CARTA
ENCÍCLICA
SPE SALVI
DO SUMO
PONTÍFICE
BENTO XVI
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS
SOBRE A ESPERANÇA CRISTÃ
Introdução
1. « SPE SALVI facti sumus » – é na
esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm
8,24). A « redenção », a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado
de facto. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança,
uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo
presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a
uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande
que justifique a canseira do caminho. E imediatamente se levanta a questão: mas
de que género é uma tal esperança para poder justificar a afirmação segundo a
qual a partir dela, e simplesmente porque ela existe, nós fomos redimidos? E de
que tipo de certeza se trata?
A fé é esperança
2. Antes de nos debruçarmos sobre estas
questões, hoje particularmente sentidas, devemos escutar com um pouco mais de
atenção o testemunho da Bíblia sobre a esperança. Esta é, de facto, uma palavra
central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens, ser possível
intercambiar os termos « fé » e « esperança ». Assim, a Carta aos Hebreus
liga estreitamente a « plenitude da fé » (10,22) com a « imutável profissão da
esperança » (10,23). De igual modo, quando a Primeira Carta de Pedro
exorta os cristãos a estarem sempre prontos a responder a propósito do logos
– o sentido e a razão – da sua esperança (3,15), « esperança » equivale a «
fé ». Quão determinante se revelasse para a consciência dos primeiros cristãos
o facto de terem recebido o dom de uma esperança fidedigna, manifesta-se também
nos textos onde se compara a existência cristã com a vida anterior à fé ou com
a situação dos adeptos de outras religiões. Paulo lembra aos Efésios que, antes
do seu encontro com Cristo, estavam « sem esperança e sem Deus no mundo » (Ef
2,12). Naturalmente, ele sabe que eles tinham seguido deuses, que tiveram
uma religião, mas os seus deuses revelaram-se discutíveis e, dos seus mitos
contraditórios, não emanava qualquer esperança. Apesar de terem deuses, estavam
« sem Deus » e, consequentemente, achavam-se num mundo tenebroso, perante um futuro
obscuro. « In nihil ab nihilo quam cito recidimus » (No nada, do nada,
quão cedo recaímos) [1] diz um epitáfio daquela época;
palavras nas quais aparece, sem rodeios, aquilo a que Paulo alude. Ao mesmo
tempo, diz aos Tessalonicenses: não deveis « entristecer-vos como os outros que
não têm esperança » (1 Ts 4,13). Aparece aqui também como elemento
distintivo dos cristãos o facto de estes terem um futuro: não é que conheçam em
detalhe o que os espera, mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no
vazio. Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna
vivível também o presente. Sendo assim, podemos agora dizer: o cristianismo não
era apenas uma « boa nova », ou seja, uma comunicação de conteúdos até então
ignorados. Em linguagem actual, dir-se-ia: a mensagem cristã não era só «
informativa », mas « performativa ». Significa isto que o Evangelho não é
apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação
que gera factos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi
aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida
nova.
3. Porém, agora coloca-se a questão: em que
consiste esta esperança que, enquanto esperança, é « redenção »? Pois bem, o
núcleo da resposta encontra-se no trecho da Carta aos Efésios já citado:
os Efésios, antes do encontro com Cristo, estavam sem esperança, porque estavam
« sem Deus no mundo ». Chegar a conhecer Deus, o verdadeiro Deus: isto
significa receber esperança. A nós, que desde sempre convivemos com o conceito
cristão de Deus e a ele nos habituamos, a posse duma tal esperança que provém do
encontro real com este Deus quase nos passa despercebida. O exemplo de uma
santa da nossa época pode, de certo modo, ajudar-nos a entender o que significa
encontrar pela primeira vez e realmente este Deus. Refiro-me a Josefina
Bakhita, uma africana canonizada pelo Papa João Paulo II. Nascera por volta de
1869 – ela mesma não sabia a data precisa – no Darfur, Sudão. Aos nove anos de
idade foi raptada pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e
vendida cinco vezes nos mercados do Sudão. Por último, acabou escrava ao
serviço da mãe e da esposa de um general, onde era diariamente seviciada até ao
sangue; resultado disso mesmo foram as 144 cicatrizes que lhe ficaram para toda
a vida. Finalmente, em 1882, foi comprada por um comerciante italiano para o
cônsul Callisto Legnani que, ante a avançada dos mahdistas, voltou para a
Itália. Aqui, depois de « patrões » tão terríveis que a tiveram como sua
propriedade até agora, Bakhita acabou por conhecer um « patrão » totalmente
diferente – no dialecto veneziano que agora tinha aprendido, chamava « paron »
ao Deus vivo, ao Deus de Jesus Cristo. Até então só tinha conhecido patrões que
a desprezavam e maltratavam ou, na melhor das hipóteses, a consideravam uma
escrava útil. Mas agora ouvia dizer que existe um « paron » acima de todos os
patrões, o Senhor de todos os senhores, e que este Senhor é bom, a bondade em
pessoa. Soube que este Senhor também a conhecia, tinha-a criado; mais ainda,
amava-a. Também ela era amada, e precisamente pelo « Paron » supremo, diante do
qual todos os outros patrões não passam de miseráveis servos. Ela era
conhecida, amada e esperada; mais ainda, este Patrão tinha enfrentado
pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela « à
direita de Deus Pai ». Agora ela tinha « esperança »; já não aquela pequena
esperança de achar patrões menos cruéis, mas a grande esperança: eu sou
definitivamente amada e aconteça o que acontecer, eu sou esperada por este
Amor. Assim a minha vida é boa. Mediante o conhecimento desta esperança, ela
estava « redimida », já não se sentia escrava, mas uma livre filha de Deus.
Entendia aquilo que Paulo queria dizer quando lembrava aos Efésios que, antes,
estavam sem esperança e sem Deus no mundo: sem esperança porque sem Deus. Por
isso, quando quiseram levá-la de novo para o Sudão, Bakhita negou-se; não
estava disposta a deixar-se separar novamente do seu « Paron ». A 9 de Janeiro
de 1890, foi baptizada e crismada e recebeu a Sagrada Comunhão das mãos do
Patriarca de Veneza. A 8 de Dezembro de 1896, em Verona, pronunciou os votos na
Congregação das Irmãs Canossianas e desde então, a par dos serviços na
sacristia e na portaria do convento, em várias viagens pela Itália procurou
sobretudo incitar à missão: a libertação recebida através do encontro com o
Deus de Jesus Cristo, sentia que devia estendê-la, tinha de ser dada também a
outros, ao maior número possível de pessoas. A esperança, que nascera para ela
e a « redimira », não podia guardá-la para si; esta esperança devia chegar a
muitos, chegar a todos.
O conceito de esperança baseada sobre a fé no
Novo Testamento e na Igreja primitiva
4. Antes de enfrentar a questão de saber se
também para nós o encontro com aquele Deus que, em Cristo, nos mostrou a sua
Face e abriu o seu Coração poderá ser « performativo » e não somente «
informativo », ou seja, se poderá transformar a nossa vida a ponto de nos fazer
sentir redimidos através da esperança que o mesmo exprime, voltemos de novo à
Igreja primitiva. Não é difícil notar como a experiência da humilde escrava
africana Bakhita foi também a experiência de muitas pessoas maltratadas e
condenadas à escravidão no tempo do cristianismo nascente. O cristianismo não
tinha trazido uma mensagem sócio-revolucionária semelhante à de Espártaco que
tinha fracassado após lutas cruentas. Jesus não era Espártaco, não era um
guerreiro em luta por uma libertação política, como Barrabás ou Bar-Kochba.
Aquilo que Jesus – Ele mesmo morto na cruz – tinha trazido era algo de
totalmente distinto: o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro
com o Deus vivo e, deste modo, o encontro com uma esperança que era mais forte
do que os sofrimentos da escravatura e, por isso mesmo, transformava a partir
de dentro a vida e o mundo. A novidade do que tinha acontecido revela-se, com a
máxima evidência, na Carta de São Paulo a Filémon. Trata-se de
uma carta, muito pessoal, que Paulo escreve no cárcere e entrega ao escravo
fugitivo Onésimo para o seu patrão – precisamente Filémon. É verdade, Paulo
envia de novo o escravo para o seu patrão, de quem tinha fugido, e fá-lo não
impondo, mas suplicando: « Venho pedir-te por Onésimo, meu filho, que gerei na
prisão [...]. De novo to enviei e tu torna a recebê-lo, como às minhas
entranhas [...]. Talvez ele se tenha apartado de ti por algum tempo, para que
tu o recobrasses para sempre, não já como escravo, mas, em vez de escravo, como
irmão muito amado » (Flm 10-16). Os homens que, segundo o próprio estado
civil, se relacionam entre si como patrões e escravos, quando se tornaram
membros da única Igreja passaram as ser entre si irmãos e irmãs – assim se
tratavam os cristãos mutuamente. Em virtude do Baptismo, tinham sido
regenerados, tinham bebido do mesmo Espírito e recebiam conjuntamente, um ao
lado do outro, o Corpo do Senhor. Apesar de as estruturas externas permanecerem
as mesmas, isto transformava a sociedade a partir de dentro. Se a Carta aos
Hebreus diz que os cristãos não têm aqui neste mundo uma morada permanente,
mas procuram a futura (cf. Heb 11, 13-14; Fil 3,20), isto não
significa de modo algum adiar para uma perspectiva futura: a sociedade presente
é reconhecida pelos cristãos como uma sociedade imprópria; eles pertencem a uma
sociedade nova, rumo à qual caminham e que, na sua peregrinação, é antecipada.
5. Devemos acrescentar ainda um outro ponto de
vista. A Primeira Carta aos Coríntios (1,18-31) mostra-nos que uma
grande parte dos primeiros cristãos pertencia às classes baixas da sociedade e,
por isso mesmo, se sentia livre para a experiência da nova esperança, como
constatámos no exemplo de Bakhita. Porém, já desde os começos, havia também
conversões nas classes aristocráticas e cultas, visto que também estas viviam «
sem esperança e sem Deus no mundo ». O mito tinha perdido a sua credibilidade;
a religião romana de Estado tinha-se esclerosado em mero cerimonial, que se
realizava escrupulosamente, mas reduzido já simplesmente a uma « religião
política ». O racionalismo filosófico tinha relegado os deuses para o campo do
irreal. O Divino era visto de variados modos nas forças cósmicas, mas um Deus a
Quem se podia rezar não existia. Paulo ilustra, de forma absolutamente
apropriada, a problemática essencial da religião de então, quando contrapõe à
vida « segundo Cristo » uma vida sob o domínio dos « elementos do mundo » (Col
2,8). Nesta perspectiva, pode ser esclarecedor um texto de São Gregório
Nazianzeno. Diz ele que, no momento em que os magos guiados pela estrela
adoraram Cristo, o novo rei, deu-se por encerrada a astrologia, pois agora as
estrelas giram segundo a órbita determinada por Cristo [2] De facto, nesta cena fica invertida
a concepção do mundo de então, que hoje, de um modo distinto, aparece de novo
florescente. Não são os elementos do cosmo, as leis da matéria que, no fim das
contas, governam o mundo e o homem, mas é um Deus pessoal que governa as
estrelas, ou seja, o universo; as leis da matéria e da evolução não são a
última instância, mas razão, vontade, amor: uma Pessoa. E se conhecemos esta
Pessoa e Ela nos conhece, então verdadeiramente o poder inexorável dos
elementos materiais deixa de ser a última instância; deixámos de ser escravos
do universo e das suas leis, então somos livres. Tal consciência impeliu na
antiguidade os ânimos sinceros a indagar. O céu não está vazio. A vida não é um
simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em tudo e,
contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em
Jesus Se revelou como Amor.[3]
6. Os sarcófagos dos primórdios do cristianismo
ilustram visivelmente esta concepção (com a morte diante dos olhos a questão do
significado da vida torna-se inevitável). A figura de Cristo é interpretada,
nos antigos sarcófagos, sobretudo através de duas imagens: a do filósofo e a do
pastor. Em geral, por filosofia não se entendia então uma difícil disciplina
académica, tal como ela se apresenta hoje. O filósofo era antes aquele que
sabia ensinar a arte essencial: a arte de ser rectamente homem, a arte de viver
e de morrer. Certamente, já há muito tempo que os homens se tinham apercebido
de que boa parte dos que circulavam como filósofos, como mestres de vida, não
passavam de charlatães que com suas palavras granjeavam dinheiro, enquanto
sobre a verdadeira vida nada tinham a dizer. Isto era mais uma razão para se
procurar o verdadeiro filósofo que soubesse realmente indicar o itinerário da
vida. Quase ao fim do século terceiro, encontramos pela primeira vez em Roma,
no sarcófago de um menino e no contexto da ressurreição de Lázaro, a figura de
Cristo como o verdadeiro filósofo que, numa mão, segura o Evangelho e, na
outra, o bastão do viandante, próprio do filósofo. Com este bastão, Ele vence a
morte; o Evangelho traz a verdade que os filósofos peregrinos tinham buscado em
vão. Nesta imagem, que sucessivamente por um longo período havia de perdurar na
arte dos sarcófagos, torna-se evidente aquilo que tanto as pessoas cultas como
as simples encontravam em Cristo: Ele diz-nos quem é na realidade o homem e o
que ele deve fazer para ser verdadeiramente homem. Ele indica-nos o caminho, e
este caminho é a verdade. Ele mesmo é simultaneamente um e outra, sendo por
isso também a vida de que todos nós andamos à procura. Ele indica ainda o
caminho para além da morte; só quem tem a possibilidade de fazer isto é um
verdadeiro mestre de vida. O mesmo se torna visível na imagem do pastor. Tal
como sucedia com a representação do filósofo, assim também na figura do pastor
a Igreja primitiva podia apelar-se a modelos existentes da arte romana. Nesta,
o pastor era, em geral, expressão do sonho de uma vida serena e simples de que
as pessoas, na confusão da grande cidade, sentiam saudade. Agora a imagem era
lida no âmbito de um novo cenário que lhe conferia um conteúdo mais profundo: «
O Senhor é meu pastor, nada me falta [...] Mesmo que atravesse vales sombrios,
nenhum mal temerei, porque estais comigo » (Sal 23[22], 1.4). O
verdadeiro pastor é Aquele que conhece também o caminho que passa pelo vale da
morte; Aquele que, mesmo na estrada da derradeira solidão, onde ninguém me pode
acompanhar, caminha comigo servindo-me de guia ao atravessá-la: Ele mesmo
percorreu esta estrada, desceu ao reino da morte, venceu-a e voltou para nos
acompanhar a nós agora e nos dar a certeza de que, juntamente com Ele, acha-se
uma passagem. A certeza de que existe Aquele que, mesmo na morte, me acompanha
e com o seu « bastão e o seu cajado me conforta », de modo que « não devo temer
nenhum mal » (cf. Sal 23[22],4): esta era a nova « esperança » que
surgia na vida dos crentes.
