ENCONTRO DE BENTO
XVI COM OS PÁROCOS
E O CLERO DA DIOCESE DE ROMA
NO INÍCIO DA QUARESMA
Sala
das Bênçãos
Quinta-feira, 22 de Fevereiro de 2007
A primeira pergunta foi feita por Mons. Pasquale
Silla, Pároco Reitor do Santuário de Santa Maria do Divino Amor em Castel
di Leva, que pediu a Bento XVI indicações concretas para poder realizar cada
vez mais eficazmente a missão do Santuário mariano na Diocese.
Antes de tudo, gostaria de dizer que estou
contente e feliz por me sentir aqui realmente Bispo de uma grande Diocese. O
Cardeal Vigário disse que esperais luz e consolação. E devo dizer que ver
tantos sacerdotes de todas as gerações é luz e consolação para mim. Já da
primeira pergunta, também e sobretudo aprendi: e isto parece-me inclusive um
elemento essencial do nosso encontro. Aqui posso ouvir a voz viva e concreta
dos Párocos, as suas experiências pastorais, e assim posso também eu sobretudo
conhecer a vossa situação concreta, as questões que enfrentais, as experiências
que fazeis, as dificuldades. Assim posso vivê-las não somente de modo
abstracto, mas num diálogo concreto com a vida real das paróquias.
Respondo a esta primeira pergunta. Parece-me
que o senhor deu essencialmente também a resposta a respeito daquilo que este
Santuário pode fazer... Sei que é o Santuário mais amado pelos romanos. Eu
mesmo, quando vim várias vezes ao Santuário antigo, fiz a experiência desta
piedade secular. Sente-se a presença da oração de gerações e quase se toca com
a mão a presença materna de Nossa Senhora. Pode-se realmente viver um encontro
com a devoção mariana dos séculos, com os desejos, as necessidades, as
carências, os sofrimentos e também as alegrias das gerações no encontro com
Maria. Assim este Santuário, ao qual vêm as pessoas com as suas esperanças,
questões, pedidos e sofrimentos é um facto essencial para a Diocese de Roma.
Cada vez mais, vemos que os Santuários são uma
fonte de vida e de fé na Igreja universal, e assim também na Igreja de Roma. Na
minha terra tive a experiência das peregrinações a pé ao nosso Santuário
nacional de Altötting. É uma grande missão popular. Ali vão sobretudo os jovens
e, peregrinando a pé por três dias, vivem na atmosfera da oração, do exame de
consciência, quase redescobrem a sua consciência cristã de fé. Estes três dias
de peregrinação a pé são dias de confissão e de oração, são um verdadeiro
caminho rumo a Nossa Senhora, rumo à família de Deus e depois rumo à
Eucaristia. Ao caminharem, vão a Nossa Senhora e, com Nossa Senhora, vão ao
Senhor, ao encontro eucarístico, preparando-se com a confissão para a renovação
interior. Vivem de novo a realidade eucarística do Senhor que se entrega a si
mesmo, como Nossa Senhora deu a própria carne ao Senhor, abrindo assim a porta
à Encarnação. Nossa Senhora deu a carne para a Encarnação e assim tornou
possível a Eucaristia, na qual recebemos a Carne que é o Pão para o mundo. Indo
ao encontro com Nossa Senhora, os próprios jovens aprendem a oferecer a sua
carne, a vida de todos os dias para que seja entregue ao Senhor. E aprendem a
acreditar, a dizer, pouco a pouco, "Sim" ao Senhor.
Por isso diria, para voltar à pergunta, que o
Santuário como tal, como lugar de oração, de confissão e de celebração da
Eucaristia é um grande serviço, na Igreja de hoje, para a Diocese de Roma.
Portanto, penso que o serviço essencial, do qual de resto o senhor falou de
modo concreto, é precisamente o de se oferecer como lugar de oração, de vida
sacramental e de vida de caridade realizada. Se compreendi bem, o senhor falou
de quatro dimensões da oração. A primeira é a pessoal. E aqui Maria indica-nos
o caminho. São Lucas diz-nos duas vezes que a Virgem "conservava todas
estas coisas, meditando-as no seu coração" (2, 19; cf. 2, 51). Era uma
pessoa em diálogo com Deus, com a Palavra de Deus e também com os acontecimentos
através dos quais Deus falava com Ela. O "Magnificat" é um
"tecido" feito de palavras da Sagrada Escritura e mostra-nos como
Maria viveu num diálogo permanente com a Palavra de Deus, e assim com o próprio
Deus. Depois, naturalmente, na vida juntamente com o Senhor, esteve sempre em
diálogo com Cristo, com o Filho de Deus e com o Deus trinitário. Portanto,
aprendamos de Maria a falar pessoalmente com o Senhor, ponderando e conservando
na nossa vida e no nosso coração as palavras de Deus, a fim de que se tornem
alimento verdadeiro para cada um. Assim Maria guia-nos numa escola de oração,
num contacto pessoal e profundo com Deus.
A segunda dimensão da qual o senhor falou é a
oração litúrgica. Na Liturgia o Senhor ensina-nos a rezar, primeiro dando-nos a
sua Palavra, depois introduzindo-nos na Oração eucarística para a comunhão com
o seu mistério de vida, de Cruz e de Ressurreição. Uma vez São Paulo disse que
"não sabemos o que havemos de pedir" (Rm 8, 26): nós não
sabemos como rezar, o que dizer a Deus. Por isso, Deus deu-nos as palavras da
oração, tanto no Saltério como nas grandes orações da Sagrada Liturgia e mesmo
na própria Liturgia Eucarística. Aqui ensina-nos a rezar. Nós entramos na
oração que se formou ao longo dos séculos sob a inspiração do Espírito Santo e
unimo-nos ao diálogo de Cristo com o Pai. Portanto a Liturgia é sobretudo
oração: primeiro escuta e depois resposta, tanto no Salmo responsorial como na
oração da Igreja e na grande Oração Eucarística. Nós a celebramos bem, se a
celebrarmos em atitude "orante", unindo-nos ao mistério de Cristo e
ao seu diálogo de Filho com o Pai. Se celebramos a Eucaristia deste modo,
primeiro como escuta e depois como resposta, portanto como oração com as
palavras indicadas pelo Espírito Santo, celebramo-la bem. E as pessoas são
atraídas através da nossa oração comum na multidão dos filhos de Deus.
