O coração da nossa Mãe
Uma
das mais doces verdades da nossa fé é o mistério da Assunção de Nossa Senhora
em corpo e alma aos céus. A cheia de graça, a que nunca pecou, não podia ficar
sujeita à corrupção da morte, estabelecida por Deus como castigo do pecado. Por
isso, a Igreja definiu solenemente – expressando uma verdade que, desde tempos
antiqüíssimos, era patrimônio da fé do povo cristão – que “a Imaculada Mãe de
Deus, sempre Virgem Maria, completado o curso da sua vida terrestre, foi
assunta em corpo e alma à glória do Céu” (Pio XII, Const. Ap. Munificentissimus
Deus, de 01.11.1950).
Eis
a consoladora verdade: a nossa Mãe Santa Maria, na glória do Céu, está agora
junto da Trindade Santíssima em corpo e alma. Compreendemos bem o que
isto significa? Quer dizer que Maria vive no Céu a cuidar de nós, a olhar-nos,
a interceder por nós, com o mesmo coração, com os mesmos sentimentos e
com os mesmos afetos que tinha na terra. Não é um puro espírito. É uma Mãe
humana, glorificada, mas plenamente humana. Agora, junto de Deus, Ela
contempla – na luz da glória divina – todos e cada um dos seus filhos, em todos
e cada um dos momentos da sua existência, e olha por eles: nas horas de
alegria e de dor, nos transes difíceis, nos tempos de solidão, na suas quedas e
nos seus reerguimentos... Não há um passo da nossa vida, não há um latejar do
nosso coração, que não esteja sendo acompanhado amorosamente pelo Coração
humano da nossa Mãe. E não há um passo que não esteja sendo assumido –
visto e sentido como algo próprio – por esse Coração.
Contemplando
este mistério delicado, São Josemaria Escrivá aponta-nos uma das suas
conseqüências: “Surge assim em nós, de forma espontânea e natural, o desejo de
procurarmos a intimidade com a Mãe de Deus, que é também a nossa Mãe; de
convivermos com Ela como se convive com uma pessoa viva, já que sobre Ela não
triunfou a morte, antes está em corpo e alma junto de Deus Pai, junto de seu
Filho, junto do Espírito Santo” (É Cristo que passa, n. 142). É nesse
clima de intimidade filial que discorre a devoção a Nossa Senhora.
A Devoção a Maria Santíssima
O
nosso relacionamento, a nossa intimidade com Maria é essencialmente filial.
O vínculo filiação-maternidade “determina sempre – como lembra a Encíclica Redemptoris
Mater – uma relação única e irrepetível entre duas pessoas: da
mãe com o filho e do filho com a mãe” (João Paulo II, Encíclica Redemptoris
Mater, n. 45). E a medula desse vínculo, evidentemente, é o amor.
Por
isso, só perguntando-nos pelas características que tornam autêntico esse amor é
que descobriremos os traços da verdadeira devoção a Maria Santíssima.
Com isso, perceberemos também melhor o que Deus quis que representasse
para nós o imenso dom que nos fez, dando-nos Maria como Mãe.
Comecemos
pelos aspectos dessa devoção que se nos impõem de maneira mais imediata. Um
cristão que vive de fé sabe que Maria o ama e o auxilia com
carinho de Mãe. Sabe-a voltada maternalmente para ele. É natural que, dessa
certeza, flua espontaneamente uma sincera afeição filial. “Nada convida
tanto ao amor – comenta São Tomás – como a consciência de sentir-se amado”(Cf.
São Tomás de Aquino, Summa contra gentes, IV, XXIII). A devoção mariana
manifesta-se, por isso, em mil expressões, delicadas e fervorosas, de carinho
de filho: no tom afetuoso da oração que dirigimos a Ela, na alegria de
visitá-la nos lugares onde se quis fazer especialmente presente, nos muitos
pormenores íntimos do coração, que o pudor vedaria externar.
Juntamente
com esse afeto filial, e impregnando-o intimamente, brota também
espontaneamente um sentimento de profunda confiança. “Nunca se ouviu
dizer – reza uma bela oração atribuída a São Bernardo – que algum daqueles que
tivesse recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o
vosso socorro, fosse por Vós desamparado”.
Esta
certeira confiança dos fiéis exprimiu-se num leque multicolorido de invocações
marianas, que traduzem a segura experiência do coração cristão: Mãe de
misericórdia, Virgem poderosa, Auxílio dos cristãos, Consoladora dos aflitos,
Onipotência suplicante... Era essa a confiança que fazia Dante escrever estes
preciosos versos: Donna, se' tanto grande e tanto vali, / che qual vuol
grazia e a te non ricorre, / sua disianza vuol volar sanz'ali; “Senhora, és
tão grande e tanto podes, que para quem quer graça e a ti não recorre, o seu
desejo quer voar sem asas” (Divina Comédia, Par. XXXIII, 13-15).
Amor
e confiança. Trata-se de sentimentos com fortes raízes no coração. Ora é bem
sabido que os afetos do coração possuem muitas vezes uma sutil ambivalência:
são sentimentos que a custo se equilibram na difícil passarela onde o amor
beira sempre o egoísmo. Não é raro que os muito sentimentais sejam também muito
egoístas.
