DEVOÇÃO A MARIA

Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

16/05/2008

 

 

No Brasil, a devoção a Maria, expressa de várias maneiras, incluindo a celebração do mês de Maio, encontra-se entre essas marcas que dão uma face própria à Igreja entre nós.

Nas cidades e nos sertões afora, nesta época do ano, assumem importância especial essas comemorações. Os católicos se reúnem para ouvir uma leitura ou pregação e experimentar um crescimento na Fé pela Palavra de Deus. Manifestam o amor à Mãe do Senhor tanto na parte devocional quanto na cultural. Hoje, muito frequentemente, com a Santa Missa. Assim, uma oportunidade de encontro, de oração e de instrução. Somente uma falta do mais elementar senso pastoral ou uma atitude própria dos que aderem às novidades, pela admiração pura e exclusiva que provocam, como meio de autopromoção, poderão suprimir ou enfraquecer essa prática. A fidelidade à tradição mantém os ouvidos de tantos, atentos à pregação do Evangelho e os corações abertos ao amor do Filho, através da Mãe.

O mês de maio também nos oferece uma oportunidade para orientar nossa Fé, segundo a verdadeira doutrina sobre Maria e sua repercussão na vida cristã.

Recordo as duas propostas, no Concílio: elaborar um Documento próprio sobre Nossa Senhora ou incluí-la na Constituição Dogmática “Lumen Gentium”. Ambas se identificavam no desejo de evitar qualquer diminuição do amor à Virgem no seio da Igreja. Venceu a última, que inseria a figura da Mãe do Redentor na própria estrutura eclesial. Na realidade, a pretexto de corrigir falhas existentes, alguns, na fase pós-conciliar, diminuíram aquelas homenagens em honra de Maria.

Contra essa anemia perniciosa, surgiu um Documento Pontifício da maior importância, datado de 02 de fevereiro de 1974. O Papa Paulo VI, publicou a “Exortação Apostólica para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-aventurada Virgem Maria”. Nele, estão bem fundamentadas as razões que justificam o amor à Mãe de Deus. Vai além: recomenda, na parte terceira do documento, expressões de piedade mariana como o “Angelus” e o Terço. Na conclusão, afirma: “a Igreja, no entanto, instruída pelo Espírito e amestrada por uma experiência multi-secular, reconhece que também a piedade para com a Bem-aventurada Virgem Maria, subordinadamente à piedade para como Divino Salvador e em conexão com Ele, tem uma grande eficácia pastoral e constitui uma força renovadora dos costumes cristãos”.

O mês de maio, expurgado de um vazio sentimentalismo, que possa ter se infiltrado nas manifestações piedosas, é ocasião propícia para uma transmissão aos fiéis do citado documento, a fim de fortalecer, assim, o cerne de nossa vida religiosa.

O eco desta “Exortação Apostólica” extrapola o seu conteúdo propriamente dito. Vai além e se reflete beneficamente em outras áreas.

O Concílio Ecumênico Vaticano II, para os que crêem, é fruto do Espírito Santo, mas, ao ser aplicado, sofre naturalmente a influência dos homens, ora por uma vida onde falta a visão sobrenatural, ora pelo pouco aprofundamento intelectual.

A execução de algumas decisões foram ou desvirtuadas de seus objetivos ou esvaziadas da sua primordial intenção. No âmago, procurou-se, a pretexto de inserção no mundo, substituir Deus pelo homem.

O culto à Maria sofreu também, sob variadas intenções, certo arrefecimento. Alegavam falsas razões, como se a autêntica devoção a Nossa Senhora empanasse o louvor a Cristo Jesus, ou o legítimo culto às imagens, prejudicasse a verdadeira formação religiosa de nosso povo. Refletindo sobre esses fatos, somos levados a pensar que a mais perniciosa mentira é a meia-verdade.

Sobre isto é interessante reproduzir o comentário, como sempre muito sincero, do então Cardeal Ratzinger numa memorável entrevista: “Quando eu era jovem teólogo, antes e até mesmo durante as sessões do Concílio, como aconteceu e como acontecerá, a muitos, eu alimentava uma certa reserva sobre algumas fórmulas antigas como, por exemplo, a famosa “De Maria nunquam satis” – “Sobre Maria jamais se dirá o bastante”. Esta me parecia exagerada. (...) Somente agora – neste período de confusão em que multiplicados desvios heréticos parecem vir bater à porta da fé autêntica -, passei a entender que não se tratava de um exagero cantado pelos devotos de Maria, mas de verdades mais do que válidas”.

A Exortação Apostólica após tratar, de maneira admirável, das prerrogativas de Maria, insiste sobre determinadas práticas devocionais que, pelas atitudes acima referidas, estavam sendo relegadas ao esquecimento. Esta publicação do Papa Paulo VI terá reflexos profundos, levando a um exame de posições sobre outros pontos de nossa vida cultual. Devemos distinguir na aplicação das reformas conciliares o que é o produto dos homens daquilo que é fruto do Concílio, isto é, do Espírito Santo. Para os que pertencem à Igreja, fundada por Jesus Cristo, o critério definitivo está na fidelidade ao Papa e aos Pastores, quando unidos ao mesmo.

Este mês de Maria não é só de homenagem a Nossa Senhora. Deve-nos levar, pelo estudo dessa Exortação Apostólica, a um aprofundamento teológico-pastoral da piedade mariana e ir além.

Maria contradiz o desespero do mundo. Ela permaneceu fiel ao pé da Cruz. Ela é o símbolo mais completo da nossa verdadeira esperança: ela é cheia de Graça, obra total de Deus. Feliz quem entende que “todas as gerações hão de chamá-la bem-aventurada” (Lc 1, 48).

Há quase duas décadas a Arquidiocese do Rio de Janeiro vem tendo seu encerramento do “Mês de Maio” no histórico penhasco onde os cariocas cultuam Nossa Senhora da Penha de França. É o principal Santuário mariano do Rio. Ali se reúnem, no último domingo de maio, milhares de fiéis como comunidade eclesial para louvar nossa Mãe, em um só hino os ecos de suas paróquias.

O Concílio Vaticano II nos ensina (“Lumen Gentium”, 60-63): “A materna missão de Maria, pois, impele o Povo de Deus a dirigir-se, com filial confiança, aquela que está sempre pronta para atender, com afeto de mãe e com o valimento eficaz de auxiliadora”. 

Neste final do mês de maio, peçamos a proteção à Maria, nossa mãe e também dos embriões vivos que correm o risco de serem mortos na vã expectativa de proporcionar a saúde de outros.

 

Fonte: http://www.arquidiocese.org.br/