7. Devemos voltar, uma vez mais, ao Novo Testamento.
No décimo primeiro capítulo da Carta aos Hebreus (v. 1), encontra-se,
por assim dizer, uma certa definição da fé que entrelaça estreitamente esta
virtude com a esperança. À volta da palavra central desta frase começou a
gerar-se desde a Reforma, uma discussão entre os exegetas, mas que parece hoje
encaminhar-se para uma interpretação comum. Por enquanto, deixo o termo em
questão sem traduzir. A frase soa, pois, assim: « A fé é hypostasis das
coisas que se esperam; prova das coisas que não se vêem ». Para os Padres e
para os teólogos da Idade Média era claro que a palavra grega hypostasis
devia ser traduzida em latim pelo termo substantia. De facto, a tradução
latina do texto, feita na Igreja antiga, diz: « Est autem fides sperandarum
substantia rerum, argumentum non apparentium – a fé é a “substância” das
coisas que se esperam; a prova das coisas que não se vêem ». Tomás de Aquino,[4] servindo-se da terminologia da
tradição filosófica em que se encontra, explica: a fé é um « habitus »,
ou seja, uma predisposição constante do espírito, em virtude do qual a vida
eterna tem início em nós e a razão é levada a consentir naquilo que não vê.
Deste modo, o conceito de « substância » é modificado para significar que pela
fé, de forma incoativa – poderíamos dizer « em gérmen » e portanto segundo a «
substância » – já estão presentes em nós as coisas que se esperam: a totalidade,
a vida verdadeira. E precisamente porque a coisa em si já está presente, esta
presença daquilo que há-de vir cria também certeza: esta « coisa » que deve vir
ainda não é visível no mundo externo (não « aparece »), mas pelo facto de a
trazermos, como realidade incoativa e dinâmica dentro de nós, surge já agora
uma certa percepção dela. Para Lutero, que não nutria muita simpatia pela
Carta aos Hebreus em si própria, o conceito de « substância », no contexto
da sua visão da fé, nada significava. Por isso, interpretou o termo
hipóstase/substância não no sentido objectivo (de realidade presente em
nós), mas no subjectivo, isto é, como expressão de uma atitude interior e,
consequentemente, teve naturalmente de entender também o termo argumentum
como uma disposição do sujeito. No século XX, esta interpretação impôs-se
também na exegese católica – pelo menos na Alemanha – de modo que a tradução
ecuménica em alemão do Novo Testamento, aprovada pelos Bispos diz: « Glaube
aber ist: Feststehen in dem, was man erhofft, Überzeugtsein von dem, was man
nicht sieht » (fé é: permanecer firmes naquilo que se espera, estar
convencidos daquilo que não se vê). Em si mesmo, isto não está errado; mas não
é o sentido do texto, porque o termo grego usado (elenchos) não tem o
valor subjectivo de « convicção », mas o valor objectivo de « prova ». Com
razão, pois, a recente exegese protestante chegou a uma convicção diversa: «
Agora, porém, já não restam dúvidas de que esta interpretação protestante, tida
como clássica, é insustentável ».[5] A fé não é só uma inclinação da
pessoa para realidades que hão-de vir, mas estão ainda totalmente ausentes; ela
dá-nos algo. Dá-nos já agora algo da realidade esperada, e esta realidade
presente constitui para nós uma « prova » das coisas que ainda não se vêem. Ela
atrai o futuro para dentro do presente, de modo que aquele já não é o puro « ainda-não
». O facto de este futuro existir, muda o presente; o presente é tocado pela
realidade futura, e assim as coisas futuras derramam-se naquelas presentes e as
presentes nas futuras.
8. Esta explicação fica ainda mais reforçada e
aplicada à vida concreta, se considerarmos o versículo 34 do décimo capítulo da
Carta aos Hebreus que, sob o aspecto da língua e do conteúdo, tem a
ver com esta definição de uma fé perpassada de esperança e prepara-a. No texto,
o autor fala aos crentes que viveram a experiência da perseguição,
dizendo-lhes: « Não só vos compadecestes dos encarcerados, mas aceitastes com
alegria a confiscação dos vossos bens (hyparchonton – Vg: bonorum),
sabendo que possuís uma riqueza melhor (hyparxin – Vg: substantiam)
e imperecível ». Hyparchonta são as propriedades, aquilo que na vida
terrena constitui a sustentação, precisamente a base, a « substância » da qual
se necessita para viver. Esta « substância », a segurança normal para a vida,
foi tirada aos cristãos durante a perseguição. Eles suportaram-no, porque em
todo o caso consideravam transcurável esta substância material. Podiam
prescindir dela, porque tinham achado uma « base » melhor para a sua existência
– uma base que permanece e que ninguém lhes pode tirar. Não é possível deixar
de ver a ligação existente entre estas duas espécies de « substância », entre a
sustentação ou base material e a afirmação da fé como « base », como «
substância » que permanece. A fé confere à vida uma nova base, um novo
fundamento, sobre o qual o homem se pode apoiar, e consequentemente, o
fundamento habitual, ou seja a confiança na riqueza material, relativiza-se.
Cria-se uma nova liberdade diante deste fundamento da vida que só aparentemente
é capaz de sustentar, embora o seu significado normal não seja certamente
negado com isso. Esta nova liberdade, a consciência da nova « substância » que
nos foi dada, ficou patente no martírio, quando as pessoas se opuseram à
prepotência da ideologia e dos seus órgãos políticos e, com a sua morte,
renovaram o mundo. Mas não é só no martírio... Aquela manifestou-se sobretudo
nas grandes renúncias a começar dos monges da antiguidade até Francisco de
Assis e às pessoas do nosso tempo que, nos Institutos e Movimentos religiosos
actuais, deixaram tudo para levar aos homens a fé e o amor de Cristo, para
ajudar as pessoas que sofrem no corpo e na alma. Aqui a nova « substância »
confirmou-se realmente como « substância »: da esperança destas pessoas tocadas
por Cristo brotou esperança para outros que viviam na escuridão e sem esperança.
Ficou demonstrado que esta nova vida possui realmente « substância » e é «
substância » que suscita vida para os outros. Para nós, que vemos tais figuras,
este seu actuar e viver é, de facto, uma « prova » de que as coisas futuras, ou
seja, a promessa de Cristo não é uma realidade apenas esperada, mas uma
verdadeira presença: Ele é realmente o « filósofo » e o « pastor » que nos
indica o que seja e onde está a vida.
9. Para compreender mais profundamente esta
reflexão sobre as duas espécies de substâncias - hypostasis e hyparchonta
– e sobre as duas maneiras de viver que com elas se exprimem, devemos reflectir
ainda brevemente sobre duas palavras referentes ao assunto, que se encontram no
décimo capítulo da Carta aos Hebreus. Trata-se das palavras hypomone (10,36)
e hypostole (10,39). Hypomone traduz-se normalmente por «
paciência », perseverança, constância. Este saber esperar, suportando
pacientemente as provas, é necessário para o crente poder « obter as coisas
prometidas » (cf. 10,36). Na religiosidade do antigo judaísmo, esta palavra era
usada expressamente para a espera de Deus, característica de Israel, para este
perseverar na fidelidade a Deus, na base da certeza da Aliança, num mundo que
contradiz a Deus. Sendo assim, a palavra indica uma esperança vivida, uma vida
baseada na certeza da esperança. No Novo Testamento, esta espera de Deus, este
estar da parte de Deus assume um novo significado: é que em Cristo, Deus
manifestou-Se. Comunicou-nos já a « substância » das coisas futuras, e assim a
espera de Deus adquire uma nova certeza. É espera das coisas futuras a partir
de um dom já presente. É espera – na presença de Cristo, isto é, com Cristo
presente – que se completa no seu Corpo, na perspectiva da sua vinda
definitiva. Diversamente com hypostole, exprime-se o esquivar-se de
alguém que não ousa dizer, abertamente e com franqueza, a verdade talvez
perigosa. Este dissimular por espírito de temor diante dos homens, conduz à «
perdição » (Heb 10,39). Pois, « Deus não nos deu um espírito de timidez,
mas de fortaleza, amor e sabedoria », lê-se na Segunda Carta a Timóteo
(1,7) caracterizando assim, com uma bela expressão, a atitude fundamental do
cristão.
A vida eterna – o que é?
10. Até agora estivemos a falar da fé e da
esperança no Novo Testamento e nos inícios do cristianismo, mas deixando sempre
claro que não se tratava apenas do passado; toda a reflexão feita tem a ver com
a vida e a morte do homem em geral e, portanto, interessa-nos também a nós,
aqui e agora. Chegou o momento, porém, de nos colocarmos explicitamente a
questão: para nós, hoje a fé cristã é também uma esperança que transforma e
sustenta a nossa vida? Para nós aquela é « performativa » – uma mensagem que
plasma de modo novo a mesma vida – ou é simplesmente « informação » que, entretanto,
pusemos de lado porque nos parece superada por informações mais recentes? Na
busca de uma resposta, desejo partir da forma clássica do diálogo, usado no
rito do Baptismo, para exprimir o acolhimento do recém-nascido na comunidade
dos crentes e o seu renascimento em Cristo. O sacerdote perguntava, antes de
mais nada, qual era o nome que os pais tinham escolhido para a criança, e
prosseguia: « O que é que pedis à Igreja? ». Resposta: « A fé ». « E o que é
que vos dá a fé? ». « A vida eterna ». Como vemos por este diálogo, os pais
pediam para a criança o acesso à fé, a comunhão com os crentes, porque viam na
fé a chave para a « vida eterna ». Com efeito hoje, como sempre, é disto que se
trata no Baptismo, quando nos tornamos cristãos: é não somente um acto de
socialização no âmbito da comunidade, nem simplesmente de acolhimento na
Igreja. Os pais esperam algo mais para o baptizando: esperam que a fé – de que
faz parte a corporeidade da Igreja e dos seus sacramentos – lhe dê a vida, a
vida eterna. Fé é substância da esperança. Aqui, porém, surge a pergunta:
Queremos nós realmente isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a
fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa
desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé
na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo. Continuar a viver
eternamente – sem fim – parece mais uma condenação do que um dom. Certamente a
morte queria-se adiá-la o mais possível. Mas, viver sempre, sem um termo,
acabaria por ser fastidioso e, em última análise, insuportável. É isto
precisamente que diz, por exemplo, o Padre da Igreja Ambrósio na sua elegia
pelo irmão defunto Sátiro: « Sem dúvida, a morte não fazia parte da natureza,
mas tornou-se natural; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas
deu-a como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a
lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve
de pôr fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha
perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não
fosse promovida pela graça ».[6] Antes, Ambrósio tinha dito: « Não
devemos chorar a morte, que é a causa de salvação universal »[7].
11. Independentemente do que Santo Ambrósio
quisesse dizer precisamente com estas palavras, é certo que a eliminação da
morte ou mesmo o seu adiamento quase ilimitado, deixaria a terra e a humanidade
numa condição impossível e nem mesmo prestaria um benefício ao indivíduo.
Obviamente há uma contradição na nossa atitude, que evoca um conflito interior
da nossa mesma existência. Por um lado, não queremos morrer; sobretudo quem nos
ama não quer que morramos. Mas, por outro, também não desejamos continuar a
existir ilimitadamente, nem a terra foi criada com esta perspectiva. Então, o
que é que queremos na realidade? Este paradoxo da nossa própria conduta suscita
uma questão mais profunda: o que é, na verdade, a « vida »? E o que significa
realmente « eternidade »? Há momentos em que de repente temos a sua percepção:
sim, isto seria precisamente a « vida » verdadeira, assim deveria ser. Em
comparação, aquilo que no dia-a-dia chamamos « vida », na verdade não o é.
