Exame sobre o bom exemplo-1
As obras acima das palava
Para iniciarmos esta nossa primeira
meditação sobre o dever de dar bom exemplo, vamos escutar atentamente umas
palavras muito claras de Cristo no Sermão da Montanha: Vós sois a luz do
mundo [...]. Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5, 14.16).
A luz entra pelos olhos. O que os olhos
enxergam em plena claridade fala por si, não precisa de palavras nem, muito
menos, de "palavreado" para se explicar.
Assim é o bom exemplo, e assim o
apreciaram sempre os grandes homens, sobretudo os santos. Já Santo Inácio de
Antioquia, o bispo mártir do século II, enquanto era conduzido a Roma para
sofrer martírio, escrevia aos Efésios: "É melhor calar-se e ser do que
falar e não ser. É maravilhoso ensinar, quando se faz o que se diz [...].
Aquele que compreende verdadeiramente a palavra de Jesus pode entender o seu
silêncio [ou seja, o que "dizem", sem palavras, os seus exemplos]; e
então será perfeito, porque atuará de acordo com a sua palavra, e se
manifestará também mediante o seu silêncio [ou seja, mediante o que “faz” sem
falar]".
O doce Santo Antônio de Pádua adotava um
tom santamente irado quando falava do exemplo: "É viva a palavra quando
são as ações que falam. Cessem, peço, os discursos, falem as obras. Estamos
saturados de palavras, mas vazios de obras" i. Hoje, a pedagogia
científica insiste cada vez mais no valor insubstituível da chamada educação
invisível ii; da força exemplar das convicções e das
atitudes que as encarnam.
A imagem da luz é simples. A boa luz permite enxergar
bem, sem confusões; mostra perigos que a sombra ocultaria; ilumina referenciais
da paisagem e dos caminhos que a noite encobriria; a luz também aquece,
estimula a vitalidade e favorece a alegria. Poderíamos dizer que os que
irradiam a claridade do bom exemplo têm todas essas características da luz.
Tendo isso em mente, tentemos fazer o nosso exame de
consciência, partindo de uma pergunta desafiadora. Eu sou luz ou sombra?
Está disposto a enfrentá-la com coragem? Pois, então, veja, só para
exemplificar, alguns flashes ilustrativos:
– Se eu sou uma pessoa sincera, constante,
organizada, leal à palavra dada e fiel aos compromissos, sou luz. Os outros –
filhos alunos, etc. – , junto de mim, vêem claro e sentem-se seguros.
– Mas se sou pessoa mentirosa,
inconstante, desordenada e volúvel, sou sombra. Os que dependem de mim ficam
confusos, inseguros, não conseguem avaliar o alcance das minhas palavras, das
minhas atitudes, das minhas promessas; em suma, não podem contar comigo como um
farol orientador nem como um apoio.
– Se eu sou pessoa com ideais nobres e
definidos na vida, pessoa que tem valores positivos – ânsias de fazer o bem – ,
que vibra com eles, que procura praticá-los; se sou pessoa cheia de fé e de
esperança e posso dizer, como Jesus, eu sei de onde venho e para onde vou,
então eu sou luz, mais ainda, sou reflexo da Luz com maiúscula, sou sinalização
divina, foco cristão que orientará outras vidas.
– Mas se sou pessoa cética, agnóstica,
cheia de incertezas e de pessimismo, convencida de que neste mundo nada há de
bom, tudo é interesseiro, os valores são imaginários e os ideais tolices; se me
julgo realista porque capitulo perante os interesses egoístas da terra e sou
incapaz de ver, além deles, outra finalidade para a vida, então sou uma sombra
mais daninha que uma cascavel oculta no armário, e as primeiras vítimas podem
ser os que mais amo.
– Se eu sou um lutador que detesta o
conformismo e a acomodação, um coração que sempre quer puxar a vida para
patamares mais elevados e perfeitos – para aspirações nobres, para virtudes,
para maiores quilates de amor e amizade – ; se eu detesto a mediocridade, se
vibro com ânsias de justiça, se arquiteto sonhos realistas para tornar o mundo
mais fraterno e belo e os demais mais felizes, então, com certeza, sou luz.
– Se, porém, cochilo na rede da canseira
moral e do desencanto; se resmungo mais do que animo, se tenho alma, coração,
atitudes, palavras e gestos desbotados pela frustração; se faço troça dos
sonhadores sacrificados, se tenho pena dos que "ainda" acreditam no
amor, na verdade, na justiça e no bem, então eu sou, com certeza, uma treva
miserável..
