DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
AOS SACERDOTES E DIÁCONOS
DA DIOCESE DE ROMA
NA CÁTEDRA DE SÃO JOÃO DE LATRÃO

Sexta-feira, 13 de Maio de 2005

 

Amados sacerdotes e diáconos, que prestais o vosso serviço pastoral na Diocese de Roma, sinto-me feliz por me encontrar hoje convosco no início do meu ministério de Bispo desta Igreja, "que preside no amor". Saúdo com afecto o Cardeal Vigário, ao qual agradeço as gentis palavras que me dirigiu, o Vice-gerente e os Bispos Auxiliares. Saúdo com ânimo amigo cada um de vós e desejo exprimir-vos desde este primeiro encontro a minha gratidão pela vossa fadiga quotidiana na vinha do Senhor.

A extraordinária experiência de fé, que vivemos por ocasião da morte do nosso amadíssimo Papa João Paulo II, mostrou-nos uma Igreja de Roma profundamente unida, cheia de vida e rica de fervor: tudo isto é também fruto da vossa oração e do vosso apostolado. Assim, na humilde adesão a Cristo único Senhor, podemos e devemos promover juntos aquela "exemplaridade" da Igreja de Roma que é serviço genuíno às Igrejas irmãs presentes no mundo inteiro. De facto, o vínculo indissolúvel entre romanum e petrinum envolve e exige a participação da Igreja de Roma na solicitude universal do seu Bispo. Mas a responsabilidade de uma tal participação refere-se de modo muito especial a vós, queridos sacerdotes e diáconos, unidos ao vosso Bispo pelo vínculo sacramental e constituídos seus preciosos colaboradores. Por conseguinte, conto convosco, com a vossa oração, com o vosso acolhimento e dedicação, para que esta nossa amada Diocese corresponda cada vez mais generosamente à vocação que o Senhor lhe confiou. E da minha parte digo-vos: podeis contar, apesar dos meus limites, com a sinceridade do meu afecto paterno por todos vós.

Amados sacerdotes, a qualidade da vossa vida e do vosso serviço pastoral parece indicar que, nesta como em numerosas outras Dioceses do mundo, já deixamos para trás o tempo daquela crise de identidade que atormentou tantos sacerdotes. Mas permanecem muito presentes aquelas causas de "deserto espiritual" que afligem a humanidade do nosso tempo e por conseguinte minam também a Igreja que vive nesta humanidade. Como não temer que elas possam insidiar também a vida dos sacerdotes? Por conseguinte, é indispensável voltar sempre de novo à raiz do nosso sacerdócio.

Esta raiz, como bem sabemos, é uma só: Jesus Cristo Senhor. Foi Ele que o Pai enviou, Ele é a pedra angular (cf. 1 Pd 2, 7). Nele, no mistério da sua morte e ressurreição, o reino de Deus vem, e cumpre-se a salvação do género humano. Mas este Jesus nada possui que lhe pertença pessoalmente, é tudo totalmente do Pai e para o Pai. Por isso, Ele diz que a sua doutrina não é sua, mas daquele que o enviou (cf. Jo 7, 16): o Filho sozinho nada pode fazer (cf. Jo 5, 19.30).
Não somos enviados a anunciar a nós próprios ou opiniões nossas mas o mistério de Cristo
E esta, queridos amigos, é também a verdadeira natureza do nosso sacerdócio. Na realidade, tudo o que é constitutivo do nosso ministério não pode ser o produto das nossas capacidades pessoais.

Isto é válido para a administração dos Sacramentos, mas também para o serviço da Palavra: somos enviados a anunciar não a nós próprios ou opiniões nossas, mas o mistério de Cristo e, nele, a medida do verdadeiro humanismo. Não fomos encarregados de dizer muitas palavras, mas de nos fazermos eco e portadores de uma só "Palavra", que é o Verbo de Deus feito carne para a nossa salvação. Por conseguinte, também para nós é válida a palavra de Jesus: "A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou" (Jo 7, 16). Queridos sacerdotes de Roma, o Senhor chama-nos amigos, faz de nós seus amigos, confia-se a nós, confia-nos o seu corpo na Eucaristia, confia-nos a sua Igreja. E então devemos ser verdadeiramente seus amigos, ter com ele um só sentir, desejar o que Ele deseja e não desejar o que Ele não deseja. O próprio Jesus diz-nos: "Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando" (Jo 15, 14). Seja este o nosso propósito comum: fazer, todos juntos, a sua santa vontade, na qual estão a nossa liberdade e a nossa alegria.

