Francisco Faus
A TIBIEZA
E OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
[dedicatória]
Dedico esta meditação à memória,
cada dia mais luminosa,
do Pe. Ângelo Ballbé.
E a todos aqueles homens e mulheres
que, como ele,
percorrem os caminhos divinos da
terra
– no mundo ou no claustro,
no celibato ou no casamento –,
procurando com toda a sua alma
amar e seguir a Cristo,
e amar e servir o próximo.
_______________
Este caderno contém uma meditação simples e prática sobre a tibieza, preparada como subsídio para a leitura espiritual, a meditação e o exame de consciência.
Vai dirigida a todos os cristãos que desejem ser fiéis ao seu Batismo, e que – apesar das fraquezas e claudicações que a todos acompanham – , tenham decidido, ou pelo menos tenham desejado, fazer do Evangelho o seu ideal de vida, e da imitação de Cristo o roteiro do seu caminho.
Como o leitor verá, foi utilizado o recurso literário de redigir o texto em forma de oração a Nossa Senhora, cadenciada em versículos, como hoje é praxe até nos livros litúrgicos. Visou-se com isso apenas facilitar, por um lado, a atenção do leitor, e, por outro, ajudá-lo a tirar proveito do escrito, não só com a inteligência, mas também com o coração e a vontade.
Tendo presente a doutrina católica, que nos ensina que a maturidade do amor e da santidade cristã se caracteriza pela intensa e predominante ação dos dons do Espírito Santo na alma – desde que esta se esforce por purificar-se, tirar obstáculos e ser dócil ao seu suave impulso –, esta meditação seguirá, como roteiro, a consideração de cada um dos sete dons e dos modos em que a tibieza poderia tolhê-los ou enfraquecer-lhes a eficácia santificadora.
Que Maria, nossa Mãe, a quem este texto vai dirigido, nos alcance do Espírito Santo os sete Dons divinos, que nos conduzam suave e fortemente para o Amor infinito e eterno de Deus.
O autor.
*****
A TIBIEZA E OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
Mãe, livrai-nos da tibieza!
será sopro que atice em fogo vivo
as brasas de virtude que estão ocultas
sob o rescaldo
da tua tibieza
São Josemaria Escrivá: Caminho, n. 492
***
I
Santa Mãe de Deus,
Auxílio dos cristãos!
Pela intercessão de São Josemaria
– que viveu como uma "chama viva de amor",
irradiando luz e calor de Deus – ,
eu vos peço que olheis para nós
com esses vossos olhos misericordiosos
e nos livreis da doença mortal da tibieza,
que gela a alma,
asfixia o Amor de Deus
e destrói a caridade para com os nossos irmãos.
***
Lembrai-nos sempre, Mãe,
das palavras que Jesus inspirou ao vosso filho São João
na ilha de Patmos, quando escrevia o Apocalipse:
Ao anjo da Igreja de Laodicéia, escreve:
– Conheço as tuas obras:
não és nem frio nem quente.
Oxalá fosses frio ou quente!
Mas, como és tíbio,
nem frio nem quente,
estou para te vomitar da minha boca.
***
Esposa do Espírito Santo,
Mãe da divina graça!
Fazei-nos compreender que as alegrias de Deus,
que ninguém pode tirar,
só podem ser usufruídas pelas almas que se empenham
em viver a sério a santidade a que Jesus nos chamou:
Sede, pois, perfeitos,
como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
Fazei-nos entender, Mãe nossa,
que essas alegrias,
intimamente unidas à paz que o mundo não pode dar,
são fruto do Espírito Santo
– que é o Amor no seio da Trindade – ,
da docilidade à sua Graça, às suas inspirações
e, sobretudo, aos seus sete Dons.
Que vejamos que elas são
fruto da vida interior,
da união com Cristo na Cruz,
da mortificação generosa;
da vibração apostólica,
da entrega aos que ignoram e erram,
da solicitude para com os que sofrem
e da caridade para com todos.
Que compreendamos que essas alegrias
procedem somente do "fogo de Cristo"
– o divino Espírito Santo! –
que a alma em Graça leva,
como num templo,
dentro do coração.
***
Por isso, Mãe, nós vos pedimos:
– Não permitais que esse fogo se apague.
Livrai-nos do desleixo espiritual,
da moleza consentida,
da displicência nas coisas de Deus,
da piedade formal e do dever rotineiro,
da indiferença para com o próximo,
da conivência disfarçada com as tentações,
do desejo mascarado de tirar uma lasquinha
de cada um dos sete pecados capitais.
Mãe da divina Graça,
curai as chagas abertas na alma
pelo nosso egoísmo – "vento gelado"
que apaga as chamas de Pentecostes –,
e pelo nosso amor-próprio mesquinho,
que se empenha em entronizar o "eu",
com seus "gostos", "vontades" e "vaidades",
no altar do coração onde só Deus deveria reinar.
Livrai-nos de querer justificar a nossa negligência
com mil desculpas tíbias e "razões sem razão".
Fazei-nos compreender com luzes claras
que a tibieza – para dizê-lo com palavras de São Paulo –
contrista o Espírito Santo de Deus.
***
Ajudai-nos a entender especialmente, Mãe
– nesta meditação que agora iniciamos –,
que a primeira coisa
que a tibieza "afoga" na alma do cristão
– quando atraiçoamos o Amor –
são os sete dons do Espírito Santo:
Os sete Dons, Senhora!
