A SOCIEDADE SACERDOTAL DA SANTA CRUZ
Dom
Rafael Llano Ciufuentes
Bispo
da Diocese de Nova Friburgo (R.J.)
1. INTRODUÇÃO
A Sociedade sacerdotal
da Santa Cruz é uma Associação que reúne vários milhares de sacerdotes que
exercem o seu trabalho em países dos cinco continentes.
A Associação, fundada
em Madrid por São Josemaria Escrivá, recebeu a aprovação definitiva da Santa Sé
em 1950, ao mesmo tempo que o Opus Dei. Em 1982, com a mesma Constituição
Apostólica com que João Paulo II erigia o Opus Dei como Prelazia Pessoal,
erigiu, também, "A Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz como Associação de
Clérigos intrinsecamente unida à prelazia". Poderíamos perguntar-nos: que
valor e significado atribui às Associações de Clérigos o Magistério mais
recente da Igreja? Como surgiu a Associação e qual foi o seu desenvolvimento
histórico? Qual é o papel que desempenha dentro do presbitério de cada diocese
e como fica a ligação e o vínculo de obediência dos clérigos com o seu Bispo
diocesano?
Responderemos, a
seguir, brevemente, a estas questões.
2. AS ASSOCIAÇÕES NO MAGISTÉRIO
RECENTE
O Concílio Vaticano
II, no decreto "Presbyterourum Ordinis" (n.8), afirma que
"Merecem alta estima e diligente promoção as associações que, com
estatutos reconhecidos pela autoridade competente, por um plano acertado e
convenientemente experimentado de vida, numa assistência fraterna, estimulam a
santidade dos sacerdotes dentro do exercício do ministério, num esforço de
assim servir a toda a Ordem dos Presbíteros";
Em idêntico sentido, o
Código de Direito Canônico de 1983, no cânon 278, reconhece o direito de
associação dos clérigos seculares e exalta e incentiva expressamente as
associações que "fomentam a sua santidade no exercício do ministério, e
favorecem a união dos clérigos entre si e com o seu Bispo".
Desaconselha-se,
porém, constituir associações que não se compaginem com o estado clerical.
Entre estas, deveriam
ser compreendidas aquelas a que se referiu João Paulo II por ocasião do
Congresso Eucarístico, em Natal: estas associações não teriam, porém, sentido
se fossem concebidas ou viessem a se tornar, na prática, uma espécie de
sindicato de padres ou um grupo corporativo, com posturas reivindicatórias ou
mesmo antagônicas em relação à autoridade de vossos bispos (Encontro com
Sacerdotes diocesanos e religiosos 13.x 1991)
Ultimamente a
exortação apostólica. "Pastoris dabo Vobis" (n. 81) se
expressa reafirmando a idéia estabelecida pelo Novo Código: "Todas as
formas de fraternidade sacerdotal aprovadas pela Igreja são úteis tanto para a
vida espiritual como para a vida apostólica e pastoral".
É neste contexto que
nós podemos situar a Sociedade Sacerdotal da santa Cruz.
3. BREVE HISTÓRICO DA SOCIEDADE
Em 1928, São Josemaria
Escrivá fundou, por inspiração divina, o Opus Dei. O trabalho foi estendendo-se
por vários países, suscitando, entre pessoas das mais diversas profissões, o
desejo de conseguir a santidade no exercício do seu trabalho profissional e no
cumprimento dos seus deveres pessoais .
O Fundador do Opus Dei
era consciente de que para atender sacerdotalmente a tantos homens e mulheres
que queriam santificar-se no meio do mundo, necessitava de padres que soubessem
transmitir a espiritualidade secular própria do opus Dei.
No dia 14 de fevereiro
de 1943, também graças a uma particular assistência de Deus, viu a solução para
suprir essa necessidade: foi a Sociedade Sacerdotal da santa Cruz. Alguns
leigos do Opus Dei poderiam ser ordenados sacerdotes, incardinando-se na
Sociedade Sacerdotal da santa Cruz para exercerem o seu ministério pastoral,
principalmente para servirem aos membros do opus Dei e às suas iniciativas
apostólicas. Deste modo, também, evitava-se "subtrair" sacerdotes
diocesanos para o trabalho do Opus Dei. Esta seria a primeira etapa da história
da Sociedade sacerdotal da santa Cruz. Mas os desvelos pastorais de São
Josemaria Escrivá não cessariam ao colimar essa primeira etapa: desejava
ardentemente ajudar o clero diocesano, pelo qual sentia um amor todo especial.
Dom Pedro Cantero, que foi Arcebispo de Saragoça, considera que o seu amor pelo
sacerdócio "merece capítulo à parte".
