unidade. Por vezes, perdeu-se até a
impressão de que existem forças prontas para tudo com o fim de deter, e até
mesmo aniquilar, o processo de união entre os cristãos. Contudo, não podemos
desistir: devemos encontrar todos os dias a coragem e a força, ao mesmo tempo
dom do Espírito e fruto do esforço humano, para continuar pelo caminho
empreendido.
10. Ao reflectirmos sobre a União de Brest,
perguntamo-nos qual é hoje o significado deste evento. Tratou-se de uma união
que se referiu só a uma área geográfica específica, contudo, a sua importância
é relevante para o inteiro quadro ecuménico. As Igrejas Orientais católicas
podem oferecer uma contribuição muito importante ao ecumenismo. Recorda-o o
Decreto conciliar Orientalium Ecclesiarum: «Às Igrejas Orientais que
vivem em comunhão com a Sé Apostólica de Roma compete a peculiar obrigação de
favorecer, segundo os princípios do decreto sobre o Ecumenismo deste sagrado
Concílio, a unidade de todos os cristãos, principalmente dos Orientais,
sobretudo pela oração e pelo exemplo de vida, pela fidelidade religiosa para
com as antigas tradições orientais, pelo melhor conhecimento mútuo, pela
colaboração e estima fraterna das instituições e das mentalidades» (20). Disto
deriva o seu empenho em viver com intensidade quanto está aqui delineado.
Requer-se delas uma confissão plena de humildade e de gratidão para com o
Espírito Santo, o qual guia a Igreja rumo ao fim que lhe foi indicado pelo
Redentor do mundo.
Tempo de oração
11. O elemento fundamental que deverá
caracterizar a celebração deste jubileu será, por conseguinte, a oração. Ela é,
antes de mais, acção de graças por tudo o que se conseguiu, no decorrer dos séculos,
no empenho pela unidade da Igreja e, em particular, pelo impulso que o Concílio
Vaticano II deu a esse empenho.
Ela é acção de graças ao Senhor que guia o
caminho da história, pelo clima de reencontrada liberdade religiosa em que se
celebra este jubileu. Ela é também súplica ao Espírito Paráclito, para que faça
crescer tudo aquilo que favorece a unidade e dê coragem e fortaleza a quantos
se empenham, segundo as orientações do Decreto conciliar Unitatis
redintegratio, nesta obra abençoada por Deus. É súplica para obter o amor
fraterno, o perdão das ofensas e das injustiças sofridas na história. É súplica
para que o poder do Deus vivo possa haurir o bem, até mesmo daquele mal tão
cruel e multiforme causado pela malícia dos homens. A oração é também esperança
para o futuro do caminho ecuménico: o poder de Deus é maior do que todas as
debilidades humanas antigas e novas. Se este jubileu da Igreja greco-católica
ucraniana, no limiar do Terceiro Milénio, der algum passo avante rumo à unidade
dos cristãos, isto será antes de tudo obra do Espírito Santo.
Tempo de reflexão
12. As celebrações jubilares, além disso, serão
um momento de reflexão. A Igreja greco-católica ucraniana interrogar-se-á antes
de tudo sobre aquilo que significou para ela a plena comunhão com a Sé
Apostólica, e sobre quanto deverá significar no futuro. Ela dará glória a Deus
com atitude de humilde gratidão, pela sua heróica fidelidade ao Sucessor de
Pedro e, sob a acção do Espírito Santo, compreenderá que essa mesma fidelidade
a põe hoje no caminho do empenho pela unidade de todas as Igrejas. Essa
fidelidade custou-lhe sofrimentos e martírio no passado: é este um sacrifício
oferecido a Deus para implorar a desejada união.
A fidelidade às antigas tradições orientais é
um dos meios à disposição das Igrejas Orientais católicas, para promover a
unidade dos cristãos (21). O Decreto conciliar Unitatis redintegratio é
muito explícito quando declara: «Conhecer, venerar, conservar e fomentar o
riquíssimo património litúrgico e espiritual dos orientais é da máxima
importância para guardar fielmente a plenitude da tradição cristã e realizar a
reconciliação dos cristãos orientais e ocidentais» (22).
