FRANCISCO
FAUS
A PACIÊNCIA
2ª edição
QUADRANTE
São Paulo
1998
Copyright ©
1995 QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais
Capa
José C. Prado
Ilustração da
capa
Then broken flower pot, de Jan C. Verhas, 1876
Francisco
Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito
Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote
em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção
espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas
obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas
Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem
bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus,
A voz da consciência e A paz na família.
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INTRODUÇÃO
O HOMEM NA CALÇADA
O homem
estava ali, perto de nós – de mim e de um meu amigo –, na mesma calçada, a uns
vinte metros de distância. Era um sessentão de estatura mediana e puxava para
gordo. Chamava a atenção porque gesticulava com invulgar veemência. Dava para
perceber, mesmo de longe, que se lhe contraíam as feições. De súbito, elevou
fortemente a voz, e então chegou até nós uma frase perfeitamente audível:
– Tenha santa
paciência!
Nada havíamos
captado, nem eu nem o meu amigo, da agitada conversação anterior. Mas uma
certeza nos ficava: aquele homem acabava de perder a paciência, que devotamente
invocava como “santa”.
Era evidente
que o homem gordo não tinha gostado de alguma coisa de que lhe falara o seu
interlocutor. E o pedido de que tivesse santa paciência – explodido num
desabafo – fora sem dúvida provocado por uma contrariedade: o outro afirmara,
narrara ou defendera algo que o tinha aborrecido, que o tinha contrariado.
Sempre são as contrariedades que nos fazem perder a paciência. Como é lógico,
nunca nos impacientamos quando tudo nos sorri e se amolda aos nossos desejos.
Se prestarmos
atenção, poderemos observar que, na nossa linguagem comum, a perda da paciência
anda sempre associada a alguma coisa difícil de aceitar, de aturar, de “engolir”,
de sofrer: “Haja paciência para agüentar isso”, “Aquilo já está saturando as
paciências”, “É dose...”, dizemos. E é claro que, com isso, estamos falando de
algo desagradável, que nos aborreceu; quase sempre, de uma pessoa ou de uma
situação que nos vem contrariando ou incomodando desde há um certo tempo.
Perante a adversidade instantânea (como a agressão verbal de um motorista – “domingueiro!”
– que passa por nós em alta velocidade), não caímos propriamente na
impaciência, mas – como veremos logo – na ira.
TRÊS CONTRARIEDADES E
DUAS REAÇÕES
Se pensarmos
um pouco, analisando o que se passa conosco, perceberemos que costumamos
padecer de três tipos de contrariedades e que, em face delas, temos dois
tipos de reações.
Existem as
contrariedades provocadas pelos outros: eles têm aqueles modos desagradáveis de
falar, de olhar ou não olhar, de retrucar ou não responder, de esquecer ou
estar lembrando-nos certas coisas a toda a hora, de dirigir carro – dirigir? –,
de se atrasar, de impor... Existem depois as contrariedades procedentes de nós
mesmos: “Não me agüento, voltei a deixar a chave de casa no escritório!”, “Por
que sempre gaguejo ao falar na sala de aula?”, “Não consigo contar uma piada
que faça rir a ninguém!” E, por último, as que decorrem das circunstâncias: “Já
faz sete meses que estou sem emprego!”, “Desde que apanhei aquela bronquite,
nunca mais deixei de tossir!”, “Justamente quando fui tirar férias, veio aquela
frente fria estacionária e não parou mais de chover!”
De fato,
quase todas as contrariedades se enquadram em algum desses três capítulos.
Ora, ao lado
dessas três espécies de contrariedades, existem, como mencionávamos acima, dois
modos diferentes, ainda que muito “aparentados”, de reagir. Vale a pena
focalizá-los.
O primeiro
modo é a impaciência. É preciso dizer desde já que a impaciência, em
si mesma, na sua essência mais íntima, consiste em não saber sofrer.
Precisamente a palavra paciência deriva do verbo latino pati, que
significa padecer. Por isso, a virtude da paciência é a capacidade de padecer
dignamente, a arte de sofrer bem, e mais concretamente a paciência cristã é a
virtude que nos dá, com a graça divina, a capacidade de sofrer, de suportar as
contrariedades e a dor – especialmente quando se prolongam – com fé, esperança
e amor.
Uma vez
esclarecido isto, pode também ficar claro que a irritação, a brusquidão, a
raiva ou a cólera não fazem parte, propriamente falando, da impaciência – ainda
que muitas vezes a acompanhem –, mas da ira. É bem verdade que a ira – a
que nos referiremos daqui a instantes – e a impaciência convivem muitas vezes
no nosso dia-a-dia como duas irmãs siamesas. Mas é útil não perder de vista, na
leitura destas páginas dedicadas à paciência, que a impaciência se dá – mesmo
que não se faça acompanhar de nenhuma emoção ou explosão – simplesmente quando
não sabemos aceitar ou aceitamos de má vontade aquilo que nos contraria ou nos
faz sofrer.
A impaciência
é rica em apresentações. Pode-se manifestar quer no nosso interior, quer
externamente, de maneiras muito variadas. Com muita freqüência, aflora em forma
de queixas internas (quando a pessoa se lamenta no íntimo, sentindo-se vítima),
ou de reclamações ásperas ou lamurientas com os outros, ou de cobranças insistentes,
ou de suspiros lastimosos, ou de trejeitos e desabafos reveladores de cansaços
morais (“Já não suporto mais! Cheguei ao limite! Isto é superior às minhas
forças!”). Também são frutos da impaciência os comentários de desânimo e os
olhares de tristeza... É interessante saber que um dos principais efeitos da
paciência, mencionado por São Tomás de Aquino, é expulsar a tristeza do
coração[NOTA DE RODAPÉ: Suma Teológica, II-II, q. 136, a. 2, 1.].
A IRA É DIFERENTE
Ao lado da impaciência,
um segundo modo de reagir perante as contrariedades é a ira, a irritação
já acima mencionada como assídua parceira da impaciência. Quando alguém se
deixa levar pela ira, é porque perdeu – repentinamente ou por acumulação de
contrariedades – o controle emocional. A pessoa irada não tem mais autodomínio
e extravasa a sua revolta por meio do grito (os terríveis gritos das mães
desgovernadas!), do safanão, da injúria, do palavrão (abra-se o ouvido no meio
do trânsito de uma grande cidade), do comentário ofensivo e grosseiro, da “cortada”
(fecha a cara, levanta-se da mesa e vai-se embora sem acabar de jantar) ou da
violência: desde dar um pontapé num objeto ou fechar uma porta com estrondo,
até sacar o revólver e disparar.
Assim é a
ira. Parente próxima, irmã siamesa até – dizíamos – da impaciência, mas
diferente dela. Não é inútil, pois, repisar que a impaciência é,
essencialmente, a incapacidade de sofrer, de sofrer “com classe”, dignamente,
como um filho de Deus.
Importa
insistir nisto porque é muito comum, hoje em dia, considerar como modelos de
paciência comportamentos mansos (sem ira nenhuma) que, na realidade, são
exemplos da mais perversa impaciência. Refiro-me, por exemplo, ao caso,
tristemente trivial, de casais que se separam, após poucos ou muitos anos de
matrimônio e, fazendo alarde de uma pretensa “maturidade”, se gabam de que “não
brigaram”, não quiseram nem ouvir falar em separação litigiosa, e entraram em
acordo “como gente civilizada” (acomodando suave e serenamente os seus dois
egoísmos).
Por trás de
tanta calma, o que é que houve? Vejamos de perto, e logo perceberemos que
existiu uma elementar incapacidade de sofrer, de aceitar e superar com
generosidade as contrariedades e divergências normais de uma vida a
dois. Ou seja, houve a mais pura impaciência, uma impaciência radicalmente
egoísta que, por apresentar-se cinicamente calma e sorridente, é especialmente
abjeta. Costumam ter maior grandeza de coração e de caráter – e mais conserto –
os que cometem o erro de separar-se arrastados por uma erupção vulcânica de raiva,
de ira, de amor-próprio ferido. A ira, às vezes, é apenas um sinal de fraqueza.
Mas a infidelidade fria e calculista é sempre o retrato do egoísmo.
Mas deixemos
a ira para outra ocasião, e tentemos enfronhar-nos na impaciência, que é o tema
que agora nos ocupa. E, antes de mais, como começo de conversa, será preciso
reconhecer que todos nós, de um modo ou de outro, padecemos deste mal. Ninguém
escapa. Por isso, será interessante procurarmos descobrir por que e como é que
nos impacientamos, a fim de enxergarmos melhor os caminhos que nos podem
conduzir à paciência, essa virtude tão amada, tão desejada e tão pouco
praticada.
O ESTOJO DO
MUNDO
OS BELOS ESTOJOS
O leitor há
de concordar comigo em que uma das coisas mais belas do mundo é um bom estojo.
Ainda há poucos dias, ficava eu extasiado diante do estojo deslumbrante de uma
caneta alemã. É verdade que era dez vezes maior do que a caneta, mas seus
brilhos nacarados, sua pátina ambarina, e sobretudo o veludo roxo azulado –
macio e aristocrático – do interior, onde a caneta dourada se encaixava à
perfeição, eram de deixar de queixo caído.
Todos nós já
admiramos, provavelmente, a beleza e o ajuste preciso do estojo de um relógio
novo, de uma flauta reluzente, de uma jóia... Haveria matéria para escrever um
livro inteiro sobre as maravilhas dos estojos. E, como é lógico, nesse livro
não poderia faltar, por contraste, um capítulo dedicado aos maus estojos. Como
é desagradável um estojo ruim, em que o objeto guardado dança, chacoalha com um
barulho irritante e acaba por estragar-se a si mesmo e estragar os nossos
nervos.
Mas todas
estas digressões sobre estojos, que têm a ver com a paciência?
– Desculpe –
haveria de responder a quem fizesse essa pergunta –, talvez eu tenha posto o
carro à frente dos bois. Só um pouco de paciência – estamos nisso –, e daqui a
nada vamos ver que estojo e paciência são duas coisas muito relacionadas.
Para isso,
basta que pensemos se não é verdade que um dos nossos desejos mais íntimos é
que o mundo (a vida, as coisas, os acontecimentos e as pessoas) funcione como
um estojo aveludado e perfeitamente modelado, em que se encaixem sempre
suavemente, sem colisões nem atritos, os nossos sonhos, os nossos desejos, os
nossos caprichos, as nossas manias e até mesmo os nossos defeitos.
Ah, se tudo
na vida fosse assim! Para o meu mau humor, o estojo de cetim da compreensão dos
outros; para a minha doença, o estojo de seda de um serviço público de saúde
com a aparelhagem funcionando e sem filas; para o meu trabalho, o estojo
adamascado de chefes que me louvem e subordinados que em tudo me obedeçam; e,
lá em casa, o veludo amabilíssimo dos filhos dóceis e agradecidos, sempre
prontos a sussurrar com um sorriso carinhoso: – “Mamãe e papai têm razão”, e o
de um marido ou uma mulher que, sem pensarem em problemas e cansaços pessoais,
só saibam dizer, com o olhar mais terno: – “Meu bem, que gostaria de fazer
hoje?”
Que
fantástico um mundo-estojo assim! É melhor nem pensar nele porque, depois, ao
abrirmos os olhos à realidade, ficaríamos machucados. De qualquer modo, é
indiscutível que, se o mundo fosse o nosso suave, ajustadinho e macio estojo
sob medida (incluindo-se nessa “medida” também os auxílios imediatos de um Deus
tão “bom” que nos fizesse sempre as vontades), a impaciência desapareceria do
mapa e deveria ser apagada dos dicionários.
