EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO XXIII
SACRAE LAUDIS
PEDINDO ORAÇÕES PARA O PRÓXIMO CONCÍLIO
Veneráveis irmãos e
diletos filhos sacerdotes de todo o mundo.
1. O coro de louvor e
agradecimento dirigido a Deus de toda a parte do mundo católico, por ocasião do
anúncio do II concílio ecumênico do Vaticano, é bem natural que não só
continue, mas suscite vibrações de sempre maior fervor de vida cristã.
2. Por isso o eco da
satisfação geral que chegou até aqui, junto ao túmulo de são Pedro, centro da
unidade da Igreja, nos convida a procurar os meios oportunos para unir mais
estreitamente todos os espíritos em preparação ao grande acontecimento. Este
corresponderá tanto mais perfeitamente à sua finalidade e à expectativa geral,
quanto mais comportar, além de um revigoramento da fé católica e uma adaptação
da legislação da Igreja conforme às circunstâncias hodiernas, também um esforço
coletivo, decisivo e unânime, de santificação geral.
Primeiro convite aos
alunos do Santuário
3. A primeira forma de
cooperação para o êxito que esperamos é a oração. Antes de mais nada a oração
sacerdotal que imprime novo cunho e fervor à elevação espiritual de todo o povo
cristão. Por isso, desde o dia 12 de setembro de 1960, solenidade litúrgica
consagrada ao ss. nome de Maria, num dos nossos alegres e excepcionais
encontros com os alunos do seminário romano tão caro pela lembrança de nossa
formação sacerdotal tivemos a inspiração de apresentar aos estimados jovens uma
norma, uma súplica universal, que unisse diariamente em comunhão perfeita os
alunos do santuário, e a entregar-se a uma vida de piedade intensamente
fervorosa, em preparação ao grande acontecimento do concílio, a iim de que este
corresponda às expectativas de toda a catolicidade e do mundo inteiro.
4. E aquele pedido(1) foi
acolhido com agrado geral: do ermo monte da Sabina, venceu todas as distâncias,
atingiu os jovens seminaristas de todas as línguas e de todas as nações, como o
acender-se de um fogo sagrado, em preparação às queridas e santas alegrias
daquele novel sacerdócio, destinado de, por primeiro, pôr em prática as sábias
determinações do futuro concílio.
5. Oh! juventude bendita e
perene, que sob os auspícios do santo nome de Maria, e guiada por ela, prepara
brilhantes falanges para o apostolado benéfico da Igreja do futuro!
6. A recente festividade do
Natal nos aproxima, naqueles santos dias, à Mãe, e a seu esposo, o querido são
José, ambos em caminho de Belém, para a realização do grande mistério do Verbo
que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Quem, mais que o sacerdote é
digno de familiarizar-se com são José, a quem foi concedido de não somente ver
e ouvir a Deus mas de segurá-lo, beijá-lo, vesti-lo e guardá-lo?(2)
7. Por isso, por ocasião de
sua festa, a 19 de março do ano passado, foi a ele que quisemos confiar o
inefável encargo de patrono do concílio,(3) uma vez que ele já foi proclamado
patrono da Igreja universal, por ocasião do primeiro concílio do Vaticano, a 8
de dezembro de 1869.
O concílio: nova
Epifania
8. Estamos agora na
Epifania do Senhor. Eis a cena dos Reis Magos em torno de Jesus, em Belém. Oh!
que espetáculo! Vindos do oriente, avisados e, para sua grande alegria, guiados
por um astro prodigioso, como no-lo descreve o evangelista são Mateus com
deliciosa simplicidade de palavras e de cores. Mal chegam, ei-los em adoração,
diante do menino Jesus, manifestando assim seus sentimentos e lhe oferecendo
seus presentes: ouro, incenso e mirra (Mt 2,1,12).