– Se eu vejo, antes de mais nada, o lado
positivo das coisas; se os meus comentários, em casa e fora de casa, sem serem
ingênuos, são sempre estimulantes; se sou conhecido como aquela pessoa que
sempre acolhe, que sempre está disposta a ajudar, que sempre anima, que sempre
sorri, que alegra qualquer ambiente, então eu sou uma luz que concentra as sete
cores da alegria..
– Mas se pertenço ao rol daqueles que, mal
aparecem em casa, ou se sentam à mesa, ou entram na sala de aula, iniciam uma
nova era glacial, apagam o sorriso dos outros ("fechou o tempo" –
dizem deles); se a minha característica é a irritação, a impaciência e o mau
humor; se reclamo de tudo e de todos; se acho tudo ruim; se não agradeço nada;
se tenho pena de mim mesmo e ando com complexo de vítima, então, meu amigo,
então eu sou uma sombra pior que as que Dante pinta no Inferno.
Guardemos essas amostras e passemos para outra imagem
muito clara de Cristo.
Vós sois o sal da terra. Se o sal perder o sabor, com
que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado
fora e calcado pelos homens (Mat 5, 13).
Os ouvintes de Cristo podiam entender bastante bem
estas palavras, como também nós podemos, pois sabemos qual é a utilidade do
sal. Resume-a com simplicidade este pensamento de São Josemaria Escrivá:
"Sal da terra. – Nosso Senhor disse que os seus discípulos – tu e eu
também – são sal da terra: para imunizar, para evitar a corrupção, para temperar
o mundo. – Mas também acrescentou «quod si sal evanuerit...» – que se o sal
perde o seu sabor, será lançado fora e pisado pelos homens...".
Há pessoas que, tendo uma vida comum, igual à de muitos
outros, dão a tudo o que dizem e fazem o toque de um "sabor"
diferente. Os que com eles convivem e se relacionam captam, talvez de modo
inconsciente, que tudo neles é atraente, porque está condimentado pela bondade,
pelo amor, pela caridade, pela lealdade, pela serenidade, pela fé. Admiram-nas.
Gostariam de ser como elas.
Era isso o que acontecia com os primeiros
cristãos, como relata um antiqüíssimo escrito do século II, a Carta a
Diogneto: "Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem
por sua terra, nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades
próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver
[...]. Vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e
adaptando-se aos costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto,
testemunham um modo de vida singular e admirável [...]. Casam-se como todos e
geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas
não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo as paixões da carne; moram
na terra, mas têm a sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas
com sua conduta ultrapassam as leis; amam a todos, ainda que sejam perseguidos
por todos [...]. Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim
estão os cristãos no mundo" (nn. 5 e 6).
Fica patente nessa apologia que os
primeiros cristãos eram, como Cristo desejava, o sal da terra. O seu
"modo de vida singular e admirável", o seu exemplo – fruto palpável
de sua fé e do seu amor – atraía os corações mais nobres dentre os pagãos.
Mas não nos esqueçamos de que Cristo falou
também do sal que perde o sabor, que se estraga. Não só deixa os alimentos
insípidos, como pode vir a produzir náuseas. Talvez nos lembremos de umas
palavras bastante fortes do Apocalipse, que Jesus dirige a uma comunidade em
que começava a haver cristãos mornos, tíbios, dizendo-lhes – é duro! – que lhe
produziam ânsia de vômito. Trata-se de um trecho da carta dirigida à igreja de
Laodicéia, muitas vezes citada nas obras de espiritualidade: Conheço as tuas
obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és
morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar da minha boca. (Apoc 3,
15-16).
Nem frio nem quente. Na vida de um cristão morno tudo é
insípido, tudo tem o mau sabor de sal corrompido. Assim acontece, infelizmente,
com o amor decadente, desleixado e rotineiro dos esposos, dos pais, esse amor
que, por não se renovar com detalhes de delicadeza, criatividade e abnegação,
foi ficando encardido, esgarçado, e acabou tendo cheiro de mofo, por não dizer
odor de cadáver.
São Josemaria Escrivá dizia: "Fujamos da rotina
como do próprio demônio", e qualificava a rotina de "abismo,
sepulcro", armazém de coisas mortas iv. A rotina não é só
o túmulo do amor dos esposos. Também o trabalho feito sem amor, sem perfeição e
capricho nos detalhes, sem espírito de serviço (pense no trabalho no lar), fica
sendo como uma comida insossa e azedada... O "exemplo" de pais assim,
espiritualmente mais "mortos" do que "vivos", é natural que
não atraia nem faça bem algum. Como seria triste, ou melhor, trágico, que
houvesse filhos que pensassem. – "Eu não quero ser como os meus pais! Eles
me fizeram desacreditar do casamento, do amor, da família, da vida". Como
seria amargo ter tido pais, mestres, pastores de almas, que foram incapazes de
nos fazer sentir o gosto de Deus.