Agostinho, na sua extensa carta sobre a oração, dirigida a Proba – uma viúva
romana rica e mãe de três cônsules –, escreve: no fundo, queremos uma só coisa,
« a vida bem-aventurada », a vida que é simplesmente vida, pura « felicidade ».
No fim de contas, nada mais pedimos na oração. Só para ela caminhamos; só disto
se trata. Porém, depois Agostinho diz também: se considerarmos melhor, no fundo
não sabemos realmente o que desejamos, o que propriamente queremos. Não
conhecemos de modo algum esta realidade; mesmo naqueles momentos em que
pensamos tocá-la, não a alcançamos realmente. « Não sabemos o que convém pedir
» – confessa ele citando São Paulo (Rm 8,26). Sabemos apenas que não é
isto. Porém, no facto de não saber sabemos que esta realidade deve existir. «
Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância » (docta ignorantia) –
escreve ele. Não sabemos realmente o que queremos; não conhecemos esta « vida
verdadeira »; e, no entanto, sabemos que deve existir algo que não conhecemos e
para isso nos sentimos impelidos.[8]
12. Penso que Agostinho descreve aqui, de modo
muito preciso e sempre válido, a situação essencial do homem, uma situação
donde provêm todas as suas contradições e as suas esperanças. De certo modo,
desejamos a própria vida, a vida verdadeira, que depois não seja tocada sequer
pela morte; mas, ao mesmo tempo, não conhecemos aquilo para que nos sentimos
impelidos. Não podemos deixar de tender para isto e, no entanto, sabemos que
tudo quanto podemos experimentar ou realizar não é aquilo por que anelamos.
Esta « coisa » desconhecida é a verdadeira « esperança » que nos impele e o
facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades
como também de todos os ímpetos positivos ou destruidores para o mundo
autêntico e o homem verdadeiro. A palavra « vida eterna » procura dar um nome a
esta desconhecida realidade conhecida. Necessariamente é uma expressão
insuficiente, que cria confusão. Com efeito, « eterno » suscita em nós a ideia
do interminável, e isto nos amedronta; « vida », faz-nos pensar na existência
por nós conhecida, que amamos e não queremos perder, mas que, frequentemente,
nos reserva mais canseiras que satisfações, de tal maneira que se por um lado a
desejamos, por outro não a queremos. A única possibilidade que temos é procurar
sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e, de alguma
forma, conjecturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de dias do
calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, onde a
totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de
mergulhar no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já
não existe. Podemos somente procurar pensar que este instante é a vida em
sentido pleno, um incessante mergulhar na vastidão do ser, ao mesmo tempo que
ficamos simplesmente inundados pela alegria. Assim o exprime Jesus, no
Evangelho de João: « Eu hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á
e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria » (16,22). Devemos olhar neste
sentido, se quisermos entender o que visa a esperança cristã, o que esperamos
da fé, do nosso estar com Cristo.[9]
A esperança cristã é individualista?
13. Ao longo da sua história, os cristãos
procuraram traduzir este saber, que desconhece, em figuras ilustrativas,
explanando imagens do « céu » que ficam sempre aquém daquilo que conhecemos
precisamente só por negação, através de um não-conhecimento. Todas estas
tentativas de representação da esperança deram a muitos, no decorrer dos
séculos, a coragem de viverem segundo a fé e, assim, abandonarem inclusivamente
os seus « hyparchonta », os bens materiais para a sua existência. O
autor da Carta aos Hebreus, no décimo primeiro capítulo, traçou, por
assim dizer, uma história daqueles que vivem na esperança e da sua condição de
caminhantes, uma história que desde Abel chega até à sua época. Contra este
tipo de esperança acendeu-se, na idade moderna, uma crítica sempre mais dura:
tratar-se-ia de puro individualismo, que teria abandonado o mundo à sua miséria
indo refugiar-se numa salvação eterna puramente privada. Henry de Lubac, na
introdução à sua obra fundamental « Catholicisme. Aspects sociaux du dogme
», recolheu algumas vozes características deste tipo, uma das quais merece ser
citada: « Será que encontrei a alegria? Não... Encontrei a minha alegria. O que
é algo terrivelmente diferente... A alegria de Jesus pode ser individual. Pode
pertencer a uma só pessoa, e esta está salva. Está em paz... agora e para
sempre, mas ela só. Esta solidão na alegria não a perturba. Pelo contrário: ela
sente-se precisamente a eleita! Na sua bem-aventurança, atravessa as batalhas
com uma rosa na mão ».[10]
14. A este respeito, Henry de Lubac,
baseando-se na teologia dos Padres em toda a sua amplidão, pôde demonstrar que
a salvação foi sempre considerada como uma realidade comunitária. A mesma
Carta aos Hebreus fala de uma « cidade » (cf. 11,10.16; 12,22; 13,14) e,
portanto, de uma salvação comunitária. Coerentemente, o pecado é entendido
pelos Padres como destruição da unidade do género humano, como fragmentação e
divisão. Babel, o lugar da confusão das línguas e da separação, apresenta-se
como expressão daquilo que é radicalmente o pecado. Deste modo, a « redenção »
aparece precisamente como a restauração da unidade, onde nos encontramos
novamente juntos numa união que se delínea na comunidade mundial dos crentes.
Não é necessário ocuparmo-nos aqui de todos os textos, onde transparece o
carácter comunitário da esperança. Retomemos a Carta a Proba em que
Agostinho tenta ilustrar um pouco esta desconhecida realidade conhecida de que
andamos à procura. O seu ponto de partida é simplesmente a expressão « vida
bem-aventurada [feliz] ». Em seguida cita o Salmo 144 (143), 15: « Feliz
o povo cujo Deus é o Senhor ». E continua: « Para poder formar parte deste povo
e [...] viver eternamente com Ele, recordemos que “o fim dos mandamentos é
promover a caridade, que procede de um coração puro, de uma consciência recta e
de uma fé sincera” (1 Tm 1,5) ».[11] Esta vida verdadeira, para a qual
sempre tendemos, depende do facto de se estar na união existencial com um «
povo » e pode realizar-se para cada pessoa somente no âmbito deste « nós ».
Aquela pressupõe, precisamente, o êxodo da prisão do próprio « eu », pois só na
abertura deste sujeito universal é que se abre também o olhar para a fonte da
alegria, para o amor em pessoa, para Deus.
15. Esta visão da « vida bem-aventurada »
orientada para a comunidade visa, certamente, algo que está para além do mundo presente,
mas é precisamente deste modo que ela tem a ver também com a edificação do
mundo – segundo formas muito distintas, conforme o contexto histórico e as
possibilidades por ele oferecidas ou excluídas. No tempo de Agostinho, quando a
irrupção de novos povos ameaçava aquela coesão do mundo que dava uma certa
garantia de direito e de vida numa comunidade jurídica, tratava-se de
fortalecer os fundamentos realmente basilares desta comunidade de vida e de
paz, para poder sobreviver no meio da transformação do mundo. Deixando de lado
outros casos, procuremos lançar um olhar sobre um momento da Idade Média,
emblemático sob determinados aspectos. Na consciência comum, os mosteiros eram
vistos como os lugares da fuga do mundo (« contemptus mundi ») e do
subtrair-se à responsabilidade pelo mundo na procura da salvação privada.
Bernardo de Claraval, que, com a sua Ordem reformada, trouxe uma multidão de
jovens para os mosteiros, tinha a este respeito uma visão muito distinta. Na
sua opinião, os monges desempenham uma tarefa para bem de toda a Igreja e, por
conseguinte, também de todo o mundo. Com muitas imagens, ele ilustra a
responsabilidade dos monges pelo organismo inteiro da Igreja, antes, pela
humanidade; aplica a eles esta frase do Pseudo-Rufino: « O género humano vive
graças a poucos; se estes não existissem, o mundo pereceria... ».[12] Os contemplativos (contemplantes)
devem tornar-se trabalhadores agrícolas (laborantes) – diz ele. A
nobreza do trabalho, que o cristianismo herdou do judaísmo, estava patente nas
regras monásticas de Agostinho e de Bento. Bernardo retoma este conceito. Os
jovens nobres que afluíam aos seus mosteiros deviam submeter-se ao trabalho
manual. É verdade que Bernardo diz explicitamente que nem mesmo o mosteiro pode
restabelecer o Paraíso; mas defende que aquele deve, como lugar de amanho
manual e espiritual, preparar o novo Paraíso. O terreno bravio de um bosque
torna-se fértil, precisamente quando, ao mesmo tempo, se deitam abaixo as
árvores da soberba, se extirpa o que de bravio cresce nas almas e se prepara
assim o terreno onde possa prosperar pão para o corpo e para a alma.[13] Por acaso, olhando precisamente a
história actual, não se constata novamente que nenhuma estruturação positiva do
mundo é possível nos lugares onde as almas se brutalizam?
A transformação da fé-esperança cristã no tempo
moderno
16. Como pôde desenvolver-se a ideia de que a
mensagem de Jesus é estritamente individualista e visa apenas o indivíduo? Como
é que se chegou a interpretar a « salvação da alma » como fuga da
responsabilidade geral e, consequentemente, a considerar o programa do
cristianismo como busca egoísta da salvação que se recusa a servir os outros?
Para encontrar uma resposta à questão, devemos lançar um olhar sobre as
componentes fundamentais do tempo moderno. Estas aparecem, com particular
clareza, em Francisco Bacon. Que uma nova época tenha surgido – graças à
descoberta da América e às novas conquistas técnicas que permitiram este
desenvolvimento – é um dado fora de discussão. Mas, sobre o que é que se baseia
esta mudança epocal? É a nova correlação de experiência e método que coloca o
homem em condições de chegar a uma interpretação da natureza conforme às suas
leis e, deste modo, conseguir finalmente « a vitória da arte sobre a natureza »
(victoria cursus artis super naturam).[14] A novidade – conforme a visão de
Bacon – está numa nova correlação entre ciência e prática. Isto foi depois
aplicado também teologicamente: esta nova correlação entre ciência e prática
significaria que o domínio sobre a criação, dado ao homem por Deus e perdido no
pecado original, ficaria restabelecido.[15]
17. Quem lê estas afirmações e nelas reflecte
com atenção, reconhece uma transição desconcertante: até então a recuperação
daquilo que o homem, expulso do paraíso terrestre, tinha perdido esperava-se da
fé em Jesus Cristo, e nisto se via a « redenção ». Agora, esta « redenção », a
restauração do « paraíso » perdido, já não se espera da fé, mas da ligação
recém-descoberta entre ciência e prática. Com isto, não é que se negue
simplesmente a fé; mas, esta acaba deslocada para outro nível – o das coisas
somente privadas e ultraterrestres – e, simultaneamente, torna-se de algum modo
irrelevante para o mundo. Esta visão programática determinou o caminho dos
tempos modernos, e influencia inclusive a actual crise da fé que,
concretamente, é sobretudo uma crise da esperança cristã. Assim também a
esperança, segundo Bacon, ganha uma nova forma. Agora chama-se fé no progresso.
Com efeito, para Bacon, resulta claro que os descobrimentos e as recentes
invenções são apenas um começo e que, graças à sinergia entre ciência e
prática, seguir-se-ão descobertas completamente novas, surgirá um mundo
totalmente novo, o reino do homem. [16] Nesta linha, apresentou um panorama
das invenções previsíveis, chegando ao avião e ao submarino. Ao longo do
sucessivo desenvolvimento da ideologia do progresso, a alegria pelos avanços
palpáveis das potencialidades humanas permanece uma confirmação constante da fé
no progresso enquanto tal.
18. Simultaneamente, há duas categorias que
penetram sempre mais no centro da ideia de progresso: razão e liberdade. Aquele
é sobretudo um progresso no crescente domínio da razão, sendo esta considerada
obviamente um poder do bem e para o bem. O progresso é a superação de todas as
dependências; é avanço para a liberdade perfeita. Também a liberdade é vista só
como promessa, na qual o homem se realiza rumo à plenitude. Em ambos os
conceitos – liberdade e razão – está presente um aspecto político. O reino da
razão, de facto, é aguardado como a nova condição da humanidade feita
totalmente livre. Todavia, as condições políticas deste reino da razão e da
liberdade aparecem, à primeira vista, pouco definidas. Razão e liberdade
parecem garantir por si mesmas, em virtude da sua intrínseca bondade, uma nova
comunidade humana perfeita. Nos dois conceitos-chave de « razão » e « liberdade
», tacitamente o pensamento coloca-se sempre em contraste com os vínculos da fé
e da Igreja, como também com os vínculos dos ordenamentos estatais de então.
Por isso, ambos os conceitos trazem em si um potencial revolucionário de enorme
força explosiva.