A terceira dimensão é a da piedade popular. Um
importante Documento da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos fala desta piedade popular e indica-nos como "guiá-la". A
piedade popular é uma nossa força, porque se trata de orações muito arraigadas
no coração das pessoas. Também pessoas que estão um pouco distantes da vida da
Igreja e não têm uma grande compreensão da fé são tocadas no coração por esta
oração. Devem-se apenas "iluminar" estes gestos,
"purificar" esta tradição a fim de que se torne vida actual da
Igreja.
Em seguida, a adoração eucarística. Estou muito
grato porque a adoração eucarística se renova cada vez mais. Durante o Sínodo
sobre a Eucaristia, os Bispos falaram muito bem das suas experiências, do modo
como retoma nova vida nas comunidades com esta adoração, também nocturna, e do
modo como precisamente assim nascem também novas vocações. Posso dizer que logo
assinarei a Exortação pós-sinodal sobre a Eucaristia, que depois estará à
disposição da Igreja. É um Documento que se oferece precisamente à meditação.
Ele ajudará tanto na celebração litúrgica como na reflexão pessoal, quer na
preparação das homilias, quer na celebração da Eucaristia. E servirá também
para guiar, iluminar e revitalizar a piedade popular.
Enfim, o senhor falou-nos do Santuário como
lugar da caritas. Isto parece-me muito lógico e necessário. Há pouco
reli aquilo que Santo Agostinho diz no Livro X das Confissões: Fui
tentado e agora compreendo que era uma tentação o fechar-me na vida
contemplativa, a buscar a solidão contigo, Senhor; mas Tu impediste-me,
tiraste-me fora e fizeste-me ouvir a palavra de São Paulo: "Cristo morreu
por todos. Assim, nós devemos morrer com Cristo e viver por todos";
compreendi que não posso fechar-me na contemplação. Tu morreste por todos;
portanto, contigo devo viver por todos e assim viver as obras da caridade. A
verdadeira contemplação demonstra-se nas obras da caridade. Portanto, o sinal
de que verdadeiramente rezámos, de que tivemos o encontro com Cristo, é que
somos "pelos outros". Assim deve ser um Pároco. E Santo Agostinho era
um grande Pároco. Ele diz: Na minha vida eu quis viver sempre na escuta da
Palavra, na meditação, mas agora devo dia após dia, hora após hora estar à
porta, onde toca sempre a campainha, devo consolar os aflitos, ajudar os
pobres, admoestar aqueles que são litigiosos, criar paz e assim por diante.
Santo Agostinho enumera todo o trabalho de um Pároco, porque naquela época o
Bispo era também aquele que é agora o Kadi nos países islâmicos. Para os
problemas de direito civil, digamos, ele era o juiz de paz: tinha que favorecer
a paz entre os litigiosos. Portanto, vivia uma existência que para ele, homem
contemplativo, era muito difícil. Mas compreendeu esta verdade: assim estou com
Cristo; estando "pelos outros", estou no Senhor crucificado e
ressuscitado.
Esta parece uma grande consolação para os
Párocos e para os Bispos. Se permanece pouco tempo para a contemplação, ao
estarmos "pelos outros" estamos com o Senhor. O Senhor falou dos
outros elementos concretos da caridade, que são muito importantes. São também
um sinal para a nossa sociedade, em particular para as crianças, para os idosos
e para os sofredores. Portanto penso que o senhor, com estas quatro dimensões
da vida, já nos deu a resposta à pergunta: o que devemos fazer no nosso
Santuário?
Depois tomou a palavra o Pe. Maurizio
Secondo Mirilli, Vigário paroquial de Santa Bernadete Soubirous e Adido ao
Serviço para a Pastoral Juvenil da Diocese, que frisou a tarefa exigente que
compete aos sacerdotes na missão de formar as novas gerações na fé. Ao Papa, o
Pe. Maurizio pediu uma palavra de guia e de orientação sobre o modo de
transmitir aos jovens a alegria da fé cristã, sobretudo diante dos hodiernos
desafios culturais, e solicitou-lhe que indicasse as temáticas prioritárias
sobre as quais investir em maior medida as energias para ajudar os jovens a
encontrarem Cristo concretamente.
Obrigado pelo trabalho que realizais pelos
adolescentes. Sabemos que a juventude deve ser realmente uma prioridade do
nosso trabalho pastoral, porque ela vive num mundo distante de Deus. E é muito
difícil alcançar neste nosso contexto cultural o encontro com Cristo, a vida
cristã, a vida da fé. Os jovens têm necessidade de muito acompanhamento, para
poderem realmente encontrar este caminho. Diria embora, infelizmente, eu viva
bastante longe deles e, portanto, não possa dar indicações muito concretas que
o primeiro elemento me parece precisamente, e sobretudo, o acompanhamento. Eles
devem ver que se pode viver a fé nesta época, que não se trata de algo do
passado, mas que hoje é possível viver como cristão e assim encontrar realmente
o bem.
Recordo-me de um elemento autobiográfico nos
escritos de São Cipriano. Vivi neste nosso mundo diz ele totalmente afastado de
Deus, porque as divindades tinham morrido e Deus não era visível. E vendo os
cristãos, pensei: é uma vida impossível, isto não se pode realizar no nosso
mundo! Mas depois, encontrando-me com alguns deles, entrando na sua companhia,
deixando-me guiar no catecumenato, neste caminho de conversão a Deus, pouco a
pouco compreendi: é possível! E agora estou feliz por ter encontrado a vida.