Eles são os sete sopros do Amor da Trindade
que enfunam as velas da alma em Graça
e a dirigem, veloz, para Deus.
Eles são as brisas do Céu que,
suave e fortemente,
impelem as velas do barco da alma,
sempre que a alma a elas se abra, generosa,
e se deixe guiar, transparente,
como um diamante puro de três faces:
a fé, a esperança e o amor.
***
Eles, os sete Dons,
são as mãos do Amor divino
que guiam o leme dessa barca frágil.
São igualmente
– como os antigos diziam–
as chuvas que fecundam a alma,
e a tornam capaz de dar frutos,
os frutos do Espírito Santo
que São Paulo assim enunciava:
Alegria, paz, paciência,
amabilidade, bondade, lealdade,
mansidão, autodomínio, castidade.
Os sete Dons são ainda, Mãe
– que maravilha! – ,
indescritível esplendor de luz,
força invencível,
cálido consolo e aconchego,
e, no final da vida, nos levam
a entrar, felizes para sempre,
no próprio seio do Coração de Deus.
Por isso, Mãe, nós vos pedimos,
pela intercessão de São Josemaria,
que nos obtenhais do Espírito divino
esses sete tesouros, esses sete dons,
sem os quais é impossível que a alma
avance, de claridade em claridade,
de amor em amor,
seguindo os passos de Cristo
até alcançar a santidade e o Céu.
II
Sede da sabedoria,
Espelho da justiça!
Mãe santa,
fazei-nos amar o dom de Sabedoria,
o mais alto dos dons do Espírito Santo,
que nos faz maravilhar-nos
e saborear com gosto extasiado
– numa sintonia feliz e uma união inefável –
as grandezas de Deus,
as belezas de Deus,
as bondades de Deus,
os abismos de luz dos mistérios de Deus,
as maravilhas da Graça divina
e as exigências santas do Amor.
***
Mãe, consegui do Espírito Santo para nós,
sem falta
– atrevemo-nos a pedir-vos assim,
com ousadia –,
que cada vez nos enamore mais o Rosto de Cristo
e a Palavra de Cristo,
a Vida de Cristo
e a Morte de Cristo..
Que O procuremos com ânsia,
com uma sede que a cada dia cresça,
e estejamos decididos a imitá-Lo
e a segui-Lo,
e a abraçá-Lo
como nosso único bem,
como o nosso único
Caminho, Verdade e Vida.
Ajudai-nos, Mãe, a dizer,
com São Josemaria:
"Jesus: ver-Te, falar contigo!
Permanecer assim, contemplando-Te,
abismado na imensidade
da tua formosura,
e não cessar nunca, nunca,
nessa contemplação!
Oh, Cristo, quem Te pudesse ver!
Quem Te pudesse ver,
para ficar ferido de amor por Ti!"
De maneira muito especial, Mãe,
rogai ao Espírito divino
que acenda em nós
– como um carvão em brasa –
um amor cativado, louco,
cheio de indizíveis doçuras,
pelo mistério da Sagrada Eucaristia,
"que contém todo o bem espiritual da Igreja:
pois nela se contém o próprio Cristo".
A Eucaristia!
É neste mistério que está presente
o Amor que chegou até ao fim,
até à entrega plena da vida na Cruz,
por nós, os pecadores,
e pela nossa salvação.
Dai-nos fome desse Pão Vivo,
que nEle nos transforma,
quando nos alimenta;
e que ao mesmo tempo é nosso grande Amigo,
"que nunca atraiçoa",
sempre à nossa espera
em cada um dos Sacrários da terra.
***
Alcançai-nos, Mãe, ainda,
que, com o dom de Sabedoria,
saibamos captar com júbilo
e agradecer sem cansaço
a beleza da entrega total,
a paz profunda e o gozo sereno
da fidelidade à nossa vocação,
tanto nas horas fáceis como nas difíceis.
Que nos ensine a entoar
o cântico do coração generoso
que não quer entregar-se pela metade,
mas dar-se inteiro
a Deus e a todos os irmãos.
Coração generoso que estremece,
"com ânsias em amores inflamado",
na gloriosa esperança de chegar um dia
– conduzindo uma multidão de irmãos –
à gloriosa morada do Céu,
à fogueira indescritível de Amor
que é a Santíssima Trindade.
***
Mãe, nós vos pedimos
que o vosso Coração Imaculado
nos ajude de tal modo, que possamos proclamar
agora e na hora da nossa morte:
e acreditamos nele.
Bem sabemos que, infelizmente,
quando esse dom é expulso da alma
por nossa culpa,
as coisas de Deus se nos tornam insípidas e tediosas,
assim como os mais deliciosos manjares
se tornam repugnantes ao paladar estragado.
Fazei com que compreendamos
o que dizia o Servo de Deus Álvaro del Portillo:
"Que tristeza causa uma alma tíbia!
Uma alma que teve labaredas de amor de Deus,
de zelo pelas almas;
um coração que experimentou as alegrias da entrega generosa
e que começa a perder fogo, calor,
pouco a pouco,
até terminar na mais lamentável indiferença
perante tudo o que não satisfaz
o seu próprio egoísmo carnal ou espiritual".
Não permitais, Mãe do belo amor,
que as coisas de Deus
cheguem a nos causar jamais
nem cansaço, nem repugnância, nem tédio,
por nos termos afundado
no abismo da tibieza!
III
Nossa Senhora da Luz,
Aurora da Salvação!