19. Temos de lançar brevemente um olhar sobre
duas etapas essenciais da concretização política desta esperança, porque são de
grande importância para o caminho da esperança cristã, para a sua compreensão e
persistência. Há, antes de mais nada, a Revolução francesa como tentativa de
instaurar o domínio da razão e da liberdade agora também de modo politicamente
real. Inicialmente, a Europa do Iluminismo contemplou fascinada estes
acontecimentos, mas depois, à vista da sua evolução, teve de reflectir de modo
novo sobre razão e liberdade. Significativos destas duas fases de recepção do
que acontecera em França são dois escritos de Emanuel Kant, nos quais ele reflecte
sobre os acontecimentos. Em 1792, escreve a obra « Der Sieg des guten
Prinzips über das böse und die Gründung eines Reichs Gottes auf Erden » (A
vitória do princípio bom sobre o princípio mau e a constituição de um reino de
Deus sobre a terra). Nela afirma: « A passagem gradual da fé eclesiástica ao
domínio exclusivo da pura fé religiosa constitui a aproximação do reino de Deus
».[17] Diz também que as revoluções podem
apressar os tempos desta passagem da fé eclesiástica à fé racional. O « reino
de Deus », de que falara Jesus, recebeu aqui uma nova definição e assumiu
também uma nova presença; existe, por assim dizer, uma nova « expectativa
imediata »: o « reino de Deus » chega onde a « fé eclesiástica » é superada e
substituída pela « fé religiosa », ou seja, pela mera fé racional. Em 1794, no
livro « Das Ende aller Dinge » (O fim de todas as coisas), aparece uma
imagem diferente. Agora, Kant toma em consideração a possibilidade de que, a
par do fim natural de todas as coisas, se verifique também um fim contrário à
natureza, perverso. Escreve a tal respeito: « Se acontecesse um dia chegar o
cristianismo a não ser mais digno de amor, então o pensamento dominante dos
homens deveria tomar a forma de rejeição e de oposição contra ele; e o
anticristo [...] inauguraria o seu regime, mesmo que breve, (baseado
presumivelmente sobre o medo e o egoísmo). Em seguida, porém, visto que o
cristianismo, embora destinado a ser a religião universal, de facto não teria
sido ajudado pelo destino a sê-lo, poderia verificar-se, sob o aspecto moral, o
fim (perverso) de todas as coisas ».[18]
20. O século XIX não perdeu a sua fé no
progresso como nova forma da esperança humana e continuou a considerar razão e
liberdade como as estrelas-guia a seguir no caminho da esperança. Todavia a
evolução sempre mais rápida do progresso técnico e a industrialização com ele
relacionada criaram, bem depressa, uma situação social completamente nova:
formou-se a classe dos trabalhadores da indústria e o chamado « proletariado
industrial », cujas terríveis condições de vida foram ilustradas de modo
impressionante por Frederico Engels, em 1845. Ao leitor, devia resultar claro
que isto não pode continuar; é necessária uma mudança. Mas a mudança haveria de
abalar e derrubar toda a estrutura da sociedade burguesa. Depois da revolução
burguesa de 1789, tinha chegado a hora para uma nova revolução: a proletária. O
progresso não podia limitar-se a avançar de forma linear e com pequenos passos.
Urgia o salto revolucionário. Karl Marx recolheu este apelo do momento e, com
vigor de linguagem e de pensamento, procurou iniciar este novo passo grande e,
como supunha, definitivo da história rumo à salvação, rumo àquilo que Kant
tinha qualificado como o « reino de Deus ». Tendo-se diluída a verdade do além,
tratar-se-ia agora de estabelecer a verdade de aquém. A crítica do céu
transforma-se na crítica da terra, a crítica da teologia na crítica da
política. O progresso rumo ao melhor, rumo ao mundo definitivamente bom, já não
vem simplesmente da ciência, mas da política – de uma política pensada
cientificamente, que sabe reconhecer a estrutura da história e da sociedade,
indicando assim a estrada da revolução, da mudança de todas as coisas. Com
pontual precisão, embora de forma unilateralmente parcial, Marx descreveu a
situação do seu tempo e ilustrou, com grande capacidade analítica, as vias para
a revolução. E não só teoricamente, pois com o partido comunista, nascido do
manifesto comunista de 1848, também a iniciou concretamente. A sua promessa,
graças à agudeza das análises e à clara indicação dos instrumentos para a
mudança radical, fascinou e não cessa de fascinar ainda hoje. E a revolução
deu-se, depois, na forma mais radical na Rússia.
21. Com a sua vitória, porém, tornou-se
evidente também o erro fundamental de Marx. Ele indicou com exactidão o modo
como realizar o derrubamento. Mas, não nos disse, como as coisas deveriam
proceder depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe
dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção,
ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém. Com efeito, então ficariam anuladas todas
as contradições; o homem e o mundo haveriam finalmente de ver claro em si
próprios. Então tudo poderia proceder espontaneamente pelo recto caminho,
porque tudo pertenceria a todos e todos haviam de querer o melhor um para o
outro. Assim, depois de cumprida a revolução, Lenin deu-se conta de que, nos
escritos do mestre, não se achava qualquer indicação sobre o modo como proceder.
É verdade que ele tinha falado da fase intermédia da ditadura do proletariado
como de uma necessidade que, porém, num segundo momento ela mesma se
demonstraria caduca. Esta « fase intermédia » conhecemo-la muito bem e sabemos
também como depois evoluiu, não dando à luz o mundo sadio, mas deixando atrás
de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de idealizar os
ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver
mais necessidade deles. O facto de não dizer nada sobre isso é lógica
consequência da sua perspectiva. O seu erro situa-se numa profundidade maior.
Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua
liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o
mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O
seu verdadeiro erro é o materialismo: de facto, o homem não é só o produto de
condições económicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições
económicas favoráveis.
22. Encontramo-nos assim novamente diante da
questão: o que é que podemos esperar? É necessária uma autocrítica da idade
moderna feita em diálogo com o cristianismo e com a sua concepção da esperança.
Neste diálogo, também os cristãos devem aprender de novo, no contexto dos seus
conhecimentos e experiências, em que consiste verdadeiramente a sua esperança,
o que é que temos para oferecer ao mundo e, ao contrário, o que é que não
podemos oferecer. É preciso que, na autocrítica da idade moderna, conflua também
uma autocrítica do cristianismo moderno, que deve aprender sempre de novo a
compreender-se a si mesmo a partir das próprias raízes. A este respeito,
pode-se aqui mencionar somente alguns indícios. Antes de mais, devemos
perguntar-nos: o que é que significa verdadeiramente « progresso »; o que é que
ele promete e o que é que não promete? No século XIX, já existia uma crítica à
fé no progresso. No século XX, Teodoro W. Adorno formulou, de modo drástico, a
problematicidade da fé no progresso: este, visto de perto, seria o progresso da
funda à megabomba. Certamente, este é um lado do progresso que não se deve
encobrir. Dito de outro modo: torna-se evidente a ambiguidade do progresso. Não
há dúvida que este oferece novas potencialidades para o bem, mas abre também
possibilidades abissais de mal – possibilidades que antes não existiam. Todos
fomos testemunhas de como o progresso em mãos erradas possa tornar-se, e
tornou-se realmente, um progresso terrível no mal. Se ao progresso técnico não
corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem
interior (cf. Ef 3,16; 2 Cor 4,16), então aquele não é um
progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo.
23. No que diz respeito aos dois grandes temas
« razão » e « liberdade », aqui é possível apenas acenar às questões
relacionadas com eles. Sem dúvida, a razão é o grande dom de Deus ao homem, e a
vitória da razão sobre a irracionalidade é também um objectivo da fé cristã.
Mas, quando é que a razão domina verdadeiramente? Quando se separou de Deus?
Quando ficou cega a Deus? A razão inteira reduz-se à razão do poder e do fazer?
Se o progresso, para ser digno deste nome necessita do crescimento moral da
humanidade, então a razão do poder e do fazer deve de igual modo urgentemente
ser integrada mediante a abertura da razão às forças salvíficas da fé, ao
discernimento entre o bem e o mal. Somente assim é que se torna uma razão
verdadeiramente humana. Torna-se humana apenas se for capaz de indicar o
caminho à vontade, e só é capaz disso se olhar para além de si própria. Caso
contrário, a situação do homem, devido à discrepância entre a capacidade
material e a falta de juízo do coração, torna-se uma ameaça para ele e para a
criação. Por isso, falando de liberdade, é preciso recordar que a liberdade humana
requer sempre um concurso de várias liberdades. Este concurso, porém, não se
pode efectuar se não for determinado por um critério intrínseco comum de
ponderação, que é fundamento e meta da nossa liberdade. Digamos isto de uma
forma mais simples: o homem tem necessidade de Deus; de contrário, fica privado
de esperança. Consideradas as mudanças da era moderna, a afirmação de S. Paulo,
citada ao princípio (Ef 2,12), revela-se muito realista e inteiramente
verdadeira. Portanto, não há dúvida de que um « reino de Deus » realizado sem
Deus – e por conseguinte um reino somente do homem – resolve-se inevitavelmente
no « fim perverso » de todas as coisas, descrito por Kant: já o vimos e vemo-lo
sempre de novo. De igual modo, também não há dúvida de que, para Deus entrar
verdadeiramente nas realidades humanas, não basta ser pensado por nós,
requer-se que Ele mesmo venha ao nosso encontro e nos fale. Por isso, a razão
necessita da fé para chegar a ser totalmente ela própria: razão e fé precisam
uma da outra para realizar a sua verdadeira natureza e missão.
A verdadeira fisionomia da esperança cristã
24. Retomemos agora a questão: o que é que
podemos esperar? E o que é que não podemos esperar? Antes de mais, devemos
constatar que um progresso por adição só é possível no campo material. Aqui, no
conhecimento crescente das estruturas da matéria e correlativas invenções cada
vez mais avançadas, verifica-se claramente uma continuidade do progresso rumo a
um domínio sempre maior da natureza. Mas, no âmbito da consciência ética e da
decisão moral, não há tal possibilidade de adição, simplesmente porque a
liberdade do homem é sempre nova e deve sempre de novo tomar as suas decisões.
Nunca aparecem simplesmente já tomadas em nossa vez por outros – neste caso, de
facto, deixaríamos de ser livres. A liberdade pressupõe que, nas decisões
fundamentais, cada homem, cada geração seja um novo início. Certamente as novas
gerações, tal como podem construir sobre os conhecimentos e as experiências
daqueles que as precederam, podem haurir do tesouro moral da humanidade
inteira. Mas podem também recusá-lo, pois este não pode ter a mesma evidência
das invenções materiais. O tesouro moral da humanidade não está presente como o
estão os instrumentos que se usam; aquele existe como convite à liberdade e
como sua possibilidade. Isto, porém, significa que:
a) O recto estado das coisas humanas, o bem-estar moral do mundo não pode
jamais ser garantido simplesmente mediante as estruturas, por mais válidas que
estas sejam. Tais estruturas são não só importantes, mas necessárias; todavia,
não podem nem devem impedir a liberdade do homem. Inclusive, as melhores
estruturas só funcionam se numa comunidade subsistem convicções que sejam
capazes de motivar os homens para uma livre adesão ao ordenamento comunitário.
A liberdade necessita de uma convicção; esta não existe por si mesma, mas deve
ser sempre novamente conquistada comunitariamente.
b) Visto que o homem permanece sempre livre e dado que a sua liberdade é
também sempre frágil, não existirá jamais neste mundo o reino do bem
definitivamente consolidado. Quem prometesse o mundo melhor que duraria
irrevocavelmente para sempre, faria uma promessa falsa; ignora a liberdade
humana. A liberdade deve ser incessantemente conquistada para o bem. A livre
adesão ao bem nunca acontece simplesmente por si mesma. Se houvesse estruturas
que fixassem de modo irrevogável uma determinada – boa – condição do mundo,
ficaria negada a liberdade do homem e, por este motivo, não seriam de modo
algum, em definitivo, boas estruturas.
25. Consequência de tudo isto é que a busca
sempre nova e trabalhosa de rectos ordenamentos para as realidades humanas é
tarefa de cada geração: nunca é uma tarefa que se possa simplesmente dar por
concluída. Mas, cada geração deve dar a própria contribuição para estabelecer
razoáveis ordenamentos de liberdade e de bem, que ajudem a geração seguinte na
sua orientação para o recto uso da liberdade humana, dando assim – sempre
dentro dos limites humanos – uma certa garantia para o futuro também. Por outras
palavras: as boas estruturas ajudam, mas por si só não bastam. O homem não
poderá jamais ser redimido simplesmente a partir de fora. Equivocaram-se
Francisco Bacon e os adeptos da corrente de pensamento da idade moderna nele
inspirada, ao considerar que o homem teria sido redimido através da ciência.
Com uma tal expectativa, está-se a pedir demasiado à ciência; esta espécie de
esperança é falaz. A ciência pode contribuir muito para a humanização do mundo
e dos povos. Mas, pode também pode destruir o homem e o mundo, se não for
orientada por forças que se encontram fora dela. Além disso, devemos constatar
também que o cristianismo moderno, diante dos sucessos da ciência na
progressiva estruturação do mundo, tinha-se concentrado em grande parte somente
sobre o indivíduo e a sua salvação. Deste modo, restringiu o horizonte da sua
esperança e não reconheceu suficientemente sequer a grandeza da sua tarefa –
apesar de ser grande o que continuou a fazer na formação do homem e no cuidado
dos fracos e dos que sofrem.
