CARTA
APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO XXIII
OECUMENICUM CONCILIUM
REZA DO ROSÁRIO PARA O CONCÍLIO ECUMÊNICO
Aos veneráveis irmãos
patriarcas, primazes, arcebispos, bispos
e outros ordinários do lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica.
1. A aproximação do
concílio ecumênico convida as almas, com crescente apelo, à digna celebração do
mesmo.
Por isto, nestes últimos
meses, e particularmente depois da promulgação da Humanae salutis, o
nosso coração derramou-se em documentos múltiplos, destinados justamente a
preparar o clima espiritual do grande acontecimento: alguns solenes, outros
familiares, todos bem conhecidos, e ao que nos consta, com acolhida fervorosa
da parte dos católicos, e respeitosa da parte de todos os outros.
2. O espírito informador da
nossa palavra pontifícia é sempre este: de uma parte, a alma aberta à ação da
graça, e, de outra parte, a prontidão em viver e operar à luz das verdades
eternas, na exata e generosa aplicação do ensino de Jesus.
Pela Páscoa da
ressurreição, passamos às mãos de nossos veneráveis irmãos e caros filhos
membros da pontifícia comissão central do concílio - cardeais, bispos, prelados
e religiosos que representam a terra toda e, por eles, todos os povos - a rosa
de ouro como perfumado augúrio simbolizante o ornamento de virtude e de graça
com o qual quer adornar-se toda alma cristã: "Este é o voto bem expresso
por aquela rosa de ouro do nosso predecessor Inocêncio III; ela caminha com a
caridade e difunde o perfume suave de todas as virtudes cristãs. É preciso que ele
penetre na alma de todos como convite a cultivar a mais excelente forma de
santidade".(1)
3. Tal como já muitas vezes
anunciamos, com confiante solicitude dirigimo-nos agora a todo o mundo
católico, e, apraz-nos acrescentar, a todos os homens de boa vontade e de reto
sentimento, em nome e sob o olhar bendito e piedoso da Rosa mística: em nome de
Maria, mãe de Jesus e nossa. E a todos convidamos para uma súplica mais
acentuada, que dilate os horizontes do fervor religioso e empenhe em maior
santidade de vida, como o exige e persuade o concílio ecumênico.
4. Eis-nos em maio! As
almas são espontaneamente atraídas a venerar com particular atestação de amor a
Mãe de Deus; e as cerimônias nas Igrejas do orbe católico, desde os celebrados
santuários marianos até às humildes capelas das aldeias montanhosas e das
terras de missão, como também as fervorosas devoções no seio das famílias
cristãs, constituem uma tocante confirmação da atração universal que a Virgem
santa exerce sobre seus filhos.
5. É, portanto, vivo desejo
nosso que se passe este mês como que num colóquio filial com Maria santíssima,
como que a acompanhá-la ao longo dos caminhos que conduzem ao monte da
ascensão. O mês mariano finda, com efeito, este ano, com a grande festa da
Ascensão, festa celebrada com particular intensidade, desde os mais remotos
tempos, na Igreja do oriente e do ocidente: é suave conforto para o coração
prepararmo-nos para a comovente saudação a Jesus, que volta ao Pai, e para
recebermos as suas extremas ordens, em companhia de sua Mãe bendita, unidos aos
seus apóstolos, renovando o fervor do cenáculo, em que "todos, unânimes,
perseveravam na oraçâo... com Maria, a mãe de Jesus" (At 1,14).
6. É preciso notar bem que,
como é evidente, esta nossa exortação ao piedoso e frutuoso exercício do mês
mariano é dirigida em primeiro lugar aos sacerdotes. Dever será, pois, deles
não só comunicá-la aos fiéis, como também expô-la e ilustrá-la, de maneira a
convidá-los a dirigir as suas preces e as suas súplicas pelo feliz êxito do
concílio ecumênico, isto é, a fim de que este acontecimento grandioso constitua
um novo pentecostes, e o Espírito Santo derrame ainda uma vez sobre a Igreja,
de maneira prodigiosa, a riqueza dos seus dons.