Dado que tem em Cristo a sua raiz, o sacerdócio é, por sua natureza, na Igreja e para a Igreja. Com efeito, a fé cristã não é algo de meramente espiritual e interior e a nossa própria relação com Cristo não é apenas subjectiva e privada. Ao contrário, é uma relação totalmente concreta e eclesial. Por sua vez, o sacerdócio ministerial tem uma relação constitutiva com o corpo de Cristo, na sua dupla e inseparável dimensão de Eucaristia e de Igreja, de corpo eucarístico e de corpo eclesial. Por isso, o nosso ministério é como diz Santo Agostinho, amoris officium (In Iohannis Evangelium Tractatus, 123, 5), é o ofício do bom pastor, que oferece a sua vida pelas ovelhas (cf. Jo 10, 14-15). No mistério eucarístico Cristo oferece-se sempre de novo e precisamente na Eucaristia nós aprendemos o amor de Cristo e, por conseguinte, o amor à Igreja. Portanto, repito convosco, queridos irmãos no sacerdócio, as inesquecíveis palavras de João Paulo II: "A Santa Missa é de modo absoluto o centro da minha vida e de todos os meus dias" (Discurso de 27 de Outubro de 1995 no trigésimo aniversário do Decreto Presbyterorum ordinis). E esta deveria ser uma palavra que cada um de nós pode considerar sua: a Santa Missa é de maneira absoluta o centro da minha vida e de cada um dos meus dias. Do mesmo modo, a obediência a Cristo, que corrige a desobediência de Adão, concretiza-se na obediência eclesial, que é, para o sacerdote, na prática quotidiana, antes de tudo obediência ao seu Bispo. Mas na Igreja a obediência não é algo de formal; é obediência àquele que por sua vez é obediente e personifica Cristo obediente. Tudo isto não vanifica nem atenua as exigências concretas da obediência, mas garante a sua profundidade teologal e o seu alcance católico: no Bispo obedecemos a Cristo e à Igreja inteira, que ele representa neste lugar.

Jesus Cristo foi enviado pelo Pai, no poder do Espírito, para a salvação de toda a família humana e nós, sacerdotes, através da graça do sacramento, tornamo-nos partícipes desta sua missão. Como escreve o Apóstolo Paulo, "Deus... confiou-nos o ministério da reconciliação... portanto, nós exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus" (2 Cor 5, 18-20). São Paulo descreve assim a nossa missão de sacerdotes. Por isso, na homilia que precedeu o Conclave, falei de uma "santa preocupação" que nos deve animar, preocupação de levar a todos o dom da fé, de oferecer a todos aquela salvação, a única que permanece eternamente. E numa cidade tão grande como Roma que, por um lado, está tão imbuída pela fé e na qual contudo vivem tantas pessoas que não sentiram realmente no coração o anúncio da fé, devemos estar muito mais animados por esta preocupação de levar esta alegria, este centro da vida que lhe dá sentido e orientação. Assim, queridos Irmãos sacerdotes de Roma, Cristo ressuscitado chama-nos a ser suas testemunhas e dá-nos a força do seu espírito, para o sermos verdadeiramente. Portanto, é necessário estar com Ele (cf. Mc 3, 14; Act 1, 21-23). Como na primeira descrição do "munus apostolicum", em Marcos 3, está descrito aquilo que o Senhor pensava que um apóstolo deveria ser: estar com Ele e ser disponível para a missão. As duas coisas juntas e só estando com Ele, estaremos também e sempre em movimento com o Evangelho para o próximo. Por conseguinte, é essencial estar com Ele e assim anima-se a preocupação de nos tornamos capazes de levar a força e a alegria da fé ao próximo, de testemunhar com toda a nossa vida e não apenas com algumas palavras. Para nós são válidas as palavras do Apóstolo Paulo: "se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação...: ai de mim se eu não evangelizar!... De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número... Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo" (1 Cor 9, 16-22). Estas palavras que são o auto-retrato do apóstolo dão-nos também o retrato de cada sacerdote. Este "fazer-se tudo para todos" exprime-se na proximidade quotidiana, na atenção prestada a cada pessoa e família: Vós, sacerdotes de Roma tendes, a este propósito, uma grande tradição, e digo isto com profunda convicção, e também hoje a estais a honrar, quando a cidade cresceu tanto e mudou profundamente. É decisivo, como bem sabeis, que a proximidade e a atenção a todos aconteçam sempre no nome de Cristo e sejam constantemente destinadas a conduzir a Ele.