Compreendi que aquela outra não era vida e, na verdade confessa eu sabia mesmo
antes que aquela não era a vida verdadeira.
Parece-me muito importante que os jovens
encontrem pessoas tanto da sua idade como mais maduras em que possam ver que a
vida cristã hoje é possível, e é também razoável e realizável. Sobre ambos
estes últimos elementos parece-me que há dúvidas: sobre a possibilidade de
realização, porque os outros caminhos estão muito distantes do modo de viver
cristão, e sobre o bom senso, porque à primeira vista parece que a ciência nos
diz coisas totalmente diferentes e, portanto, não se pode abrir um percurso
razoável rumo à fé, de maneira a mostrar que ela é algo que está em sintonia
com a nossa época e com a razão.
Portanto, o primeiro ponto é a experiência, que
depois abre a porta também ao conhecimento. Neste sentido, o
"catecumenato" vivido de modo novo ou seja, como caminho comum de
vida, como experiência comum do facto de que é possível viver assim é de grande
importância. Somente se há uma certa experiência é possível, depois, compreender.
Recordo-me de um conselho que Pascal dava a um amigo não crente. Ele dizia:
experimenta um pouco fazer as coisas que um crente faz, e depois com esta
experiência verás que tudo isto é lógico e verdadeiro.
Diria que um aspecto importante nos é mostrado
precisamente agora pela Quaresma. Não podemos pensar em viver imediatamente uma
vida cem por cento cristã, sem dúvidas e sem pecados. Devemos reconhecer que
estamos a caminho, que devemos e podemos aprender, que pouco a pouco devemos
também converter-nos.
Sem dúvida, a conversão fundamental é um acto
que é para sempre. Mas a realização da conversão é um acto de vida que se
realiza na paciência de uma vida. É um acto em que não devemos perder a
confiança e a coragem do caminho. Temos que reconhecer precisamente isto: não
podemos fazer de nós mesmos cristãos perfeitos de um momento para outro.
Todavia, vale a pena ir em frente, ter fé na opção fundamental, por assim
dizer, e depois permanecer com perseverança num caminho de conversão que às
vezes se torna difícil. De facto, pode acontecer que me sinta desanimado, a
ponto de desejar deixar tudo e permanecer num estado de crise. Não se pode
desanimar imediatamente, mas é preciso recomeçar com coragem. O Senhor guia-me,
o Senhor é generoso e com o seu perdão vou em frente, tornando-me também eu
generoso com os outros. Assim aprendemos realmente o amor pelo próximo e a vida
cristã, que implica esta perseverança de ir em frente.
Quanto aos grandes temas, diria que é
importante conhecer Deus. O tema "Deus" é essencial. Na Carta aos
Efésios, São Paulo diz: "Lembrai-vos de que nesse tempo estáveis... sem
esperança e sem Deus... Mas em Jesus Cristo vós, que outrora estáveis longe,
agora estais perto" (Ef 2, 12-13). Assim a vida tem um sentido que
me guia também nas dificuldades.
Portanto, é necessário voltar para Deus
Criador, para o Deus que é a razão criadora, e depois encontrar Cristo, que é o
Rosto vivo de Deus. Digamos que aqui existe uma reciprocidade. Por um lado, o
encontro com Jesus, com esta figura humana, histórica, real; ajuda-me pouco a
pouco a conhecer Deus; e por outro, conhecer Deus ajuda-me a compreender a
grandeza do mistério de Cristo, que é o Rosto de Deus. Somente se conseguirmos
compreender que Jesus não é um grande profeta, uma das personalidades
religiosas do mundo, mas o Rosto de Deus, é Deus, então teremos descoberto a
grandeza de Cristo e encontrado quem é Deus. Deus não é apenas uma sombra
distante, a "Causa prima", mas tem um Rosto: é o Rosto da
misericórdia, o Rosto do perdão e do amor, o Rosto do encontro connosco.
Portanto, estes dois temas compenetram-se reciprocamente e devem caminhar
sempre juntos.
Além disso, naturalmente, devemos compreender
que a Igreja é a grande companheira do caminho em que estamos. Nela, a Palavra
de Deus permanece viva e Cristo não é somente uma figura do passado, mas está
presente. Assim devemos redescobrir a vida sacramental, o perdão sacramental, a
Eucaristia, o Baptismo como novo nascimento. Na Noite de Páscoa, na última
Catequese mistagógica, Santo Ambrósio disse: Até agora falámos das coisas
morais, agora é o momento de falar do Mistério. Tinha oferecido uma orientação
para a experiência moral, naturalmente à luz de Deus, que depois se abre ao
Mistério. Penso que hoje estas duas coisas devem compenetrar-se: um caminho com
Jesus, que descobre cada vez mais a profundidade do seu Mistério. Assim,
aprende-se a viver de modo cristão, aprende-se a grandeza do perdão e a
grandeza do Senhor, que se entrega a nós na Eucaristia.
Naturalmente, neste caminho acompanham-nos os
Santos. Apesar dos numerosos problemas, eles viveram e foram as
"interpretações" verdadeiras e vivas da Sagrada Escritura. Cada um
tem o seu Santo, de quem pode aprender melhor o que significa viver como
cristão. São sobretudo os Santos do nosso tempo. E depois, naturalmente, há
sempre Maria, que permanece a Mãe da Palavra. Redescobrir Maria ajuda-nos a ir
em frente como cristãos e a conhecer o Filho.
O Pe. Franco Incampo, Reitor da igreja
de Santa Lucia del Gonfalone, apresentou a experiência da leitura integral da
Bíblia, que está a ser feita pela sua Comunidade juntamente com a Igreja
valdense. "Pusemo-nos à escuta da Palavra, disse ele. É um projecto vasto.