7. Apraz-nos propor-vos
três pensamentos, que ofereçam matéria de pregação para os sacerdotes, assunto
de meditação para as almas mais distintas, e jorro de nova luz para todo aquele
que não queira ficar ausente da celebração do concílio. Da inspirada narração
dos Atos dos Apóstolos tomamos as últimas palavras de Jesus: "até o dia em
que foi arrebatado, depois de ter dado instruções aos apóstolos que escolhera
sob a ação do Espírito Santo. Ainda a eles apresentou-se vivo:... durante
quarenta dias apareceu-lhes e lhes falou do que concerne o reino de Deus.
Então, no decurso de uma refeição com eles, ordenou-lhes que não se afastassem
de Jerusalém, mas que aguardassem a promessa do Pai, 'a qual, disse ele,
ouvistes de minha boca... vós sereis batizados com o Espírito Santo dentro de
poucos dias... Recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre
vós"' (At 1,2-5,8).
8. I. Primeiramente, por
espaço de quarenta dias Cristo Jesus mostrou-se a seus Apóstolos, para com sua
presença lhes confirmar os ânimos: então "mostrou-se vivo".
Mas também depois da sua
ascensão ao céu, onde está sentado a direita do Pai, ele continua a mostrar-se
vivo, pois permanece junto conosco, conforme prometeu: "Eis que estou
convosco até o fim do mundo" (Mt 28,20). Portanto, em toda verdade nosso
Redentor está presente na sua Igreja, que continua e estende neste mundo a sua
missão; está presente na história humana, que é toda orientada para ele e que,
mesmo quando os homens não o percebem, serve aos seus fins de redenção e de
salvação; está presente em cada alma com a irradiação da sua graça e da eucaristia.
9. Desta presença será
atestado vibrante e expressivo o próximo concílio ecumênico, visto que o
trabalho de atualização da vida da Igreja, o conjunto das várias leis e
disposições que serão adotadas ou reexaminadas nas solenes assembléias, a outra
coisa não tende senão a isto: a Cristo conhecido, amado, imitado com sempre
crescente generosidade. "E preciso que ele reine" (1Cor 15,25): só
ele deve ser a aspiração contínua da nossa vida, mesmo nas mais humildes
atribuições: só com ele devemos viver, porque só ele tem "palavras de vida
eterna" (Jo 6,69). Outro escopo não tem a celebração do concílio, e
especialmente a renovação espiritual que, pela graça divina, a ele deve
seguir-se. Seja, pois, desde já, sempre mais convicta e operosa a fé de cada um
no divino Redentor, numa adesão íntima e sincera da alma ao seu ensino, na
certeza exultante da sua presença.
10. II. Nos dias que
precedem a ascensão, Jesus ainda fala aos apóstolos sobre o reino de Deus:
"falando do reino de Deus" (At 1,3). Esta foi a sua missão:
estabelecer o reino do Pai no coração dos homens, e difundi-lo também em formas
exteriores na família dos remidos. Esse reino refere-se principalmente aos
valores espirituais, que são preparação e promessa do reino celeste; com
efeito, embora iniciado neste mundo, o reino de Cristo não é deste mundo:
"O meu reino não é daqui" (Jo 18,3b).
11. Só assim se tem uma
visão de conjunto, e não parcial, das exigências do homem, cuja alma imortal se
prepara para, depois da prova, atingir o seu eterno destino. Isto impõe graves
deveres quer ao homem particular, quer à sociedade em que ele vive. Os
interesses deste mundo não devem, com efeito, oprimir a verdade, a justiça, a
eqüidade, nas relações com o próximo. Apagamos a luz dos céus tanto negando a
Deus como suprimindo direta ou indiretamente nosso próprio irmão, ou
desconhecendo os direitos inalienáveis da sua natureza de pessoa livre e da sua
vocação cristã.
12. A expectativa do
concílio ecumênico exige, pois, um mais decidido esforço de justiça individual
e social, um empenho mais generoso de caridade, um dom jubiloso de si mesmo
para o bem comum, a fim de que uma ordem mais eqüitativa nas relações
familiares, sociais e internacionais possa progredir, para vantagem de toda a
humanidade.