Naturalmente uma proximidade e dedicação como estas tem para cada um de vós, de nós, um preço pessoal, significa tempo, preocupações, dispêndio de energias. Conheço a vossa fadiga quotidiana e desejo agradecer-vos por parte do Senhor. Mas também gostaria de vos ajudar, na medida do possível, a não ceder sob o peso da fadiga. Para poder resistir, ou melhor, para poder crescer, como pessoas e como sacerdotes, é fundamental antes de tudo a comunhão íntima com Cristo, cujo alimento era fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34): tudo quanto fazemos, fazemo-lo em comunhão com Ele e encontramos assim, sempre de novo, a unidade da nossa vida em tantas dispersões favorecidas pelas diversas ocupações de cada dia. Do Senhor Jesus Cristo, que se sacrificou a si mesmo para fazer a vontade do Pai, aprendemos a arte da ascese sacerdotal, que é necessária também hoje: ela não deve ser colocada ao lado da acção pastoral, como um fardo em acréscimo que torna ainda mais pesado o nosso dia. Ao contrário, na própria acção devemos aprender a superar-nos, a deixar e a doar a nossa vida. Mas para que tudo isto se realize realmente em nós, para que a nossa acção seja realmente em si mesma a nossa ascese e o nosso doar-nos, para que tudo isto não permaneça apenas um desejo, temos sem dúvida necessidade de momentos para recuperar as nossas energias também físicas, e sobretudo para rezar e meditar, entrando de novo na nossa interioridade e encontrando dentro de nós o Senhor. Por isso, o tempo para estar na presença de Deus na oração é uma verdadeira prioridade pastoral, não é algo ao lado do trabalho pastoral, estar diante do Senhor é uma prioridade pastoral, em definitiva, a mais importante. Mostrou-nos isto do modo mais concreto e luminoso João Paulo II, em todas as circunstâncias da sua vida e do seu ministério.

Amados sacerdotes, nunca realçaremos o suficiente quanto a nossa resposta pessoal à chamada à santidade é fundamental e decisiva. Esta é a condição não só para que o nosso apostolado pessoal seja frutuoso mas também, e mais amplamente, para que o rosto da Igreja reflicta a luz de Cristo (cf. Lumen gentium, 1), induzindo desta forma os homens a reconhecer e a adorar o Senhor. Devemos acolher a súplica do Apóstolo Paulo a deixar-se reconciliar com Deus (cf. 2 Cor 5, 20) antes de tudo em nós mesmos, pedindo ao Senhor com coração sincero e com ânimo determinado e corajoso que afaste de nós tudo o que nos separa dele e está em contraste com a missão que recebemos. O Senhor, disto temos a certeza, é misericordioso e saberá ouvir-nos.

Garanto-vos a proximidade mais profunda e decisiva que une o Bispo aos seus sacerdotes
O meu ministério de Bispo de Roma situa-se no sulco dos meus Predecessores, acolhendo em particular a herança preciosa que deixou João Paulo II: caminhemos juntos por esta via, queridos sacerdotes e diáconos, com serenidade e confiança. Continuaremos a procurar fazer crescer a comunhão no âmbito da grande família da Igreja diocesana e a colaborar para incrementar a orientação missionária da nossa pastoral, em conformidade com as orientações básicas do Sínodo romano, postas em prática com particular eficiência na experiência da Missão da Cidade. Roma é uma Diocese bastante grande e é uma Diocese verdadeiramente especial, pela solicitude universal que o Senhor confiou ao seu Bispo. Por isso, o vosso relacionamento, queridos sacerdotes, com o Bispo diocesano, que infelizmente sou eu, não pode ter aquela rapidez quotidiana que eu gostaria e que é possível noutras situações. Através da obra do Cardeal Vigário e dos Bispos Auxiliares, aos quais exprimo a minha sentida gratidão, é-me contudo possível estar concretamente próximo de vós, nas alegrias e nas dificuldades que acompanham o caminho de cada sacerdote. E sobretudo desejo garantir-vos aquela proximidade mais profunda e decisiva que une o Bispo aos seus sacerdotes e aos seus diáconos, na oração quotidiana. E estai certos de que realmente na minha oração o clero de Roma está presente de modo especial. E estamos próximos na fé e no amor de Cristo e na entrega a Maria, Mãe do único e Sumo Sacerdote. Precisamente da nossa união a Cristo e à Virgem se alimentam a serenidade e a confiança das quais todos temos necessidade, tanto para o trabalho apostólico como para a nossa existência pessoal.

