Conta-nos São Lucas, no Evangelho, que no dia da
Visitação, Santa Isabel, movida pelo Espírito Santo, louvou Nossa Senhora com
estas palavras: Feliz a que acreditou, porque se cumprirão todas as coisas
que lhe foram ditas da parte do Senhor (Lc 1,45). Maria acreditou e, do solo
fecundo da sua fé, brotou a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte
cristalina, como um diamante único, indestrutível. Por isso a Igreja a chama Mãe
da santa esperança, e por isso nós a invocamos como Mãe de misericórdia,
vida, doçura e esperança nossa... Não são apenas belas palavras. Têm um
conteúdo profundo. Descrevem a missão que Jesus lhe confiou em relação aos seus
irmãos – a nós, que somos todos irmãos de Jesus (cf. Rm 8,29) e filhos de Maria
(Jo 19, 26).
Quando Jesus nos deu Maria como Mãe, no momento solene
da agonia na Cruz, quis garantir-nos a esperança. É verdade que a nossa
esperança deve estar, toda ela, colocada em Deus. Deus, e só Deus, é o motivo e
a fonte radical da esperança. Mas Ele deu-nos uma Mãe – a sua Mãe – para que, com
o calor de seu coração, nos ensinasse a confiar; para que estendesse a mão a
estas pobres crianças suas que somos nós, para que as guiasse e as introduzisse
no mundo maravilhoso da esperança.
Uma das orações mais antigas dirigidas a Nossa Senhora
é aquela que ainda hoje os católicos piedosos sabem de cor: "À vossa
proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as súplicas que em
nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó
Virgem gloriosa e bendita. Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que sejamos
dignos das promessas de Cristo". É uma expressão da confiança filial em
Maria que nos encaminha para a esperança plena em Deus.
Na verdade, o Espírito Santo – inspirador da Sagrada
Escritura – deixou-nos motivos mais do que suficientes para que aprendêssemos a
confiar na "Esperança nossa". Bastaria lembrar a cena das bodas de
Caná (Jo 2,1-11), onde a petição de Maria – suave, discreta, sussurrada ao
ouvido – obteve de Jesus o seu primeiro milagre, a transformação da água em
vinho.
Naquela festa de bodas, começou a faltar o vinho.
Maria teve pena dos noivos. Aquilo podia estragar a alegria singela do
banquete. Então falou com seu Filho: Não têm vinho! A resposta de Jesus
pôde parecer um balde de água fria – Mulher, isto nos compete a nós? A minha
hora ainda não chegou - , mas Maria não achou que fosse assim, e com toda a
paz disse aos serventes: Fazei tudo o que ele vos disser... ; e não
precisou de fazer mais. Jesus mandou, na hora, encher de água umas grandes
talhas que lá estavam e depois indicou que fosse servido o seu conteúdo aos
convidados: foi o melhor vinho da festa!
Maria adiantou assim, misteriosamente, a hora dos
milagres de Jesus. E graças a esse primeiro milagre, obtido pela intercessão da
Virgem, o Evangelho diz que Jesus manifestou a sua glória e os seus
discípulos creram nele. Tudo, pela solicitude de Maria, pela ternura do seu
coração. Se Jesus fez isso, a pedido de Maria, o que não fará por nós? É como
se Ele próprio nos estivesse dizendo: "Vocês vêem? Confiem na Mãe! Eu a
ouvirei sempre! Ela conseguirá tudo de mim!"
É por isso que os santos e os bons teólogos a chamam a
"onipotência suplicante", uma maneira hiperbólica – mas realista - de
referir-se ao poder das súplicas de Maria diante de Jesus. São Bernardo, o
"trovador da Virgem", gostava de compará-la ao aqueduto que recebe a
água da fonte (a água da graça, da fonte que é Deus) e a faz chegar a nós, da
mesma maneira que um aqueduto recolhia então a água das montanhas e a conduzia
até os povoados. E assim dizia: "Recebendo a plenitude (da graça) da
própria fonte do coração do Pai, no-la torna acessível... Com o mais íntimo,
pois, da nossa alma, com todos os afetos do nosso coração e com todos os
sentimentos e desejos da nossa vontade, veneremos Maria, porque esta é a
vontade daquele Senhor que quis que tudo recebêssemos por Maria".
Que confiança, que consolo isto nos dá! Não é verdade
que, às vezes, o que mais nos custa é esperar na misericórdia divina, porque
vemos que não a merecemos, e que Deus, sendo justo, deveria castigar-nos,
especialmente depois de tantos arrependimentos efêmeros, de tantas
reincidências meio cínicas? E, no entanto, nem no pior dos casos devemos
desesperar da misericórdia de Deus, mesmo que nos sintamos afundados – como o
filho pródigo - na mais espessa, suja e viscosa lama do pecado. Nessa triste
situação, ninguém como Maria para ajudar-nos a confiar na misericórdia de Deus.