26. Não é a ciência que redime o homem. O homem
é redimido pelo amor. Isto vale já no âmbito deste mundo. Quando alguém
experimenta na sua vida um grande amor, conhece um momento de « redenção » que
dá um sentido novo à sua vida. Mas, rapidamente se dará conta também de que o
amor que lhe foi dado não resolve, por si só, o problema da sua vida. É um amor
que permanece frágil. Pode ser destruído pela morte. O ser humano necessita do
amor incondicionado. Precisa daquela certeza que o faz exclamar: « Nem a morte,
nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem
as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor » (Rom
8,38-39). Se existe este amor absoluto com a sua certeza absoluta, então –
e somente então – o homem está « redimido », independentemente do que lhe possa
acontecer naquela circunstância. É isto o que se entende, quando afirmamos:
Jesus Cristo « redimiu-nos ». Através d'Ele tornamo-nos seguros de Deus – de um
Deus que não constitui uma remota « causa primeira » do mundo, porque o seu
Filho unigénito fez-Se homem e d'Ele pode cada um dizer: « Vivo na fé do Filho
de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim » (Gal 2,20).
27. Neste sentido, é verdade que quem não
conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança,
sem a grande esperança que sustenta toda a vida (cf. Ef 2,12). A
verdadeira e grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as
desilusões, só pode ser Deus – o Deus que nos amou, e ama ainda agora « até ao
fim », « até à plena consumação » (cf. Jo 13,1 e 19,30). Quem é atingido
pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a « vida ». Começa a
intuir o significado da palavra de esperança que encontramos no rito do
Baptismo: da fé espero a « vida eterna » – a vida verdadeira que, inteiramente
e sem ameaças, em toda a sua plenitude é simplesmente vida. Jesus, que disse de
Si mesmo ter vindo ao mundo para que tenhamos a vida e a tenhamos em plenitude,
em abundância (cf. Jo 10,10), também nos explicou o que significa « vida
»: « A vida eterna consiste nisto: Que Te conheçam a Ti, por único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste » (Jo 17,3). A vida, no
verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio sozinho, nem mesmo por
si só: aquela é uma relação. E a vida na sua totalidade é relação com Aquele
que é a fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é
a própria Vida e o próprio Amor, então estamos na vida. Então « vivemos ».
28. Surge agora, porém, a questão: não será
que, desta maneira, caímos de novo no individualismo da salvação? Na esperança
só para mim, que aliás não é uma esperança verdadeira porque esquece e descuida
os outros? Não. A relação com Deus estabelece-se através da comunhão com Jesus
– sozinhos e apenas com as nossas possibilidades não o conseguimos. Mas, a
relação com Jesus é uma relação com Aquele que Se entregou a Si próprio em
resgate por todos nós (cf. 1 Tim 2,6). O facto de estarmos em comunhão
com Jesus Cristo envolve-nos no seu ser « para todos », fazendo disso o nosso
modo de ser. Ele compromete-nos a ser para os outros, mas só na comunhão com
Ele é que se torna possível sermos verdadeiramente para os outros, para a
comunidade. Neste contexto, queria citar o grande doutor grego da Igreja, S.
Máximo o Confessor († 662), o qual começa por exortar a não antepor nada ao
conhecimento e ao amor de Deus, mas depois passa imediatamente a aplicações
muito práticas: « Quem ama Deus não pode reservar o dinheiro para si próprio.
Distribui-o de modo “divino” [...] do mesmo modo segundo a medida da justiça ».[19] Do amor para com Deus consegue a
participação na justiça e na bondade de Deus para com os outros; amar a Deus
requer a liberdade interior diante de cada bem possuído e de todas as coisas
materiais: o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro.[20] A mesma conexão entre amor de Deus
e responsabilidade pelos homens podemos observá-la com comoção na vida de S.
Agostinho. Depois da sua conversão à fé cristã, ele, juntamente com alguns
amigos possuídos pelos mesmos ideais, queria levar uma vida dedicada totalmente
à palavra de Deus e às realidades eternas. Pretendia realizar com valores
cristãos o ideal da vida contemplativa expressa pela grande filosofia grega,
escolhendo deste modo « a melhor parte » (cf. Lc 10,42). Mas as coisas
foram de outro modo. Participava ele na Missa dominical, na cidade portuária de
Hipona, quando foi chamado pelo Bispo do meio da multidão e instado a deixar-se
ordenar para exercer o ministério sacerdotal naquela cidade. Olhando
retrospectivamente para aquela hora, escreve nas suas « Confissões »: «
Aterrorizado com os meus pecados e com o peso da minha miséria, tinha resolvido
e meditado em meu coração, o projecto de fugir para o ermo. Mas Vós mo
impedistes e me fortalecestes dizendo: “Cristo morreu por todos, para que os
viventes não vivam para si, mas para Aquele que morreu por todos” (cf. 2 Cor
5,15) ».[21] Cristo morreu por todos. Viver para
Ele significa deixar-se envolver no seu « ser para ».
29. Para Agostinho, isto significou uma vida
totalmente nova. Assim descreveu ele uma vez o seu dia-a-dia: « Corrigir os
indisciplinados, confortar os pusilânimes, amparar os fracos, refutar os
opositores, precaver-se dos maliciosos, instruir os ignorantes, estimular os
negligentes, frear os provocadores, moderar os ambiciosos, encorajar os
desanimados, pacificar os litigiosos, ajudar os necessitados, libertar os
oprimidos, demonstrar aprovação aos bons, tolerar o maus e [ai de mim!] amar a
todos ».[22] « É o Evangelho que me assusta »[23] – aquele susto salutar que nos
impede de viver para nós mesmos e que nos impele a transmitir a nossa esperança
comum. De facto, era esta precisamente a intenção de Agostinho: na difícil
situação do império romano, que ameaçava também a África romana e – no final da
vida de Agostinho – até a destruiu, transmite esperança, a esperança que lhe
vinha da fé e que, contrariamente ao seu temperamento introvertido, o tornou
capaz de participar decididamente e com todas as forças na edificação da
cidade. No mesmo capítulo das Confissões, onde acabámos de ver o motivo
decisivo do seu empenhamento « por todos », diz ele: Cristo « intercede por
nós. Doutro modo desesperaria, pois são muitas e grandes as minhas fraquezas!
Sim, são muito pesadas, mas maior é o poder da vossa medicina. Poderíamos
pensar que a vossa Palavra Se tinha afastado da união com o homem e desesperado
de nos salvar, se não se tivesse feito homem e habitado entre nós ».[24] Em virtude da sua esperança,
Agostinho prodigalizou-se pelas pessoas simples e pela sua cidade – renunciou à
sua nobreza espiritual e pregou e agiu de modo simples para a gente simples.
30. Façamos um resumo daquilo que emergiu no
desenrolar das nossas reflexões. O homem, na sucessão dos dias, tem muitas
esperanças – menores ou maiores – distintas nos diversos períodos da sua vida.
Às vezes pode parecer que uma destas esperanças o satisfaça totalmente, sem ter
necessidade de outras. Na juventude, pode ser a esperança do grande e fagueiro
amor; a esperança de uma certa posição na profissão, deste ou daquele sucesso
determinante para o resto da vida. Mas quando estas esperanças se realizam,
resulta com clareza que na realidade, isso não era a totalidade. Torna-se
evidente que o homem necessita de uma esperança que vá mais além. Vê-se que só
algo de infinito lhe pode bastar, algo que será sempre mais do que aquilo que
ele alguma vez possa alcançar. Neste sentido, a época moderna desenvolveu a
esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da
ciência e a uma política cientificamente fundada, parecia tornar-se realizável.
Assim, a esperança bíblica do reino de Deus foi substituída pela esperança do
reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro «
reino de Deus ». Esta parecia finalmente a esperança grande e realista de que o
homem necessita. Estava em condições de mobilizar – por um certo tempo – todas
as energias do homem; o grande objectivo parecia merecedor de todo o esforço.
Mas, com o passar do tempo fica claro que esta esperança escapa sempre para
mais longe. Primeiro deram-se conta de que esta era talvez uma esperança para
os homens de amanhã, mas não uma esperança para mim. E, embora o elemento «
para todos » faça parte da grande esperança – com efeito, não posso ser feliz
contra e sem os demais – o certo é que uma esperança que não me diga respeito a
mim pessoalmente não é sequer uma verdadeira esperança. E tornou-se evidente
que esta era uma esperança contra a liberdade, porque a situação das realidades
humanas depende em cada geração novamente da livre decisão dos homens que dela
fazem parte. Se esta liberdade, por causa das condições e das estruturas, lhes
fosse tirada, o mundo, em última análise, não seria bom, porque um mundo sem
liberdade não é de forma alguma um mundo bom. Deste modo, apesar de ser
necessário um contínuo esforço pelo melhoramento do mundo, o mundo melhor de
amanhã não pode ser o conteúdo próprio e suficiente da nossa esperança. E,
sempre a este respeito, pergunta-se: Quando é « melhor » o mundo? O que é que o
torna bom? Com qual critério se pode avaliar o seu ser bom? E por quais
caminhos se pode alcançar esta « bondade »?
31. Mais ainda: precisamos das esperanças –
menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande
esperança que deve superar tudo o resto, aquelas não bastam. Esta grande
esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar
aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com
um dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança – não um deus
qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim:
cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. O seu reino não é um além
imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente
onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança. Somente o seu amor nos dá a
possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia, sem perder o
ardor da esperança, num mundo que, por sua natureza, é imperfeito. E, ao mesmo
tempo, o seu amor é para nós a garantia de que existe aquilo que intuímos só
vagamente e, contudo, no íntimo esperamos: a vida que é « verdadeiramente »
vida. Procuremos concretizar ainda mais esta ideia na última parte, dirigindo a
nossa atenção para alguns « lugares » de aprendizagem prática e de exercício da
esperança.
« Lugares » de aprendizagem e de exercício da
esperança
I. A oração como escola da esperança
32. Primeiro e essencial lugar de aprendizagem
da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve.
Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre
posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratar-se de uma
necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar –
Ele pode ajudar-me.[25] Se me encontro confinado numa
extrema solidão...o orante jamais está totalmente só. Dos seus 13 anos de
prisão, 9 dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan
deixou-nos um livrinho precioso: Orações de esperança. Durante 13 anos
de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o
poder falar-Lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que,
depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma
testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo nas
noites da solidão.
33. De forma muito bela Agostinho ilustrou a
relação íntima entre oração e esperança, numa homilia sobre a Primeira Carta
de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi
criado para uma realidade grande ou seja, para o próprio Deus, para ser
preenchido por Ele. Mas, o seu coração é demasiado estreito para a grande
realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. « Assim procede Deus:
diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma,
tornando-a mais apta a receber os seus dons ». Aqui Agostinho pensa em S. Paulo
que, de si mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que hão-de vir (Fil
3,13). Depois usa uma imagem muito bela para descrever este processo de
dilatação e preparação do coração humano. « Supõe que Deus queira encher-te de
mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade). Se tu, porém, estás cheio de
vinagre, onde vais pôr o mel? » O vaso, ou seja o coração, deve primeiro ser
dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu sabor. Isto requer trabalho,
faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que somos
destinados.[26] Apesar de Agostinho falar
directamente só da receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que o
homem neste esforço, com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se
torna livre só para Deus, mas abre-se também para os outros. De facto, só
tornando-nos filhos de Deus é que podemos estar com o nosso Pai comum. Orar não
significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria
felicidade. O modo correcto de rezar é um processo de purificação interior que
nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os
homens. Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a
Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro.
Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cómodas que de momento
deseja – a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus. Deve
purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras
secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contacto com
Deus obriga o homem a reconhecê-las também. « Quem poderá discernir todos os
erros? Purificai-me das faltas escondidas », reza o Salmista (19/18,13). O não
reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva,
porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o
mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez me deva refugiar em
tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém que seja a
medida verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha
consciência, para que deixe de fornecer-me uma autojustificação, cesse de ser
um reflexo de mim mesmo e dos contemporâneos que me condicionam, mas se torne
capacidade de escuta do mesmo Bem.
34. Para que a oração desenvolva esta força
purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com
Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e
iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica,
na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo. O Cardeal
Nyugen Van Thuan, contou no seu livro de Exercícios Espirituais, como na sua
vida tinha havido longos períodos de incapacidade para rezar, e como ele se
tinha agarrado às palavras de oração da Igreja: ao Pai Nosso, à Ave Maria e às
orações da Liturgia.[27] Na oração, deve haver sempre este
entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus,
assim Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as purificações, mediante
as quais nos tornamos capazes de Deus e idóneos ao serviço dos homens. Assim
tornamo-nos capazes da grande esperança e ministros da esperança para os
outros: a esperança em sentido cristão é sempre esperança também para os
outros. E é esperança activa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem
para o « fim perverso ». É esperança activa precisamente também no sentido de
mantermos o mundo aberto a Deus. Somente assim, ela permanece também uma
esperança verdadeiramente humana.
II. Agir e sofrer como lugares de aprendizagem
da esperança
35. Toda a acção séria e recta do homem é
esperança em acto. É-o antes de tudo no sentido de que assim procuramos
concretizar as nossas esperanças menores ou maiores: resolver este ou aquele
assunto que é importante, para prosseguir na caminhada da vida; com o nosso
empenho contribuir a fim de que o mundo se torne um pouco mais luminoso e
humano, e assim se abram também as portas para o futuro. Mas o esforço
quotidiano pela continuação da nossa vida e pelo futuro da comunidade cansa-nos
ou transforma-se em fanatismo, se não nos ilumina a luz daquela grande
esperança que não pode ser destruída sequer pelos pequenos fracassos e pela
falência em vicissitudes de alcance histórico. Se não podemos esperar mais do
que é realmente alcançável de cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem
as autoridades políticas e económicas, a nossa vida arrisca-se a ficar bem
depressa sem esperança. É importante saber: eu posso sempre continuar a
esperar, ainda que pela minha vida ou pelo momento histórico que estou a viver
aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a grande
esperança-certeza de que, não obstante todos os fracassos, a minha vida pessoal
e a história no seu conjunto estão conservadas no poder indestrutível do Amor
e, graças a isso e por isso, possuem sentido e importância, só uma tal
esperança pode, naquele caso, dar ainda a coragem de agir e de continuar.