Queridos sacerdotes e diáconos, eis algumas considerações que eu desejava propor à vossa atenção. Antes de vos conceder a palavra, para as vossas perguntas e reflexões, desejo ainda anunciar uma notícia muito alegre. Temos uma comunicação que chegou hoje. O Cardeal Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, juntamente com D. Nowak, Secretário da mesma Congregação escreveu.

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CONGREGATIO DE CAUSIS SANCTORUM
Prot. N. 2666-1/05
ROMANA
Beatificationis et Canonizationis
Servi Dei IOANNIS PAULI II
(Carol Wojtyla)
Summi Pontificis

Instante Em.mo ac Rev.mo Domino D. Camillo S.R.E. Cardinali Ruini, Vicario Generali Suae Sanctitatis pro Dioecesi Romana, Summus Pontifex BENEDICTUS XVI, attentis peculiaribus expositis adiunctis, in audientia eidem Cardinali Vicario Generali die 28 mensis Aprilis huius ani 2005 concessa, dispensavit a tempore quinque annorum exspectationis post mortem Servi Dei Ioannis Pauli II (Caroli Wojtyla), Summi Pontificis, ita ut causa Beatificationis et Canonizationis eiusdem Servi Dei statim incipit posset. Contrariis non obstantibus quibuslibet.

Datum Romae, ex aedibus huius Congregationis de Causis Sanctorum, die 9 mensis Maii A.D. 2005.

IOSEPHUS Card. SARAIVA MARTINS
Praefectus

EDUARDUS NOWAK
Archiepiscopus tit. Lunensis
a Secretis

CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS
Prot. N. 2666-1/05
ROMANA de Beatificação e Canonização
do Servo de Deus JOÃO PAULO II
(Karol Wojtyla)
Sumo Pontífice

A pedido do Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor Cardeal Camillo Ruini, Vigário Geral de Sua Santidade para a Diocese de Roma, o Sumo Pontífice BENTO XVI, consideradas as peculiares circunstâncias expostas, na audiência concedida ao mesmo Cardeal Vigário-Geral no dia 28 do mês de Abril deste ano de 2005, dispensou do tempo de cinco anos de espera depois da morte do Servo de Deus João Paulo II (Karol Wojtyla), Sumo Pontífice, de modo que a causa de Beatificação e Canonização do mesmo Servo de Deus possa ter início imediatamente. Não obstante algo em contrário.

Dado em Roma, da sede desta Congregação para as Causas dos Santos, no dia 9 do mês de Maio A.D. 2005

JOSÉ Card. SARAIVA MARTINS
Prefeito


EDWARD NOWAK
Arcebispo titular de Luni
Secretário

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Concedo-vos então a palavra. Procurarei no fim, na medida do possível, responder

O discurso improvisado por Bento XVI no final do encontro com o Clero de Roma em São João de Latrão

Durante o encontro com o Clero de Roma, na Basílica de São João de Latrão, na manhã de sexta-feira, 13 de Maio, depois do discurso pronunciado por Bento XVI, 21 párocos e um diácono tomaram a palavra e fizeram as suas intervenções. No final o Sumo Pontífice dirigiu-lhes as seguintes palavras improvisadas:

No final, posso apenas agradecer pela riqueza e pela profundidade destes contributos, os quais realçam um Presbitério cheio de entusiasmo, de amor a Cristo e ao rebanho que nos está confiado e de amor aos pobres. E não só da cidade de Roma, mas realmente da Igreja universal, de todos os nossos irmãos. Obrigado também pelo afecto que me expressastes, que tanto me ajuda.
Não me sinto neste momento em condições de entrar nos pormenores de quanto foi dito. Seria bom continuar um verdadeiro debate, e espero que se apresentem possibilidades para fazer um debate concreto, com perguntas e respostas. Neste momento expresso simplesmente a minha gratidão por tudo. Sinto o vosso compromisso pastoral, sinto como desejais construir a Igreja de Cristo aqui em Roma, sinto como reflectis acerca do modo como fazer melhor, sinto como tudo brota de um grande amor ao Senhor e à Igreja.

