A DEGENERAÇÃO DOS
VALORES
MORAIS E ÉTICOS
Cardeal D.
Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro
24/08/2007
Há
crises que surgem inesperadamente mas são passageiras. Outras, não. São
duradouras e os males, profundos. As primeiras são superficiais. Entretanto,
quando irrompem em conseqüência da fragilidade do corpo social, afetam os
alicerces da sociedade.
O
Brasil está imerso – e profundamente – em algumas situações que atingem o âmago
da nacionalidade. Uma afeta a preservação da intocabilidade da vida e gera uma
variedade de crimes contra a lei de Deus. Pode ser sintetizada no aborto e nas
atitudes congêneres. A seguir a corrupção administrativa e assemelhados. Ambas
surgem da ausência de Deus, do repúdio à Lei divina. Em outras palavras, o
homem se coloca no lugar de Deus, com as conseqüências daí decorrentes.
No
Brasil, ao lado de passos agigantados na direção do progresso, tomado como um
todo, emergem notícias inquietantes que revelam a fragilidade por falta de
alicerces éticos. A crise aguda foi precedida pelo anúncio de medidas que, se
aprovadas, subtrairiam ao plano divino o arbítrio do homem: dentre estas,
encontramos a descriminalização do aborto e a antecipação da morte do ancião, a
união de homossexuais, entre outras. O ser humano tenta ocupar indevidamente o
lugar do Criador.
O
terremoto a que estamos assistindo no campo da política e a má utilização do
dinheiro das entidades governamentais são conseqüências da degeneração do
tecido formado pelos valores morais e éticos. Recordemos a enxurrada de fatos
reveladores de uma grave situação nacional.
Em
1979, em Puebla, na 4ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, o
documento conclusivo (nº 507-509) já advertia para os males que hoje afligem a
sociedade e, de modo particular, o Brasil. Em nossos países “se experimenta o
peso da crise institucional e econômica e claros sintomas de corrupção e
violência. Esta é gerada e fomentada tanto pelas injustiças (...) como pelas
ideologias que se convertem em meio para a conquista do poder”.
Na
publicação do “Compêndio da Doutrina Social da Igreja”, obra tão recente como
importante, elaborada pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, lemos: “A
relação entre moral e economia é necessária e intrínseca: atividade econômica e
comportamento moral se compenetram intimamente”(nº 331). E no nº 332: “A
dimensão moral da economia (...) constitui um fator de eficiência social da
própria economia”.
No
atual momento da vida brasileira é lamentável constatar-se tanto a corrupção
administrativa como a falta de pudor na vida social e privada. Ambas formam um
círculo vicioso. A malversação do dinheiro público destrói o próprio sentido da
moral e, em conseqüência, atinge as estruturas familiares e a consciência do
indivíduo. O respeito que se deve à Nação pede o castigo dos culpados. Ao lado
da crise política assistimos ao avanço do roubo, da violência, da
pornografia e ao desrespeito às crenças religiosas. Uma eficiente e maléfica
atuação junto à opinião pública inibe os poderes constituídos, que já não ousam
vetar as ofensas à Moral no campo dos espetáculos, das novelas e filmes. Para
isso, confundem habilmente, através de um falso conceito de arte, a liberdade
de manifestar as próprias convicções com o vilipêndio de valores éticos. Isto
faz lembrar a insensatez de alguém, infectado por grave moléstia de fácil
contágio, que exigisse – em nome de seu direito de ir e vir – misturar-se à
multidão, apesar da certeza da transmissão da doença. Assim, pessoas deformadas
no seu caráter, a quem apraz instilar seu mal, levam ao ridículo orientações,
pessoas e objetos aceitos por outros membros da coletividade como sagrados e
merecedores de respeito. Há os que ofendem até o Senhor Jesus, em livros ou
programas televisivos.
Na
homilia pronunciada na missa “Pro eligendo Romano Pontifici”, imediatamente
antes de ser dado início ao último Conclave, o então Cardeal Decano do Colégio
dos Cardeais, Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, abordou um assunto de grande
importância, não só para o mundo, mas, de modo particular, para a nossa
situação atual no Brasil. Na ocasião, afirmou:
“Quantos
ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes
ideológicas, quantas modas do pensamento (...). A pequena barca do pensamento
de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas, lançada de um
extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao
coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo
ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se
quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar
ao erro (cf. Ef 4,14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas
vezes é classificado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se
levar “aqui e além por qualquer vento de doutrina”, aparece como a única
atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do
relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida
apenas o próprio eu e as suas vontades”.
E
acrescentou: “Ao contrário, nós temos outra medida, o Filho de Deus, o
verdadeiro homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. “Adulta” não é uma fé
que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé
profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a
tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso,
entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé e assim guiar o
rebanho de Cristo. E é esta fé, só esta fé que gera unidade e se realiza na
caridade”.
Na
homilia da missa do início de seu ministério de Pastor supremo da Igreja, no
dia 24 de abril de 2005, o Santo Padre Bento XVI disse o seguinte: “Quero
retornar a 22 de outubro de 1978, quando o Papa João Paulo II iniciou o seu
ministério, aqui na Praça de São Pedro. Ainda e continuamente ressoam em meus
ouvidos suas palavras de então: ‘Não temais! Abri, de par em par, as portas
para Cristo!’”
Tanto
o que estamos vendo nestes dias, em matéria de suborno e congêneres, como as
notícias sobre supressão da vida do nascituro, o abortamento, nascem e se
fortificam na mesma fonte. A raiz de um e outro é o relativismo. Que Deus
ilumine os homens que nos governam e sejam fiéis ao rumo dado por São Paulo aos
Efésios (4,14-16). Para combater o mal, faz-se mister uma vida cristã
autêntica. A figura de Jesus Cristo nos fortalece nesses momentos de crise. O
cristão deve alimentar a esperança.
Fonte:
http://www.arquidiocese.org.br/