Certamente, não podemos « construir » o reino de Deus com as nossas forças; o
que construímos permanece sempre reino do homem com todos os limites próprios
da natureza humana. O reino de Deus é um dom, e por isso mesmo é grande e belo,
constituindo a resposta à esperança. Nem podemos – para usar a terminologia
clássica – « merecer » o céu com as nossas obras. Este é sempre mais do que
aquilo que merecemos, tal como o ser amados nunca é algo « merecido », mas um
dom. Porém, com toda a nossa consciência da « mais valia » do céu, permanece
igualmente verdade que o nosso agir não é indiferente diante de Deus e,
portanto, também não o é para o desenrolar da história. Podemos abrir-nos nós
mesmos e o mundo ao ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem. É o que
fizeram os santos que, como « colaboradores de Deus » contribuíram para a
salvação do mundo (cf. 1 Cor 3,9; 1 Tes 3,2). Temos a
possibilidade de livrar a nossa vida e o mundo dos venenos e contaminações que
poderiam destruir o presente e o futuro. Podemos descobrir e manter limpas as
fontes da criação e assim, juntamente com a criação que nos precede como dom
recebido, fazer o que é justo conforme as suas intrínsecas exigências e a sua
finalidade. Isto conserva um sentido, mesmo quando, aparentemente, não temos
sucesso ou parecemos impotentes face à hegemonia de forças hostis. Assim, por
um lado, da nossa acção nasce esperança para nós e para os outros; mas, ao
mesmo tempo, é a grande esperança apoiada nas promessas de Deus que, tanto nos
momentos bons como nos maus, nos dá coragem e orienta o nosso agir.
36. Tal como o agir, também o sofrimento faz
parte da existência humana. Este deriva, por um lado, da nossa finitude e, por
outro, do volume de culpa que se acumulou ao longo da história e, mesmo
actualmente, cresce de modo irreprimível. Certamente é preciso fazer tudo o
possível para diminuir o sofrimento: impedir, na medida do possível, o
sofrimento dos inocentes; amenizar as dores; ajudar a superar os sofrimentos
psíquicos. Todos estes são deveres tanto da justiça como da caridade, que se
inserem nas exigências fundamentais da existência cristã e de cada vida
verdadeiramente humana. Na luta contra a dor física conseguiu-se realizar
grandes progressos; mas o sofrimento dos inocentes e inclusive os sofrimentos
psíquicos aumentaram durante os últimos decénios. Devemos – é verdade – fazer
tudo por superar o sofrimento, mas eliminá-lo completamente do mundo não entra
nas nossas possibilidades, simplesmente porque não podemos desfazer-nos da
nossa finitude e porque nenhum de nós é capaz de eliminar o poder do mal, da
culpa que – como constatámos – é fonte contínua de sofrimento. Isto só Deus o
poderia fazer: só um Deus que pessoalmente entra na história fazendo-Se homem e
sofre nela. Nós sabemos que este Deus existe e que por isso este poder que «
tira os pecados do mundo » (Jo 1,29) está presente no mundo. Com a fé na
existência deste poder, surgiu na história a esperança da cura do mundo. Mas,
trata-se precisamente de esperança, e não ainda de cumprimento; esperança que
nos dá a coragem de nos colocarmos da parte do bem, inclusive onde a realidade
parece sem esperança, cientes de que, olhando o desenrolar da história tal como
nos aparece exteriormente, o poder da culpa vai continuar uma presença terrível
ainda no futuro.
37. Voltemos ao nosso tema. Podemos procurar
limitar o sofrimento e lutar contra ele, mas não podemos eliminá-lo.
Precisamente onde os homens, na tentativa de evitar qualquer sofrimento,
procuram esquivar-se de tudo o que poderia significar padecimento, onde querem
evitar a canseira e o sofrimento por causa da verdade, do amor, do bem,
descambam numa vida vazia, na qual provavelmente já quase não existe a dor, mas
experimenta-se muito mais a obscura sensação da falta de sentido e da solidão.
Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a
capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu
sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor. Neste
contexto, desejo citar algumas frases de uma carta do mártir vietnamita Paulo
Le-Bao-Thin († 1857), onde é clara esta transformação do sofrimento mediante a
força da esperança que provém da fé. « Eu, Paulo, prisioneiro pelo nome de
Cristo, quero falar-vos das tribulações que suporto cada dia, para que,
inflamados no amor de Deus, comigo louveis o Senhor, porque é eterna a sua
misericórdia (Sal 136/135). Este cárcere é realmente a imagem do inferno
eterno: além de suplícios de todo o género, tais como algemas, grilhões, cadeias
de ferro, tenho de suportar o ódio, as agressões, calúnias, palavras
indecorosas, repreensões, maldades, juramentos falsos, e, além disso, as
angústias e a tristeza. Mas Deus, que outrora libertou os três jovens da
fornalha ardente, está sempre comigo e libertou-me destas tribulações,
convertendo-as em suave doçura, porque é eterna a sua misericórdia. Imerso
nestes tormentos, que costumam aterrorizar os outros, pela graça de Deus
sinto-me alegre e contente, porque não estou só, mas estou com Cristo. [...]
Como posso eu suportar este espectáculo, ao ver todos os dias os imperadores,
mandarins e seus guardas blasfemar o vosso santo nome, Senhor, que estais
sentado sobre os Querubins (cf. Sal 80/79, 2) e os Serafins? Vede como a
vossas cruz é calcada aos pés dos pagãos! Onde está a vossa glória? Ao ver tudo
isto, sinto inflamar-se o meu coração no vosso amor e prefiro ser dilacerado e
morrer em testemunho da vossa infinita bondade. Mostrai, Senhor, o vosso poder,
salvai-me e amparai-me, para que na minha fraqueza se manifeste a vossa força e
seja glorificada diante dos gentios [...] Ouvindo tudo isto, caríssimos irmãos,
tende coragem e alegrai-vos, dai graças eternamente a Deus, de quem procedem
todos os bens, bendizei comigo ao Senhor, porque é eterna a sua misericórdia
[...] Escrevo todas estas coisas, para que estejam unidas a vossa e a minha fé.
No meio da tempestade, lanço a âncora que me permitirá subir até ao trono de
Deus: a esperança viva que está no meu coração ».[28] Esta é uma carta do « inferno ».
Nela se mostra todo o horror de um campo de concentração, onde aos tormentos
infligidos pelos tiranos se vem juntar o desencadeamento do mal nas mesmas
vítimas que, deste modo, se tornam novos instrumentos da crueldade dos algozes.
É uma carta do inferno, mas nela tem cumprimento a palavra do Salmo: «
Se subir aos céus, lá Vos encontro, se descer aos infernos, igualmente. [...]
Se eu disser: “ao menos as trevas me cobrirão”, [...] nem sequer as trevas
serão bastante escuras para Vós, e a noite será clara como o dia, tanto faz a
luz como as trevas » (Sl 139/138, 8-12; cf. também Sal 23//22,
4). Cristo desceu aos « infernos » ficando assim perto de quem é nele lançado,
transformando para ele as trevas em luz. O sofrimento, os tormentos continuam
terríveis e quase insuportáveis. Surgiu, porém, a estrela da esperança, a
âncora do coração chega até o trono de Deus. Não se desencadeia o mal no homem,
mas vence a luz: o sofrimento – sem deixar de o ser – torna-se, apesar de tudo,
canto de louvor.
38. A grandeza da humanidade determina-se
essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. Isto vale tanto
para o indivíduo como para a sociedade. Uma sociedade que não consegue aceitar
os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer
com que o sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma
sociedade cruel e desumana. A sociedade, porém, não pode aceitar os que sofrem
e apoiá-los no seu sofrimento, se os próprios indivíduos não são capazes disso
mesmo; e, por outro lado, o indivíduo não pode aceitar o sofrimento do outro,
se ele pessoalmente não consegue encontrar no sofrimento um sentido, um caminho
de purificação e de amadurecimento, um caminho de esperança. Aceitar o outro
que sofre significa, de facto, assumir de alguma forma o seu sofrimento, de tal
modo que este se torna também meu. Mas, precisamente porque agora se tornou
sofrimento compartilhado, no qual há a presença do outro, este sofrimento é
penetrado pela luz do amor. A palavra latina con-solatio, consolação,
exprime isto mesmo de forma muito bela sugerindo um estar-com na solidão, que
então deixa der ser solidão. Mas, a capacidade de aceitar o sofrimento por amor
do bem, da verdade e da justiça é também constitutiva da grandeza da
humanidade, porque se, em definitiva, o meu bem-estar, a minha incolumidade é
mais importante do que a verdade e a justiça, então vigora o domínio do mais
forte; então reinam a violência e a mentira. A verdade e a justiça devem estar
acima da minha comodidade e incolumidade física, senão a minha própria vida
torna-se uma mentira. E, por fim, também o « sim » ao amor é fonte de sofrimento,
porque o amor exige sempre expropriações do meu eu, nas quais me deixo podar e
ferir. O amor não pode de modo algum existir sem esta renúncia mesmo dolorosa a
mim mesmo, senão torna-se puro egoísmo, anulando-se deste modo a si próprio
enquanto tal.
39. Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer
por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma
pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade,
o seu abandono destruiria o mesmo homem. Entretanto levanta-se uma vez mais a
questão: somos capazes disto? O outro é suficientemente importante, para que
por ele eu me torne uma pessoa que sofre? Para mim, a verdade é tão importante
que compensa o sofrimento? A promessa do amor é assim tão grande que justifique
o dom de mim mesmo? Na história da humanidade, cabe à fé cristã precisamente o
mérito de ter suscitado no homem, de maneira nova e a uma nova profundidade, a
capacidade dos referidos modos de sofrer que são decisivos para a sua
humanidade. A fé cristã mostrou-nos que verdade, justiça, amor não são
simplesmente ideais, mas realidades de imensa densidade. Com efeito,
mostrou-nos que Deus – a Verdade e o Amor em pessoa – quis sofrer por nós e
connosco. Bernardo de Claraval cunhou esta frase maravilhosa: Impassibilis
est Deus, sed non incompassibilis [29] – Deus não pode padecer, mas
pode-se compadecer. O homem tem para Deus um valor tão grande que Ele mesmo Se
fez homem para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no
sangue, como nos é demonstrado na narração da Paixão de Jesus. A partir de lá
entrou em todo o sofrimento humano alguém que partilha o sofrimento e a sua
suportação; a partir de lá se propaga em todo o sofrimento a con-solatio,
a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela da esperança.
Certamente, nos nossos inúmeros sofrimentos e provas sempre temos necessidade
também das nossas pequenas ou grandes esperanças – de uma visita amiga, da cura
das feridas internas e externas, da solução positiva de uma crise, etc. Nas
provações menores, estes tipos de esperança podem mesmo ser suficientes. Mas,
nas provações verdadeiramente graves, quando tenho de assumir a decisão
definitiva de antepor a verdade ao bem-estar, à carreira e à propriedade, a
certeza da verdadeira grande esperança, de que falámos, faz-se necessária. Para
isto, precisamos também de testemunhas, de mártires, que se entregaram
totalmente, para que no-lo manifestem, dia após dia. Temos necessidade deles
para preferirmos, mesmo nas pequenas alternativas do dia-a-dia, o bem à
comodidade, sabendo que precisamente assim vivemos a vida de verdade. Digamo-lo
uma vez mais: a capacidade de sofrer por amor da verdade é medida de
humanidade. No entanto, esta capacidade de sofrer depende do género e da
grandeza da esperança que trazemos dentro de nós e sobre a qual construímos. Os
santos puderam percorrer o grande caminho do ser-homem no modo como Cristo o
percorreu antes de nós, porque estavam repletos da grande esperança.
40. Gostaria de acrescentar ainda uma pequena
observação, não sem importância para os acontecimentos de todos os dias. Fazia
parte duma forma de devoção – talvez menos praticada hoje, mas não vai ainda há
muito tempo que era bastante difundida – a ideia de poder « oferecer » as
pequenas canseiras da vida quotidiana, que nos ferem com frequência como
alfinetadas mais ou menos incómodas, dando-lhes assim um sentido. Nesta
devoção, houve sem dúvida coisas exageradas e talvez mesmo estranhas, mas é
preciso interrogar-se se não havia de algum modo contido nela algo de essencial
que poderia servir de ajuda. O que significa « oferecer »? Estas pessoas estavam
convencidas de poderem inserir no grande com-padecer de Cristo as suas pequenas
canseiras, que entravam assim, de algum modo, a fazer parte do tesouro de
compaixão de que o género humano necessita. Deste modo, também as mesmas
pequenas moléstias do dia-a-dia poderiam adquirir um sentido e contribuir para
a economia do bem, do amor entre os homens. Deveríamos talvez interrogar-nos se
verdadeiramente isto não poderia voltar a ser uma perspectiva sensata também
para nós.