ESTOJOS DESAJUSTADOS
Mas, uma vez
que não vivemos no País das Maravilhas, como Alice, e sim na Terra
dos Homens de que falava Saint-Exupéry, forçoso é que reconheçamos que a
toda a hora o estojo do mundo falha, machuca, não abre, não fecha e se
desajusta ou se desengonça. E então a impaciência começa a brotar, a crescer, e
a dar os seus, digamos, “frutos” (os já referidos lamentos, tristezas,
reclamações e quejandos).
As formas de
desajuste e inadaptação ao estojo da realidade, isto é, as impaciências do
dia-a-dia, são tão ricas em número como as espécies de insetos num livro de
entomologia. Bastaria observar com um pouquinho de atenção retalhos de um único
dia na vida de qualquer família normal para podermos elaborar um volumoso
dicionário de impaciências. Lembremos algumas das mais corriqueiras, a título
de exemplo e só para mencionar o que Nelson Rodrigues chamaria o “óbvio
ululante”.
Papai acorda
mais cedo e vai preparar o café (ofício cada dia mais masculino). Primeira “fechada”,
naquela hora de olhar estremunhado e nervos mal temperados: da torneira não sai
um pingo d'água, porque é dia de corte devido à estiagem; e o pior é que o
jornal tinha avisado, e já é a quarta vez que se esquece disso num mês. Segunda
“fechada”: a menina, após a explosão de um estrondoso rádio-despertador e mais
três séries de violentas batidas da mãe na porta do quarto, continua a dormir,
e o pobre progenitor de emprego ameaçado, que já está atrasado para o serviço,
vai ter que deixá-la antes, a ela e ao Rodrigo, na escola. Ó estojo mal
ajustado! O dia já começa, como diria Guimarães Rosa, com “o mundo à revelia”!
Mas o que
começa, continua. Quando o aflito pai ia ligar para o escritório, avisando que
uma emergência o impediria de participar da primeira reunião, o imprescindível
telefone, tão necessário, está ocupado. Por quem? Pela filha mais velha, é
lógico, que já leva vinte minutos na sua primeira conversa do dia com o
namorado. “Sempre é assim!”, desabafa o pobre pai acuado. Mas a bronca não
elimina quinze minutos mais, mínimo regulamentar para completar o horário do
matutino namoro. O estojo continua sem funcionar.
E quando por
fim o homem, esfalfado antes de ter começado a trabalhar, consegue sair à rua
com o velho carro usado, adquirido a preço camarada de um colega, os olhos
batem instantaneamente no pára-lama afundado..., e a última que pegou no carro
foi a mulher. – “Mais uma vez, outra vez!”, exclama o nosso protagonista,
praticando sem o saber um ato teologicamente perfeito de impaciência.
Será,
porventura, preciso acrescentar que, ao conseguir entrar na avenida, com um
barulhinho no motor que deixa o coração em sobressalto, o trânsito está parado?
O engarrafamento é monumental, fora do comum – que é comum mesmo –, devido a
uma carreta que se incrustou de frente no canteiro central e está atravessada
na pista. – “Mais essa! E depois dizem que não existe a lei de Murphy!”
Se
quiséssemos continuar pintando esse quadro escuro de contrariedades cotidianas,
não poderia faltar uma referência aos comentários mordazes dos colegas de
escritório, porque o time dele “mais uma vez” perdeu, nem faltaria a queixa
contra o infernal barulho da rua que tanto dificulta trabalhar; e assim, após
inúmeros aborrecimentos, veríamos o nosso homem chegar a casa num tal estado de
ânimo que qualquer pergunta da mulher lhe pareceria uma ofensa.
Poderíamos,
sim, pintar este quadro, mas – ainda que tivesse um fundo realista – seria
completamente falso. A verdade é que, salvo em raros dias que são exceção, a
vida não se compõe de uma seqüência ininterrupta de contrariedades. Graças a
Deus, há também muitas satisfações e muitas alegrias e, normalmente, para quem
não estiver cego, o mais justo é terminar o dia fazendo uma enorme lista de
bênçãos recebidas de Deus, de males e perigos evitados, de proteções “descaradas”
dos Anjos da Guarda, além de muitos detalhes simpáticos do próximo, de modo que
o coração sinta a necessidade de elevar uma emocionada ação de graças. Se
fôssemos sinceros, veríamos que o elenco das bênçãos – tão belas como habituais
– é normalmente bem superior ao das contradições.
À PROCURA DO CRIMINOSO
Isto, porém,
não elimina o fato de que as contrariedades existem, e é delas que, como de um
gerador elétrico, surge a corrente contínua ou alternada da impaciência.
Se nos
perguntassem de chofre: – “Por que você fica impaciente?”, logo apontaríamos o
culpado: – “Tal contrariedade mais ou menos freqüente, mais ou menos constante”.
O culpado, o “criminoso”, o agente provocador, é sempre a contrariedade que
acomete, azucrina e faz sofrer.
Caso pensemos
assim – com esta simplificação tão cândida –, será bom que observemos um
fenômeno: nem todo o mundo fica impaciente diante das mesmas coisas. Há,
portanto, “algo” dentro de nós que nos faz receber “determinadas”
contrariedades – muitas ou poucas – de um modo negativo e que desemboca na
impaciência, ao passo que outras não. O que é esse “algo”? Se conseguirmos
enxergá-lo, teremos aberto um bom caminho para diagnosticar a etiologia da
impaciência e para ver os remédios que conduzem à mais saudável paciência.
Pensemos,
além disso, que – tal como acontece com a preguiça –, afora os casos raros de
infecção generalizada (como a “preguiça integral” e a “impaciência permanente”),
o defeito da impaciência costuma ser “especializado”. Cada um de nós tem as “suas”
impaciências particulares, mexe-se dentro do campo da sua especialização. Pode
ser que pertençamos, por exemplo, à turma daqueles “especialistas” que não têm
paciência para escutar o próximo, sobretudo o mais próximo (marido, mulher,
filhos). Sempre me recordarei de um bispo velhinho, a quem – por razões de
trabalho – visitava com certa freqüência. Como muitos anciãos, gostava de
recordar coisas passadas, e eu – por respeito e inibição, pois era muito jovem –
ficava a ouvi-lo, de modo que praticamente nunca abria a boca: limitava-me a
deixá-lo falar. Passado algum tempo, soube com espanto que ele comentara a um
colega que eu “tinha uma conversa muito agradável”! Senti vergonha, porque não
tinha consciência de estar sendo paciente, e aprendi uma lição.
Para
mencionar outro exemplo: não pertenceremos por acaso à turma especializada dos
que jamais admitem interrupções? Estão “na deles” e dali não saem. Por mais que
um filho, ou a esposa ou qualquer outra pessoa precise da sua atenção, da sua
palavra ou da sua ajuda, o “homem-intrinsecamente-ocupado-em-suas-coisas-muito-importantes”
vai limitar-se a “responder”, impaciente, com um olhar de poucos amigos, unido
a um ronco gutural ininteligível, mas perfeitamente interpretável.
E, ainda, não
pertenceremos talvez àquele outro rol de pós-graduados, conhecido como “a turma
dos impacientes mascarados”, que já apareciam acima divorciando-se? – “Sou
muito paciente, dizem esses mascarados. Não brigo nunca!” Mas sempre, sistematicamente,
fogem, lisos como uma cobra d'água, de enfrentar questões difíceis e
aborrecidas (uma conversa a fundo com o filho, muito necessária), de aceitar
compromissos (fazer oração diariamente, ler um livro de formação cristã) ou de
assumir responsabilidades (colaborar habitualmente num trabalho assistencial).
A razão disso não está nem na falta de tempo nem na falta de habilidade, mas no
fato puro e simples de que “não querem saber”, “não querem ter trabalho”, ou
seja, não querem sofrer. E eis neste caso a impaciência em estado
quimicamente puro, em forma de uma completa falta de generosidade para aceitar
com fé, esperança e amor “o que contraria”, aquilo de que “não gostamos”, isto
é, o sacrifício e o sofrimento que Deus nos pede para acolher.
OBTER E
EDIFICAR
A MÃO E A CONTRAMÃO
– Isso me
pegou na contramão! – diz o impaciente contrariado.
Tem razão.
Aquilo foi-lhe de encontro e o abalroou, chocando-se com os seus desejos, com a
sua tranqüilidade ou com o seu bem-estar.
Mas, ao escutarmos
essa sua queixa, seria lógico que lhe perguntássemos:
– E... qual é
a sua mão?
Em matéria de
paciência, talvez seja esta a pergunta fundamental, a que melhor nos pode
conduzir àquele “algo” que mencionamos acima e que é a verdadeira causa das
nossas impaciências.
Todos temos mão
e contramão na vida. A mão é o objetivo para o qual se orientam
principalmente os nossos desejos, as nossas lutas, as nossas ambições, as
nossas esperanças de realização e de felicidade. Essa orientação fundamental
é a autêntica diretriz do nosso coração, das nossas reflexões, dos nossos
devaneios e dos nossos empenhos.
Constatamos
esta realidade em nós e nos outros. E, ao mesmo tempo, verificamos que essa orientação
fundamental varia de um homem para outro. Mais ainda, que a mão
dessa direção de vida tem sentidos contrários, conforme as pessoas. Um
professor universitário, entusiasmado com as suas pesquisas, não pode viver sem
os seus livros e o seu estudo, chegando a sacrificar indevidamente a esse ideal
científico até a saúde e a família. Pelo contrário, um estudante vadio não
consegue viver nem conviver com os livros e o estudo. O contraste é
ainda mais marcante se entramos a fundo nas questões em que se enraízam o
sentido e o valor da vida. Para um santo, um mundo sem Deus seria uma noite
horrenda, a quintessência do inferno. Para um agnóstico, Deus é perfeitamente
dispensável, e todas as coisas estão niveladas pela mesma indiferença.
Se
procurarmos meditar na vida, e conseguirmos lucidez suficiente para pensá-la em
profundidade, perceberemos que todas as atitudes básicas, todas as orientações “de
fundo”, todas as “mãos”, se reduzem, em último termo, a duas, que podem ser
enunciadas em duas palavras: obter e edificar.
“DÁ-ME A PARTE QUE ME
CORRESPONDE”
É comum
perguntar a uma criança: – “O que você quer ser quando crescer?” A
resposta pode ir desde “engenheiro igual ao papai” até “bombeiro” ou “jogador
da Seleção brasileira”.
Menos comum é
perguntar: – “O que você quer fazer quando for grande?” Possivelmente, a
resposta será: “Estudar, namorar, casar”... Mas outras crianças ficarão
desnorteadas perante uma pergunta dessas. Elas sabem bem qual é a imagem ideal
de si mesmas em seus “sonhos”, mas custa-lhes considerar a vida como tarefa.
Ora, o que é
totalmente incomum é perguntar: – “O que você quer dar, o que você
gostaria de dar quando for grande?” E, no entanto, esta é a única
pergunta que deveria fazer realmente sentido para um ser humano.
A atitude de
muitos perante a vida é radicalmente egoísta. O mundo é “para mim”, a vida é “para
mim”. Mesmo os amores são vistos como um meio de obter o benefício da
realização pessoal. É por isso que muitos pensam em marido ou mulher só
enquanto “gostarmos”, ou seja, enquanto o egoísmo receber vantagens dessa
união. É só começarem, porém, os sacrifícios, que haverá despedida e partirão
para outra. E os filhos? Às vezes, nem sequer se pensa neles, e se espera tanto
para tê-los que – com perdão do leitor – a decisão de deixar descendência acaba
por ser tomada depois da menopausa.
O egoísta, aquele
que só quer usufruir da vida, que quer “realizar-se” colocando o seu “eu” como
meta e centro do mundo, esse só sabe repetir as palavras que Cristo põe na boca
do filho pródigo: “Pai, dá-me a parte que me toca” (cf. Lc 15,
12).