Uma memória confiada a Maria
13. Não cessamos de confiar o anélito de plena
unidade dos cristãos à Mãe de Cristo, sempre presente na obra do Senhor e da
sua Igreja. O capítulo VIII da Constituição dogmática Lumen gentium
indica-a como Aquela que nos precede no nosso caminho de fé sobre a terra,
ternamente presente na Igreja que, no final do segundo milénio, se esforça por
restabelecer, entre todos os crentes em Cristo, aquela unidade que o Senhor
quer para eles. Ela é Mãe da unidade, porque Mãe do único Cristo. Se por obra
do Espírito Santo deu à luz o Filho de Deus, que d'Ela recebeu o corpo humano,
Maria deseja ardentemente a unidade visível também de todos os crentes, que
formam o Corpo místico de Cristo. A veneração a Maria, que une com tanta força
o Oriente e o Ocidente, agirá, disto estamos certos, em favor da unidade.
A Virgem Santíssima, já presente em toda a
parte no meio de nós, em tantos edifícios sagrados, como na vida de fé de
tantas famílias, fala continuamente de unidade, pela qual intercede sem cessar.
Se hoje, ao comemorar a União de Brest, recordamos os maravilhosos tesouros de
veneração que soube reservar à Mãe de Deus o povo cristão da Ucrânia, não
podemos deixar de haurir desta admiração pela história, pela espiritualidade e
pela oração daqueles povos, as consequências para a unidade que a esses
tesouros estão conexas de modo tão íntimo.
Maria, que inspirou na prova pais e mães,
jovens, doentes e anciãos; Maria, coluna de fogo capaz de guiar tantos mártires
da fé, está sem dúvida a agir para preparar a desejada união de todos os
cristãos; por isso a Igreja greco-católica na Ucrânia tem certamente o seu
papel a desempenhar.
A Maria a Igreja exprime o seu agradecimento e
pede-lhe que nos torne partícipes da sua solicitude pela unidade:
abandonemo-nos a Ela com confiança filial, para nos encontrarmos com Ela onde
Deus será tudo em todos.
A vós, Irmãos e Irmãs caríssimos, a minha
Bênção Apostólica.
Vaticano, 12 de Novembro, memória de S.
Josafat, do ano de 1995, décimo oitavo de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
NOTAS
1. Cf. Bullarium Romanum V/2 (1594-1602), 87-92.
2. Cf. A. Welykyj, Documenta Pontificium Romanorum 59.
3. Cf. AAS 38 (1946), 33-63.
4. Cf. João Paulo II, Carta ao Cardeal Myroslav
I. Lubachivsky, Arcebispo-Mor de Lviv dos Ucranianos (25 de Março de 1995), 3:
ed port. de L'Osserv. Romano de 20.5.95, pág. 2.
5. Cf. AAS 80 (1988), 935-956.
6. Cf. ibid. 988-997.
7. Cf. AAS 38 (1946), 54-57. Estes
temores encontrariam confirmação angustiante alguns anos depois, como o mesmo
Pontífice fazia notar, precisamente na Cart. Enc. Orientales Ecclesias
(15 de Dezembro de 1952): AAS 45 (1953), 7-10.
8. Cf. Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis
humanae.
9. Cf. ed port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pp. 7-18
10. Ibid. 14, l.c., pág. 8.
11. Cf. nn. 18-19: ed. port. de L'Osserv.
Romano de 6.5.95, pág. 10.
12. Cf. nn. 12-14: ed. port. de L'Osserv.
Romano de 3.6.95, pág. 8.
13. Cf. Decreto Unitatis redintegratio, 3.
14. Cf. Carta Apost. Orientale lumen, 20:
ed. port. de L'Osserv. Romano de 6.5.95, pág. 11.
15. N. 19: ed. port. de L'Osserv. Romano de
6.5.95, pág. 10.
16. Cf. AAS 87 (1995); Ut unum sint,
84: ed port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pág. 15.
17. Apol., 50, 13: CCL I, 171.
18. Ut unum sint, 84: ed port. de L'Osserv.
Romano de 3.6.95, pág. 15.
19. Ibid., l.c., pág. 12.
20. N. 24.
21. Cf. ibid.
22. N. 15.
Copyright © Libreria Editrice Vaticana