9. Sob a figura desses
inesperados visitantes da alta camada social, como são os Magos, flor eleita
por dignidade pessoal, pela inteligência aberta e ávida de saber, encarregados
de funções sagradas e de responsabilidades, é-nos sumamente agradável
contemplar o espetáculo encantador de todos os membros do sacerdócio católico -
bispos, prelados, sacerdotes do clero secular e regular - guiados todos pela
mesma estrela para cumular de homenagens o mesmo Jesus, sempre vivo através dos
séculos no centro de sua Igreja, gloriosa e imortal.
10. Não se deveria dizer
que o concílio ecumênico, antes que um novo e grandioso pentecostes, quer ser
uma verdadeira e nova Epifania? Uma das tantas, mas não das menos solenes
manifestações que se deram e que se dão no decorrer da história? É bem
significativo o elo daqueles três singulares e afortunados personagens de
adorar em mística oração e de oferecer os preciosos dons de sua terra, em nome
de todo o mundo, ao recém-nascido.
Paterno apelo a todo
o clero católico
11. Veneráveis irmãos e
diletos filhos! Deixai-nos dizer que é de lá que nos veio a inspiração de sugerir
a todos vós sacerdotes da Igreja católica a repetição do singelo gesto de
adoração e de oferecimento, em todos os dias deste ano, que ora se inicia, ano
de preparação espiritual mais intensa e da celebração do concílio.
12. Pensamos por isso
chamar a atenção do clero católico de todos os países, ritos, línguas, para o
dever que eminentemente lhe compete de rezar com mais fervor pelo concílio.
13. E porque, além do santo
sacrifício da missa cotidiana, que sobrepuja qualquer forma de súplica
litúrgica, nenhuma outra é mais preciosa para um sacerdote do que a recitação
do Ofício divino ou breviário, julgamos oportuno aconselhar a todos os ungidos
do Senhor, obrigados à recitação desta oração, como forma peculiar de devoção
em preparação ao concílio, um grande cuidado na recitação diária do Ofício
divino, seja sob as arcadas luminosas ou modestas de qualquer templo ou capela,
seja reunidos em coro que é a forma mais perfeita de oração ou cada qual em seu
recolhimento particular, mas sempre como sacrifício de louvor, em nome da
Igreja universal.
14. Oh! Por que, veneráveis
irmãos e amados filhos, neste novo ano de graça, não nos havemos de comprometer
todos numa viva e eficaz súplica em prol do feliz êxito do grande
acontecimento, para o qual as almas cristãs olham com tanta ansiedade? Todos,
dizíamos, desde o jovem subdiácono, que há poucos dias apenas se delicia no
fervor e na suavidade do Oficio divino e ali encontra motivo de incomparável e
animadora alegria, até ao venerável ancião, que nesta prece desfruta de sua paz
como um antegozo da celeste conversação que o espera na Igreja triunfante.
15. Na realidade, cada
sacerdote não é apenas dispensador dos mistérios de Deus como na santa missa
(1Cor 4,1), mas é também mediador entre Deus e os homens. Ele é como o próprio
Cristo, e, à sua imagem, tirado do meio dos homens, e constituído em favor dos
homens em suas relações com Deus (Hb 5,1; cf. 8,6; 9,15;12,24; 1Tm 2,5).
Explica belamente são João Crisóstomo: "O sacerdote está no meio, entre
Deus e os homens: traz-nos os bens que de lá promanam e para lá conduz nossas
orações".(4)
O Ofício divino,
sublime oração sacerdotal
16. Esse nosso apelo ao
Ofício divino, como forma característica de grandiosa e elevadíssima oração
sacerdotal, para obter as graças e os dons que todos esperam do próximo
concílio ecumênico, nos lembra as características com as quais o Senhor Jesus
quis distinguir sua Igreja, pelas quais ela é e permanece, depois de 20
séculos, desde a fundação, una, santa, católica e apostólica, sempre vibrante e
vigorosa. Vivamente deseja que se lhe juntem, para gozar dos mesmos benefícios,
as várias confissões cristãs, que ao longo da história viveram e ainda vivem
separadas dela.