Nunca se separou dos
seus irmãos no sacerdócio. Desde os seus anos de seminário, primeiro em Logroño
e, depois, em Saragoça, até o contínuo trato de amizade devotada que lhes
dedicou em Madrid, e em tantas cidades da Espanha, através de inúmeros retiros
e incansável direção espiritual, sempre esteve presente essa sua solicitude
fraternal: acolher, apoiar e incentivar os seus irmãos no sentido da sua
plenitude sacerdotal.
O fato de ser
sacerdote secular, e o relacionamento habitual com os sacerdotes diocesanos,
permitiu-lhes captar os seus problemas e dificuldades, os seus desejos de
santidade obstaculizados, ás vezes, pela falta de apoio e incentivo, e, também,
em ocasiões, a sua solidão e a sua necessidade de saber-se, como qualquer
homem, querido e acompanhado.
Ao mesmo tempo
percebeu, através desse relacionamento fraterno de direção espiritual, que o
espírito que Deus lhe havia comunicado ao inspirar-lhe o Opus Dei, poderia
oferecer também a muitos deles luz e força para viverem o seu sacerdócio para
santificarem-se no seu próprio estado, através dos seus trabalhos e das
circunstâncias do seu viver diário.
Isto inquietava-o;
fortemente lhe sugeria que tinha que fazer algo específico para os sacerdotes
diocesanos.
Já em Roma, sobretudo
nos anos 1948 e 1949, essa inquietação tornou-se mais intensa: "Que estou
fazendo por meus irmãos sacerdotes?", perguntava-se. Desejava ardentemente
ajudá-los na sua tarefa e estava convencido de que a tibieza ou a santidade de
um sacerdote repercutia na tibieza ou na santidade de milhares de fiéis:
"um sacerdote não se salva, nem se condena só'”, costuma repetir.
Tão forte era essa
inquietação que esteve, inclusive, disposto a fazer o sacrifício de abandonar o
Opus Dei com a finalidade de dedicar-se integralmente a uma nova fundação para
sacerdotes. Mas em 1950, não sem especial ajuda divina, entendeu que a
Sociedade sacerdotal da Santa Cruz fundada em 1943, como já dissemos podia
acolher, como associados, sacerdotes e diáconos do clero das dioceses, que
receberiam da sociedade ajuda espiritual, sem debilitar em nada a sua genuína
condição diocesana. Cumpria-se, assim, o que poderíamos denominar a segunda
etapa da sociedade sacerdotal da Santa Cruz.
Um dos biógrafos de
São Josemaria Escrivá, o francês François Gondrand, sintetiza a preocupação do
Fundador e a solução da mesma, da forma seguinte: Ele estava convencido de que
a espiritualidade do Opus Dei poderia contribuir a que esses sacerdotes se
santificassem em seu estado. Mas como incorporá-los à Obra, sem que estas
venham a se afastar das dioceses em que trabalham, e sem modificar em nada as
relações e laços que os unem aos seus respectivos Bispos? (...) a solução, que
durante tanto tempo tinha buscado e ninguém lhe tinha sugerido, era muito
simples. Com efeito: se a vocação ao opus Dei consistia em procurar a
santificação através das ocupações ordinárias (...) estava claro que os
sacerdotes podiam fazer o mesmo, esforçando-se, no seu caso, em cumprir o seu
ministério com o maior perfeição possível: a obra só contribuiria com a ajuda
espiritual para que o conseguissem. (cit, Por Molinero, J.
em La Sociedad Sacerdotal de la Santa Cruz celebra sus Bodas de Oro. Palabra, março de
1993, p. 59)
Poderemos imaginar a
alegria e o alívio que experimentou Mons. Escrivá ao perceber que os sacerdotes
diocesanos cabiam no que já estava fundado: não tinha que abandonar o Opus Dei.
O Senhor, sem dúvida, continua comentando Gondrand lhe tinha pedido a Abraão
que sacrificasse o seu filho, para provar a sua obediência (Loc. Cit). mas Deus
veio em seu auxílio com uma luz jubilosa que dispensava, como Abraão, de
tamanha imolação... Porém, na Providência Divina esse fato doloroso ficou
sublinhado como demonstração histórica insubstituível do apaixonado amor que o
Fundador sentia pelo sacerdócio e, especificamente, pelos sacerdotes
diocesanos.
4. OS PERFIS JURÍDICOS: AS
COINCIDÊNCIAS E DIVERSIDADE ENTRE A PRELAZIA DO OPUS DEI E A SOCIEDADE
SACERDOTAL DA SANTA CRUZ.