O Reino dos céus é comparável ao fermento que uma
mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a
massa
(Mat 13, 33).
Esta imagem é importante, sobretudo nos tempos atuais.
Lembra-nos que o mundo é uma "massa" carente, quase inteiramente, da
qualidade do bom pão das virtudes cristãs, da consistência e do sabor da verdade
e do alimento da lei de Deus. Por isso, o exemplo dos cristãos responsáveis,
neste ambiente atual, é decisivo. Para transformar a massa em pão de Deus, o
fermento precisa ter uma força e uma eficácia capazes de levantá-la. Uma força que só Cristo pode dar.
Seria cegueira não nos darmos conta de que
vivemos, de fato, numa sociedade cada vez mais massificada, em que o
ambiente materializado e incrédulo que nos cerca despersonaliza as pessoas. Massifica-lhes
a cabeça, os costumes, os gostos e os vícios, até quase anular a personalidade.
Cria, em série, adolescentes e jovens consumistas e hedonistas. Basta abrir os
olhos para perceber que a "cultura global de massa" robotiza a
juventude. Se não houver educadores-fermento, cheios da vitalidade do
ideal cristão, a inércia mecânica dos adolescentes que não pensam (talvez
porque nunca viram nem aprenderam nada melhor por parte dos que deviam
educá-los) os colocará na boca do lobo da "cultura-ambiente"
materialista e pagã.
Sob a influência crescente da mídia, do
markenting internacional, dos impérios jornalísticos, da propaganda dominada
pela ditadura do lucro – interesses de empresas, de laboratórios, de companhias
globais; império econômico do lazer; da indústria da droga e da pornografia...
–, tudo se globaliza. E vai sendo também cada vez mais forte sobre a juventude
e, em geral, sobre a massa, a influência, não menos ditatorial, das ideologias
predominantes (sobretudo do laicismo anti-religioso, dos resíduos
imuno-resistentes do marxismo, do hedonismo consumista e das diversas formas de
esoterismo e de "mística" tipo New Age).
Nada mais fácil, nesse clima envolvente,
que tornar-se massa. Nada mais fácil que aceitar, sem anti-corpos de idéias, de
cultura e de espírito crítico, os valores (os contravalores) da maioria que
segue a corrente. Nada mais fácil – é só deixar-se puxar pelo cabresto – que
adotar os hábitos sociais comuns e mergulhar bem cedo, já na infância e na
adolescência, nos vícios generalizados (álcool, drogas, obsessões
"eletrônicas", aberrações sexuais), enquanto leituras, programas de
tv, "mestres", etc, vão injetando na "veia" todos os
preconceitos contra as atitudes cristãs fundamentais, os valores éticos
básicos, as evidências da lei natural sobre a vida, a morte, o amor e a
família, valores, infelizmente, nunca conhecidos com seriedade, nunca
aprendidos e nunca aprofundados.
"A pós-modernidade – afirma o
conhecido pedagogo Víctor García Hoz – é um grande vácuo. A profusão de idéias
contraditórias, o relativismo predominante em muitas ideologias e o pragmatismo
superficial da sociedade atual, dão razão ao ditado de que o mundo de hoje,
especialmente a juventude, sabe o que não quer, mas não sabe o que quer
[...]. Os valores que apoiavam a vida humana foram rejeitados e não foram
substituídos por outros. O pensamento da pós-modernidade vacila entre a
melancolia e o vazio". v
Não feche os olhos! É em meio a essa massa
desnorteada que se encontram os seus filhos, os seus alunos, os membros do seu
rebanho de pastor. Muita boa gente, ao constatar isso, sofre, sofre muito. Mas,
o que faz? O que fazemos? Lutamos, porventura, cada um de nós por ser o
fermento de que essa massa manipulada precisa para ganhar qualidade humana e
cristã? Os nossos critérios e comportamentos têm a potência do fermento, capaz
de levedar a massa e transformá-la em bom pão?
****
Pense que é Deus quem lhe dirige,
silenciosamente, estas interrogações. O que lhe vai responder? Eis o nosso
tema, agora, de meditação e exame de consciência.
i Sermões, I, 226
ii Víctor García Hoz, Pedagogia visível,
educação invisível, Ed, Nerman, São Paulo 1988, pág. 112
iii São Josemaria Escrivá, Sulco, Ed.
Quadrante, São Paulo 1987, n. 342
iv Cfr. Caminho, 9ª edição.
Quadrante, São Paulo 1999, n. 551
v Pedagogia visível. Educação
invisível citada, pág. 112