17. Ora, o Breviário
cotidiano do sacerdote, embora recitado segundo as variedades de rito, língua,
diocese ou família religiosa, permanece sempre o grande poema divino, oferecido
pelo canto da humanidade unida por Cristo Jesus, Verbo do Pai, encarnado na
virgem Maria por obra do Espírito Santo e feito homem, foi crucificado e ressuscitado.
18. O piedoso folhear das
páginas deste poema é alegria para a inteligência; ensino cotidiano para a
vida; alívio e conforto nas dificuldades e fadigas das vicissitudes humanas e
das tentações; mais que comprovada certeza das alegrias futuras.
19. Que grande alegria é
para todo sacerdote, recitando o Ofício divino, sentir-se como que docemente
enlevado nesta atmosfera de catolicidade, isto é, de universalidade, que emana
de suas páginas, onde tudo brilha e canta. Em verdade, com os salmos que são um
verdadeiro gozo, uma sábia exortação e um suave repouso do espírito
entrelaçam-se trechos de outros livros do Antigo Testamento, e também o
riquíssimo ensinamento dos quatro evangelhos, a incomparável sublimidade das
cartas paulinas e os outros escritos do Novo Testamento. Tudo isso está contido
no Breviário cotidiano, fonte inesgotável de luzes e graças.
20. E justamente aqui que o
concílio ecumênico do Vaticano II através do trabalho precioso e tenaz das
várias comissões preparatórias está haurindo elementos substanciais de
verdadeira doutrina e sábias medidas de disciplina eclesiástica, em acertada
correspondência às exigências dos tempos e lugares modernos.
21. Pode-se dizer que todos
estamos na expectativa de uma nova era, fundada sobre a fidelidade ao
patrimônio antigo, que se abra às maravilhas de um verdadeiro progresso
espiritual: e isto, só de Cristo, rei glorioso e imortal dos séculos e dos
povos, pode esperar dignidade, prosperidade e bênção.
Recitação santificada
do Breviário para o histórico acontecimento na Igreja
22. Veneráveis irmãos e
diletos filhos, chegando ao termo deste confiante convite pelo qual exortamos
os sacerdotes de todo o mundo a oferecer os frutos de seus exercícios de
piedade em favor do feliz êxito do concílio ecumênico Vaticano II nosso olhar
enternecido torna a contemplar o episódio da adoração dos santos Magos. No
mistério da festa de hoje, gostamos de considerar não só o gesto de fé e amor
daqueles digníssimos representantes de todas as nações da terra, mas também e
especialmente a oferta de seus presentes. Estes são preciosos por si mesmos,
mais preciosos, porém, por seu significado: ouro, a caridade; incenso, a
oração; mirra, a mortificação.
23. A recitação do
Breviário do sacerdote, na intenção de pedir graças para o concílio, não
poderia ser melhor expressa do que através desta tríplice homenagem. Pensai
bem. No Ofício divino tudo é convite, contemplação, exercício de caridade,
perfume de místico incenso, contínua fragrância de oração. As boas obras do
ministério sacerdotal, talvez difícil, mortificante, penoso, oh! que mirra
escolhida! Também esta, no entanto, seja perfume de místico incenso.
24. Confiamos que os
sacerdotes de todo o mundo acolherão de boa vontade o nosso paterno apelo a
respeito desta forma de sua cooperação em prol do êxito do grande concílio, que
se aguarda com viva ansiedade da parte de tantas almas e de todo o mundo.
25. Também gostamos de
dizer-vos isso para comum encorajamento. Nesta piedosa manifestação de fervor
sacerdotal, o humilde pastor da Igreja universal pretende sentir-se unido a
todos os seus sacerdotes, dispersos por todas as terras e mares. As primeiras
horas da manhã o papa as consagra sempre à recitação tranqüila de seu
Breviário, que, entendido como introdução de oração na variedade de suas
expressões, pode bem chamar-se o Breviário da Igreja universal.