Nós sabemos que a tibieza
ofusca também o dom de Entendimento,
que faz com que a nossa inteligência
capte o esplendor luminoso
das verdades reveladas por Deus
e de todas as outras luzes
– também as da reta razão –
que sinalizam o caminho da Verdade e do Bem,
de modo que o Reino de Deus
possa instaurar-se na nossa alma
e em todos os âmbitos
do mundo em que vivemos.
***
Mãe, quando nos falta esse dom,
a nossa inteligência (que Deus nos livre disso!),
mesmo que tenha tido muita luz,
fecha-se num túnel acanhado e sombrio,
e cada vez vai entendendo menos
e deturpando mais
a autêntica e única Verdade,
e o único e verdadeiro Bem.
Mãe,
eu bem sei que o coração enevoado do tíbio,
tendo olhos, não vê,
e, tendo ouvidos, não ouve.
E (o que é mais desolador)
julga ver melhor do que ninguém
e entender mais do que ninguém,
quando, não realidade,
como diz Cristo no Apocalipse,
a sua tragédia consiste em que
não sabe que é infeliz, miserável,
pobre, cego e nu.
***
Mãe, livrai-nos dessa doença insidiosa da tibieza,
que faz absurdamente compatíveis
o conhecimento da doutrina da fé,
e até as mais altas especulações
da filosofia, da teologia e da história,
com as mais baixas mesquinharias,
com as mais tolas vaidades,
com os erros mais vulgares.
E, então – é inevitável, Mãe! –
a tibieza provoca a lastimável situação
que descrevia São Paulo,
escrevendo aos Coríntios:
A ciência incha,
mas o amor edifica.
Porque é verdade que,
como dizia o mesmo Apóstolo,
e toda a ciência...,
se não tiver amor, não sou nada.
E ainda acrescentava:
O homem animal
– o puramente humano, sem a graça divina –
não capta as coisas do Espírito de Deus,
pois para ele são loucuras.
Nem as pode compreender,
porque é pelo Espírito que se devem
ponderar.
***
Por isso vos pedimos,
Santa Mãe de Deus,
a luz da fé que abre a alma
ao "esplendor da Verdade"
que nos liberta, como dizia São Josemaria,
da "visão plana, pegada à terra,
de duas dimensões",
e nos inunda os olhos e a alma
da visão sobrenatural,
do clarão fulgurante da fé,
que nos dá "a terceira dimensão: a altura.
E, com ela, o relevo o peso e o volume".
***
Purificai os nossos olhos, Mãe,
das sombras do orgulho intelectual,
que julga saber das coisas de Deus
mais do que o próprio Deus,
mais do que a Santa Igreja,
e faz com que os pseudo-sábios orgulhosos
(que muito leram e pouco entenderam)
"passem pela vida como por um túnel
– como dizia São Josemaria –,
e não compreendam o esplendor
e a segurança e o calor do sol da fé".
Que o divino Espírito Santo
nos faça ouvir as palavras de Jesus
que jamais deveríamos esquecer:
Eu sou a luz do mundo.
Aquele que me segue
não andará nas trevas,
porque terá a luz da vida.
.
IV
Mãe do Salvador,
Vós que guiais pela mão os filhos de Deus,
que Ele confiou ao vosso coração materno,
fazei-nos compreender
a necessidade que temos do dom de Ciência,
pois, com ele, o Espírito Santo
nos ajuda a ver o mundo e todos os seres criados
com os olhos e a perspectiva de Deus.
O que vale e o que não vale.
O que é relativo e o que é absoluto.
O que tem valor de fim
e o que é um simples meio.
O que é caduco
e o que perdura por toda a eternidade.
Vós sabeis, Mãe boa,
que essa visão, hoje,
mais do que em outras épocas,
nos faz uma falta imensa,
porque é tão fácil enganar-se
com as falsas opiniões que dominam o ambiente,
com os clamores desnorteantes da mídia,
com os juízos distorcidos pelo interesse e o egoísmo,
e com todas as miragens aliciantes
de uma falsa felicidade, fundada
no prazer sem norte,
e na liberdade sem rumo e sem Deus.
***
Fazei-nos compreender, querer e amar
os verdadeiros valores,
sem cair na tentação de servir a dois senhores,
a Deus e aos anseios sôfregos
de dinheiro, de prazer,
de triunfo meramente terreno
e de glória mundana.
Acendei diante dos nossos olhos,
como um aviso luminoso, a frase de Jesus:
Que adianta ao homem ganhar o mundo
inteiro,
se vier a perder a sua alma?
E também o que escrevia João, o discípulo amado:
(o mundo das concupiscências
e das ambições orgulhosas e egoístas),
não está nele o amor do Pai.
O mundo passa com as suas
concupiscências,
mas quem cumpre a vontade de Deus
permanece eternamente.
***
A tibieza, Mãe,
eu sei que abafa o dom de Ciência,
porque apaga o sentido dos valores divinos,
dos valores cristãos,
e dos valores verdadeiramente humanos,
quando não nos interessa aceitá-los,
porque exigem nobreza e sacrifício
e renúncia à vida leviana e fácil,
e nos pedem que deixemos de fazer
o que "todos os outros fazem",
o que é bem visto pelo mundo
e "politicamente correto".
A tibieza, então,
enche os nossos olhos de terra
e o coração de pó.
Então, a pobre alma quer fazer média,
manter uma vela acesa a Deus
e outra ao culto do "eu"
e do "mundo mundano";
uma vela a Deus
e outra à presunção e à vanglória;
uma vela a Deus
e outra ao dinheiro
e à desordem sensual.