Qual é o valor da Palavra na Comunidade eclesial? Por que conhecemos nós tão
pouco a Bíblia? Como promover o conhecimento da Bíblia, para que a Palavra
forme a Comunidade, também para um caminho ecuménico?".
Certamente, o senhor tem uma experiência mais
concreta do modo de fazer isto. Antes de tudo, posso dizer que realizaremos o
próximo Sínodo sobre a Palavra de Deus. Já pude ver os "Lineamenta",
elaborados pelo Conselho do Sínodo, e penso que serão bem evidenciadas as
diversas dimensões da presença da Palavra na Igreja.
Naturalmente a Bíblia, na sua integridade, é
algo grandíssimo que deve ser descoberto pouco a pouco. Porque se tomarmos só
as suas partes separadas muitas vezes pode ser difícil compreender que se trata
da Palavra de Deus: penso em certas partes dos Livros dos Reis, com as crónicas
históricas, com o extermínio dos povos existentes na Terra Santa. Muitas outras
coisas são difíceis. Também precisamente o Kohélet pode ser isolado e pode ser
muito difícil: parece mesmo teorizar o desespero porque nada permanece e no
final também o sábio morre com os estultos. Ouvimos agora a sua leitura no
Breviário.
Um primeiro ponto parece-me precisamente o de
ler a Sagrada Escritura na sua unidade e integridade. Os seus trechos separados
são partes de um caminho, e só se as virmos na sua integridade, como um único
caminho onde uma parte explica a outra, podemos compreender isto. Permaneçamos,
por exemplo, no Kohélet. Precedentemente havia a palavra da sabedoria, segundo
a qual também quem é bom vive bem. Isto é, Deus recompensa quem é bom. E depois
vem Job e vê-se que não é assim, e que precisamente quem vive bem sofre mais.
Parece mesmo esquecido por Deus. Vêm os Salmos daquele período, onde se diz:
mas o que faz Deus? Os ateus, os soberbos vivem bem, são gordos, alimentam-se
bem, riem-se de nós e dizem: mas onde está Deus? Ele não se interessa por nós e
fomos vendidos como ovelhas para o matadouro. O que fazes connosco, por que é
assim? Chega o momento em que o Kohélet diz: mas no final onde permanece toda
esta sabedoria? É um Livro quase existencialista, em que se afirma: tudo é vão.
Este primeiro caminho não perde o seu valor, mas abre-se à nova perspectiva
que, no final, guia para a cruz de Cristo, "o Santo de Deus", como
diz São Pedro no capítulo 6 do Evangelho de João. Termina com a Cruz. E é
precisamente assim que se demonstra a sabedoria de Deus, que depois São Paulo
nos descreverá.
E, portanto, somente se tomarmos tudo como um
único caminho, passo após passo, e aprendermos a ler a Escritura na sua
unidade, podemos também realmente encontrar o acesso à beleza e à riqueza da
Sagrada Escritura. Portanto, ler tudo, mas ter sempre presente a totalidade da
Sagrada Escritura, onde uma parte explica a outra, um trecho do caminho explica
o outro. Neste ponto, a exegese moderna pode também ajudar muito. Tomemos, por
exemplo, o Livro de Isaías, quando os exegetas descobriram que a partir do
capítulo 40 o autor é outro o "Deutero-Isaías", como se disse nessa
época. Para a teologia católica, houve um momento de grande terror. Alguém
pensou que assim se destruía Isaías e no final, no capítulo 53, a visão do
Servo de Deus já não era de Isaías, que tinha vivido quase 800 anos antes de
Cristo. O que fazemos, perguntou-se? Agora compreendemos que todo o Livro é um
caminho de releituras sempre novas, onde se entra cada vez mais no mistério
proposto no começo e se abre cada vez mais aquilo que inicialmente estava
presente, mas ainda fechado. Precisamente num Livro podemos compreender todo o
caminho da Sagrada Escritura, que é um reler permanente, compreender melhor de
novo o que se disse antes.
Passo após passo, a luz acende-se e o cristão
pode entender aquilo que o Senhor disse aos discípulos de Emaús,
explicando-lhes que todos os profetas tinham falado dele. O Senhor abre-nos a
última releitura, Cristo é a chave de tudo e somente unindo-se no caminho aos
discípulos de Emaús, só caminhando com Cristo, relendo tudo na sua luz, com Ele
crucificado e ressuscitado, entramos na riqueza e na beleza da Sagrada
Escritura.
Por isso, diria, o ponto importante é não
fragmentar a Sagrada Escritura. Precisamente a crítica moderna, como vemos
agora, nos fez compreender que é um caminho permanente. E podemos ver também
que é um caminho que tem uma direcção e que Cristo realmente é o ponto de
chegada. Começando por Cristo, podemos retomar todo o caminho e entrar na
profundidade da Palavra.
Resumindo, diria, a leitura da Sagrada
Escritura deve ser sempre uma leitura na luz de Cristo. Somente assim podemos
ler e compreender, também no nosso contexto actual, a Sagrada Escritura e ter
realmente luz da Sagrada Escritura. Devemos compreender isto: a Sagrada
Escritura é um caminho com uma direcção. Quem conhece o ponto de chegada pode
também, agora de novo, dar todos os passos e aprender assim de modo mais
profundo o mistério de Cristo. Compreendendo isto, entendemos também a eclesialidade
da Sagrada Escritura, porque estes caminhos, estes passos do caminho, são
passos de um povo. É o povo de Deus que vai em frente. O verdadeiro
proprietário da Palavra é sempre o povo de Deus, guiado pelo Espírito Santo, e
a inspiração é um processo complexo: o Espírito Santo guia em frente, o povo
recebe.
Portanto, é o caminho de um povo, do povo de
Deus. A Sagrada Escritura deve ser lida sempre bem. Mas isto só pode acontecer
se caminharmos no interior deste sujeito, que é o povo de Deus que vive, é renovado,
é refundado por Cristo, mas permanece sempre na sua identidade.