Gostaria de mencionar apenas três ou quatro pontos, que gravei na memória. Falastes deste entrelaçamento entre romanidade e universalidade. Este ponto parece-me muito importante. Por um lado, esta é uma verdadeira Igreja local, que, como tal, deve viver. Nela encontram-se pessoas que sofrem, que vivem, que desejam crer ou não conseguem crer. Aqui deve crescer nas paróquias a Igreja de Roma com a sua grande responsabilidade pelo mundo, porque leva consigo este mandato, de certo modo, de "exemplaridade", de modo que sobressaia na Igreja de Roma o rosto da Igreja como tal e seja um modelo para todas as outras Igrejas locais. Para poder ser um modelo, nós próprios devemos ser uma Igreja local, que se compromete todos os dias no trabalho humilde que este ser exige num determinado lugar e num determinado tempo.

Falastes da paróquia como estrutura fundamental, ajudada e enriquecida pelos movimentos. Parece-me que precisamente durante o Pontificado do Papa João Paulo II se criou um fecundo conjunto entre o elemento constante da estrutura paroquial e o elemento "carismático", que oferece novas iniciativas, novas inspirações e animações. Sob a orientação sábia do Cardeal Vigário e dos Bispos auxiliares, todos os Párocos podem ser realmente responsáveis do crescimento da paróquia, assumindo todos os elementos que podem vir dos movimentos e da realidade vivida da Igreja em diversas dimensões.

Mas gostaria ainda de falar deste entrelaçamento entre romanidade e universalidade. Um dos nossos irmãos falou da nossa responsabilidade em relação à África. Vimos como a África, a Índia e o cosmos estão presentes em Roma. E esta presença dos nossos irmãos obriga-nos não só a pensar em nós, mas a sentir precisamente neste momento histórico, em todas estas circunstâncias que conhecemos, a presença dos outros Continentes. Parece-me que neste momento temos uma responsabilidade particular em relação à África, à América Latina e à Ásia, onde o Cristianismo com excepção das Filipinas ainda está em grandíssima minoria, mesmo se na Índia está a aumentar e se apresenta como uma força do futuro. Por conseguinte, pensemos também nesta responsabilidade. A África é um Continente com grandíssimas potencialidades, de grandíssima generosidade por parte do povo, com uma fé viva que impressiona. Mas devemos confessar que a Europa exportou não só a fé em Cristo, mas também todos os vícios do Velho Continente. Exportou o sentido da corrupção, exportou a violência que agora está a devastar a África. E devemos reconhecer a nossa responsabilidade em fazer com que a exportação da fé, que responde à expectativa íntima de cada homem, seja mais forte que a exportação dos vícios da Europa. Esta parece-me uma grande responsabilidade. Ainda se faz comércio de armas. Existe a exploração dos tesouros desta terra. Nós, cristãos, devemos fazer o possível para que chegue a fé e com a fé a força de resistir a estes vícios e de reconstruir uma África cristã, que será uma África feliz, um grande Continente do novo humanismo.

Depois alguém falou da necessidade, por um lado, de anunciar, de falar, mas também de ouvir. E parece-me que isto é importante num duplo sentido. O sacerdote, o diácono, o catequista, o religioso, a religiosa, devem, por um lado, anunciar e ser testemunhas. Mas naturalmente por isso, devem ouvir, num duplo sentido: por um lado, com a alma aberta a Cristo, ouvindo interiormente a sua Palavra, para que seja assimilada, transforme e forme o próprio ser; e por outro, ouvindo a humanidade de hoje, o próximo, o homem da minha paróquia, o homem em relação ao qual eu tenho uma certa responsabilidade. Naturalmente, ao ouvir o mundo de hoje que existe também em nós, ouvimos todos os problemas, todas as dificuldades que se opõem à fé. E devemos ser capazes de enfrentar seriamente estes problemas. São Pedro, primeiro Bispo de Roma, na sua Primeira Carta diz que nós cristãos devemos estar prontos para dizer a razão da nossa fé. Isto pressupõe que nós próprios compreendamos a razão da fé, "digiramos" realmente, também de modo racional, com o coração, com a sabedoria do coração, esta palavra que pode deveras ser uma resposta para os outros. Na primeira Carta de São Pedro, no texto grego, com um bonito jogo de palavras está escrito: ""apologia", resposta do "logos", da razão da nossa fé. Isto é, o "logos", a razão da fé, a palavra da fé deve tornar-se resposta da fé. E sabemos muito bem que a linguagem da fé muitas vezes está muito afastada do povo de hoje; pode aproximar-se apenas se se torna em nós a linguagem do nosso tempo. Nós somos contemporâneos, vivemos neste tempo, com estes pensamentos, com estes afectos. Se for transformado em nós, pode encontrar resposta.