O egoísta é
monótono. Dirige-se a Deus e aos outros, dizendo sempre: “Dá-me!” É um homem
que vive para pegar, para tomar, para armazenar, para desfrutar, em suma, para obter...
O egoísta
parece ter, dentro do coração, um cachorrinho obsessivo, que dia e noite late
sem parar, com voz esganiçada e estridente: Eu! Eu! Eu! E, quando a voz afina:
Mim! Mim! Mim!
Só que o
mundo está repleto de outros cachorros iguais e lhe responde com o eco das suas
próprias palavras, de modo que por toda a parte se lança contra ele o mesmo
ganido: Eu! Eu! Eu! Certamente o mundo não costuma fazer-nos a toda a hora
reverências orientais nem nos estende aos pés tapetes vermelhos.
NA CONTRAMÃO DOS HOMENS
E DE DEUS
Desse
entrechoque de egoísmos, logicamente, hão de sair faíscas. Um encontrão! Uma
cotovelada! Um “chega pra lá!” Um “eu primeiro!” Um “espere um pouco e você vai
ver!” A colisão de egoísmos é inevitável, pois o meu egoísmo sempre vai na
contramão do outro, e é fisicamente impossível colocar dois centros diferentes
no mesmo círculo ou dois umbigos do mundo exatamente no mesmo ponto.
Estamos
vendo, e parece coisa clara, que a maior parte das nossas impaciências são
apenas egoísmos contrariados. Se as fôssemos examinando uma após outra,
numa espécie de microscópio espiritual, acabaríamos verificando que, nelas, nas
impaciências, estão todas as cores de que o egoísmo humano se tinge, quer seja
a cor orgulhosa, quer a comodista, a hedonista, a sensual ou a invejosa...
Todas aquelas cores do espectro em que a luz triste do egoísmo se dispersa.
Alguém já
disse – sem dúvida com exagerada dureza – que o mundo é um chiqueiro de
egoísmos, onde estes, em recinto fechado, se mordem e dilaceram. Algo parecido
com isso é o que não tardará a descobrir, por experiência própria, quem adotar
como filosofia de conduta “gozar a vida”, “passar o melhor possível”, “conseguir
o máximo”, “levar vantagem em tudo”.
O pior,
porém, não é que isso tudo não passe de uma ilusão trágica, decepcionante, num
mundo que não nos abre alas como ao seu “príncipe”. O pior é que o egoísta, por
princípio, anda sempre na contramão de Deus, e isso é muito mais sério e
perigoso.
Deus só tem
uma mão: o Amor. O egoísmo trafega em outro sentido. É significativo que
uma condição prévia para andar na mão de Deus e para aprender o amor
cristão seja esta: Quem quiser salvar a sua vida – diz Cristo – a
perderá; mas quem perder a sua vida por amor de mim [quem souber
sacrificá-la por amor], a salvará (cf. Mt 16, 25 e Mc 8, 35). A mão
de Deus é o Amor. Sair dela é atravessar-se na estrada, e aí todas as colisões
são inevitáveis.
O egoísmo
colide com tudo e, além disso, tem a triste faculdade de tornar negativas todas
as coisas, opondo-as a si. O egoísta, por exemplo, em vez de valer-se do
temperamento da esposa para saber “como” deve amá-la, serve-se disso como
motivo para humilhá-la e ofendê-la. Não pensa: “Ela é lenta, vou estimulá-la,
vou ajudá-la”. Pensa: “Ela é lenta; atrasa tudo! Não julgava que fosse tão
lerda quando casei! Isto não pode continuar!” São duas maneiras opostas de
reagir perante uma mesma situação. Duas maneiras que se podem dar em todas as
situações. As mais belas coisas estiolam nas mãos do egoísta.
Vale a pena
repisar bem a afirmação de que o nosso egoísmo é a causa fundamental dos nossos
aborrecimentos. Assim como o lendário Rei Midas tinha o poder de transformar em
ouro tudo o que tocava, o egoísta tem a virtude de transformar em pontas, em
cacos de vidro, em navalhas e espinheiros, tudo o que não se curva aos seus
desejos.
O QUE A VIDA ESPERA DE
NÓS
No relato
autobiográfico intitulado Em busca de sentido: um psicólogo no campo de
concentração[NOTA DE RODAPÉ: 3ª ed., Sinodal-Vozes, 1993, págs. 76 e
segs.], o psiquiatra Viktor Frankl relata o ambiente de profundo abatimento que
se ia apossando do espírito de seus companheiros de barracão, no campo de
concentração nazista em que se encontravam, à medida que as expectativas de
libertação se afunilavam e o futuro aparecia cada vez mais sombrio.
Era comum
ouvir-se dizer: – “Eu já não espero mais nada da vida”.
“Que resposta
podemos dar a essas palavras?” – perguntava-se Frankl. E a seguir, com
vibrações de descoberta, explica a nova luz que se acendeu nele e que procurou
transmitir aos outros:
“Do que
realmente precisamos é de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida.
Temos que aprender nós mesmos, e depois ensinar aos desesperados, que na
verdade não é importante o que nós esperamos da vida; importante é o que a
vida espera de nós”.
Numa noite em
que um corte de luz mergulhou os prisioneiros numa depressão ainda maior,
Frankl, embora gelado e sonolento, irritado e cansado, sentiu que era preciso
fazer alguma coisa para infundir ânimo àqueles pobres farrapos humanos que já
desistiam da vida. Levantou-se, então, e falou. Expôs com veemente ardor a sua
descoberta. E essa idéia de que a vida tem um sentido infinitamente superior ao
de simplesmente satisfazer desejos, obter coisas, passar bem, gozar de boa
saúde, invadiu, como um clarão de esperança, aqueles corações agoniados.
Entenderam
que Deus, a esposa, os filhos, os amigos, o mundo esperavam deles (deles
que pareciam animais acuados, prestes a serem levados para o matadouro) um
testemunho – na vida ou na morte – de que o ser humano foi feito para algo
muito maior do que comer, beber, gozar, rir na fortuna e chorar na adversidade.
Deus e os outros esperavam algo que só cada um deles, com grandeza de alma,
podia dar. Deus e o mundo “precisavam” de cada um deles!
Esta
concepção da vida, como é óbvio, opõe-se frontalmente à atitude egoísta acima
descrita. É a outra possível vertente da nossa existência. A única verdadeira.
A vida só pode ser encarada como uma missão a cumprir, que nos é
confiada por Deus, como uma edificação de que somos responsáveis e de
que outros dependem. Não vivemos para obter; vivemos para edificar.
QUERENDO EDIFICAR UMA
TORRE
O próprio
Cristo utiliza a imagem da edificação para falar de nós. Diante do seu futuro,
o homem é um construtor. Deus facilita-lhe o material, desvenda-lhe aos poucos
as linhas mestras da “obra” a ser realizada e estende-lhe a mão para ajudá-lo
na tarefa. Mas cada qual é responsável por fazer a obra bem feita. Quem de
vós, se quiser edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula...? (Lc
14, 28).
Aprofundando
na imagem da edificação, Cristo diz-nos ainda como se deve fazer o cálculo,
qual é a garantia de que a construção será sólida e indestrutível: Aquele
que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem
prudente que edificou a sua casa sobre rocha. Caiu a chuva, vieram as
enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa: ela, porém, não
caiu, porque estava edificada sobre rocha (Mt 7, 24-27).
Construir
sobre rocha, fazer uma edificação que nenhuma contrariedade – vento ou chuva,
tremores ou enchentes – possa abalar, só se consegue quando o alicerce sobre o
qual se levanta é a palavra de Cristo: Aquele que ouve as minhas palavras e
as põe em prática...
É a palavra,
é a mensagem de Cristo que indica a “mão de direção” que Deus quer deixar
sinalizada no coração dos homens: a mão do Amor. Amar a Deus de todo o coração,
com toda a alma e com todas as forças; amar o próximo como a nós mesmos, mais
ainda, como Cristo nos amou – ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
vida pelos seus amigos (Jo 15, 13) –, este é o alicerce, este é o pilar
firmíssimo, esta é a “mão de Deus”! Quando se vai por ela, descobre-se que a
única coisa que a vida e as pessoas nos estão pedindo a toda a hora é amor:
amor consistente na aceitação confiante da Vontade de Deus e da sua Cruz santa;
ou amor que aprenda, num crescendo que nunca termina, a compreender os
outros, a desculpá-los, a perdoá-los, a servi-los, a dar-se sem cálculos nem
mesquinharias.
Quando nos
decidimos a enveredar por essa senda, ficamos pasmados ao perceber que cada vez
há menos coisas que nos pegam na contramão e nos fazem perder a paciência. E
isto é assim porque cada vez se torna menor o egoísmo que trafega em sentido
contrário ao do amor.
Façamos uma
pequena experiência. Escrevamos em forma de lista todas as coisas que, na
última semana, nos aborreceram e mexeram com a nossa paciência. A seguir,
diante de cada item, anotemos uma pergunta: que tipo de amor Deus me pedia aí?
E prossigamos a experiência, imaginando: se eu tivesse vivido naquele momento o
tipo certo de amor, teria havido impaciência? A resposta seria, naturalmente, “não”.
Não haveria impaciência se eu tivesse amado. Talvez possamos retrucar: “Mas é
que eu não sou santo” – o que é verdade –, mas o que não poderemos dizer nunca
honestamente é que ali havia uma contrariedade que o amor não podia superar.
Na realidade,
todos os exercícios de paciência consistem em exercícios de amor. Conheço
várias pessoas – graças a Deus conheço muita gente boa – que, ao voltarem a
casa com toda a carga do cansaço do dia, vão rezando o terço no trânsito ou
carregam consigo um livro de pensamentos espirituais, para lerem e meditarem
uma ou outra frase ao pararem no semáforo demorado ou no engarrafamento
incontornável. Ao mesmo tempo, vão espremendo os seus cansados miolos, tentando
concretizar: “Que iniciativa, que detalhe, que palavra posso preparar para que
a minha chegada a casa seja um motivo de alegria para a minha mulher, ou para o
meu marido, e para os meus filhos?” E, assim, homens e mulheres cujo retorno ao
lar era antes soturno e irritado, tornam-se – em virtude do amor a Deus e aos
outros, que se esforçam por cultivar – corações pacientes, que espalham a paz e
a alegria à sua volta.
EXERCÍCIOS DE PACIÊNCIA
Não, não há “truques”
ou “técnicas” que sirvam para viver a paciência, se o egoísmo ainda tem o ninho
no nosso coração. Com esse hóspede indesejável, é inútil qualquer tentativa.
Mas se há amor, então vão-nos ocorrendo mil maneiras de exercitar a paciência,
bem práticas, simples, bonitas... e eficazes.
Quem tem
experiência da luta por viver com Deus, sabe que o amor cristão se mexe movido
por duas asas: a da oração e a da mortificação. Por isso, todo o exercício da
virtude cristã da paciência comportará necessariamente o movimento de uma
dessas asas ou, o que será mais freqüente, de ambas ao mesmo tempo.
Em primeiro
lugar, a oração. O cristão paciente procura falar antes com Deus do que com os
homens. Quando se sente à beira de uma crise de impaciência – pois ia retrucar,
censurar, queixar-se... –, faz o esforço de se calar. Alguns recomendam contar
até vinte, antes de abrir a boca. Melhor será fazer o sacrifício de guardar
silêncio, de sair, se for preciso, de perto do foco do atrito (ir para outro
cômodo, etc.), e de rezar bem devagar alguma oração, como por exemplo o Pai-Nosso
(sublinhando mentalmente as palavras-chave que acordarão a fé e o amor e,
portanto, trarão calma e lucidez à alma: Pai, ...seja feita a vossa
vontade..., perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos
tem ofendido...).