III. O Juízo como lugar de aprendizagem e de
exercício da esperança
41. No grande Credo da Igreja, a parte
central – que trata do mistério de Cristo a partir da sua geração eterna no Pai
e do nascimento temporal da Virgem Maria, passando pela cruz e a ressurreição
até ao seu retorno – conclui com as palavras: « ... de novo há-de vir em sua
glória, para julgar os vivos e os mortos ». Já desde os primeiros tempos, a
perspectiva do Juízo influenciou os cristãos até na sua própria vida quotidiana
enquanto critério segundo o qual ordenar a vida presente, enquanto apelo à sua
consciência e, ao mesmo tempo, enquanto esperança na justiça de Deus. A fé em
Cristo nunca se limitou a olhar só para trás nem só para o alto, mas olhou
sempre também para a frente para a hora da justiça que o Senhor repetidas vezes
preanunciara. Este olhar para diante conferiu ao cristianismo a sua importância
para o presente. Na configuração dos edifícios sacros cristãos, que queriam
tornar visível a vastidão histórica e cósmica da fé em Cristo, tornou-se
habitual representar, no lado oriental, o Senhor que volta como rei – a imagem
da esperança –, e no lado ocidental, o Juízo final como imagem da
responsabilidade pela nossa vida, uma representação que apontava e acompanhava
precisamente os fiéis na sua caminhada diária. Na evolução da iconografia,
porém, foise dando cada vez mais relevo ao aspecto ameaçador e lúgubre do
Juízo, que obviamente fascinava os artistas mais do que o esplendor da
esperança que acabava, com frequência, excessivamente escondido por debaixo da
ameaça.
42. Na época moderna, o pensamento do Juízo
final diluiu-se: a fé cristã é caracterizada e orientada sobretudo para a
salvação pessoal da alma; ao contrário, a reflexão sobre a história universal
está em grande parte dominada pela ideia do progresso. Todavia, o conteúdo
fundamental da expectativa do Juízo não desapareceu pura e simplesmente. Agora,
porém, assume uma forma totalmente distinta. O ateísmo dos séculos XIX e XX é,
de acordo com as suas raízes e finalidade, um moralismo: um protesto contra as
injustiças do mundo e da história universal. Um mundo, onde exista uma tal
dimensão de injustiça, de sofrimento dos inocentes e de cinismo do poder, não
pode ser a obra de um Deus bom. O Deus que tivesse a responsabilidade de um
mundo assim, não seria um Deus justo e menos ainda um Deus bom. É em nome da
moral que é preciso contestar este Deus. Visto que não há um Deus que cria
justiça, parece que o próprio homem seja agora chamado a estabelecer a justiça.
Se diante do sofrimento deste mundo o protesto contra Deus é compreensível, a
pretensão de a humanidade poder e dever fazer aquilo que nenhum Deus faz nem é
capaz de fazer, é presunçosa e intrinsecamente não verdadeira. Não é por acaso
que desta premissa tenham resultado as maiores crueldades e violações da justiça,
mas funda-se na falsidade intrínseca desta pretensão. Um mundo que deve criar a
justiça por sua conta, é um mundo sem esperança. Nada e ninguém responde pelo
sofrimento dos séculos. Nada e ninguém garante que o cinismo do poder –
independentemente do revestimento ideológico sedutor com que se apresente – não
continue a imperar no mundo. Foi assim que os grandes pensadores da escola de
Francoforte, Max Horkheimer e Teodoro W. Adorno, criticaram tanto o ateísmo
como o teísmo. Horkheimer excluiu radicalmente que se possa encontrar qualquer
substitutivo imanente para Deus, rejeitando porém, ao mesmo tempo, a imagem do
Deus bom e justo. Numa radicalização extrema da proibição das imagens no Antigo
Testamento, ele fala da « nostalgia do totalmente Outro » que permanece
inacessível – um grito do desejo dirigido à história universal. Adorno também
se ateve decididamente a esta renúncia de toda a imagem que exclui,
precisamente, também a « imagem » do Deus que ama. Mas ele sempre sublinhou
esta dialética « negativa », afirmando que a justiça, uma verdadeira justiça,
requereria um mundo « onde não só fosse anulado o sofrimento presente, mas
também revogado o que passou irrevogavelmente. ».[30] Isto, porém, significaria –
expresso em símbolos positivos e, portanto, para ele inadequados – que não pode
haver justiça sem ressurreição dos mortos e, concretamente, sem a sua
ressurreição corporal. Todavia uma tal perspectiva, comportaria « a
ressurreição da carne, um dado que para o idealismo, para o reino do espírito
absoluto, é totalmente estranho ».[31]
43. Da rigorosa renúncia a qualquer imagem, que
faz parte do primeiro Mandamento de Deus (cf. Ex 20,4), também o cristão
pode e deve aprender sempre de novo. A verdade da teologia negativa foi
evidenciada pelo IV Concílio de Latrão, ao declarar explicitamente que, por
grande que seja a semelhança verificada entre o Criador e a criatura, sempre
maior é a diferença entre ambos.[32] Para o crente, no entanto, a
renúncia a qualquer imagem não pode ir até ao ponto em que se devia deter, como
gostariam Horkheimer e Adorno, no « não » a ambas as teses: ao teísmo e ao
ateísmo. O mesmo Deus fez-Se uma « imagem »: em Cristo que Se fez homem. N'Ele,
o Crucificado, a negação de imagens erradas de Deus é levada ao extremo. Agora,
Deus revela a sua Face precisamente na figura do servo sofredor que partilha a
condição do homem abandonado por Deus, tomando-a sobre si. Este sofredor
inocente tornou-se esperança-certeza: Deus existe, e Deus sabe criar a justiça
de um modo que nós não somos capazes de conceber mas que, pela fé, podemos
intuir. Sim, existe a ressurreição da carne.[33] Existe uma justiça.[34] Existe a « revogação » do
sofrimento passado, a reparação que restabelece o direito. Por isso, a fé no
Juízo final é, primariamente, e sobretudo esperança – aquela esperança, cuja
necessidade se tornou evidente justamente nas convulsões dos últimos séculos.
Estou convencido de que a questão da justiça constitui o argumento essencial –
em todo o caso o argumento mais forte – a favor da fé na vida eterna. A
necessidade meramente individual de uma satisfação – que nos é negada nesta
vida – da imortalidade do amor que anelamos, é certamente um motivo importante
para crer que o homem seja feito para a eternidade; mas só em conexão com a
impossibilidade de a injustiça da história ser a última palavra, é que se torna
plenamente convincente a necessidade do retorno de Cristo e da nova vida.
44. O protesto contra Deus em nome da justiça
não basta. Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança (cf. Ef 2,12). Só Deus
pode criar justiça. E a fé dá-nos a certeza: Ele fá-lo. A imagem do Juízo final
não é primariamente uma imagem aterradora, mas de esperança; a nosso ver,
talvez mesmo a imagem decisiva da esperança. Mas não é porventura também uma
imagem assustadora? Eu diria: é uma imagem que apela à responsabilidade.
Portanto, uma imagem daquele susto acerca do qual, como diz Santo Hilário que
todo o nosso medo tem lugar no amor.[35] Deus é justiça e cria justiça. Tal
é a nossa consolação e a nossa esperança. Mas, na sua justiça, Ele é
conjuntamente também graça. Isto podemos sabê-lo fixando o olhar em Cristo
crucificado e ressuscitado. Ambas – justiça e graça – devem ser vistas na sua
justa ligação interior. A graça não exclui a justiça. Não muda a injustiça em
direito. Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na
terra termine por ter o mesmo valor. Contra um céu e uma graça deste tipo
protestou com razão, por exemplo, Dostoëvskij no seu romance « Os irmãos
Karamazov ». No fim, no banquete, eterno, não se sentarão à mesa
indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido.
Aqui gostaria de citar um texto de Platão que exprime um pressentimento do
justo juízo que, em boa parte, permanece verdadeiro e salutar também para o
cristão. Embora com imagens mitológicas mas que apresentam com uma evidência
inequívoca a verdade, ele diz que, no fim, as almas estarão nuas diante do
juíz. Agora já não importa o que eram outrora na história, mas só aquilo que
são de verdade. « Agora [o juiz] tem diante de si talvez a alma de um [...] rei
ou dominador, e nada vê de são nela. Encontra-a flagelada e cheia de cicatrizes
resultantes de perjúrio e injustiça [...] e está tudo torto, cheio de mentira e
orgulho, e nada está direito, porque ela cresceu sem verdade. E ele vê como a
alma, por causa do arbítrio, exagero, arrogância e leviandade no agir, se
encheu de emproamento e infâmia. Diante de um tal espectáculo, ele envia-a
imediatamente para a prisão, onde padecerá os castigos merecidos [...]. Às
vezes, porém, ele vê diante de si uma alma diferente, uma alma que levou uma
vida piedosa e sincera [...], compraz-se com ela e manda-a sem dúvida para as
ilhas dos bem-aventurados ».[36] Jesus, na parábola do rico epulão e
do pobre Lázaro (cf. Lc 16,19-31), apresentou, para nossa advertência, a
imagem de uma tal alma devastada pela arrogância e opulência, que criou, ela
mesma, um fosso intransponível entre si e o pobre: o fosso do encerramento
dentro dos prazeres materiais; o fosso do esquecimento do outro, da
incapacidade de amar, que se transforma agora numa sede ardente e já
irremediável. Devemos aqui destacar que Jesus, nesta parábola, não fala do
destino definitivo depois do Juízo universal, mas retoma a concepção do
judaísmo antigo de uma condição intermédia entre morte e ressurreição, um
estado em que falta ainda a última sentença.
45. Esta ideia do judaísmo antigo da condição
intermédia inclui a opinião de que as almas não se encontram simplesmente numa
espécie de custódia provisória, mas já padecem um castigo, como demonstra a
parábola do rico epulão, ou, ao contrário, gozam já de formas provisórias de
bem-aventurança. E, por último, não falta a noção de que, neste estado, sejam
possíveis também purificações e curas, que tornam a alma madura para a comunhão
com Deus. A Igreja primitiva assumiu tais ideias, a partir das quais, se
desenvolveu aos poucos na Igreja ocidental a doutrina do purgatório. Não há
necessidade de examinar aqui as complicadas vias históricas desta evolução;
perguntemo-nos apenas de que se trata realmente. Com a morte, a opção de vida
feita pelo homem torna-se definitiva; esta sua vida está diante do Juiz. A sua
opção, que tomou forma ao longo de toda a vida, pode ter caracteres diversos.
Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade
e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira;
pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de
uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam
entrever, de forma assustadora, perfis deste género. Em tais indivíduos, não
haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é já isto
que se indica com a palavra inferno.[37] Por outro lado, podem existir
pessoas puríssimas, que se deixaram penetrar inteiramente por Deus e,
consequentemente, estão totalmente abertas ao próximo – pessoas em quem a
comunhão com Deus orienta desde já todo o seu ser e cuja chegada a Deus apenas
leva a cumprimento aquilo que já são.[38]
46. Mas, segundo a nossa experiência, nem um
nem outro são o caso normal da existência humana. Na maioria dos homens – como
podemos supor – perdura no mais profundo da sua essência uma derradeira
abertura interior para a verdade, para o amor, para Deus. Nas opções concretas
da vida, porém, aquela é sepultada sob repetidos compromissos com o mal: muita
sujeira cobre a pureza, da qual, contudo, permanece a sede e que, apesar de
tudo, ressurge sempre de toda a abjecção e continua presente na alma. O que
acontece a tais indivíduos quando comparecem diante do Juiz? Será que todas as
coisas imundas que acumularam na sua vida se tornarão de repente irrelevantes?
Ou acontecerá algo de diverso? São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios,
dá-nos uma ideia da distinta repercussão do juízo de Deus sobre o homem,
conforme as suas condições. Fá-lo com imagens que, de alguma forma, querem
exprimir o invisível, mas sem as podermos transformar em conceitos, pelo
simples motivo de que não nos é possível entrever o mundo além da morte nem
possuímos qualquer experiência dele. Acerca da existência cristã, Paulo afirma
antes de mais que está construída sobre um fundamento comum: Jesus Cristo. Este
fundamento resiste. Se nele permanecermos firmes e sobre ele construirmos a
nossa vida, sabemos que este fundamento não nos pode ser tirado, nem mesmo na
morte. E Paulo continua: « Se alguém edifica sobre este fundamento com ouro,
prata, pedras preciosas, madeiras, feno ou palha, a obra de cada um ficará
patente, pois o dia do Senhor a fará conhecer. Pelo fogo será revelada, e o
fogo provará o que vale a obra de cada um. Se a obra construída subsistir, o
construtor receberá a paga. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá a perda.
Ele, porém, será salvo, como que através do fogo » (3,12-15). Seja como for,
neste texto torna-se evidente que a salvação dos homens pode acontecer sob
distintas formas: algumas coisas edificadas podem queimar completamente; para
alcançar a salvação, é preciso atravessar pessoalmente o « fogo » para se
tornar definitivamente capaz de Deus e poder sentar-se à mesa do banquete
nupcial eterno.