Portanto, diria que existem três dimensões
relacionadas entre si. A dimensão histórica, a dimensão cristológica e a
dimensão eclesiológica do povo a caminho compenetram-se. Uma leitura completa é
aquela em que as três dimensões estão presentes. Por isso, a liturgia a leitura
comum, orante do povo de Deus permanece o lugar privilegiado para a compreensão
da Palavra, também porque precisamente aqui a leitura se torna oração e se une
à oração de Cristo na Oração eucarística.
Gostaria de acrescentar mais um aspecto
ressaltado por todos os Padres da Igreja. Penso sobretudo num belíssimo texto
de Santo Efrém e noutro de Santo Agostinho, nos quais se diz: se compreendeste
pouco, aceita e não julgues ter entendido tudo. A Palavra permanece sempre
muito maior do que tu pudeste compreender. E isto deve ser dito agora de modo
crítico, em relação a uma certa parte da exegese moderna, que julga ter
compreendido tudo e que, por isso, depois da interpretação por ela elaborada,
já não se pode dizer nada. Isto não é verdade. A Palavra é sempre maior do que
a exegese dos Padres e da exegese crítica, porque também esta só compreende uma
parte, diria, aliás uma parte mínima. A Palavra é sempre maior, esta é a nossa
grande consolação. E por um lado é bom saber que se entendeu somente um pouco.
É bom saber que ainda há um tesouro inesgotável e que cada nova geração
descobrirá novos tesouros e progredirá com a grandeza da Palavra de Deus, que
está à nossa frente, nos guia e é sempre maior. É com esta consciência que se
deve ler a Escritura.
Santo Agostinho disse: da fonte bebe a lebre e
bebe o burro. O burro bebe mais, mas cada um bebe segundo a sua capacidade.
Quer sejamos lebres, quer sejamos burros, agradeçamos ao Senhor por que nos faz
beber da sua água.
O tema dos Movimentos Eclesiais e das Novas
Comunidades, como dom providencial para os nossos tempos, foi proposto pelo
Padre Gerardo Raul Carcar, pertencente à Comunidade dos Padres de
Schönstatt, que há seis meses veio da Argentina para Roma e hoje é Vigário
cooperador da Paróquia de São Jerónimo em Corviale. Trata-se de realidades que
têm um impulso criativo, vivem a fé e procuram novas formas de vida para
encontrar uma justa colocação missionária na Igreja. Ao Papa, o religioso pediu
um conselho sobre como inserir-se para desenvolver realmente um ministério de
unidade na Igreja universal.
Portanto, vejo que devo ser mais breve.
Obrigado por esta pergunta. Parece-me que o senhor citou as fontes essenciais
daquilo que posso dizer sobre os Movimentos. Neste sentido, a sua pergunta é
também uma resposta.
Gostaria de esclarecer imediatamente que nestes
meses estou a receber os Bispos italianos em visita "ad Limina" e
assim posso aprender um pouco melhor a geografia da fé na Itália. Vejo muitas
coisas bonitas, juntamente com os problemas que todos nós conhecemos. Vejo
sobretudo como a fé ainda está profundamente radicada no coração italiano
embora, naturalmente, de muitos modos seja ameaçada nas situações hodiernas. Os
Movimentos aceitam bem inclusive a minha função paterna de Pastor. Outros são
mais críticos, e dizem que os Movimentos não se inserem. Penso que realmente as
situações são diversas, e tudo depende das pessoas em questão.
Parece-me que temos duas regras fundamentais,
das quais o senhor falou. A primeira regra foi-nos dada por São Paulo, na
primeira Carta aos Tessalonicenses: não apagar os carismas. Se o Senhor nos
oferece novos dons, devemos ser gratos, embora às vezes eles sejam incómodos. E
é bom que, sem iniciativas da hierarquia, com uma iniciativa a partir da base,
como se diz, mas também com uma iniciativa realmente a partir do Alto, ou seja,
como dom do Espírito Santo, nasçam novas formas de vida na Igreja, como de
resto nasceram em todos os séculos.
Inicialmente, eram sempre incómodas: também São
Francisco era muito incómodo e para o Papa era muito difícil dar, finalmente,
uma forma canónica a uma realidade que era muito maior do que os regulamentos
jurídicos. Para São Francisco, era um enorme sacrifício deixar-se encerrar
nesta estrutura jurídica, mas no final nasceu uma realidade que vive ainda
hoje, e que viverá no futuro: ela dá força e novos elementos à vida da Igreja.
Só quero dizer isto: em todos os séculos
nasceram Movimentos. Também São Bento, inicialmente, era um Movimento.
Inserem-se na vida da Igreja com sofrimentos, com dificuldades. O próprio São
Bento teve que corrigir a orientação inicial do monaquismo. E assim também no
nosso século o Senhor, o Espírito Santo, nos deu novas iniciativas, com novos
aspectos da vida cristã: vividos por pessoas humanas com os seus limites, elas
criam inclusive dificuldades.
Portanto, a primeira regra é: não cancelar os
carismas, estar grato, mesmo que eles sejam incómodos. A segunda regra é esta:
a Igreja é una; se os Movimentos são realmente dons do Espírito Santo,
inserem-se e servem a Igreja e, no diálogo paciente entre Pastores e
Movimentos, nasce uma forma fecunda onde estes elementos se tornam elementos
edificantes para a Igreja de hoje e de amanhã.
Este diálogo é a todos os níveis. Começando
pelo pároco, pelo Bispo e pelo Sucessor de Pedro, está em acto a busca de
estruturas oportunas: em muitos casos, a busca já deu os seus frutos.
Noutros, ainda se está a estudar. Por exemplo,
pergunta-se se depois de cinco anos de experiência, se devem confirmar de modo
definitivo os Estatutos para o Caminho Neocatecumenal, ou se ainda seja
necessário um tempo de experiência, ou se ainda devem ser aperfeiçoados alguns
elementos desta estrutura.