Após essa
oração, que pode ser também uma seqüência de jaculatórias, de invocações
breves, pedindo paciência a Deus, e já com a alma mais tranqüila, poderemos
discernir o que nos convém fazer: se é deixarmos passar, sem mais, aquele
dissabor, aquela contrariedade; ou é praticar o que lemos no n. 10 de Caminho:
“Não repreendas quando sentes a indignação pela falta cometida. – Espera pelo
dia seguinte, ou mais tempo ainda. – E depois, tranqüilo e com a intenção
purificada, não deixes de repreender”[NOTA DE RODAPÉ: Josemaría Escrivá, Caminho,
7ª ed., Quadrante, São Paulo, 1989.]; ou, então, se é tomar a iniciativa de ter
um gesto simpático – um afago para a esposa ou a filha; uma palavra amável, que
quebre o gelo com aquele que nos causou mal-estar. Não duvidemos de que o
esforço de guardar silêncio, unido ao esforço de fazer oração, sempre conduzirá
para a paciência, para a paciência real e prática, os que lutam com boa
vontade.
Ao lado da
oração, mas sem largá-la da mão, o cristão exercita a paciência por meio da
prática voluntária, consciente, amorosa, de um sem-fim de pequenos sacrifícios,
que são uma gota de paz, de afabilidade, de bondade, sobre as incipientes
ebulições da impaciência. Talvez não seja demais lembrar, a título de sugestão
para o leitor, algumas dessas mortificações cristãs, que diariamente podemos
oferecer a Deus:
* fazer o
esforço de escutar pacientemente a todos (ao menos durante um tempo
prudencial), sem deixar que se apague o sorriso dos lábios, nem permitir que os
olhos adquiram a inexpressiva fixidez, prelúdio de bocejo, de um peixe;
* não andar
comentando a toda a hora e com todos, sem razão plausível nem necessidade, as
nossas gripes, as nossas dores de cabeça ou de fígado nem, em geral, qualquer
outro tipo de mal-estar pessoal: propor-nos firmemente não nos queixarmos da
saúde, do calor ou do frio, do abafamento no ônibus lotado, do tempo que
levamos sem comer nada...
* renunciar
decididamente a utilizar os verbetes típicos do Dicionário da Impaciência: “Você
sempre faz isso!”, “De novo, mulher, já é a terceira vez
que você passa um cheque sem fundos!”, “Outra vez!”, “Já estou cansado”,
etc., etc.;
* evitar cobranças
insistentes e antipáticas, e prontificar-nos a ajudar os outros, usando mais
vezes do expediente afável de lembrar-lhes as coisas que omitiram ou atrasaram,
e de estimulá-los a fazê-las;
* não
implicar – não vale a pena! – com pequenos maus hábitos ou cacoetes dos outros,
mas deixá-los passar como quem nem repara neles: mania de bater na cadeira ou
de tamborilar com os dedos na mesa, tendência para ler por cima do ombro o
jornal que nós estamos lendo, de fazer ruído com a boca, de cantarolar
horrivelmente enquanto se lê ou se trabalha... Lembro-me bem da “guerra fria”
que se travou entre uma filha cinqüentona e um pai quase oitentão, e na qual
fui chamado a intervir como mediador. Ela sustentava que o pai vivia gemendo,
ele retrucava dizendo que “não, senhora, estou é cantarolando”... E, se
não tivesse havido a intervenção de uma “potência neutra”, o atrito poderia ter
terminado muito mal;
* saber
repetir calmamente as nossas explicações a quem não as entende e se mostra
porfiadamente obtuso; ter a calma de partir do bê-á-bá para esclarecer
assuntos técnicos a pessoas que os desconhecem e não têm vocação para lidar com
cálculos e máquinas;
* não buzinar
quando alguém reduz a marcha do veículo e estaciona inopinadamente; por sinal,
se o leitor deseja um bom conselho para o trânsito, ofereço-lhe o seguinte, que
já deu muito bons resultados: nunca olhe para a cara do “agressor”, do
motorista “barbeiro”. Continue serenamente o seu percurso sem ficar sabendo se
era homem ou mulher, jovem ou velho: vai ver que é difícil ficar com raiva de
uma sombra indefinida; se, além disso, passada a primeira reação, reza ao Anjo
da Guarda por ele/ela, para que se torne mais prudente, mais hábil ou menos
prepotente, melhor ainda;
* por último,
permito-me repisar a importância da oração para adquirir a paciência, evocando
a simpática surpresa de uma mãe impaciente que se tornou “rezadora”. Aquela
mulher de nervos frágeis tinha-se proposto rezar a Nossa Senhora a jaculatória:
“Mãe de misericórdia, rogai por nós (por mim e por esse moleque danado)” a cada
grito das crianças. Quando começava a ferver uma crise conjugal, tinha
igualmente “preparada” uma oração própria que dizia: “Meu Deus, que eu veja aí
a cruz e saiba oferecer-Vos essa contrariedade! Rainha da paz, rogai por nós!”
E quando ia ficando enervada e ríspida, rezava: “Maria.., vida, doçura e
esperança nossa, rogai por mim!” Depois comentava com certo espanto: – “Sabe
que dá certo? Fico mais calma!” E ficava mesmo.
Como vemos,
nem essa boa mãe, nem as outras pessoas acima evocadas como exemplo, conseguiam
viver a paciência à base de truques de “pensamento positivo”, mas de esforços
de fé e de amor cristão. De maneira que, sem terem a mínima noção disso, todas
elas estavam dando a razão a São Tomás de Aquino que, com o seu habitual
laconismo, sintetizou assim a questão:
Manifestum
est quod patientia a caritate causatur – “é evidente que a
paciência é causada pelo amor”, ou, por outras palavras que traduzem com igual
precisão as do santo: “Só o amor é causa da paciência”[NOTA DE RODAPÉ: Suma
Teológica, II-II, q. 136, a. 3, c.].
HISTÓRIAS DE
AMOR PACIENTE
O AMOR QUE SABE SOFRER
Víamos no
começo que a paciência é a arte de sofrer. Depois das considerações que
acabamos de fazer, pode-se modificar um pouco esse enunciado e dizer que a
paciência é o amor que sabe sofrer.
Uma das
coisas mais comoventes e edificantes do mundo é ter conhecido uma pessoa que,
durante longo tempo, soube sofrer com amor. Nenhuma teoria, nenhuma ciência,
nenhum livro nos pode ensinar melhor do que ela o que é a beleza e a grandeza
da paciência. É bem certo que poucas realidades mostram tão bem a presença de
Deus e a marca da sua graça num ser humano como o faz – quase que por
transparência – o bom sofredor, o sofredor amoroso, sereno e esquecido de si
mesmo.
Não é por
acaso que São Paulo, quando começa a enumerar as qualidades do amor cristão,
como quem apresenta as facetas de uma pedra preciosa, menciona em primeiro
lugar que a caridade é paciente, e arremata os elogios dizendo que a
caridade tudo sofre (cf. 1 Cor 13, 4.7). A vida dos santos, ou
simplesmente a vida dos homens e mulheres bons, que optaram por transformar a
sua existência numa amorosa tarefa de edificar, confirma o que Deus nos
diz por meio de São Paulo.
Por isso,
como o exemplo é o melhor livro e o testemunho vivido a mais pedagógica das
escolas, vamos adentrar neste novo capítulo em quatro histórias de amor
paciente ou, para sermos mais precisos, vamos relatar numas poucas pinceladas
alguns episódios significativos de quatro vidas que souberam encarnar o amor
paciente.
Dos dois
primeiros casos, quem escreve estas páginas foi, em parte, testemunha
presencial. Os outros dois, conhece-os pela tocante narração de um médico.
UM MESTRE DE BOM HUMOR
Durante dois
anos, tive o privilégio – seria mais exato dizer a graça – de conviver em Roma
com o Fundador do Opus Dei, o Bem-aventurado Josemaría Escrivá.
Muito alegre
e esportivamente, uns cento e vinte alunos do Colégio Romano da Santa Cruz nos
acomodávamos como podíamos nos escassos e surrealistas espaços de um prédio
ainda em construção. Mas, para nós, o sol raiava todos os dias, mesmo quando a
Cidade Eterna se cobria de nuvens, porque saboreávamos a experiência de estar
convivendo com um santo.
Todos os
biógrafos de Mons. Escrivá, hoje já numerosos, coincidem em afirmar que uma das
características da sua personalidade era a alegria, patenteada num constante
bom humor. Um desses biógrafos dá justamente o título de Mestre de bom humor
à obra de recordações pessoais que lhe dedica[NOTA DE RODAPÉ: José Luis Soria, Maestro
de buen humor, Rialp, Madrid, 1994.]. Os que convivemos durante algum tempo
com ele somos testemunhas de que esse título é exato.
Quase diariamente,
os alunos do Colégio Romano da Santa Cruz, anexo então à sede central do Opus
Dei em Roma, tínhamos a feliz oportunidade de estar e de conversar uns bons
momentos com Mons. Escrivá. Eu, que chegara a Roma em outubro de 1953 e só
sairia de lá no fim do ano letivo de 1955, guardo a viva lembrança do Fundador
do Opus Dei como um sacerdote inflamado em amor de Deus, amor que fundia
maravilhosamente com um enorme carinho humano, sempre sorridente, sempre
otimista, sempre vibrante, sempre bem disposto.
Todos os que
o conhecíamos de perto víamos nele a extraordinária harmonia das diversas
virtudes cristãs – mesmo das aparentemente contraditórias, como a mais terna
compreensão e a firmeza mais exigente –, a erguer-se como picos elevados na
cordilheira compacta da sua vida santa. Pois bem, um desses cumes elevados era,
sem dúvida alguma, a paciência. Esta virtude manifestava-se, no
dia-a-dia, de diversas formas; uma das mais patentes era a equanimidade
que se percebia a todas as horas e em todas as circunstâncias. Equanimidade, ou
seja, igualdade de ânimo, boa disposição permanente, que atraía com força
irradiante e estimulava a imitá-lo.
Não é que
tudo fosse um mar calmo à sua volta, nem que ele – homem de temperamento vivo,
sensível e ardente – fosse impassível. Mesmo sem conhecermos muitos detalhes,
todos nós tínhamos noção das dificuldades grandes que o Padre – assim o
chamávamos – tivera e tinha que enfrentar para levar a Obra de Deus para a
frente. Sabíamos em parte, ou imaginávamos saber, o calibre das provações e
sofrimentos por que Deus permitiu que passasse, forjando-lhe assim a têmpera do
santo: incompreensões dolorosas, incríveis calúnias, perseguições, carência
absoluta de meios materiais... Contradições brutais, que acabaram por deixar a
sua farpada na saúde do Padre. Desde os anos quarenta, de fato, padecia de uma
séria diabete mellitus. Mas, se alguém nos perguntasse: – “Como vai a
saúde do Padre?”, teríamos respondido, com a maior naturalidade: – “Ora, graças
a Deus, vai muito bem”.
E, com efeito,
era assim mesmo que víamos o Fundador: muito bem. Todos os dias nos deixava a
imagem de um homem cheio de Deus e pletórico de humanidade, transbordante de
alegria e de dinamismo.
TUDO CABE NUM SORRISO
POR AMOR A DEUS
Por isso, a
todos nos surpreendeu, como um choque inesperado, a notícia de que tivemos
conhecimento na primavera de 1954. O Padre, no dia 27 de abril, estivera a
ponto de morrer. Uma crise de saúde muito forte só não o levara por um triz.