13. III. Enfim, promete o
Senhor o dom do alto, o Paráclito Consolador, por ele enviado e pelo Pai:
"Recebereis uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós"
(At 1,8).
O grande tema, a grande
força, o nosso único verdadefiro recurso é este: a graça, dizemos, que nos faz
santos, e à qual inúmeras graças eficazes precedem e seguem. Isto, por certo, é
de máxima importância e peso, a saber: que as almas dos homens cristãos, em
realidade e em verdade renascentes, se renovem interiormente. Porque, se isto
faltar de todo, o concílio ecumênico carecerá dos frutos esperados. Donde
facilmente se compreende quão necessário seja que os fiéis dirijam a Deus
preces mais esforçadas, e pelo uso mais freqüente dos sacramentos permeiem
totalmente seus pensamentos, costumes, enfim sua vida toda, e para os bens
supremos os dirijam e os convertam, de modo que deles imbuam a mente e a
vontade, juízos e propósitos, expressões várias e múltiplas da atividade
humana: profissões, cultura, trabalho manual.
14. É, essa, ainda e
sempre, a visão cristã do mundo, tão bem resumida pelas palavras de nosso
predecessor s. Gregório Magno, como as propusemos aos amados filhos da nossa
diocese de Roma: "aspirar à pátria celeste; dominar os instintos do corpo;
renunciar à glória do mundo; não desejar as coisas dos outros; doar
generosamente do que se tem".(2)
Para este programa de vida
espiritual é necessária a força do Espírito Santo, que infunda nas almas uma
fiel correspondência às inspirações celestes. E, se todos os nossos amados
filhos quiserem distinguir-se nesse empenho ardente, dúvida não nos pode restar
de que o concílio seja verdadeiramente o novo pentecostes, a maravilhosa
floração de graça que o nosso coração pressago espera.
15. Veneráveis irmãos e
amados filhos! O mês de maio oferece ocasião propícia para uma preparação assim
tão séria e intensa. Renovando a união unânime de oração em torno de Maria, Mãe
de Jesus, seja ele passado com particular intensidade de afeto, nas diversas
formas que a piedade popular reveste em cada região. "E o Rosário de
Maria, oh! que belo ramalhete de flores seria sempre, entre todas estas
variações de ternuras e de aflições piedosamente entrelaçadas, meditando e
invocando a cara Mãe celeste!"(3)
16. Mas o bendito rosário
de Maria é a devoção própria dos sacerdotes; e queremos propor-lhes como
exemplo a imitar s. João Maria Vianney, o santo cura d'Ars, que gostamos de
contemplar, comovido, enquanto com singular piedade o rosário se lhe escorre
nas mãos. Possam os sacerdotes tirar deste exemplo estímulo para alcançar uma
santidade digna da sua vocação; vocação que Deus deu para promover a salvação
das almas.
17. Seja, portanto, o
rosário o suspiro sereno dos corações especialmente dos nossos caros
sacerdotes, das almas consagradas a Deus numa vida de castidade perfeita e de
contínua caridade; das boas famílias cristãs, onde a lei de Deus está no centro
de pensamentos e de afetos; junte ele as mãos dos pequeninos, entrelace as dos
que sofrem, valorize as fadigas dos pais no trabalho cotidiano, seja olente
fragrância de requintada piedade, que invoque da Mãe Celeste as graças mais
seletas sobre o próximo concílio.
Na alegre esperança de que
estas nossas palavras inspirem as almas a uma intensidade de meditação e a uma
generosidade de aplicações, a vós, veneráveis irmãos, e a cada um dos
sacerdotes e féis comados às vossas solicitudes pastorais, enviamos a nossa
propiciatória bênção apostólica.
Dado em Roma, junto a S.
Pedro, a 28 de abril de 1962, quarto ano do nosso Pontificado.
JOÃO PP. XXIII
Notas
1. Cf. AAS 54(1962),
p. 222.
2. Cf. AAS 54(1962),
p. 278.
3. Cf. AAS 54(1962), p. 277.