De qualquer maneira, conheci os Neocatecumenais
desde o início. Foi um Caminho longo, com muitas complicações que existem
também hoje, mas encontrámos uma forma eclesial que já melhorou muito o
relacionamento entre o Pastor e o Caminho. E vamos em frente! O mesmo vale para
os outros Movimentos.
Agora, como síntese das duas regras
fundamentais, diria: gratidão, paciência e aceitação também dos sofrimentos,
que são inevitáveis. Também num matrimónio existem sempre sofrimentos e
tensões. E todavia, progridem e amadurece o verdadeiro amor. O mesmo acontece
na comunidade da Igreja: tenhamos paciência juntos. Também os diversos níveis
da hierarquia pároco, Bispo e Sumo Pontífice devem ter em conjunto um contínuo
intercâmbio de ideias, devem promover o diálogo para encontrar juntos o melhor
caminho.
As experiências dos párocos são fundamentais,
mas depois também as experiências do Bispo e, digamos, a perspectiva universal
do Papa têm o seu próprio lugar teológico e pastoral na Igreja.
Portanto, por um lado, este conjunto de vários
níveis da hierarquia; por outro, o conjunto vivido nas paróquias, com paciência
a abertura, em obediência ao Senhor, cria realmente a nova vitalidade da
Igreja.
Agradeçamos ao Espírito Santo os dons que nos
concedeu. Sejamos obedientes à voz do Espírito, mas sejamos também claros ao
integrar estes elementos na vida: no final, este critério serve a Igreja
concreta e assim, com paciência, coragem e generosidade, o Senhor certamente
nos há-de guiar e ajudar.
O Padre Angelo Mangano, Pároco de São Gelásio,
Paróquia confiada ao cuidado pastoral da Comunidade "Missão Igreja
Mundo" desde 2003, falou significativamente da pastoral na festa da
Cátedra de São Pedro. Indicou a importância de desenvolver uma unicidade entre
aquela que é a vida espiritual e a vida pastoral, que não é uma técnica
organizativa, mas coincide com a vida da Igreja. O próprio Jesus faz-se
síntese, disse o sacerdote, que perguntou ao Santo Padre como transmitir ao
povo de Deus o conceito da pastoral, como verdadeira vida da Igreja, e como
fazer para que a pastoral se alimente cada vez mais da eclesiologia conciliar.
Parece-me que são várias perguntas. A primeira é como inspirar a paróquia com a eclesiologia conciliar, para levar os fiéis a viverem esta eclesiologia; outra é como devemos agir e, em nós mesmos, tornar espiritual o trabalho pastoral. Comecemos pela segunda. Permanece sempre uma certa tensão entre o que devo absolutamente fazer e quais são as reservas espirituais que devo ter. Eu vejo-o em Santo Agostinho, que se queixa nas pregações. Já citei: gostaria muito de viver com a Palavra de Deus, mas devo estar convosco de manhã até à noite. Todavia, Agostinho encontra este equilíbrio permanecendo sempre à disposição, mas reservando-se também momentos de oração, de meditação da Palavra sagrada, porque de outra forma já não poderia dizer nada. Aqui gostaria de sublinhar, em particular, aquilo que o senhor disse acerca da pastoral, que nunca deveria ser uma simples estratégia, um trabalho administrativo, mas permanecer sempre um trabalho espiritual. Sem dúvida, também o outro não pode faltar totalmente, porque estamos nesta terra e estes problemas existem: como administrar bem o dinheiro, etc. Também este é um sector que não pode faltar totalmente.
Mas a ênfase fundamental deve estar precisamente no facto de que o ser pastor é em si mesmo um acto espiritual. O senhor referiu-se justamente ao capítulo 10 do Evangelho de João, onde o Senhor se define o Bom Pastor. E como primeiro momento definitivo, Jesus diz que o Pastor precede. Ou seja, ele indica o caminho, faz primeiro aquilo que os outros devem fazer, escolhe o caminho que é para os outros. O Pastor precede. Isto quer dizer que ele vive em primeiro lugar a Palavra de Deus: é um homem de oração, é um homem de perdão, é um homem que recebe e celebra os Sacramentos como actos de oração e de encontro com o Senhor. É um homem de caridade vivida e realizada. E assim todos os actos simples de diálogos, de encontros e de tudo aquilo que se deve realizar se tornam actos espirituais, em comunhão com Cristo. O seu "pro omnibus" torna-se o nosso "pro meis".
Então, precede e parece-me que neste preceder já está dito o essencial. Depois, o capítulo 10 de São João continua, referindo que Jesus nos precede doando-se a si mesmo na Cruz. E isto é também inevitável para o sacerdote. Este oferecer-se a si mesmo é também uma participação na cruz de Cristo, e é graças a isto que podemos também nós, de modo crível, consolar os sofredores, estar com os pobres, com os marginalizados, etc.
Portanto, neste programa que o senhor desenvolveu, a espiritualização do trabalho quotidiano da pastoral é fundamental. É mais fácil dizer do que fazer, mas devemos tentar. E para poder espiritualizar o nosso trabalho, devemos novamente seguir o Senhor. Os Evangelhos dizem-nos que de dia trabalhava e de noite estava no monte com o Pai e rezava. Aqui, devo confessar a minha debilidade. De noite não posso rezar, porque quero dormir.
Todavia, é realmente necessário um pouco de tempo livre para o Senhor: tanto a celebração da Missa, como a oração da Liturgia das Horas e a meditação quotidiana, mesmo que seja breve, seguindo a Liturgia, o Rosário. Mas este diálogo pessoal com a Palavra de Deus é importante. E somente assim podemos ter as reservas para responder às exigências da vida pastoral.