47. Alguns teólogos recentes são de parecer que
o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e
Salvador. O encontro com Ele é o acto decisivo do Juízo. Ante o seu olhar,
funde-se toda a falsidade. É o encontro com Ele que, queimando-nos, nos
transforma e liberta para nos tornar verdadeiramente nós mesmos. As coisas
edificadas durante a vida podem então revelar-se palha seca, pura fanfarronice
e desmoronar-se. Porém, na dor deste encontro, em que o impuro e o nocivo do
nosso ser se tornam evidentes, está a salvação. O seu olhar, o toque do seu
coração cura-nos através de uma transformação certamente dolorosa « como pelo
fogo ». Contudo, é uma dor feliz, em que o poder santo do seu amor nos penetra
como chama, consentindo-nos no final sermos totalmente nós mesmos e, por isso
mesmo totalmente de Deus. Deste modo, torna-se evidente também a compenetração
entre justiça e graça: o nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa
sujeira não nos mancha para sempre, se ao menos continuámos inclinados para
Cristo, para a verdade e para o amor. No fim de contas, esta sujeira já foi
queimada na Paixão de Cristo. No momento do Juízo, experimentamos e acolhemos
este prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor
torna-se a nossa salvação e a nossa alegria. É claro que a « duração » deste
queimar que transforma não a podemos calcular com as medidas de cronometragem
deste mundo. O « momento » transformador deste encontro escapa à cronometragem
terrena: é tempo do coração, tempo da « passagem » à comunhão com Deus no Corpo
de Cristo.[39] O Juízo de Deus é esperança quer
porque é justiça, quer porque é graça. Se fosse somente graça que torna
irrelevante tudo o que é terreno, Deus ficar-nos-ia devedor da resposta à
pergunta acerca da justiça – pergunta que se nos apresenta decisiva diante da
história e do mesmo Deus. E, se fosse pura justiça, o Juízo em definitivo
poderia ser para todos nós só motivo de temor. A encarnação de Deus em Cristo
uniu de tal modo um à outra, o juízo à graça, que a justiça ficou estabelecida
com firmeza: todos nós cuidamos da nossa salvação « com temor e tremor » (Fil
2,12). Apesar de tudo, a graça permite-nos a todos nós esperar e caminhar
cheios de confiança ao encontro do Juiz que conhecemos como nosso « advogado »,
parakletos (cf. 1 Jo 2,1).
48. Há ainda um motivo que deve ser mencionado
aqui, porque é importante para a prática da esperança cristã. No antigo
judaísmo, existe também a ideia de que se possa ajudar, através da oração, os
defuntos no seu estado intermédio (cf. por exemplo, 2Mac 12,38-45: obra
do I século a.C.). A prática correspondente foi adoptada pelos cristãos com
grande naturalidade e é comum à Igreja oriental e ocidental. O Oriente não
conhece um sofrimento purificador e expiatório das almas no « além », mas
conhece diversos graus de bem-aventurança ou também de sofrimento na condição
intermédia. Às almas dos defuntos, porém, pode ser dado « alívio e refrigério »
mediante a Eucaristia, a oração e a esmola. O facto de que o amor possa chegar
até ao além, que seja possível um mútuo dar e receber, permanecendo ligados uns
aos outros por vínculos de afecto para além das fronteiras da morte, constituiu
uma convicção fundamental do cristianismo através de todos os séculos e ainda
hoje permanece uma experiência reconfortante. Quem não sentiria a necessidade
de fazer chegar aos seus entes queridos, que já partiram para o além, um sinal
de bondade, de gratidão ou mesmo de pedido de perdão? Aqui levantar-se-ia uma
nova questão: se o « purgatório » consiste simplesmente em ser purificados pelo
fogo no encontro com o Senhor, Juiz e Salvador, como pode então intervir uma
terceira pessoa ainda que particularmente ligada à outra? Ao fazermos esta
pergunta, deveremos dar-nos conta de que nenhum homem é uma mônada fechada em
si mesma. As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si; através de
numerosas interacções, estão concatenadas uma com a outra. Ninguém vive só.
Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha
existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo. E,
vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem.
Deste modo, a minha intercessão pelo outro não é de forma alguma uma coisa que
lhe é estranha, uma coisa exterior, nem mesmo após a morte. Na trama do ser, o
meu agradecimento a ele, a minha oração por ele pode significar uma pequena
etapa da sua purificação. E, para isso, não é preciso converter o tempo terreno
no tempo de Deus: na comunhão das almas fica superado o simples tempo terreno.
Nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil. Assim
se esclarece melhor um elemento importante do conceito cristão de esperança. A nossa
esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é
verdadeiramente esperança também para mim.[40] Como cristãos, não basta
perguntarmo-nos: como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes
perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça
também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela
minha salvação pessoal.
Maria, estrela da esperança
49. Com um hino do século VIII/IX, portanto com
mais de mil anos, a Igreja saúda Maria, a Mãe de Deus, como « estrela do mar »:
Ave maris stella. A vida humana é um caminho. Rumo a qual meta? Como
achamos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da história, com
frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros
que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas
que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus
Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da
história. Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de
pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a
nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós estrela de
esperança? Ela que, pelo seu « sim », abriu ao próprio Deus a porta do nosso
mundo; Ela que Se tornou a Arca da Aliança viva, onde Deus Se fez carne,
tornou-Se um de nós e estabeleceu a sua tenda no meio de nós (cf. Jo
1,14).
50. Por isso, a Ela nos dirigimos: Santa Maria,
Vós pertencíeis àquelas almas humildes e grandes de Israel que, como Simeão,
esperavam « a consolação de Israel » (Lc 2,25) e, como Ana, aguardavam a
« libertação de Jerusalém » (Lc 2,38). Vós vivíeis em íntimo contacto
com as Sagradas Escrituras de Israel, que falavam da esperança, da promessa
feita a Abraão e à sua descendência (cf. Lc 1,55). Assim, compreendemos
o santo temor que Vos invadiu, quando o anjo do Senhor entrou nos vossos
aposentos e Vos disse que daríeis à luz Àquele que era a esperança de Israel e
o esperado do mundo. Por meio de Vós, através do vosso « sim », a esperança dos
milénios havia de se tornar realidade, entrar neste mundo e na sua história.
Vós Vos inclinastes diante da grandeza desta missão e dissestes « sim ». « Eis
a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra » (Lc 1,38).
Quando, cheia de santa alegria, atravessastes apressadamente os montes da
Judeia para encontrar a vossa parente Isabel, tornastes-Vos a imagem da futura
Igreja, que no seu seio, leva a esperança do mundo através dos montes da
história. Mas, a par da alegria que difundistes pelos séculos, com as palavras
e com o cântico do vosso Magnificat, conhecíeis também as obscuras
afirmações dos profetas sobre o sofrimento do servo de Deus neste mundo. Sobre
o nascimento no presépio de Belém brilhou o esplendor dos anjos que traziam a
boa nova aos pastores, mas, ao mesmo tempo, a pobreza de Deus neste mundo era
demasiado palpável. O velho Simeão falou-Vos da espada que atravessaria o vosso
coração (cf. Lc 2,35), do sinal de contradição que vosso Filho haveria
de ser neste mundo. Depois, quando iniciou a actividade pública de Jesus, tivestes
de Vos pôr de lado, para que pudesse crescer a nova família, para cuja
constituição Ele viera e que deveria desenvolver-se com a contribuição daqueles
que tivessem ouvido e observado a sua palavra (cf. Lc 11,27s). Apesar de
toda a grandeza e alegria do primeiro início da actividade de Jesus, Vós, já na
Sinagoga de Nazaré, tivestes de experimentar a verdade da palavra sobre o «
sinal de contradição » (cf. Lc 4,28s). Assim, vistes o crescente poder
da hostilidade e da rejeição que se ia progressivamente afirmando à volta de
Jesus até à hora da cruz, quando tivestes de ver o Salvador do mundo, o
herdeiro de David, o Filho de Deus morrer como um falido, exposto ao escárnio,
entre os malfeitores. Acolhestes então a palavra: « Mulher, eis aí o teu filho
» (Jo 19,26). Da cruz, recebestes uma nova missão. A partir da cruz
ficastes mãe de uma maneira nova: mãe de todos aqueles que querem acreditar no
vosso Filho Jesus e segui-Lo. A espada da dor trespassou o vosso coração. Tinha
morrido a esperança? Ficou o mundo definitivamente sem luz, a vida sem
objectivo? Naquela hora, provavelmente, no vosso íntimo tereis ouvido novamente
a palavra com que o anjo tinha respondido ao vosso temor no instante da
anunciação: « Não temas, Maria! » (Lc 1,30). Quantas vezes o Senhor, o
vosso Filho, dissera a mesma coisa aos seus discípulos: Não temais! Na noite do
Gólgota, Vós ouvistes outra vez esta palavra. Aos seus discípulos, antes da
hora da traição, Ele tinha dito: « Tende confiança! Eu venci o mundo » (Jo
16,33). « Não se turve o vosso coração, nem se atemorize » (Jo 14,27). «
Não temas, Maria! » Na hora de Nazaré, o anjo também Vos tinha dito: « O seu
reinado não terá fim » (Lc 1,33). Teria talvez terminado antes de
começar? Não; junto da cruz, na base da palavra mesma de Jesus, Vós
tornastes-Vos mãe dos crentes. Nesta fé que, inclusive na escuridão do Sábado
Santo, era certeza da esperança, caminhastes para a manhã de Páscoa. A alegria
da ressurreição tocou o vosso coração e uniu-Vos de um novo modo aos
discípulos, destinados a tornar-se família de Jesus mediante a fé. Assim Vós
estivestes no meio da comunidade dos crentes, que, nos dias após a Ascensão,
rezavam unanimemente pedindo o dom do Espírito Santo (cf. Act 1,14) e o
receberam no dia de Pentecostes. O « reino » de Jesus era diferente daquele que
os homens tinham podido imaginar. Este « reino » iniciava naquela hora e nunca
mais teria fim. Assim, Vós permaneceis no meio dos discípulos como a sua Mãe,
como Mãe da esperança. Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer,
esperar e amar convosco. Indicai-nos o caminho para o seu reino! Estrela do
mar, brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho!
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 30 de
Novembro, festa de Santo André Apóstolo, do ano 2007, terceiro de Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
[1] Corpus Inscriptionum Latinarum, Vol. VI, n. 26003.
[2] Cf. Poemas dogmáticos, V, 53-54: PG 37, 428-429.
[3] Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1817-1821.
[4] Summa Theologiae,
II-IIae, q. 4, a. 1.
[5]
H. Köster em: ThWNT, VIII (1969) 585.
[6] De excessu fratris sui Satyri, II, 47: CSEL 73, 274.
[7] Ibid., II,
46: CSEL 73, 273.
[8] Cf. Ep. 130 Ad Probam 14, 25 – 15,28: CSEL 44,
68-73.
[9] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1025.
[10]
Jean Giono, Les vraies richesses, Paris 1936, Préface, em: Henry
De Lubac, Catholicisme. Aspects sociaux du dogme, Paris 1983, p. VII.
[11] Ep. 130 Ad Probam 13, 24: CSEL 44,
67.
[12] Sententiae III, 118: CCL 6/2,215.
[13] Cf. ibid. III, 71: CCL 6/2, 107-108.
[14] Novum Organum I,
117.
[15] Cf. ibid., I, 129.
[16] Cf. New Atlantis.
[17] Cit. em Werke IV, coordenado por W. Weischedel (1956), 777. Como
se sabe, as páginas da obra A vitória do princípio bom constituem o
terceiro capítulo do livro Die Religion innerhalb der Grenzen der bloβen Vernunft (A religião dentro dos limites da
mera razão), publicado por Kant em 1793.
[18]
E. KANT, Das Ende aller Dinge, cit. em Werke VI, coordenado por
W. Weischedel (1964), 190.
[19] Capítulos sobre a caridade, Centúria 1, cap. 1: PG 90, 965.
[20] Cf. ibid.: PG 90, 962-966.
[21] Conf. X.
43, 70: CSEL 33,279.
[22] Sermo 340, 3: PL 38, 1484; cf. F. Van
der Meer, Augustinus der Seelsorger, (1951), 318.
[23] Sermo 339, 4: PL 38, 1481.
[24] Conf. X, 43,69: CSEL 33, 279.
[25] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2657.
[26] Cf. In 1 Joannis 4,6: PL 35, 2008s.
[27] Testemunhas da esperança, Città Nuova 2000, 156s.
[28] Breviário Romano, Ofício das Leituras, 24 de Novembro.
[29] Sermones in Cant., Serm. 26,5: PL 183, 906.
[30] Negative Dialektik (1966),
Terceira parte, III, 11, em: Gesammelte Schriften Vol. VI, Frankfurt/Main 1973, 395.
[31] Ibid., Segunda
parte, 207.
[32] DS 806.
[33] Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 988-1004.
[34] Cf. ibid., n. 1040.
[35] Cf.Tractatus super Psalmos, Sal 127, 1-3: CSEL 22,
628-630.
[36] Gorgia,
525a-526c.
[37] Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1033-1037.
[38] Cf. ibid., nn. 1023-1029.
[39] Acerca do Purgatório, veja-se o Catecismo da Igreja Católica,
nn. 1030-1032.
[40] Cf. Catecsimo da Igreja Católica, n. 1032.
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