Perguntávamo-nos,
no primeiro momento, que tipo de achaque podia tê-lo acometido. Nem nos passava
pela mente a idéia de que poderia ter sido – como de fato foi – uma crise
devida à própria diabete. Para nós, “diabete” era uma palavra ouvida alguma
vez, mas já arquivada no esquecimento. Nada notávamos, o Padre de nada se
queixava nem com a palavra nem com a expressão do rosto e, por isso, nada nos
preocupava. Não sabíamos que, na verdade, durante todos aqueles meses felizes,
vividos junto de um Padre que irradiava dinamismo e felicidade, Mons. Escrivá
estivera atravessando uma das piores fases da sua doença.
Assim
descreve Vázquez de Prada o que na realidade se estava passando naquele
período:
“Trabalhava e
mexia-se como se estivesse bem de saúde: sem o cansaço que o medo produz, livre
da psicose de febre que amiúde excita os enfermos ou os deprime. Para o caso de
que chegasse em qualquer momento a sua hora, tinha tomado precauções. Fez
colocar uma campainha junto da cabeceira da sua cama, para pedir os
sacramentos. Deitava-se com a mente posta em Deus: Senhor – dizia –, não sei se
me levantarei amanhã; dou-te graças pela vida que me deres e estou contente de
morrer em teus braços. Espero na tua misericórdia.
“Custava-lhe
sorrir; mas os seus filhos recordam-no sempre com o sorriso nos lábios. A
doença deparava-lhe surpresas variadas: um dia, não se tinha em pé; outro,
sobrevinha-lhe uma infecção furibunda; na semana seguinte, falhava-lhe o olho
direito...
“Tomava com
alegria e paciência as peças que lhe pregavam as suas indisposições [...]. Nas
viagens, não tinha outro remédio senão carregar com o seu pequeno arsenal de
botica. Assim andaram as coisas, até que o Dr. Faelli resolveu tentar uma
variante no tipo de medicação, prescrevendo-lhe insulina retardada. O pe.
Álvaro, que conhecia perfeitamente o tratamento, as quantidades e o seu efeito,
acertou a nova dose. Tudo andou bem por dois ou três dias, embora seja possível
que o enfermo se tivesse sensibilizado com a mudança”[NOTA DE RODAPÉ: Andrés
Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1989,
págs. 325-326.].
O que nós,
afinal, ficamos sabendo foi que no dia 27 de abril, festa de Nossa Senhora de
Montserrat, após receber a dose diária de insulina, o Padre se sentou à mesa
com o pe. Álvaro del Portillo. De repente, o seu rosto ficou rubro, depois
violáceo e, finalmente, invadido por uma palidez cadavérica. A custo, antes de
ficar desacordado, tinha pedido ao pe. Álvaro a absolvição. Ele próprio nos
relatava depois (só no-lo contou quando já estava bom e não podia causar-nos
preocupação), que naquela hora teve a nítida sensação de que ia morrer.
Acrescentava, com o seu indelével bom humor, que, quando conseguira ver-se no
espelho, após umas horas de cegueira, tinha comentado ao pe. Álvaro: “Já sei
que aspecto terei quando morrer...”
Deus, em sua
bondade, não só o livrou da morte nessa hora de grave crise, como o presenteou
com uma rápida recuperação e, o que é mais, com o inexplicável desaparecimento
da diabete que, simplesmente, deixou de manifestar-se a partir daquele dia.
Ficou curado.
Neste episódio
todo, algo se nos revelou com absoluta nitidez, com inequívoca evidência:
tínhamos vivido, dia após dia, com um Mons. Escrivá doente, afetado por forte
mal-estar físico, muitas vezes cansado, esgotado, e nada disso tinha
transparecido no seu porte, no seu rosto, no seu gesto, na sua conversação.
As nossas
impressões daqueles dias, expressou-as muito bem um dos que lá estavam em 1954,
o português Hugo de Azevedo, na biografia que dedicou bastantes anos mais tarde
ao Beato Josemaría, com o título de Uma luz no mundo. Devo dizer que as
suas impressões pessoais coincidem, ao pé da letra, com as minhas e as dos
outros que estávamos lá:
“O que é
admirável para quem, como eu, conviveu com ele nessa época, é não nos termos
dado conta de nada, é não recordarmos qualquer diferença de disposição, de
vitalidade, de alegria. Dera-nos dias antes duas meditações diárias durante um
retiro, na Semana Santa, e com que vibração nos impulsionava à luta interior e
ao apostolado!”[NOTA DE RODAPÉ: Prumo-Rei dos Livros, Lisboa, 1988, pág. 256.]
TER A CRUZ É TER A
ALEGRIA
Tudo isto é,
certamente, admirável, e o foi para nós na época. Agora, com o conhecimento
mais aprofundado da vida do Bem-aventurado Josemaría Escrivá, é preciso dizer
que, embora seja muito admirável, não é surpreendente, pois na vida santa do
Fundador do Opus Dei a paciência heróica, no meio de muitos padecimentos
físicos e sobretudo morais, foi uma constante, uma santa “rotina”.
Referindo-se
a alguns momentos da década de 1940, em que as dolorosas investidas – sobretudo
as calúnias – recrudesciam, ele próprio confidenciaria anos mais tarde:
“Para nos
tornar mais eficazes, Deus Nosso Senhor abençoou-nos com a Cruz [...]. Foram
anos duros, porque faziam chegar essas calúnias até o mais alto da Igreja,
semeando desconfianças e receios para com a Obra. Eu calava-me e rezava [...].
Chegou um momento em que tive de ir uma noite ao sacrário, a dizer: Senhor – e
custava-me, custava-me... e me caíam umas lágrimas!... –, se Tu não precisas da
minha honra, eu para que a quero?”[NOTA DE RODAPÉ: Salvador Bernal, Perfil
do Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1978, págs. 333, 334 e 371.]
Paciência é
isso! Um grande amor que sabe sofrer e que, justamente por ser amor, sofre com
generosidade, com grandeza, com desprendimento total de si mesmo e aceitação
plena da Vontade de Deus, com abandono nas mãos do Pai e com alegria. Que bem
no-lo ensinava Mons. Escrivá! É por isso que os textos que contêm a sua
mensagem, para os que pudemos conhecê-lo de perto, são verdadeiros latejos da
sua própria alma, sangue das suas veias. Passava para o papel o que vivia
ardentemente. Daí que nos seja impossível ler com frieza, como se fossem apenas
exortações piedosas ou exposições doutrinais, textos como os seguintes:
“Ter a Cruz é
ter a alegria: é ter-te a Ti, Senhor!” “Quando se caminha por onde Cristo
caminha; quando já não há resignação, mas a alma se conforma com a Cruz – se
amolda à forma da Cruz –; quando se ama a Vontade de Deus; quando se quer a
Cruz..., então, mas só então, é Ele quem a leva”.
“Sinais
inequívocos da verdadeira Cruz de Cristo: a serenidade, um profundo sentimento
de paz, um amor disposto a qualquer sacrifício [...], e sempre – de modo
evidente – a alegria: uma alegria que procede de saber que, quem se entrega de verdade,
está junto da Cruz e, por conseguinte, junto de Nosso Senhor”.
Ou ainda
expansões como a desta confidência pessoal: “Quando vos falo de dor, não vos
falo apenas de teorias [...]. A doutrina cristã sobre a dor não é um programa
de consolos fáceis. É, em primeiro lugar, uma doutrina de aceitação do
sofrimento, que é de fato inseparável de toda a vida humana. Não vos posso
ocultar – com alegria, porque sempre preguei, e procurei viver, que onde está a
Cruz está Cristo, o Amor – que a dor tem aparecido freqüentemente na minha
vida...”[NOTA DE RODAPÉ: Cf. Forja, Quadrante, São Paulo, 1987, ns. 766,
770, 772; e Vázquez de Prada, obra citada, pág. 269.]
A arte de
sofrer sorrindo, de que foi exímio mestre o Fundador do Opus Dei, é uma arte
contagiosa. É o que vamos ver na nossa segunda história de amor paciente.
UMA CURTA BIOGRAFIA
Mons. Escrivá
esteve à beira da morte no dia de Nossa Senhora de Montserrat, 27 de abril de
1954. A nossa segunda história focaliza uma moça, nascida em Barcelona no dia
10 de julho de 1941, que havia recebido no Batismo esse nome, Montserrat, em
honra da Padroeira da sua terra. Familiarmente, os pais, irmãos e amigos a
chamávamos Montse, e digo “chamávamos”, porque me unia, e ainda me une, à
distância de um oceano, uma entranhada amizade com seus pais, Manuel e Manolita
Grases.
Montse foi
também filha do Bem-aventurado Josemaría Escrivá, pois pediu a admissão no Opus
Dei, entregando a sua vida inteira a Deus, no dia 24 de dezembro, véspera do
Natal de 1957. Pouco depois, uma leve e persistente dor na perna esquerda deu o
primeiro sinal do que viria a diagnosticar-se como um câncer incurável, sarcoma
de Ewing, que – após meses de intensas dores – veio a causar a morte daquela
menina de 17 anos, no dia 26 de março de 1959, Quinta-feira Santa.
Resumida
assim, em pouquíssimas linhas, essa biografia tão curta, tão cedo truncada,
parece muito triste. Parece, mas não é.
Diga-se, já
de começo, que Montse, a segunda de uma família de nove irmãos – profundamente
católica e unidíssima –, foi sempre uma moça direita e pura, bonita, simpática,
esportiva, divertida, religiosa sem beatice e absolutamente normal. E como faz
parte da normalidade ter, ao lado de belas virtudes, alguns defeitos, Montse
também os tinha – não nasceu com auréola de santa –, e é muito importante ter
isso presente ao ler o que vem a seguir.
Montse, que
era prestativa e sacrificada, de coração sensível, generoso e bom, era também
voluntariosa e geniosa. Ai de quem a contradissesse ou pretendesse fazer-lhe
uma desfeita! Sem grosserias nem violências – que não eram do seu feitio –,
reagia desde muito menina como pessoa que não leva desaforo para o seu cantinho
nem tem um braço fácil de torcer. Por outras palavras, em uma porção de coisas,
era “insofrida”, ou seja, era impaciente. Sabendo disso, as pinceladas que se
dão a seguir ganham um sentido maior.
UM PROCESSO ACELERADO
Quando se
lêem os depoimentos e testemunhos dos que estiveram mais perto dela desde o
início das dores (dezembro de 1957) até a morte (março de 1959), observa-se um
denominador comum. Todos eles salientam que, naqueles quinze meses, houve, não
uma mudança instantânea – lampejo de um dia –, mas um processo
assombroso, contínuo, crescente, de amadurecimento no amor e nas virtudes, que
transformou profundamente Montserrat. Um crescimento interior tão espantoso,
que todos os que a conheceram encararam como algo natural que se iniciasse o
seu Processo de Beatificação e Canonização em dezembro de 1962.
Ao longo de
toda a evolução da doença, Montse esforçou-se por levar, até o limite das suas
forças, uma vida normal. Queria ser fiel ao que a sua vocação para o Opus Dei
lhe pedia: a santificação pessoal e o apostolado no meio do mundo, dentro da
normalidade da vida diária, no cumprimento amoroso e acabado dos deveres
cotidianos.
Viver assim –
com alegre simplicidade, sem chamar a atenção – representava um esforço que
conseguiu praticar rezando muito e lutando muito por corresponder à graça de
Deus.
Até os
últimos dias, quando, já imóvel na cama, mal podia falar, fez um esforço
heroicamente fiel para cumprir os propósitos espirituais a que se tinha
comprometido livremente com Deus: duas meias horas de oração mental diária,
terço, leitura do Evangelho e de algum livro espiritual (só ouvindo ler, já no
final), exame de consciência noturno, que jamais desleixou, etc. Morreu
acompanhando o segundo mistério do terço do dia, que a sua mãe e um grupo de
amigas rezavam ao pé da sua cama.