Segundo ponto: o senhor justamente salientou a eclesiologia do Concílio. Parece-me que ainda devemos interiorizar muito mais esta eclesiologia, tanto a da "Lumen gentium", como a da "Ad gentes", que é inclusive um Documento eclesiológico, como também a dos Documentos menores e além disso a da "Dei Verbum". E interiorizando esta visão, podemos também atrair o nosso povo para esta visão, a fim de que compreenda que a Igreja não é simplesmente uma grande estrutura, uma destas entidades supranacionais que existem. Embora seja corpo, a Igreja é corpo de Cristo e portanto corpo espiritual, como diz São Paulo. É uma realidade espiritual. Isto parece-me muito importante: que as pessoas possam ver que a Igreja não é uma organização supranacional, nem um organismo administrativo ou de poder, nem uma agência social, não obstante desempenhe um trabalho social e supranacional, mas é um corpo espiritual.
Parece-me que no nosso rezar com o povo, no ouvir em conjunto com o povo a Palavra de Deus, no celebrar com o povo de Deus os Sacramentos, no agir com Cristo na caridade, etc., sobretudo nas homilias, devemos transmitir esta visão. Neste sentido, parece-me que a homilia permanece uma ocasião maravilhosa para estar próximo do povo e para comunicar a espiritualidade ensinada pelo Concílio. E assim parece-me que se a homilia cresceu na oração, na escuta da Palavra de Deus, é comunicação do conteúdo da Palavra de Deus. O Concílio realmente alcança o nosso povo. Não aqueles fragmentos do publicismo, que transmitiram uma imagem errada do Concílio.
Mas a verdadeira realidade espiritual do Concílio. E deste modo devemos sempre e de novo, com o Concílio e no espírito do Concílio, interiorizando a sua visão, aprender a Palavra de Deus. Fazendo isto, podemos também comunicar com o nosso povo e assim realmente realizar um trabalho pastoral e espiritual.
O Padre Alberto Pacini, Reitor da Basílica de Santa Anastácia, falou da adoração eucarística perpétua de modo particular da possibilidade de organizar sessões nocturnas e pediu ao Papa que explicasse o sentido e o valor da reparação eucarística diante dos roubos sacrílegos e das seitas satânicas.
Já não falemos em geral da adoração eucarística, que está realmente imbuída nos nossos corações e penetra no coração do povo. O senhor formulou esta pergunta específica, sobre a reparação eucarística. É um tema que se tornou difícil. Lembro-me, quando era jovem, que na festa do Sagrado Coração se rezava com uma bonita prece de Leão XIII e depois com uma de Pio XI, em que a reparação ocupava um lugar particular, precisamente em relação já naquela época aos actos sacrílegos que deviam ser reparados.
Parece-me que devemos ir até ao fundo, chegar ao próprio Senhor, que ofereceu a reparação pelo pecado do mundo, e procurar reparar: digamos, estabelecer o equilíbrio entre o plus do mal e o plus do bem. Deste modo, na balança do mundo não devemos deixar este grande plus negativo, mas dar um peso pelo menos equivalente ao bem. Esta ideia fundamental alicerça-se no que foi realizado por Cristo. Daquilo que posso compreender, este é o sentido do sacrifício eucarístico.
Contra este grande peso do mal, que existe no mundo e que abala o mundo, o Senhor põe outro peso maior, o do amor infinito que entra neste mundo. Este é o ponto importante: Deus é sempre o bem absoluto, mas este bem absoluto entra precisamente no jogo da história; aqui, Cristo torna-se presente e sofre o mal até ao fundo, criando assim um contrapeso de valor absoluto. O plus do mal, que existe sempre, se virmos apenas empiricamente as proporções, é ultrapassado pelo imenso plus do bem, do sofrimento do Filho de Deus.
Neste sentido existe a reparação, que é necessária. Parece-me que hoje é um pouco difícil compreender estas coisas. Se virmos o peso do mal no mundo, que cresce de maneira permanente, e que parece prevalecer de forma absoluta na história, até poderia como diz Santo Agostinho numa meditação desesperar. Mas vemos que há um plus ainda maior no facto de que o próprio Deus entrou na história, se fez partícipe da história e sofreu até ao fundo. Este é o sentido da reparação.
Este plus do Senhor é para nós uma exortação a pormo-nos ao seu lado, a entrar neste grande plus do amor e a torná-lo presente, mesmo com a nossa debilidade. Sabemos que também para nós havia a necessidade deste plus, porque inclusive na nossa vida existe o mal. Todos nós vivemos graças ao plus do Senhor. Mas Ele oferece-nos este dom a fim de que, como diz a Carta aos Colossenses, possamos associar-nos a esta sua abundância e, digamos, fazer aumentar ainda mais esta abundância concretamente no nosso momento histórico.
Parece-me que a teologia deveria fazer mais, para compreender melhor ainda esta realidade da reparação. Na história havia também ideias erradas. Nestes dias li os discursos teológicos de São Gregório de Nazianzo, que num certo momento fala sobre este aspecto, e pergunta: por quem ofereceu o Senhor o seu sangue? Ele diz: o Pai não queria o sangue do Filho, o Pai não é cruel, não é necessário atribuir isto à vontade do Pai; mas a história queria-o, desejavam-no as necessidades e os desequilíbrios da história; devia-se entrar nestes desequilíbrios e aqui recriar o verdadeiro equilíbrio. Isto é mesmo muito iluminador. Mas parece-me que ainda não dispomos suficientemente da linguagem para fazer compreender este facto a nós e, em seguida, também aos outros. Não se deve oferecer a um Deus cruel o sangue de Deus. Mas o próprio Deus, com o seu amor, deve entrar nos sofrimentos da história para criar não apenas um equilíbrio, mas um plus de amor, que é mais forte do que a abundância do mal existente. O Senhor convida-nos para isto.