A Sociedade sacerdotal
da santa Cruz e a Prelazia do Opus Dei não são duas realidades idênticas, ainda
que nasceram e permanecem indissoluvelmente unidas. Como assinalam os Estatutos
do Opus Dei (n. 36). A sociedade sacerdotal da santa Cruz é uma associação
clerical própria e intrínseca da Prelazia, de maneira que com ela forma um todo
único e dela não pode separar-se.
É necessário, porém,
perfilar essa coincidência e essa diversificação.
A Prelazia é uma
instituição que faz parte da estrutura hierárquica da Igreja e que tem como
missão, por um lado, a atenção pastoral específica dos seus membros que no meio
do mundo se comprometeram a procurar a santidade no seu trabalho ordinário
segundo o espírito do Opus Dei e, por outro, difundir em todos os ambientes da
sociedade o chamado universal à santidade e ao apostolado, no meio das
circunstâncias ordinárias de cada fiel cristão.
A Prelazia possui um
presbitério próprio: atualmente 1500 sacerdotes, procedentes todos eles dos
membros leigos, que se dedicam fundamentalmente à atenção pastoral dos fiéis da
Prelazia e dos seus apostolados em todo o mundo, sob a jurisdição do Prelado,
que é ordinário próprio.
A sociedade sacerdotal
da santa Cruz por sua parte é uma associação de sacerdotes e diáconos do clero
secular, erigida pela santa sé e como já se disse inseparavelmente unida à
Prelazia. O se objetivo é proporcionar ajuda espiritual aos sacerdotes que a
compõem para que se santifiquem de acordo com o espírito do Opus Dei, através
do seu trabalho ordinário, quer dizer, do seu ministério sacerdotal.
À Sociedade da Santa
Cruz pertencem pois, por um lado os sacerdotes que compõem o presbitério da
Prelazia e nela estão incardinados, e por outro, os sacerdotes seculares
diocesanos, que tem como único Ordinário o Bispo da própria diocese. Estes
sacerdotes não estão incardinados, portanto, na Prelazia, mas na sua própria
diocese; com a sociedade tem apenas um vínculo meramente associativo.
Como se observa, há
entre a Prelazia e a Sociedade sacerdotal da Santa Cruz, pontos de identidade e
pontos de diferenciação.
É idêntica a
finalidade de assistência espiritual e formação. É idêntica, igualmente, a
espiritualidade: a santificação no trabalho ordinário e no cumprimento dos
deveres e encargos sociais e familiares próprios. São, também, coincidentes, os
meios de formação: atenção espiritual individual, retiros, convívios etc. São
diferentes, porém, as circunstâncias particulares em que devem santificar-se:
em umas ocasiões será o trabalho num lar, numa escola, numa fábrica, no
escritório, nas lavouras agrícolas... em outras, o ministério sacerdotal. Como
conseqüência dessa diversidade de circunstâncias existe, portanto, uma concreta
diferença jurídica entre a Prelazia do Opus Dei e a Sociedade Sacerdotal da
santa Cruz (Cf. Entrevista a Mons. Javier Echevárria, atual Bispo Prelado do
Opus Dei, Palabra, março de 1993, pags
30 e 55).
Dentro da Sociedade
Sacerdotal da santa Cruz há, também, uma diferença específica entre os
sacerdotes e diáconos incardinados na Prelazia que já eram membros da mesma
como leigos e aqueles que estão incardinados numa diocese. Os primeiros
pertencem à Sociedade pelo próprio fato da sua ordenação. Os segundos devem
pedir a sua admissão, em virtude do chamado de Deus e movidos por verdadeiros
desejos de progresso espiritual e uma vontade, humilde e decidida, de tender à
santidade no desempenho do seu trabalho ministerial ordinário e, além disso,
conhecerem bem o espírito do opus Dei e estarem dispostos a vivê-lo de forma
estável e consciente De um modo concreto, deverão ter a disposição de fomentar
a unidade à Igreja e ao papa, amar a sua diocese, e prestar obediência e
veneração ao próprio Bispo.
5. AS RELAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE
SACERDOTAL DA SANTA CRUZ E OS BISPOS DAS DIOCESES ONDE ELA TEM ASSOCIADOS.
Um princípio basilar
da sociedade sacerdotal da santa Cruz é o nihil sine episcopo. Um
sacerdote diocesano que se propõe a procura da santidade no exercício do seu
ministério, sente-se necessariamente inclinado a viver e a demonstrar
intensamente a sua unidade com o próprio Bispo através da docilidade, da
obediência, da disponibilidade para aceitar qualquer encargo pastoral por duro
e incômodo que pareça, da prontidão para secundar suas sugestões, do desejo de
fomentar a unidade do presbitério em torno do seu pastor...