Ela é Mãe. Não tenhamos medo, por mais sujos e machucados que estejamos. Ela não
deixará de propiciar um bom banho aos seus meninos. Ela nos moverá a ter
arrependimento, ela nos levará – se for preciso, pela orelha -- até à
confissão, e nos carregará finalmente no colo, limpos e felizes.
"Se eu fosse leproso – escrevia São Josemaría
Escrivã -, minha mãe me abraçaria. Sem medo nem repugnância alguma,
beijar-me-ia as chagas. – Pois bem, e a Virgem Santíssima? Ao sentir que temos
lepra, que estamos chagados, temos de gritar: Mãe! E a proteção de nossa Mãe é
como um beijo nas feridas, que nos obtém a cura".
A confiança em Nossa Senhora sempre foi tão grande
entre os bons cristãos, que alguns até "exageraram". Mas exageraram
de uma maneira bonita, assim como se amplia um detalhe de uma flor belíssima,
muito além do seu tamanho normal, para poder apreciá-la melhor. Não há
"mentira" nisso! Um exemplo entre mil são uns versos do “poeta da
esperança”, o francês Charles Péguy, que põe na boca de Deus Pai as seguintes
palavras (deliciosamente “exageradas”):
"Eu não vi no mundo - diz Deus - nada mais belo
que uma criança que adormece fazendo a sua oração (...).[o poeta estende-se, em
versos tocantes, falando da maravilha que é a criança que dorme rezando, e aí
nenhuma das coisas bonitas que diz é exagero].
"Nada é tão belo! – continua a dizer Deus -. E
este é mesmo um ponto em que a Virgem Santa está de acordo comigo. Lá em cima
(no Céu).
"Inclusive, eu posso dizer que este é o único
ponto em que estamos plenamente de acordo. Pois geralmente os nossos pareceres
são contrários.
"Porque ela está do lado da misericórdia,
"E eu..., bem, é preciso que eu esteja do lado da
justiça".
Esses versos fazem sorrir (e até comovem um
pouquinho), mas são "verdadeiros" pelo sentimento de confiança em
Maria que transmitem. Junto dela, só um cego espiritual, um tolo... ou um
demônio, podem perder a esperança.
Foi assim que o entenderam os cristãos desde o começo.
Não podemos esquecer o que nos mostra a Sagrada Escritura, nos Atos dos
Apóstolos, logo depois da Ascensão do Senhor. Jesus tinha-se despedido
recomendando aos seus que permanecessem em Jerusalém, até que sejais
revestidos da força do Alto (Lc 24,49), ou seja, até a vinda do Espírito
Santo no dia de Pentecostes. Pois bem, no livro dos Atos diz-se que todos - os
Apóstolos, os discípulos, as santas mulheres – obedeceram, e se reuniram,
durante dez dias, no Cenáculo, com Maria, a Mãe de Jesus. Lá, junto
dela, como uma família apinhada em torno da mãe, perseveravam unanimemente
na oração (At 1,14) . Junto de Nossa Senhora, tornava-se fácil
cumprir o que Jesus mandara. Sempre é assim! A única coisa que ela nos pede é o
que pediu aos serventes de Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser. E ela
fica junto de nós para nos ajudar a cumpri-lo.
Por isso, uma vida espiritual impregnada de devoção a Nossa
Senhora é uma vida espiritual sadia, voltada inteiramente para o cumprimento da
Vontade de Deus. "Antes, sozinho, não podias... – dizia Mons. Escrivá -. –
Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil!"
É uma experiência universal na história do
cristianismo. Dante Alighieri deixou-a maravilhosamente expressa no canto
trinta e três do "Paraíso" da "Divina Comédia", o último
canto do livro, que começa com uma oração de São Bernardo à Virgem Maria, um
cântico que, entre outras coisas, diz assim:
"Ó Virgem mãe,
filha do teu Filho,
humilde e alta mais
que criatura alguma,
termo imutável dos
desígnios divinos [...]
...Cá no Céu, tu és
para nós sol radiante
de amor; e em baixo,
entre os mortais,
és uma fonte viva de
esperança.
Senhora, és tão
grande e tanto podes,
que quem quer graça
e a ti não recorre
o seu desejo quer
voar sem asas. [...]
...Em ti,
misericórdia; em ti, piedade,
em ti magnificência,
em ti se junta
quanto há nas
criaturas de bondade....
Mesmo que a tradução
faça perder o sabor inexprimível do texto italiano, mantém a alma desses
versos.
Anteriores a Dante
são umas palavras anônimas, cheias de devoção, que alguém rabiscou num
manuscrito medieval, falando das rosas que compõem o "rosário" de Maria:
"Quando a bela rosa Maria começa a florescer, o inverno das nossas
tribulações se desvanece e o verão da eterna alegria começa a brilhar". É
popular, é muito simples, mas é muito expressivo.