Naturalmente reconheço, e todos o sabemos, que muitos não são capazes de se identificar imediatamente, de compreender, de assimilar todo o ensinamento da Igreja. Parece-me importante que primeiro se desperte esta intenção de crer com a Igreja, mesmo se pessoalmente haja quem ainda não assimilou muitos pormenores. É necessário ter esta vontade de crer com a Igreja, ter confiança de que esta Igreja a comunidade não só de dois mil anos de peregrinação do povo de Deus, mas a comunidade que abraça Céu e terra, a comunidade na qual estão presentes também todos os justos de todos os tempos de que esta Igreja animada pelo Espírito Santo tem realmente em si a orientação do Espírito e, por conseguinte, é o verdadeiro sujeito da fé. E cada indivíduo insere-se neste sujeito, adere-lhe, e por conseguinte, mesmo se ainda não totalmente penetrado por isto, tem confiança e participa na fé da Igreja, deseja crer com a Igreja. Esta parece-me a peregrinação permanente da nossa vida: chegar com o nosso pensamento, com o nosso afecto, com toda a nossa vida à comunhão da fé. Podemos oferecer isto a todos, para que lentamente se possam identificar e sobretudo para que façamos sempre de novo este passo fundamental de nos confiarmos à fé da Igreja, de nos inserirmos nesta peregrinação da fé, de modo que recebamos a luz da fé.

Por fim, gostaria mais uma vez de agradecer pelo contributo expresso aqui em relação ao cristocentrismo, à necessidade de que a nossa fé seja sempre alimentada com o encontro pessoal com Cristo, por uma amizade pessoal com Jesus. Romano Guardini, há setenta anos, disse justamente que a essência do Cristianismo não é uma ideia mas uma Pessoa. Grandes teólogos tinham tentado descrever as ideias fundamentais constitutivas do Cristianismo. Mas o Cristianismo que tinham delineado no final demonstrava-se não ser convincente. Porque o Cristianismo é, em primeiro lugar, um Acontecimento, uma Pessoa. E na Pessoa depois encontramos a riqueza dos conteúdos. Isto é importante.

E parece-me que neste aspecto encontramos também uma resposta para uma nova dificuldade que muitas vezes hoje se sente com frequência acerca da ministerialidade da Igreja. É-nos indicada por muitos a tentação de pensar assim em relação aos outros: "Mas por que não os deixamos em paz?" Possuem a sua autenticidade, a sua verdade. Nós temos a nossa. Portanto, convivamos pacificamente, deixando que cada um seja como é, para que procure da melhor forma a sua autenticidade". Mas como se pode encontrar a própria autenticidade se existe na profundidade do nosso coração a expectativa de Jesus e a verdadeira autenticidade de cada um se encontra precisamente na comunhão com Cristo, e não sem Cristo? Dito por outras palavras: se nós encontrámos o Senhor e se Ele é para nós a luz e a alegria da vida, estaremos porventura certos de que aquele que não encontrou Cristo não sinta a falta de uma coisa fundamental e não que seja nosso dever oferecer-lhe esta realidade fundamental? Depois deixemos à guia do Espírito e à liberdade de cada um o que acontecerá. Mas se estamos convencidos e temos a experiência do facto de que sem Cristo a vida é incompleta, falta uma realidade, a realidade fundamental, devemos também estar certos de que não contrariamos ninguém se lhe mostrarmos Cristo e lhe oferecemos a possibilidade de encontrar assim também a sua verdadeira autenticidade, a alegria de ter encontrado a vida.

Por fim, queria agradecer a todos os componentes do Presbitério e da Comunidade eclesial de Roma, a todos os colaboradores nas diversas funções, aos diáconos, aos catequistas, sobretudo aos religiosos e às religiosas, que são um pouco o coração também da vida eclesial de uma Diocese. Obrigado por este testemunho que foi dado.

Caminhemos em frente todos juntos animados pelo amor de Cristo. E assim iremos bem!

 

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