Então, com os olhos cheios de barro,
podemos achar mais importante brilhar
nos píncaros da vida acadêmica ou empresarial...,
do que entregarmo-nos, com alegria,
a praticar o humilde espírito de serviço
com que Vós, Mãe,
Escrava do Senhor,
prestastes um auxílio eficaz, discreto,
generoso e sem brilho,
à vossa prima santa Isabel.
Que felicidade, Mãe,
amar o mundo para o servir,
como vós o amastes,
com os olhos tão limpos;
como Jesus o amou,
para santificá-lo e salvá-lo.
E não para servir-nos dele
e dele fazer o nosso pedestal.
***
Livrai-nos, pois, de cair na tibieza
e de viver aos pés dos ídolos de barro,
das opiniões tortuosas que dominam
tantos âmbitos do ensino,
da cultura, da mídia,
das famílias, e, às vezes,
até invadem santuários
que deviam reservar-se só
para adorar e irradiar a Deus
V
Torre de Davi,
Nos vos pedimos,
por intercessão de São Josemaria,
que nos alcanceis de Deus
o dom de Fortaleza,
que nos torna firmes e perseverantes
para praticar as virtudes difíceis,
até mesmo as heróicas,
e nos faz corajosos para enfrentar as dificuldades,
e rijos e pacientes
para abraçar os sacrifícios e padecimentos
que Deus nos pede para alcançarmos a santidade
e a glória do Céu.
***
Mãe, nós bem sabemos que somos fracos
e que, se nos faltassem a Graça
e os dons do Espírito Santo,
a toda hora deveríamos dizer,
com palavras do Apóstolo Paulo:
Não faço o bem que quero,
mas o mal que não quero.
Mas, infelizmente, Mãe,
mesmo sabendo disso, não jogamos limpo.
E – para nos justificarmos –
fazemos por esquecer
a promessa de Jesus:
Basta-te a minha graça.
Descuidamo-nos de procurar essa Graça,
com a oração, com os santos Sacramentos,
com a Confissão, sobretudo,
e a Santíssima Eucaristia;
com o dever santificado,
e com a luta ascética levada com amor.
E até parece
que só sabemos alegar, depois,
como desculpa
– inconsistente e esfiapada –
que a carne é fraca.
(Mas evitamos cuidadosamente
declarar que "a Graça é forte"!)
***
A pura verdade, Mãe – bem o sabeis –,
é que, se fôssemos generosos,
e se, como Jesus dizia,
vigiássemos e orássemos,
em vez de aceitar as desculpas da tibieza,
exclamaríamos: Posso tudo nAquele que me
dá forças!
E gritaríamos, cheios de confiança:
Se Deus é por nós,
quem será contra nós?
***
Mas será que Deus pode ser por nós
quando fugimos covardemente dEle
por medo de suas amáveis exigências?
Quando enchemos a consciência
de desculpas e mentiras, como bolhas de sabão,
vazias e irisadas de brilhos falsos
para não sermos tão generosos e firmes como Deus quer;
quando enchemos a consciência
de bolhas de teorias pseudo-intelectuais,
que abençoam a omissão e a mediania;
de bolhas de interpretações atenuadas da Palavra de Deus,
de bolhas de críticas despeitadas
aos que não acompanham
a nossa fraca mediocridade;
e até, algumas vezes,
de bolhas empeçonhadas
de revolta contra a "radicalidade evangélica"
de que falava com tanto amor João Paulo II,
pois achamos que é impossível
e seria cruel exigi-la aos cristãos.
***
E assim, Mãe, tolos de nós,
hipócritas de nós,
comodistas de nós,
vamos vivendo na moleza e na mentira
de uma santidade sempre proposta como meta
e nunca seriamente pedida a Deus
nem tentada com esforço,
de uma entrega apregoada como ideal
e nunca efetivada,
de uma imitação de Cristo sempre desejada
e nunca empreendida.
***
Mãe, será que o Espírito Santo nos pode dar
o dom de fortaleza
quando ocultamos em baixo do tapete
as grandes verdades que Jesus,
Caminho, Verdade e Vida, proclamou?
–
Se alguém quiser vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me.
–
Quem quiser salvar a sua vida a perderá;
e quem perder a sua vida por causa de
mim a encontrará.
– Quem ama seu pai ou sua mãe mais do
que a mim,
não é digno de mim.
– Portanto, qualquer um de vós,
se não renunciar a tudo o que tem
não pode ser o meu discípulo.
– Se o grão de trigo que cai na terra
não morre, fica só;
mas, se morre, produz muito fruto.
***
Mãe de Jesus Cristo, Virgem fiel,
há uma coisa que o mundo não entende
e que as almas tíbias já deixaram de compreender
com uma miopia grave ou uma cegueira total:
Que é só pelo caminho íngreme
e pela porta estreita,
abraçando a Cruz com Jesus,
que as almas sobrem cantando
e atingem a felicidade do Céu.
Mas que, pela porta espaçosa
e o caminho fácil
do comodismo sem luta
e da medíocre autocompaixão,
as almas só conseguem desbarrancar chorando,
e perdem esta vida em enjoados vazios,
arriscando-se a perder a plenitude eterna.
***
Por isso, eu vos peço, Mãe,
que nos façais compreender as palavras
do vosso bom filho São Josemaría,
cheias da sabedoria de Deus
e da experiência dos santos:
– Onde não há mortificação, não há virtude.