O SEGREDO DE UMA IMENSA
PAZ
Dessa vida de
oração, dessa luta denodada por procurar uma união cada dia maior com Deus,
vinham-lhe as forças para abraçar a Vontade divina – a doença, a dor e a morte –
e para, não digo aceitar, mas amar de todo o coração a Cruz que Cristo lhe
oferecia, para estar junto dEle no sofrimento salvador. Daí a alegria. Que bem
entendeu, vivendo-as, as palavras mil vezes repetidas pelo Bem-aventurado
Josemaría Escrivá: A alegria do cristão tem as suas raízes em forma de Cruz!
Com palavras do Fundador, que meditava sobretudo no livro Caminho,
Montse repetia: “Jesus, o que tu quiseres, eu o amo!”[NOTA DE RODAPÉ: Caminho,
n. 691.]
Daí vinham a
serenidade, a paz profunda e o constante sorriso que deixavam desnorteadas as
pessoas. Uma grande amiga de Montse, Rosa Pantaleoni, lembra que, entre 2 de
julho e 13 de agosto de 1958, acompanhou-a em várias das trinta sessões de
radioterapia a que foi submetida. “Quando íamos a essas sessões, todas as
enfermeiras perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo de conversa e
acabava perguntando pelas coisas delas. Fez-se muito amiga de uma enfermeira:
soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos desenhos e dos
problemas da outra... Às vezes, quando terminávamos, a enfermeira dizia-me: – «Como
é simpática, alegre e carinhosa esta menina! Mas nunca fico sabendo se a perna
lhe dói ou não. Você sabe?» E eu lhe respondia: – «Eu também não sei»“.
Doía, porém,
e doía muito. A própria Rosa contará que, “no momento de lhe fazerem os
curativos, sofria uma barbaridade. Pelos outros. Ela sempre sofria pelos outros”.
Tudo oferecia pela felicidade dos outros, a felicidade que – ela bem o sabia –
só se encontra junto de Deus.
Nesse
contexto, pode-se avaliar o caráter significativo do seguinte detalhe. Em
dezembro de 1958, conseguiu ser levada de carro, a duras penas, ao Centro do
Opus Dei que freqüentava em Barcelona, um Centro cultural chamado Llar. Eram os
primeiros dias desse mês, e as estudantes praticavam o delicado costume cristão
da Novena à Imaculada Conceição.
“Montse –
lembra ainda Rosa – queria ir à Novena para rezar a Nossa Senhora. Terminada a
Novena, ficava em Llar falando com as estudantes que tinham comparecido e
fazendo apostolado, ainda que teria estado muito mais confortável em sua casa,
na cama [...]. Mas achava que não tinha o direito de pensar em si mesma quando
havia tantas pessoas a quem podia aproximar de Deus”. Num desses dias da
Novena, em que o oratório estava repleto, com umas sessenta moças, “lembro-me –
é sempre Rosa quem conta – de que Montse estava sentada, com a perna apoiada em
cima do assento de uma cadeira, porque já não a podia flexionar e nessa posição
se sentia melhor. Como sempre, procurava não chamar a atenção. Naquele momento,
entrou uma estudante que, na penumbra, não percebeu que Montse tinha a perna
apoiada na cadeira e lhe perguntou: – «Está livre?» Ela sorriu e respondeu: – «Sim,
sim, por favor, sente-se»..., e foi retirando a perna sem que a outra
percebesse, cedendo-lhe o lugar”.
A moça
voluntariosa e um tanto caprichosa, agora sorria à contrariedade e a amava,
como conseqüência do seu amor a Deus; e ainda, no meio de tantos gestos de
singelo heroísmo, desculpava-se às vezes: – “Que pouco sofrida eu sou, não é
verdade? Olhe que vergonha”...
UMA LUTA ENAMORADA NO
MEIO DA DOR
Amadureceu
amando muito, e por isso aprendeu a arte de sofrer com alegria, que é uma arte
essencialmente cristã e que se designa – como sabemos – pela palavra paciência.
Montse
agonizou numa dura “forja de dor” – como diria Mons. Escrivá – e morreu
consumida pela doença. Mas agonizou alegre e morreu feliz. Na véspera da morte,
abrindo os olhos, viu as suas amigas perto dela: – “Eu lhes quero muito a todas
– disse-lhes –, mas a Jesus muito mais!”. Passou as últimas horas daquela
Quinta-feira Santa apertando estreitamente o seu crucifixo, dizendo com voz
quase inaudível a Nossa Senhora: “Mãezinha, quanto te amo! Quando virás
buscar-me?”, e invocando uma e outra vez o nome de Jesus.
Anos depois
da sua morte, Enrique, o irmão mais velho, que é sacerdote da diocese de
Barcelona, comentava: “A sua Cruz foi muito dolorosa. Às vezes comentam-me,
quando a recordam tão alegre e tão feliz, que ela sentia até gosto no meio da
dor... Não, isso não é verdade. Falar assim poderia soar a masoquismo, porque
aquilo não era uma dor convertida em gosto; era uma dor convertida em amor, e
em luta para poder continuar a ser fiel a si mesma, a nós e a Deus, mas
continuava a ser uma dor que a dilacerava, que a desfazia. Sofreu – eu o vi –
tremendamente: mas era uma luta enamorada, no meio da dor, para encontrar
Cristo Crucificado. Em meio a essa dor, junto de Cristo, nunca esteve só. Se
Deus está ao meu lado – pensou – e me pede isto, será porque é possível; e se
Ele o quer, Ele me ajudará... Montse, graças à dor, deu-nos o melhor de si
mesma”[NOTA DE RODAPÉ: Todos os fatos e depoimentos citados estão extraídos do
livro de J. M. Cejas, Montse Grases. La alegría de la entrega, Rialp,
Madrid, 1993.].
Depois destes
comentários, não perguntemos mais o que é a paciência, vista com olhos
cristãos, nem o que é o amor que sabe sofrer. Nada há a acrescentar.
NUM CONSULTÓRIO
PSIQUIÁTRICO
Restam-nos
duas histórias, que podem relatar-se em muito poucas palavras. São ambas
narradas pelo professor de psiquiatria e escritor J. A. Vallejo-Nágera, no seu
livro Concerto para instrumentos desafinados[NOTA DE RODAPÉ: Concierto
para instrumentos desafinados, Argos-Vergara, Barcelona, 1981, págs. 162 e
segs.]. Trata-se de algumas das muitas recordações que o médico registra como “momentos
do coração” no seu trabalho diário.
O primeiro
caso é o de um tradutor diplomado. Foi-lhe diagnosticado um câncer de pulmão, e
simultaneamente deram-lhe a notícia de que lhe restavam poucos meses de vida.
Homem de pouca fé, à diferença dos protagonistas dos dois exemplos anteriores,
procurava no psiquiatra as soluções que não conseguia encontrar em Deus.
Pensava na esposa e tremia ante a possibilidade de fazê-la sofrer:
– Temo que me
falte coragem e serenidade, e que assim amargure os nossos últimos meses de
convívio. Fisicamente, creio que posso agüentar; só temo falhar
psicologicamente. Foi por isso que vim, para ter uma orientação técnica, um
ponto de apoio, e poder dissimular até o final ou fingir que não sofro. Quando
a minha mulher ficar sabendo a verdade, se ela julgar que eu não estou
sofrendo, conseguirei aliviar-lhe este calvário que não lhe posso evitar.
Causa uma
certa angústia esse sofrimento pendurado no vazio de um bom coração que não
conhece a Deus. Mas, sem dúvida alguma, havia uma enorme grandeza no seu desejo
de ser autenticamente paciente. Esse homem bom tinha muito amor à
esposa, e estava procurando forças para conseguir que esse seu amor aprendesse
a sofrer.
O segundo
caso, paradoxalmente, é o de um sacerdote cheio de fé, que também procurava no
psiquiatra um conselho para sofrer melhor. O médico narrador conta-nos que era
um padre humilde, “tão insignificante que nem sequer era ridículo”. Tinha
dedicado a vida, até aos sessenta e tantos anos, à sua tarefa de bom pastor das
almas, especialmente cuidando das doenças espirituais no confessionário. Desde
fazia algum tempo, tinha-se-lhe manifestado uma depressão endógena grave –
assim a qualifica o especialista –, com as suas seqüelas mórbidas e
características de tristeza, desconsolo, remorso, pessimismo esmagador e perda
do desejo de viver.
O sofrimento
era grande. Mas, nesse caso, o médico comoveu-se porque o paciente não parecia
querer consolo nem compaixão. “Também não parecia muito interessado no alívio
do tormento... Que queria, então? Queria continuar a amar”.
– Até agora –
dizia o padre ao doutor –, tenho levado uma vida sem pena nem glória. A Glória,
eu a espero para depois, no Céu, e sei que é preciso adquiri-la por meio da
pena. Recebi com gratidão o fato de Deus me ter enviado no final da vida a
minha cruz; estava até desejando ter uma para poder carregá-la. Bendigo a Deus
todos os dias por ter-se lembrado de mim no final, quando já me resta muito
pouco tempo de vida e parecia ter perdido qualquer oportunidade de ganhar
alguns méritos. Mas estou notando que agora, no confessionário, na direção
espiritual, não sinto as coisas como antes, como ao longo de toda a minha vida,
com entusiasmo por ajudar, com esse carinho espontâneo cheio de ansiedade, de
necessidade de aliviar os que recorrem a mim. Consigo dar conselhos porque o
cérebro funciona, mas não os sinto com o coração, e isso soa-me a nota falsa,
artificial, e não posso consolar os meus fiéis como antes. Nunca me tinha
acontecido isto; tem que ser uma doença. É o que lhe peço que me cure. O resto
irá passando com o tempo, e, se não, louvado seja Deus!
Esta história
que parecia começar tão mal, termina tão bem! É mais um clarão sobre a virtude
da paciência. Aquele padre zeloso, desprendido e humilde, sentia-se muito doído
e confuso, não por estar doente, mas porque a doença lhe tornava difícil manter
a vibração do amor e transmitir conforto e alegria.
Não é preciso
aduzir mais exemplos para sentir, como um desafio, uma pergunta que se dirige a
cada um de nós: Quando nos decidiremos a amar? Quando resolveremos, enfim,
esquecer-nos de nós mesmos, ser generosos e viver para dar, para edificar?
No dia em que formos capazes de começar a viver assim, estaremos começando a
levantar o véu que nos encobre a pedra preciosa da paciência.
DEMORAS,
CANSAÇOS E ARDORES
RAÍZES ILUMINADAS
Há cerca de
dois anos, chegou-me às mãos um recorte de jornal que me sensibilizou
profundamente. A autora do artigo, uma professora de uns trinta e poucos anos,
evocava a memória de seus pais, já falecidos, que tinham sido em tempos idos
meus conhecidos. O artigo foi escrito por ocasião da Beatificação do Fundador
do Opus Dei e continha uma dupla homenagem: ao Bem-aventurado Josemaría Escrivá
e aos pais da autora, que tinham sabido encarnar na vida do lar a
espiritualidade aprendida do Beato Josemaría.
O leitor há
de permitir-me que introduza nestas páginas algumas citações desse artigo.
Maria Antônia
– assim se chama a professora – conta a redescoberta que fez da “alma” de seus
pais quando, depois de ambos terem falecido, remexia com carinho filial nos
seus escritos, cartas e apontamentos, e especialmente na correspondência que o
pai tinha mantido com Mons. Escrivá.
“Até que
ambos tornaram a reunir-se na vida eterna, havia muitos aspectos da vida
interior deles que eu só podia intuir – escreve a filha –. Captava-se a força
do exemplo, a força da vocação dos dois, mas, como é lógico, perdiam-se muitos
matizes, que ficavam só na intimidade deles. Através de alguns excertos da
correspondência encontrada, aprendi algumas coisas que agora tento transmitir”.