26. É de nosso agrado
terminar esta exortação com um trecho daquele maravilhoso livro de consolações,
o Apocalipse, que pode oferecer substancioso alimento a meditações,
especialmente aos sacerdotes. Nele vem descrita uma espécie de liturgia divina
que se desenvolve nos céus: "Veio um outro anjo com um turíbulo de ouro e
parou diante do altar; e foram-lhe dados muitos aromas a fim de que os
oferecesse com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está
diante do trono. E a fumaça dos aromas subiu, junto com as orações dos santos,
das mãos do anjo para o altar de Deus. Depois o anjo tomou o turíbulo, e o
encheu com o fogo do altar e o lançou sobre a terra; seguiram-se trovões,
clamores, relâmpagos e um terremoto" (Ap 8,3-5; cf. 5,8). Sugestiva imagem
é esta do influxo que a oração dos santos, isto é, da Igreja, por bondade e
misericórdia de Deus exerce no decorrer dos acontecimentos e da história
humana.
27. A fé nesta eficácia
sobrenatural da oração da Igreja, e de modo especial do Ofício divino, nos
levou a pedir com esta exortação a todos aqueles que dele participam por missão
especial recebida da Igreja que o ofereçam, particularmente, pelo feliz êxito
do concílio, pois este pretende, procurando os traços da juventude mais
fervorosa da Igreja, desenvolver-lhe todo o esplendor do seu rosto. Assim será
dado aos olhos do mundo um admirável espetáculo de verdade, unidade e caridade;
e aqueles que estão separados desta sé apostólica terão aqui um suave convite
para procurar e alcançar aquela unidade que Cristo pediu com ardentes súplicas
ao Pai celeste".(5)
Em união perfeita com
o sumo pontífice
28. Veneráveis irmãos e
diletos filhos! Falamo-vos com coração que gosta de unir-se a vós, diariamente,
onde quer que vos encontreis, dispersos pelo orbe terrestre. Deixai-nos agora a
alegria de sentir-nos sempre vizinhos a vós, numa comum palpitação de fé, de
piedade, de caridade universal, pois nutrimos a doce esperança de que vós havereis
de unir diligentemente com as nossas as vossas preces, não só nestes meses que
precedem o concílio ecumênico, como também, e sobretudo, nos dias da sua solene
celebração.
29. E para que esta união
de corações encontre sua expressão também numa fórmula comum de oração vos
sugerimos esta invocação para recitá-la antes da recitação do Breviário:
Seja-te agradável, oh Senhor, o sacrifício de louvor que ofereço à tua divina majestade pelo feliz êxito do concílio ecumênico Vaticano II, e concede que, pela tua misericórdia, alcancemos o que suplicantes te pedimos juntamente com o nosso papa João. Amém.
30. A esta oração seja-nos
permitido ainda ajuntar um pensamento que julgamos poder ser objeto de útil
meditação para os sacerdotes. É doutrina comum e tão cara na Igreja que a um
anjo do Senhor está confiada a guarda de cada batizado. Confiemos a este anjo
celeste, nosso guarda, o encargo particular de uma maior vigilância sobre nós,
durante a recitação cotidiana do Oficio divino, para que este dever cumprido digna,
atenta e devotamente, agrade a Deus, seja meritório para nós e edificante para
as almas.
31. Finalmente, comando que
vós, veneráveis irmãos e diletos filhos, acolhereis de boa vontade esta nossa
exortação, imploramos do Deus onipotente abundantes graças divinas para vós e
como mostra de nossa benevolência, concedemos a todos vós, com ânimo paterno, a
bênção apostólica.
Dado em Roma, junto a
são Pedro, aos 6 de janeiro de 1962, festa da Epifania, IV ano de nosso
Pontificado.
JOÃO PP. XXVI
Notas
1. Cf. Discorsi, Messaggi, Colloqui del Santo Padre Giovanni XXIII, II, pp. 466-472; cf. REB 1961, pp.1013-1015.
2. Missale Romanum, texto de preparação à missa.
3. Epíst. Ap., Le voci,
19 de março de 1961; AAS 1961, pp. 205-213; cf. REB 1961, pp. 472-477.
4. Homil. 5, in Isaiam,
PG 56,131.
5. Enc. Ad Petri
Cathedram, AAS 51(1959), p. 511.