– Se
não te mortificas,
nunca serás alma de oração.
– Tanto
terás de santidade
quanto tiveres de mortificação por Amor.
Mortificação voluntária, sim, Mãe.
Mortificação da preguiça,
que nos faz desperdiçar tanto tempo
e rodopiar no caos e na desordem.
Mortificação da gula,
dos excessos e caprichos no comer e no beber.
Autodomínio da língua,
da verborréia, da taciturnidade enfezada
e da maledicência.
Domínio da dispersão, da curiosidade,
dos olhos que chafurdam em todas as sujeiras,
e da imaginação volátil,
a "louca da casa"que anda à solta
e faz cair na tentação.
Mortificação, sobretudo,
para cumprir com amor
o pequeno dever de cada dia;
para nos sacrificarmos e servir os outros,
para ajudá-los com alegria,
para sorrir quando nos custa,
para escutar quando estamos cansados,
para compreender em vez de desprezar...
***
E paciência! Mãe! A paciência!
Às vezes, é a maior fortaleza.
Vós sabeis quanto nos custa!
Por isso, não nos deixeis esquecer
que, com a ajuda da graça
e os dons do Espírito Santo,
podemos conseguir
que a tribulação produza a paciência
– como escreve São Paulo – ,
a paciência produza a virtude a toda a prova.
e essa virtude provada acenda em nós a esperança.
pelo Espírito Santo que nos foi dado.
VI
Mãe do Bom Conselho!
Agora, Mãe, vamos pedir a vossa mediação
para que o Espírito Santo nos conceda
o dom de Conselho,
que nos ajuda a saber discernir,
com uma prudência superior
clareada pelas luzes de Deus,
o caminho que devemos empreender
e, fielmente, manter nesta vida;
bem como cada um dos passos que,
dentro do nosso caminho – da nossa vocação –
nos farão avançar ou recuar;
e os escolhos que deveremos contornar,
e as miragens enganosas que teremos de evitar,
e aquilo que devamos decidir,
para o nosso bem e o dos outros;
e tudo o que será preciso rejeitar,
para ser, como Jesus nos quer,
o servidor bom e fiel.
***
Mãe, alcançai-nos esse dom do Espírito Santo,
que também nos concede as luzes necessárias
para bem aconselhar os outros
e orientá-los como o faria Cristo, o Bom Pastor,
pelos caminhos da vida reta e santa,
pelas sendas que conduzem para Deus
e levam à verdadeira felicidade,
passando pela ponte da santa Cruz.
Auxílio dos cristãos!
Alcançai-nos a graça de entender
que todas as vocações são boas e santas
quando seguem os passos do vosso Filho,
pois Ele, Jesus, é o Caminho:
o único Caminho, dentro do qual
as variadas e ricas veredas cristãs
– sacerdotes e leigos,
celibatários e casados,
contemplativos no mosteiro
e contemplativos no meio do mundo –
sobem juntas para os cumes do Amor.
***
A todos dizia São Paulo:
– Esta
é a vontade de Deus;
a vossa santificação.
E explicava o que é santificar-se:
– Andai no amor
como Cristo nos amou,
e por nós se entregou a Deus
como oferenda e sacrifício de agradável odor.
Por isso, Virgem santa e prudente,
cheia das luzes do Céu,
não permitais que fiquemos sem guias bons e santos,
que sejam o eco vivo do vosso Filho Jesus,
o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas
e as leva aos pastos da Vida divina.
Não permitais que a vossa Igreja
e as instituições da Igreja
fiquem privadas de santos pastores,
que sejam "outros Cristos".
Que não abandonem as almas na tibieza,
mas que saibam dar exemplo, e aconselhar,
e guiar e puxar, suave e fortemente,
para os mais altos cumes da perfeição cristã
– procurai as coisas de cima! – ,
sem desistirem nunca de acompanhar-nos,
com paciência e esperança,
até as alturas da santidade.
***
Mãe, livrai-nos dos maus pastores,
livrai-nos dos mercenários,
que aconselham sempre às ovelhas
as coisas que lhes são fáceis e agradáveis,
as coisas que elas gostariam de ouvir,
porque a nada comprometem,
nem obrigam a mudar,
mesmo que sejam coisas falsas
e que lhes façam mal.
Como é triste que, assim, esses pastores
procurem e consigam ser estimados
pelas almas que eles vendem ao inimigo
ao preço de trinta moedas de prata!
Maus pastores que praticam um carinho brando,
uma tolerância mole que ilude
(pois dizem que o mal não é tão mau assim,
e, quem sabe, até, às vezes, seja um bem).
Que evitam ensinar toda a Verdade,
e corrigir os que andam errados
para não terem que sofrer ao "fazê-los sofrer"
com essas divinas cirurgias que salvam as almas
das doenças mortais
(e fazem, infelizmente, o contrário de Cristo,
que fez sofrer a Pedro porque o amava,
e por isso o corrigiu
de uma maneira tão enérgica e dura
– Afasta-te
de mim, Satanás! –,
porque Pedro,
cheio de "bondade" errada,
queria afastá-Lo da Cruz).
***
Virgem santa, Mãe do bom conselho!