Olhando para
trás, Maria Antônia evoca a progressiva descoberta que foi fazendo de muitas
coisas maravilhosas que teciam, por assim dizer, o ambiente de seu lar, e que
hoje percebia que não estavam lá por acaso nem por geração espontânea, mas como
fruto do espírito cristão, generosamente vivido e cultivado pelos pais, num
dia-a-dia amoroso, abnegado, paciente.
“Meus pais já
eram do Opus Dei naqueles duros anos 50 de Barcelona, quando eu ainda não tinha
nascido. À medida que fui tendo uso de razão e tornando-me mais consciente do
que me rodeava, julguei sempre que o ambiente reinante na minha família, a
educação que estávamos recebendo, e que tantas vezes tenho agradecido a Deus,
fosse a normal em todas as famílias. Com o decorrer dos anos, fui percebendo
que nem de longe era tão normal. Os princípios dessa educação eram bem
claros: uma grande liberdade, baseada no senso de responsabilidade inculcado
desde crianças; otimismo e alegria fundamentados claramente na fé, pois não
faltaram dificuldades e obstáculos em todo o caminho terreno de meus pais; uma
sólida formação na doutrina cristã, unida a um modo positivo de nos sugerir,
sem impor, detalhes de vida de oração, e uma profunda e arraigada devoção a
Nossa Senhora, a quem todos considerávamos e continuamos a considerar a
especial intercessora para os assuntos familiares. Ficou-me muito claro que um
dos pilares básicos para que esse ambiente familiar se mantivesse era o fato de
que, em todos os momentos, o exemplo de meus pais, os seus atos, iam na frente
das palavras. Passados os anos, percebi, sem que eles nada me dissessem, que
aquilo era o espírito do Opus Dei”...
A filha
relembra comovida as dificuldades financeiras por que a família numerosa
passou, e os equilíbrios que o pai era obrigado a fazer para conjugar aulas na
Faculdade, onde era professor, práticas de laboratório, trabalho em uma
fábrica, preparação de um concurso e ainda aulas particulares. E relata a
emoção que sentiu quando, folheando a correspondência paterna, descobriu que
Mons. Escrivá tinha transcrito, no ponto 986 do livro Sulco, palavras de
uma carta de seu pai: “Não irá rir, Padre, se lhe disser que – faz uns dias –
me surpreendi oferecendo ao Senhor, de uma maneira espontânea, o sacrifício de
tempo que supunha para mim ter de consertar um brinquedo estragado de um dos
meus filhos? – Não sorrio, fico feliz! Porque, com esse mesmo amor, Deus se
ocupa de recompor os nossos estragos”. “Tenho – comenta a filha – recordações
muito vivas dessas cenas: as bonecas descabeçadas ou sem pernas, a peça que
precisava ser colada..., tudo isso nós sabíamos que, deixando-o na mesa do
escritório de papai, tornaria a adquirir rapidamente a sua forma original. Que
pouco valorizávamos, naquela altura, o ato heróico que podia significar para
ele o fato de gastar dez ou quinze minutos! Mas como o valorizava aquela alma a
quem Deus, através do espírito do Opus Dei, lhe saía ao encontro nesses
pormenores minúsculos, mas grandiosos, por estarem cheios de amor”.
“Mais de uma
vez – acrescenta a filha – tenho esclarecido em público que eu não seria o que
hoje sou, se não tivesse recebido a educação que meus pais me deram, se não
tivesse tido o seu exemplo em face de tantas contrariedades e situações
difíceis – entre elas a morte de dois filhos – por que Deus permitiu que
passassem”[NOTA DE RODAPÉ: Maria Antônia Virgili, Jornal El Norte de
Castilla, Valladolid, 16.05.1992.].
Essa
perspectiva de tantos anos de entrega constante e amorosa dos pais iluminou aos
olhos dessa mulher as suas próprias raízes. Entendeu-se melhor a si mesma,
projetando as suas lembranças sobre o fundo luminoso da dedicação paciente,
contínua, calada, carinhosa de seus pais cristãos.
OS FRUTOS DOURADOS DA
PACIÊNCIA
Ao captar
mais lucidamente a riqueza do exemplo dos pais, Maria Antônia pôde compreender
também uma dimensão preciosa da virtude da paciência, de que agora vamos
ocupar-nos: a da fidelidade persistente, que é feita de amor generoso e
constante; uma paciência que não se cansa do sacrifício, que não tem pressa em
cobrar resultados, que não desanima quando os esforços parecem baldados e os
frutos ainda não se vêem. Esta era a paciência que brilhava, com seu halo doce
e envolvente, na recordação dos pais.
Todos nós
temos experiência de quanto custa persistir nos esforços ou atitudes que exigem
sacrifícios continuados e não trazem compensações imediatas. Não é fácil lutar,
manter-se firme no empenho, e ver que tudo demora a realizar-se, a concluir-se,
a chegar.
A nossa
paciência é testada sempre que temos de aguardar, esperar, voltar, tentar uma e
outra vez: desde a interminável espera num consultório dentário até o desgosto
do casal de namorados que precisa adiar de novo a data do casamento, porque não
têm condições de financiar o apartamento. Com razão diz Hildebrand que “a
impaciência se relaciona sempre com o tempo”[NOTA DE RODAPÉ: Dietrich von
Hildebrand, A nossa transformação em Cristo, Aster, Lisboa, 1960, pág.
204.].
Mas todo
aquele que quiser conseguir alguma coisa de real valor na vida, não terá outro
remédio senão armar-se de paciência e esperar. Demora-se, necessariamente, a
ser um profissional experiente; demora-se a amadurecer por dentro até corrigir
pelo menos alguns dos defeitos pessoais; demora-se a suavizar arestas no
casamento e, aos poucos, ir-se ajustando à base de mútuos perdões e sorridentes
renúncias; demora-se a criar um bom ambiente familiar; demora a vida inteira a
autêntica formação dos filhos.
“Aprendi a
esperar – dizia Mons. Escrivá –; não é pouca ciência”. Mas é importante termos
muito presente que esse “esperar” não significa “aguardar” passivamente. Consiste,
como estamos vendo, em persistir fiel e confiadamente no cumprimento da nossa
missão, do nosso dever – do dever religioso, moral, familiar, profissional... –,
durante todo o tempo que for preciso, com aquela convicção que animava Santa
Teresa: “A paciência tudo alcança”.
A essa
paciente espera se refere o Apóstolo São Tiago, quando nos põe diante dos olhos
a imagem do lavrador: Tende, pois, paciência, meus irmãos [...]. Vede
o lavrador: ele aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a
chuva do outono e a da primavera. Tende também vós paciência e fortalecei os
vossos corações (Ti 5, 7-8).
Não é verdade
que estas palavras nos lembram muitas coisas pessoais? Os frutos dourados da
vida só se conseguem com uma luta constante, unida a uma paciência fiel. Mas
quanto custa seguir o conselho do Apóstolo! Muitas vezes já fomos como aquela
criança a quem a mãe tinha oferecido uma planta que, com o tempo, iria dar
flores. “Mas, quando os botões surgiram, não sabíamos esperar que abrissem.
Colaborávamos no seu desabrochar triturando-as, separando talvez as pétalas,
para que a floração fosse mais rápida. Nódoas escuras apareciam então, e as
flores estiolavam, murchavam...”[NOTA DE RODAPÉ: Romano Guardini, O Deus
vivo, Aster, Lisboa, s/d, pág. 71.]
Quantas
coisas, na vida, não estiolam por cansaços impacientes que nos levam a
desistir! Na vida familiar, os exemplos são gritantes. Talvez hoje seja mais
necessário do que nunca recordar aos casais que a felicidade que procuram, sem
saber bem como achá-la, nunca a conseguirão como fruto do egoísmo defendido de
qualquer incômodo, mas como fruto do amor fielmente paciente, do amor
cristão. E da mesma coisa deveriam lembrar-se todos os que começaram alguma
vez, movidos por um alegre impulso da graça, a esforçar-se decididamente por
viver o ideal e as virtudes cristãs. A maior ameaça contra esse bom propósito,
mais do que nas fraquezas e nas reincidências no erro, encontra-se no cansaço,
na sensação de que “não adianta continuar”, ou de que “custa demais conseguir”,
ou seja, na falta de paciência para ir avançando aos poucos, à força de começar
e recomeçar.
Nós gostamos
de que as coisas nos sejam dadas logo. Deus sabe que as almas e as
coisas precisam ter as suas estações. Temos que aprender, por isso, a ser bons
semeadores, que esperam a colheita sem pressas inquietas e perseveram sem
desânimos exaustos.
Semear é
duro. É enterrar o grão e nada ver. Isso exige fé e desprendimento. Eu dou a
semente do meu esforço, do meu empenho, do meu sacrifício, da minha oração, e
espero, vigilante, até que dê o seu fruto, enquanto continuo, solícito, a zelar
pelo campo: rego, limpo, podo, adubo, protejo... Só com essa paciência ativa é
que um dia virá o fruto: o fruto da fé, amadurecida a partir da persistência na
oração, nos sacramentos, na formação; o fruto dos valores cristãos finalmente
arraigados nos filhos; o fruto das virtudes pessoais que desabrocham e se
firmam; os frutos do apostolado.
Todos nós já
exclamamos mais de uma vez: “Que paciência!”, ao admirarmos obras humanas
magníficas, que só se explicam por uma longa aplicação, por um trabalho
meticuloso, prolongado e imensamente paciente. É assim que louvamos, por
exemplo, os bordados delicadíssimos e artísticos de uma enorme toalha de mesa
feita à mão. É assim também que admiramos o trabalho da vida inteira de um
pesquisador, que foi coligindo, exaustivamente, um incrível acervo de dados
sobre uma matéria até então ainda não estudada. – “Que paciência!”, dizemos.
Pois bem, uma paciência igual, pelo menos, e um esmero e uma tenacidade
análogos, são os que Deus nos pede para cultivarmos em nós e à nossa volta a
vida e as virtudes cristãs.
A paciência
produz a virtude comprovada, diz São Paulo (Rom 5, 4). E São Tiago repisa o
mesmo ensinamento ao escrever: É preciso que a paciência efetue a sua obra,
a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma (Ti 1, 4). Pela
vossa paciência possuireis as vossas almas, havia já dito Jesus (Lc 21,
19).
É muito
sugestivo o fato de que, nesses três textos, como em tantos outros da Bíblia, a
mesma palavra que significa paciência inclua também o sentido de perseverança,
de persistência fiel.
AS DEMORAS DE DEUS
No mundo em
que vivemos, bêbado de acelerações, ultrassônico nas mudanças e doente de
impaciências, a bela arte do amor paciente é muito necessária. A virtude da
paciência é uma terapia de que o mundo atual precisa muito.
Mas, num
ambiente em que o egoísmo pensa que “para mim tudo tem que ser antes e ao meu
gosto” e o comodismo exige “tudo rápido, para já e com o menor trabalho
possível”, a impaciência grassa largamente e faz a festa. E é natural que se
mostre, a toda a hora, em forma de cansaço insofrido, unido a uma revolta
irritada. Não é estranho que, nesse clima, as impaciências acabem cedo ou tarde
por arremessar-se contra Deus.
Tal é o caso,
não infreqüente, dos que chegam a duvidar da bondade de Deus e sentem
abalar-se-lhes a fé quando julgam que “Deus não os escuta”, pois – segundo
pensam – não atende aos seus pedidos nem os livra das suas aflições.