Por
isso, se a devoção a Maria não estivesse fundamentada nos alicerces da fé – da
doutrina – e da caridade, poderia deslizar imperceptivelmente para os declives
do egoísmo. Tal coisa aconteceria no caso de uma devoção meramente sentimental
– não animada por desejos de entrega e de amor operante – que, embora cheia de
efusões de ternura, não incidisse fortemente na vida para modificá-la. Mais
facilmente ainda se daria essa deturpação se a devoção mariana se reduzisse a
um simples recurso para alcançar uma “proteção” ou uns “favores” meramente
interesseiros.
Esses
desvios, contudo, não se darão se o nosso amor filial a Maria entrar, como
deve, em sintonia com o seu amor maternal.
Pensemos
que o coração da nossa Mãe, “cheia de graça”, é uma fornalha ardente de
caridade, de amor a Deus e aos homens. Nele se encontra, em medida quase
infinita, a caridade derramada pelo Espírito Santo (Cf. Rom 5, 5).
Isto
significa que quem se aproximar dEla com um coração reto e sincero se sentirá
necessariamente impelido para o amor a Deus e ao próximo. Este é o segredo
divino da devoção a Maria. Foi de fato para nos facilitar a entrega a esse
duplo amor – o mandamento que resume todos os outros – que Deus, em sua
misericórdia, quis dar-nos Maria como Mãe.
É
por isso que a devoção a Maria, bem vivida, é sempre como um sopro – fecundo,
cálido e suave – que acende o amor na alma, inflama a generosidade e move a
abraçar sem reservas a vontade de Deus.
“Se
procurarmos Maria, encontraremos Jesus”, diz São Josemaria, fazendo-se eco da
tradição cristã (É Cristo que passa, n. 144). No fundo de tudo o
que a Virgem Santíssima sugere ao coração dos homens, sempre pulsam as suas
palavras em Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. A verdadeira devoção é,
por isso, radicalmente “cristocêntrica” – conduz a Cristo –, é “teocêntrica”
–leva para Deus. Nossa Senhora vive e faz viver em função de Jesus. Não
pode haver aí nem sombra de “idolatria”.
Ao
mesmo tempo, é claro que, se Maria nos leva a Jesus, indefectivelmente nos
aproxima também dos nossos irmãos, que são irmãos de seu Filho e filhos dEla.
Ela é a Mãe comum que nos faz sentir fraternalmente vinculados em Cristo, membros
da família de Deus (Cf. Ef 2, 19), e nos desperta na alma ânsias de doação
e de serviço aos outros. O Coração de Maria infunde calor e força ao amor dos
irmãos.
Como
vemos, se a Virgem Santíssima nos auxilia – e esta é a sua missão maternal –, é
única e exclusivamente para nos colocar mais plenamente em face das exigências
da nossa vocação cristã. É com este fim que Ela intercede por nós junto de Deus
e distribui as graças que o Senhor colocou em suas mãos. Mesmo os favores
maternos que Ela nos obtém em pequenas coisas – como em Caná – são incentivos
de carinho que nos ajudam a agradecer e a retribuir a Deus as suas bondades. Em
qualquer caso, Ela estende a sua mão para nos elevar – suave e fortemente – até
à meta da nossa vocação cristã, que é a santidade.
Com
razão se pode afirmar, por isso, que o amor de Maria por seus filhos é
simultaneamente doce e exigente. “Nossa Senhora, sem deixar de se comportar
como Mãe, sabe colocar os seus filhos em face de suas precisas
responsabilidades. Aos que dEla se aproximam e contemplam a sua vida, Maria faz
sempre o imenso favor de os levar até a Cruz, de os colocar bem diante do
exemplo do Filho de Deus. E nesse confronto em que se decide a vida cristã,
Maria intercede para que a nossa conduta culmine com uma reconciliação do irmão
menor – tu e eu – com o Filho primogênito do Pai” (São Josemaría Escrivá, ib.,
pág. 195).
A
Jesus “se vai” por Maria, e a Jesus “se volta” por Ela, diz Caminho (n.
495). Quando, ao rezar a Ave-Maria, nós lhe pedimos “rogai por nós, pecadores”,
fazemo-lo com a consciência de que demasiadas vezes nos afastamos de Deus e,
como o filho pródigo, precisamos voltar para a casa do Pai.
Maria
torna suave, também, e esperançado esse retorno. Não é verdade que, perto da
Mãe, nos tornamos a sentir crianças? Despojamo-nos da nossa triste armadura de
adultos, forjada pelo orgulho, pela vergonha ou pela decepção. E então o fardo
das nossas misérias já não nos esmaga. Com Maria, sentimo-nos crianças
reanimadas pela ternura da Mãe, alegres por descobrir que, para um filho pequeno,
sempre é possível levantar-se, sempre é possível recomeçar, sempre é hora de
esperar. Ela é a porta perpetuamente aberta na Casa do Pai.
A
Estrela da manhã, a Estrela do mar, a nossa Mãe, guia-nos por
toda a estrada da vida, passo a passo, na bonança e na tormenta, nos avanços e
nas quedas, até alcançarmos o repouso definitivo no coração do Pai. Nunca
percamos de vista que “foi Deus quem nos deu Maria: não temos o direito de
rejeitá-la, antes pelo contrário, devemos recorrer a Ela com amor e com alegria
de filhos” (São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n. 142).
Intensifiquemos
o empenho de amor e os pormenores de delicadeza para com a nossa Mãe nas festas
e tempos que a Igreja dedica especialmente a Ela: mês de maio, Solenidade da
Assunção de Maria, Novena da Imaculada Conceição, etc. Renovemos, com forte
vitalidade, essas devoções – sempre unidas à recitação amorosa do Rosário –
que, por Maria, nos levarão bem dentro do Coração de seu Filho Jesus.