Não permitais que os que fomos chamados
a participar da missão do Bom Pastor
e ajudar os irmãos a serem "outros Cristos"
(e não uns tíbios que o Senhor vomita),
não permitais, insisto,
que tenhamos compaixão de coisas que são Amor,
como se fossem exagero,
incompreensão ou crueldade:
dessas coisas difíceis, que fazem crescer no Amor:
das exigências da humildade,
da obediência que nos faz ser "Cristo",
– obediente até à morte e morte de Cruz –;
das exigências da abnegação e da penitência,
e das da castidade e da mortificação;
e também as da reparação generosa
pelos pecados próprios e alheios
que ferem o Coração de Jesus e de novo o crucificam;
Mãe, que não tenhamos medo das exigências
da santificação do matrimônio,
exigências de amor e de fidelidade,
de generosidade para com os filhos,
de dedicação apostólica aos necessitados
espiritual e materialmente;
exigências vividas com entusiasmo,
pelo desejo ardente de que cada lar cristão
seja um foco de luz e calor
que irradie para transformar o mundo.
***
Mãe, por favor! Não permitais que jamais sejamos
daqueles que cortavam o coração de São Paulo:
Porque há muitos por aí – dizia – ,
de quem repetidas vezes vos tenho falado
e agora o digo chorando,
que se portam como inimigos da Cruz de
Cristo,
cujo destino é a perdição.
Não permitais jamais
que cometamos a infâmia
de dizer que ensinar a fé e a doutrina da Igreja Santa,
e formar jovens e velhos nas verdades e valores cristãos
e orientá-los na vida espiritual,
puxando para cima, como Cristo,
é fazer "lavagem de cérebro".
Que seja, sim, a "lavagem" bendita
da purificação das almas,
dos corações, dos pensamentos e das vontades;
que seja o cumprimento fiel
da missão que Jesus nos confiou:
e anunciai o Evangelho a toda
criatura...
Ensinai-lhes a observar
tudo o que vos tenho ordenado.
Eis que estou convosco todos os dias
até o fim dos tempos.
VII
Virgem clemente!
Nós vos pedimos agora, Mãe,
que nos alcanceis do Espírito Santo
o dom do santo Temor de Deus,
que nos abre os olhos à infinita
grandeza e bondade de Deus Uno e Trino,
de tal modo que compreendemos com luz poderosa
que, "na terra– como dizia São Josemaría – ,
só há um mal que devemos temer
e, com a graça divina, evitar: o pecado".
Mas, para podermos ter essa luz santa na alma,
ajudai-nos, Virgem pura,
a ter um vivo sentimento da grandeza
e da majestade de Deus,
que nos abisme numa adoração profunda,
cheia de reverência e humildade,
e do temor filial de ofendê-Lo.
Ensinai-nos a viver uma adoração tão clarividente
que torne o coração capaz de extasiar-se
perante a beleza infinita de Deus e de seu Amor,
e também capaz de experimentar verdadeiro temor
– cum timore et tremore:
com temor e tremor amorosos! –,
de pecar e ficarmos afastados dEle.
***
Mãe, dai-nos um coração semelhante ao vosso,
para que convosco possamos exclamar:
e o meu espírito exulta de alegria
em Deus, meu Salvador!
E que saibamos dizer isso tão sinceramente,
tão vibrantemente,
que só o receio de que possamos de novo ofendê-Lo,
após tê-Lo ofendido tantas vezes
– temor de filhos apaixonados pelo Pai –
chegue a nos causar arrepios,
e desperte em nossa alma
vivíssimos sentimentos de contrição,
unidos ao propósito de nunca mais o ofender,
de fugir radicalmente das ocasiões de pecar
e de reparar com generosidade
o mal que fizemos.
***
Mãe, bem sabemos
– é tão triste a nossa experiência! –
que, se esse temor filial começasse a arrefecer
e se instalasse em nossa alma a tibieza,
a nossa consciência se iria deteriorando pouco a pouco,
inexoravelmente,
tomada de cegueira e endurecimento,
até perder quase de todo a sensibilidade moral.
Se essa tibieza nos dominasse, Mãe,
os pecados veniais (de raiva, preguiça, irritação,
murmuração, gula, vaidade, egoísmo, sensualidade...)
nos deixariam cada vez mais indiferentes
e esqueceríamos que – como dizia São Josemaria –:
"Os pecados veniais fazem muito mal à alma",
e são verdadeiras "raposas que destroem a vinha".
Cada pequena concessão a um pecado leve
é uma rachadura na consciência
e a ruptura de uma fibra da alma.
Mãe, fazei que logo percebamos essas fendas,
pois elas vão-se abrindo mais e mais
até se tornarem portas malditas
por onde entra o pecado mortal
e por onde nós saímos a caminho do Calvário
para crucificar novamente Jesus.
***
Mãe Santa, Virgem fiel!
Que vejamos!
Que não fiquem cegados os olhos da nossa alma!
Sabemos como é temível a tibieza,
que brota, como fruto maligno,
do joio dos pecados veniais,
alimentados pela falta de humildade
e pela falta de contrição;
pelo desleixo no exame de consciência
e pelo abandono da Confissão..
Bem descrevia esse itinerário da tibieza
o vosso filho, o Servo de Deus
Álvaro del Portillo, quando dizia:
"Com um olhar apagado para o bem
e outro mais penetrante para o que afaga o eu,
a vontade tíbia acumula na alma
detritos e podridão de egoísmo e de soberba...
Surge, então, a ânsia de compensações mundanas,
a irritabilidade ante a menor exigência ou sacrifício,
as queixas por motivos banais,
as conversas frívolas ou centradas em nós mesmos...