Parece-me uma realidade tipicamente católica. Lutero diz: nada podemos acrescentar. E isto é verdade. E depois continua: portanto, as nossas obras nada contam. E isto não é verdade. Porque a generosidade do Senhor se manifesta precisamente no facto de que nos convida a entrar e dá valor inclusive ao nosso estar com Ele. Devemos aprender melhor tudo isto e sentir também a grandeza, a generosidade do Senhor e a grandeza da nossa vocação. O Senhor quer associar-nos a este seu grande plus. Se começarmos a compreendê-lo, sentir-nos-emos felizes se o Senhor nos convidar para isto. Teremos a grande alegria de ser levados a sério pelo amor do Senhor.
A sétima intervenção foi a do Padre Francesco Tedeschi, Professor na Faculdade de Missiologia da Pontifícia Universidade Urbaniana, pastoralmente comprometido na Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina, lugar da memória dos novos mártires do século XX. Mais do que uma pergunta, a do Padre Tedeschi foi uma reflexão sobre a exemplaridade e sobre a capacidade atractiva das figuras dos mártires, sobretudo no que se refere aos jovens. Os mártires desvelam a beleza da fé cristã e dão testemunho diante do mundo, de que é possível responder ao mal com o bem, fundamentando a própria vida sobre a força da esperança. A esta reflexão, o Papa não quis acrescentar ulteriores palavras.
Os aplausos que ouvimos demonstram que o senhor mesmo nos deu amplas respostas... Portanto, à sua pergunta, poderia simplesmente responder: sim, é como o senhor disse. Meditemos as suas palavras.
Sucessivamente, o Padre Krzystzof Wendlik, Vigário paroquial dos Santos Urbano e Lourenço "a Prima Porta", falou acerca do problema do relativismo na cultura contemporânea e pediu ao Papa uma palavra iluminadora sobre a relação entre unidade de fé e pluralismo na teologia.
É uma grande pergunta! Quando eu ainda era membro da Comissão Teológica Internacional, enfrentámos este problema durante um ano. Eu fui o Relator e portanto lembro-me bastante bem disto. E todavia, reconheço-me incapaz de explicar esta questão com poucas palavras. Gostaria de dizer somente que a teologia foi sempre multifacetada. Pensemos nos Padres, na Idade Média na escola franciscana, na escola dominicana, depois na Alta Idade Média, e assim por diante. Como dissemos, a Palavra de Deus é sempre maior do que nós. Por isso, jamais podemos esgotar o alcance desta Palavra, e são necessárias diversas abordagens, vários tipos de reflexão.
Gostaria de dizer, simplesmente: é importante que o teólogo, por um lado, na sua responsabilidade e na sua capacidade profissional, procure encontrar indicações que correspondam às exigências e aos desafios do nosso tempo; e por outro, que esteja sempre consciente de que tudo isto está fundamentado na fé da Igreja e, por isso, deve voltar à fé da Igreja. Penso que, se um teólogo está pessoal e profundamente na fé, e compreende que o seu trabalho é reflexão sobre a fé, encontrará a reconciliação entre unidade e pluralidade.
A última intervenção foi a do Padre Luigi Veturi, Pároco de São João Baptista dos Florentinos, que centrou a sua interrogação sobre o tema da arte sacra, perguntando ao Papa se ela não deve ser mais adequadamente valorizada, como instrumento de comunicação da fé.
A resposta poderia ser muito simples: sim! Cheguei aqui com um pouco de atraso, porque antes fiz uma visita à Capela Paulina, que há vários anos está a ser submetida a restauros. Disseram-me que eles ainda se prolongarão por mais dois anos. Pude ver um pouco, entre os andaimes, uma parte desta arte milagrosa. E vale a pena restaurá-la bem, de tal forma que volte a resplandecer e seja uma catequese viva.
Com isto, gostaria de recordar que a Itália é particularmente rica de arte, e a arte é um tesouro de catequese inesgotável, incrível. Para nós, é inclusive um dever conhecê-la e compreendê-la bem.
Não como por vezes fazem os historiadores da
arte, que a interpretam apenas formalmente, em conformidade com a técnica
artística. Devemos antes entrar no conteúdo e fazer reviver o contexto que
inspirou esta grande arte. Parece-me realmente que é um dever também na
formação dos futuros sacerdotes conhecer estes tesouros e ser capaz de
transformar em catequese viva aquilo que está presente neles e que hoje nos
fala. Assim, também a Igreja poderá manifestar-se como um organismo não de
opressão ou de poder como alguns querem demonstrar mas de uma fecundidade
espiritual irrepetível na história, ou pelo menos, ousaria dizer, a ponto de
não se poder encontrá-la fora da Igreja católica. Este é também um sinal da
vitalidade da Igreja que, com todas as suas debilidades e também os seus pecados,
permaneceu sempre uma grande realidade espiritual, uma inspiradora que nos
transmitiu toda esta riqueza.
Portanto, temos o dever de entrar nesta riqueza
e de nos tornarmos capazes de ser intérpretes desta arte. Isto vale tanto para
a arte pictórica e escultural, como para a música sacra, que é um sector da
arte que merece ser vivificado. Diria que o Evangelho diversificadamente vivido
é, ainda hoje, uma força inspiradora que nos dá e nos dará a arte. Também hoje
existem sobretudo esculturas belíssimas, demonstrando que a fecundidade da fé e
do Evangelho não se apagou; inclusive hoje há composições musicais... Parece-me
que se pode sublinhar uma situação, digamos, contraditória da arte, uma
situação também um pouco desesperada da arte. Também hoje a Igreja inspira,
porque a fé e a Palavra de Deus são inesgotáveis. E isto infunde coragem em
todos nós.
Dá-nos a esperança de que também o mundo futuro
terá novas visões da fé e, ao mesmo tempo, a certeza de que os dois mil anos de
arte cristã já transcorridos estão sempre vivos e são sempre um
"hoje" da fé.
Muito obrigado pela vossa paciência e pela
vossa atenção. Boa Quaresma!
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