Alguns falam
então do “silêncio de Deus”, insinuando – ou afirmando claramente – que Deus
não se interessa pelas suas criaturas, mas permanece na olímpica solidão dos
céus, alheio às tribulações e anseios dos homens. Um bom número de casos de
agnosticismo, ou de ateísmo inconsistente (será que há algum ateísmo que não
seja inconsistente?), ou de ceticismo mais ou menos cínico, tomaram pé em
alguma decepção. Esperava-se algo de Deus, e não aconteceu. Por essa razão,
Fulano deixou de ir à Missa depois da morte do filho, pelo qual tanto tinha
rezado; Sicrano perdeu a fé após a quinta tentativa frustrada de entrar na
faculdade; e Beltrana bandeou-se para o esoterismo ao perder o último namorado.
Os “silêncios”
e as “demoras” de Deus põem à prova a nossa paciência. Mas são precisamente
essas dificuldades desconcertantes as que nos fazem compreender que uma boa
paciência jamais poderá ser erguida sobre uma fé ruim.
Uma das
primeiras verdades – inesgotável e luminosa verdade! – que Cristo nos revelou
foi a da paternidade de Deus: O vosso Pai vê, o vosso Pai sabe, o vosso Pai
cuida (cf. Mt 6, 25 e segs.). Não se vendem dois passarinhos por uma
moedinha? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade do vosso Pai. Até os
cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois! Valeis mais do
que muitos pássaros (Mt 10, 20-31).
Deus é um Pai
que sempre nos acompanha. E esse Pai está amorosamente ativo, talvez mais do
que nunca, quando parece que se cala e não intervém. “Quando nada acontece –
diz, com certeira intuição, Guimarães Rosa –, há um milagre que não estamos
vendo”[NOTA DE RODAPÉ: Primeiras Estórias, José Olympio, Rio de Janeiro,
1962, pág. 71.].
Quem vive
realmente de fé, caminha sereno e confiante na “mão” de Deus que, como víamos
acima, muitas vezes não coincide com a nossa. Ele, que é Bom Pastor de cada um
de nós, sabe, e sabe-o muito bem, por onde nos leva e nos traz. Ainda que
atravesse as sombras da morte, nada temerei, porque Tu estás comigo (Sl 23,
4). Ele nos dá, ou permite que nos aconteça, aquilo que – embora não o
entendamos – mais nos convém, sempre com vistas à nossa verdadeira realização,
que é a que floresce e se completa na vida eterna: Não temais aqueles que
matam o corpo, mas não podem matar a alma (Mt 10, 28). Não temas, meu
pequeno rebanho, porque foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino (Lc 12,
32).
Quem vive de
fé, entende muito bem, por isso, o belo conselho do Eclesiástico: Sofre as
demoras de Deus. Dedica-te a Deus, espera com paciência [...]. Aceita
tudo o que te acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência.
Pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a
Deus pelo cadinho da tribulação (Ecli 2, 3-5).
O MILAGRE QUE NÃO
ESTAMOS VENDO
O “milagre
que não estamos vendo” consiste no que São Paulo via com lúcida fé e expressava
com esplêndida convicção: Nós sabemos que Deus faz concorrer todas as coisas
para o bem daqueles que o amam (Rom 8, 28). Se tivermos amor a Deus, tudo,
absolutamente tudo – o que chamamos sorte e o que chamamos infortúnio, o que é
um sucesso no mundo e o que é um fracasso, a satisfação e o sofrimento, a saúde
e a doença, a vida e a morte –, tudo acabará sendo conduzido por Deus, com a
sua soberana e misteriosa “alquimia”, para algo que resultará num bem para nós.
Mons. Escrivá
costumava dizer que a nossa vida é uma preciosa tapeçaria, que Deus vai urdindo
conosco – com a nossa liberdade – aos poucos, fio a fio. Habitualmente, nós só
a vemos pelo avesso, enquanto é tecida na oficina do dia-a-dia. Por isso, tudo
nos parece com freqüência uma confusão de fiapos soltos e de figuras bizarras.
Vez por outra, porém, Deus deixa-nos olhar por uns instantes a tapeçaria pela
frente, e então ficamos pasmados ao dar-nos conta da sua harmonia e do seu
esplendor. A vida, quando já foi um pouco longa e procurou não se afastar de
Deus, oferece-nos de quando em quando alguns desses lampejos de lucidez:
entendemos que foi bom o que antes repudiávamos como mau, e captamos o porquê
de certas coisas que, na altura, nos pareciam absurdas e sem sentido.
Alguns santos
tiveram o privilégio de contemplar, felizes, a tapeçaria de uma vida inteira na
sua harmonia total. Tal foi o caso de Santa Teresa de Ávila que, após concluir
a sua autobiografia, escrita por obediência aos superiores, remeteu o
manuscrito a Frei Garcia de Toledo, com uma carta na qual, a todas as
tribulações, fadigas, dores e contrariedades relatadas, chamava belamente “as
grandes misericórdias com que Deus me cumulou”[NOTA DE RODAPÉ: Livro da Vida,
3ª. ed., Vozes, Petrópolis, 1961, pág. 360.].
Também o
Bem-aventurado Josemaría Escrivá, três meses antes de deixar esta terra,
ponderava na sua oração as vicissitudes – muitas delas duríssimas – da sua
longa vida, e dizia: “Um olhar para trás... Um panorama imenso: tantas dores,
tantas alegrias. E agora tudo alegrias, tudo alegrias... Porque temos a
experiência de que a dor é o martelar do Artista, que quer fazer, dessa massa
informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo... Senhor, obrigado por tudo,
muito obrigado!”[NOTA DE RODAPÉ: S. Bernal, obra citada, pág. 416.]
É bem verdade
que um clarão de Deus pode mostrar-nos, às vezes, a tapeçaria inteira. Mas o
normal é que, na penumbra desta terra, Deus nos peça fé. Ele não deixará de nos
dar a graça necessária para aceitarmos com paciência e confiança as suas “demoras”
e os seus aparentes “silêncios”. A nós toca-nos dizer, amorosamente, com o
salmista: Mantenho em calma e sossego a minha alma. Tal como a criança no
regaço de sua mãe, assim está a minha alma no Senhor. [...] Põe a tua
esperança no Senhor, agora e para sempre (Sl 131, 2-3).
A SANTA IMPACIÊNCIA
O que
acabamos de dizer, aproximando-nos já do final destas páginas, não estará
porventura incentivando uma paciência feita de calma passividade, de abandono
nas mãos de Deus, muito confiante, mas também excessivamente inerte?
Não. Quando
um cristão repete, com o salmo: Só em Deus repousa a minha alma, é dEle que
me vem a paciência (Sl 62, 6), não está fazendo a oração das cômodas
desistências, como se dissesse: – “Eu durmo tranqüilo reclinado sobre o peito
do meu Deus, desligo-me de tudo, e Ele que faça o que julgar melhor”.
O bom cristão
é sempre parecido com São João, pelo menos em uma coisa: o seu modo de repousar
em Deus consiste em reclinar a cabeça sobre o Coração de Cristo. E o Coração de
Jesus está em chamas: mais do que repousos, contagia ardores.
Queremos
saber qual é a fogueira que lhe anda no peito? Ouçamos umas palavras que
pronunciou pouco antes da sua Paixão, e que deixam entrever as labaredas da santa
impaciência que o consumia por dentro: Eu vim lançar fogo à terra, e que
quero senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo [o derramamento
salvador do seu sangue], e quanto anseio até que ele se cumpra! (Lc 12,
49-50).
O Senhor
aguardava, ansioso, a “sua hora”, o momento em que levaria à plenitude, no alto
da Cruz, a obra redentora, e esse desejo queimava-o por dentro. Queria com
todas as suas forças – disposto a dar a vida até à última gota de sangue – que
a Verdade e a Vida divinas se alastrassem em chamas por toda a terra. E aguardava
essa hora – deixando na mão do Pai os tempos e os momentos –, em serena e
fervente tensão. Não vivia a calma passividade dos falsos pacientes. Era puro
fogo, brasa em crepitação.
Por isso, se
antes de encerrarmos estas linhas tivéssemos dado, nem que fosse de leve, a
impressão de que a paciência é apenas uma arte de sofrer, de aceitar, de
persistir no sacrifício, e mais nada, estaríamos deixando o leitor com
um equívoco na alma. “A paciência cristã – diz um autor – nada tem a ver com os
temperamentos fleumáticos [...]. O fleumático nunca se impacienta, porque para
ele nada existe que o comova interiormente [...]. Quem não tem interesse por
alguma coisa, é natural que possa esperar muito tempo: nunca perderá a calma,
nunca experimentará a urgência estimulante, nunca sentirá impaciência”[NOTA DE
RODAPÉ: Hildebrand, obra citada, págs. 202-203.].
Mas aquele
que possui o ideal cristão e experimenta o zelo pela missão que Deus lhe
confiou, não se afunda na calma inexpressiva do comodista. Estimulado por uma
nobre inquietação, tem pressa em aproveitar – por amor a Deus e aos homens –
todos os instantes da sua vida, e, sem permitir que a pressa o torne
precipitado, não deixa para amanhã o que hoje pode oferecer ao Senhor.
O quadro
completo da paciência só se abrange quando se recordam as palavras de São Tomás
de Aquino, já citadas nestas páginas: “Só o amor é causa da paciência”. É nisto
que está a autenticidade desta virtude. Aquele grande amor que, com a ajuda da
graça divina, nos dá forças para aceitar, sorrindo e de olhos postos em Deus,
as pequenas contrariedades e as grandes dores; aquele grande amor que nos dá
energia para sermos fiéis e persistir pacientemente na luta um dia após outro,
é o mesmo amor que acende na alma os grandes ideais e nos impele a realizá-los
com o maior ardor e prontidão de que a nossa inteligência e a nossa vontade
sejam capazes. A mesma paciência que aceita torna-se divinamente impaciente em
seus desejos de amar, de dar, de edificar. Não precipita atabalhoadamente as
coisas, mas tem pressa, quer andar – como gostava de dizer Mons. Escrivá – “ao
passo de Deus”, ao ritmo das graças e das oportunidades que o Senhor nos dá,
sem nada perder, sem nada atrasar.
Por isso, não
é incoerente que um livro que começou por citar e glosar a frase “Tenha santa
paciência”, termine – com o favor de Deus – espicaçando o leitor a que se lance
com brio a dar o melhor de si mesmo e a cumprir com entusiasmo a missão que
certamente Deus lhe confiou, enquanto lhe diz, como despedida: “Tenha santa
impaciência!”
ÍNDICE
INTRODUÇÃO......... ....................... 3
O homem na
calçada.. .............. 3
Três
contrariedades e duas reações.. .............. 4
A ira é
diferente. .............. 6
O ESTOJO DO MUNDO........ ....................... 9
Os belos estojos... ....................... 9
Estojos desajustados... ....................... 11
À procura do criminoso........ ....................... 13
OBTER E EDIFICAR..... ....................... 16
A mão e a
contramão. ................. 16
“Dá-me a
parte que me corresponde”.............. ................. 17
Na contramão
dos homens e de Deus.. ................. 19
O que a vida
espera de nós............ ................. 21
Querendo
edificar uma torre.. ................. 22
Exercícios de
paciência... ................. 25
HISTÓRIAS DE AMOR PACIENTE.... ....................... 30
O amor que sabe sofrer.............. ....................... 30
Um mestre de bom humor............. ....................... 31
Tudo cabe num sorriso por amor a Deus.... ....................... 33
Ter a cruz é ter a alegria............. ....................... 36
Uma curta biografia.......... ....................... 38
Um processo acelerado........ ....................... 40
O segredo de uma imensa paz...... ....................... 41
Uma luta enamorada no meio da dor..... ....................... 43
Num consultório psiquiátrico...... ....................... 44
DEMORAS, CANSAÇOS E ARDORES.. ....................... 48
Raízes iluminadas.. ....................... 48
Os frutos dourados da paciência.... ....................... 51
As demoras de Deus............... ....................... 55
O milagre que não estamos vendo ....................... 57
A santa impaciência..... ....................... 59