Na realidade, a
nossa confiança em Maria não só deve ser simples – como a fé do povo mais
simples - , mas deve adquirir a pureza e a singeleza total da infância. Podemos
dizer que a nossa confiança só será perfeita quando, como Jesus nos pede, nos
transformarmos e nos fizermos como crianças (Mt 18,3).
A este propósito,
penso que vale a pena evocar uma lembrança de há bastantes anos. Trata-se de um
pequeno episódio da vida de um padre de aldeia, de dois metros de altura,
ossudo e desengonçado como um don Camilo de Guareschi, e que foi meu amigo.
Aconteceu que, na altura do Natal, seguindo o costume da sua terra,
preparava-se para receber algum presente trazido na corcunda dos camelos pelos
Reis Magos. Nessa ocasião, seguindo um sistema do tipo do "amigo secreto",
os "reis magos" íamos ser um grupo de colegas, padres como ele. Cada
um escreveria uma carta aos Reis, fazendo o pedido. O nosso don Camilo (que se
chamava Pedro) escreveu esta:
"Meus caros
Reis Magos:
Muito embora sempre
vos tenha amado e pedido favores, especialmente quando fazeis a vossa visita à
terra, não vos tinha escrito desde faz, se bem me lembro, uns trinta anos. Eu
era então um garoto com muitos sonhos na cabeça, que se foram apagando com o
decorrer do tempo. Mas agora acontece que, graças a Deus, torno a sonhar, muito
embora os sonhos sejam, naturalmente, diferentes dos que tinha então. O meu
desejo atual é o de tornar a ser criança, apesar da minha respeitável estatura,
para assim conseguir de vós quanto deseja e precisa meu coração de menino. Sim,
o que para mim eu quero é isto: que me alcanceis a infância espiritual, para
que sempre possa caminhar agarrado à mão de Deus; pois provavelmente vos seria
meio difícil conceder-me a infância corporal. A Providência divina fez-me
também pai de umas boas centenas de almas, que amo entranhadamente, e para as
quais vos peço muita saúde espiritual, visto que há muitas que estão doentes.
Com a certeza de que me haveis de conceder o que vos peço, beijo as vossas mãos
benfazejas".
Os Rei Magos
atenderam seu pedido, e ele recebeu como presente uma imagem de Nossa Senhora,
linda, com um olhar de mãe, com um sorriso cálido de mãe, que fazia com que
qualquer um se sentisse, perto dela, uma criança amparada, totalmente
aconchegada...
Como história puxa
história, aí vai outro belo episódio dos tempos atuais. Um dos maiores poetas
do século vinte foi Paul Claudel, um diplomata francês que se converteu ao
catolicismo, por graça de Nossa Senhora, certa vez em que assistia – sem fé – a
uma Missa natalina na catedral de Nôtre-Dame de Paris. Maria tocou-lhe o
coração, alcançando-lhe do Espírito Santo a graça da fé, e o meteu para sempre
no coração de seu Filho Jesus. Claudel tornou-se um grande católico e foi um
dos maiores poetas e dramaturgos do seu século. A graça da sua conversão
ficou-lhe tão gravada na alma que, sempre que podia, dava uma passada por
Nôtre-Dame, entrava na catedral e ficava a olhar para a imagem da Senhora, da
Mãe que o salvara. Ele mesmo, num dos seus poemas, descreve qual era, nessas
ocasiões, a sua oração. A tradução dá uma idéia dela, ainda que, como toda
tradução, desbote o colorido do original:
É meio-dia. Vejo a
igreja aberta. É preciso entrar.
Mãe de Jesus Cristo,
não venho rezar.
Nada tenho a
oferecer e nada a pedir.
Mãe, venho apenas
olhar para ti.
Olhar para ti,
chorar de alegria, recordar
que sou teu filho e
que tu estás aqui.
Apenas um instante,
enquanto tudo pára.
Meio-dia!
Estar contigo,
Maria, neste lugar onde tu estás.
Nada dizer, olhar
para o teu rosto,
Deixar o coração
cantar em sua própria linguagem [...]
...porque tu és a
Mãe de Jesus Cristo,
que é a verdade
entre os teus braços e a única esperança... [...]
Porque estás aqui
para sempre, simplesmente porque tu és Maria,
simplesmente porque
existes,
Mãe de Jesus Cristo,
nós te agradecemos!
Esta é que é a
verdadeira devoção a Maria. Isto é o que devemos colocar em cada Ave Maria, em
cada Terço, em cada Salve Rainha, em cada oração silenciosa, em cada
jaculatória da ladainha, em cada olhar e em cada suspiro filial...
Agradeçamos a Jesus
a Mãe que nos deu, porque – com ela – é impossível perder a esperança.
Digamos-lhe, com palavras da antiqüíssima antífona Salve, Rainha: Vida,
doçura e esperança nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei!
[Adaptação de um capítulo do livro Cristo, minha
esperança (Quadrante, 2003), de F. Faus]