No que diz respeito à
formação dos sacerdotes, a Sociedade complementa aquela que ministra o bispo da
diocese através dos encontros periódicos do presbitério, dos retiros mensais ou
anuais, das conversas pessoais, das cartas pastorais, da pregação etc. nesse
sentido a Sociedade promove meios de formação específicos que transmitem a
espiritualidade do Opus Dei junto com as exigências fundamentais que implica
toda a formação sacerdotal, em sintonia com o decreto Presbyterorum Ordinis (n.
8) e a recente Exortação Apostólica Pastores dabo vobis (n.8). ambos
documentos, outrossim, mencionam a convivência de suscitar associações que
fomentem a santidade sacerdotal e a formação dos presbíteros. E nesse sentido
que trabalha, também, a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.
Mas a Sociedade procura
especialmente que o sacerdote que a ela se associe viva o compromisso de
santificação pessoal que o leva a por um destaque a realização abnegada dos
seus encargos pastorais, já que é precisamente neles e através deles onde há de
encontrar a matéria dessa sua santificação.
É por esta razão que
nunca poderá haver conflito entre a Sociedade Sacerdotal da santa cruz e os
trabalhos que os seus associados desempenham nas suas dioceses. Por sua mesma
identidade fundacional, a sociedade exclui radicalmente qualquer tipo de
interferência em ambos que lhe correspondam; de direito e de fato limita-se a
prestar ajuda espiritual e solidariedade fraterna aos sacerdotes. As únicas
indicações que ela sugere aos seus associados referem-se ao âmbito da
espiritualidade o exercício das virtudes, o fomento da vida de oração, a
unidade com seu Bispo, a abnegação com o seu povo, a dedicação extremada ao seu
encargo pastoral, o espírito de serviço com os seus irmãos sacerdotes (Cf. Loc.
Cit).
Neste sentido, nenhum
sacerdote ou bispo poderia ter qualquer tipo de receio. A delicadeza que se
vive nesta matéria é extremada.
6. UM TESTEMUNHO SOBRE A
SOCIEDADE SACERDOTAL DA SANTA CRUZ
A experiência do
trabalho realizado pela Sociedade sacerdotal da santa Cruz durante várias
décadas, em muitas dioceses dos cinco continentes, constata o que acabamos de
afirmar. Para terminar este trabalho desejaria acrescentar, entre os muitos
depoimentos que poderíamos aduzir a respeito, apenas um de Dom Enrique Pélach,
bispo emérito de Abancay no Peru. Ele nos diz: tive a alegria de conhecer
muitos sacerdotes da Sociedade sacerdotal da Santa Cruz, em diversos países da
Europa e da América, especialmente de hispano-América que é onde trabalho há 35
anos, e, como bispo, conversei com muitos bispos que tem a sorte de contar em
suas dioceses com sacerdotes da Sociedade Sacerdotal da santa Cruz. Posso dizer
que os traços mais destacados desses sacerdotes são: a disponibilidade e a
obediência ao seu bispo, a visão sobrenatural no seu trabalho sacerdotal e uma alegria
contagiosa muito agradável (Cf. Palabra, março de 1993, p. 60.)
Ele mesmo confirma
essas impressões pelas experiências pessoais que teve com os sacerdotes da
Sociedade da santa Cruz que trabalharam na sua diocese: como os conheço mais
intimamente, posso acrescentar que são exemplares em sua vida de piedade e no
trabalho sacerdotal. Quer nas cidades, quer nas missões espalhadas pelas
montanhas, vivem um grande amor à Igreja. Por isso não muito dedicados à
promoção de vocações sacerdotais e religiosas, razão porque foi necessário
construir dois seminários menor e maior e vários noviciados de religiosas e
todos estão repletos, apesar das constantes ampliações realizadas (Loc. Cit.)
O principal fruto da
sua vinculação à Associação é o de terem assegurada uma atenção humana e
espiritual boa e constante, por direito e por dever.
Assusta-me pensar na
solidão do sacerdote diocesano. Ficar só! Isto é o que pode levá-lo a tantos
desvios e ineficácia, quando está chamado especialmente à santidade pessoal e a
encaminhar a outros para a santidade. Nos jogos de futebol se tiram as bolas
que murcham, aos sacerdotes é preciso ajudá-los a recupera-se, a estar em
forma. o sacerdote da Sociedade sacerdotal da Santa Cruz sabe que sempre
contará com sacerdotes que fraternalmente o acompanharão com verdadeiro carinho
humano e sobrenatural, não só para evitar perigos, mas, principalmente para
ajudá-lo a ser mais fiel e mais eficaz a seu bispo; e mais santo (Loc. cit).