E aparecem as faltas de mortificação e sobriedade,
os sentidos são despertados por assaltos violentos,
esfria a caridade
e se perde a vibração apostólica
para falar com garra aos outros de Deus".
***
Refúgio dos pecadores!
Livrai-nos da incapacidade
de compreender a penitência,
pois essa incompreensão é um triste sinal
de que perdemos o amor e o temor de Deus
e, com eles, o sentido do pecado
e da delicadeza espiritual.
Livrai-nos, Mãe, desse sinal de tibieza
que nos afasta, assustados ou escandalizados,
da prática generosa da penitência,
ungida por um forte espírito de reparação;
que nos impede de entender com luz divina
o valor da penitência corporal e espiritual
que todos os santos abraçaram,
alegres e generosos,
mas que, aos olhos dos tíbios,
não passam de ridicularia,
horror e atraso "medieval".
Por isso, com versos do Stabat Mater
do vosso poeta Jacopone da Todi,
que meditava sobre as lágrimas que Vós derramastes
junto da Cruz de Jesus,
nós queremos rogar-vos:
"Eia, Mãe, fonte de amor,
fazei-me sentir a dor
para que eu chore convosco.
Que arda o meu coração
no amor a Cristo Deus,
para que possa agradar-Lhe.
Fazei isto, santa Mãe:
gravai fundo em minha alma
as chagas do vosso Filho.
Junto à Cruz eu quero estar,
minhas lágrimas juntar
às que lá Vós derramais".
VIII
Nós vos pedimos que nos alcanceis também
do divino Espírito Santo o dom de Piedade,
que nos infunde um amor filial para com Deus,
contemplado como um Pai boníssimo,
e nos move a um espírito de oração,
terno e cálido, afetuoso e sincero,
próprio dos filhos que vivem habitualmente
na intimidade com o Pai.
Alcançai-nos esse dom,
que nos faz sentir também a fraternidade
para com todos e cada um dos filhos
do mesmo Pai nosso,
"que está junto de nós e nos Céus".
Que falta nos faz esse dom de Piedade!
Ele nos dá olhos e coração
de filhos muito amados,
de crianças pequenas de Deus.
Ele nos faz contemplar, ouvir e falar ao nosso Pai-Deus
com sentimentos de carinho inefável,
com abandono confiante de menino
que descansa nos braços do Pai
– Abbá, Pai! – ; de um Pai
que jamais nos esquecerá,
nem deixará de olhar por nós;
que não nos deixará cair no chão;
de um Pai que – sua mão em nossa mão –
nos conduzirá pelos caminhos da sua Sabedoria,
que são os caminhos da sua Providência,
que são os caminhos da nossa vocação.
***
Dai-nos, Mãe, uma confiança total na vocação
com que Deus nos agraciou.
Uma confiança serena como a vossa,
como a que tínheis quando o Pai
vos guiava no escuro e por Ele vos deixáveis guiar,
sem revolta, sem desconcerto, sem insegurança e sem medo.
Vós, Mãe, vos deixáveis guiar até à pobreza da gruta de Belém,
até aos enigmas do incerto exílio no Egito,
até à incompreensível separação do Menino
quando se deixou ficar três dias no Templo.
E também até à renúncia
dos três anos de ausência – a vida pública! –
quando só de tarde em tarde podíeis ver o vosso Menino,
agora já homem feito de mais de trinta anos,
totalmente entregado
a pregar a Palavra da salvação,
a perdoar os pecados e a sarar todos os males,
e todas as angústias, e todos os enganos,
e todas as tristezas dos homens pecadores,
pois essa era a missão confiada a Ele pelo Pai.
E, finalmente, Mãe,
fostes fiel à vocação divina com que o Pai
vos conduziu até à Cruz,
onde a última das sete espadas
transpassou o vosso coração.
Sim, o Pai conduziu-vos ao Calvário,
que é o cume do Amor,
ainda que pareça o cume do fracasso,
e é o extremo da pura doação..
Conduziu-vos ao pé da Santa Cruz
para atingirdes o cimo da vossa santidade,
e a plenitude da vossa maternidade,
da vossa mediação materna
para com cada um de nós,
os pobres pecadores
que Jesus salvou
e vos deu como filhos.
Foi lá na Cruz, Mãe nossa,
que Ele vos designou co-redentora
e distribuidora de todas as graças
que brotaram – com a água e o sangue –
do Coração aberto de Jesus!
***
Vaso espiritual! Porta do Céu!
Livrai-nos da tibieza,
que apaga, como o pavio que se extingue e fumega,
a chama do dom de Piedade!
Livrai-nos, porque, se essa desgraça
se abatesse sobre nós,
ficaríamos presos numa caverna escura
em que as sombras da revolta
e os fantasmas da mesquinhez
se confundiriam com a realidade.
As portas da vocação,
abertas para o infinito do Amor,
nos pareceriam grades de uma prisão.
Os compromissos das práticas espirituais,
essas asas leves que nos erguem até Deus,
seriam para nós cargas de chumbo
que nos impediriam de decolar.
Os tempos dedicados a orar, adorar, formar-nos
e aprender a fazer o apostolado
que o Amor pede aos filhos de Deus
seriam para nós fardos desgradáveis e opressivos,
e os veríamos como algemas que amarram,
como camisas-de-força,
como estorvos insensatos
para a nossa "realização",
como sobrecargas
que roubam o "nosso" tempo e tolhem a liberdade.
Quando o que acontece, Mãe,
vós sabeis disso muito melhor que nós,
é que só a Piedade,
junto com a Verdade e a Caridade,
pode tornar-nos verdadeiramente livres!
IX
Mãe nossa, Mãe dos filhos de Deus,
irmãos do vosso Filho!
Ajudai-nos a beber,
– pela Graça do Espírito Santo –
da outra fonte viva do dom de Piedade
que é a caridade fraterna
– o carinho humano e cristão entre os irmãos! –,
o amor sincero entre todos os filhos de Deus,
cheio de compreensão
e de santa misericórdia,
pronto para a ajuda, feliz de servir;
cheio de zelo ardente pelo bem das almas,
com uma entrega incansável
que realiza a maravilha
do mandamento novo de Jesus:
Que vos ameis uns aos outros,
como eu vos tenho amado.
Ninguém tem maior amor
que aquele que dá a vida pelos irmãos.
Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos,
se vos amardes mutuamente.
***
Que não se apaguem jamais, Mãe,
da nossa consciência e do nosso coração
– gravadas, indeléveis, como em bronze –
as palavras do Apóstolo João:
Deus é Amor.
Se nos amarmos mutuamente,
Deus permanece em nós
e o seu Amor em nós é perfeito.
Intercedei, Mãe nossa, perante o vosso Esposo,
o divino Espírito Santo,
para que o seu dom de Piedade
nos conduza à grandeza de coração,
à compreensão sincera e à desculpa,
e à maravilha divina do perdão
de todos quantos nos ofendem,
nos caluniam ou nos querem mal.
Que o dom de Piedade nos leve a rezar por eles,
como vosso Filho Jesus fez e ensinou,
sem jamais nos sentirmos melhores
nem superiores a ninguém.
E, sobretudo, que nos livre
do veneno do ressentimento,
que transforma o coração numa poça malsã
de ódio e tergiversação.
Bem sabemos, Mãe,
que, se a tibieza viesse a secar na alma
as fontes do dom da Piedade,
as pessoas que nos amam nos pareceriam insuportáveis;
aqueles que nos ajudam, diríamos que nos maltratam,
chegaríamos mesmo a afirmar que nos tratam mal
justamente aqueles a quem nós mais maltratamos.
***
Mãe de misericórdia,
Vida, Doçura e Esperança nossa!
Vós bem sabeis
que a doença da tibieza,
abafando a chama do amor na alma,
conduz ao fracasso dos ideais de santidade,
desfigura os sonhos bem sonhados
e corrompe as alegrias mais belas
da vocação divina com que Deus nos abençoou.
Vós sabeis bem, Mãe, vós sabeis do perigo tremendo
desses fracassos não superados
pela sinceridade
e pela humilde contrição.
O nosso coração orgulhoso não aceita o fracasso!
Revolta-se contra ele, Mãe, com convulsões de soberba!
E, por isso, esse nosso pobre coração
começa a ferver com uma mescla de rancor,
arrogância, desprezo e irritação.
Inevitavelmente acaba explodindo,
como um vulcão maligno;
e, então, deixamo-nos arrastar
por uma estranha sede de vingança
contra as luzes puras que nós mesmos apagamos,
contra a vocação que aos poucos nós traímos,
contra os irmãos cujo amor rejeitamos,
e até mesmo contra a fé, sim, contra a luz da fé,
contra o Evangelho que não soubemos viver,
e contra a voz da Igreja, que é a voz do vosso Filho,
que acabamos não querendo escutar.
Como se, em vez de sermos nós os culpados,
fôssemos as vítimas
de Deus, da Igreja, das obras de Deus,
da nossa família espiritual
e dos irmãos que por nós deram o sangue.
***
Mãe do amor formoso!
Mãe do Salvador!
Queremos pedir a vossa mediação,
– ó Onipotência suplicante! –
para que todos nós, "pobres pecadores",
crianças que sempre se extraviam
e precisam de uma mão materna que as guie
e de um regaço que as proteja;
para que nós, "os degredados filhos de Eva",
que sempre brincamos à beira do abismo da tibieza,
sejamos inflamados no Amor de Deus,
"qual fogueira de purificação"
– como pedia São Josemaria – ,
até chegarmos "à loucura".
E que essa "chama viva de amor"
transborde em caridade infatigável
e em zelo apostólico
para com todos os nossos irmãos.
Dai-nos, nós vos suplicamos,
um amor abnegado e operante
aos pobres e aos desamparados,
aos encostados e aos tristes
aos humilhados e injustiçados,
aos que o vício envolveu em seu manto letal
e a todos os que estão
(raiz de todos os males!)
alienados da vida de Deus.
Por vossa intercessão, Mãe,
pedimos que o Espírito Santo
derrame o Amor em nossos corações,
com todas as tonalidades da caridade
– cores vivas do divino arco-íris –
que São Paulo assim pintava:
O amor é paciente, é benfazejo;
não é invejoso, não é presunçoso
nem se incha de orgulho;
não faz nada de vergonhoso,
não é interesseiro,
não se encoleriza,
não leva em conta o mal sofrido;
não se alegra com a injustiça,
mas fica sempre alegre com a verdade.
Tudo desculpa,
tudo crê,
tudo espera,
tudo suporta.
***
À vossa proteção nos acolhemos,
Santa Mãe de Deus,
não desprezeis as súplicas
que em nossas necessidades vos
dirigimos;
mas livrai-nos sempre de todos os
perigos,
Virgem gloriosa e bendita!