O CAMINHO DA PRUDÊNCIA

Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro -
29/06/2007

 

    

    Assim começava o Papa Bento XVI sua homilia no dia 29 de junho de 2006: “’Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’ (Mt 16, 18). O que quer dizer exatamente o Senhor a Pedro com estas palavras? Que promessa lhe faz com elas e que cargo lhe confia? E que diz a nós o Bispo de Roma, que está na Cátedra de Pedro, e à Igreja de hoje? Se quisermos compreender o significado das palavras de Jesus, é útil recordar o que os Evangelhos nos narram em situações diversas. O Senhor transmite a Pedro a missão que lhe competirá exercer. Trata-se sempre da mesma tarefa, mas torna-se mais claro para nós, pela diversidade das situações e das imagens usadas”.

     No Evangelho de São Mateus, Pedro faz sua confissão a Jesus, reconhecendo-o como Messias e Filho de Deus. Com base nisto, é-lhe conferida a sua tarefa particular mediante três imagens: a da rocha que se torna pedra de fundamento ou pedra angular, a das chaves e a de ligar e desligar. No Evangelho de São Lucas, confere-se de novo uma tarefa especial a Pedro (cf. Lc 22,31-33).

     A terceira referência ao Primado encontra-se no Evangelho de São João (21,15-19): o Ressuscitado confia a Pedro seu rebanho. A sua promessa é verdadeira: os poderes da morte, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja que Ele edificou sobre Pedro (cf. Mt 16, 18) e que Ele, precisamente desta forma, continua a construir pessoalmente.

     “A festa dos santos Apóstolos Pedro e Paulo é ao mesmo tempo uma grata memória das grandes testemunhas de Jesus Cristo e uma solene confissão em favor da Igreja una, santa, católica e apostólica. É antes de tudo uma festa da catolicidade” (Homilia do Papa Bento XVI, em 29 de junho de 2005).

Merece particular atenção um outro trecho da homilia do Papa Bento XVI na Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo a 29 de junho de 2005: “Com a unidade, assim como com a apostolicidade, está relacionado o serviço petrino, que reúne visivelmente a Igreja de todas as partes e de todos os tempos, impedindo assim que nós escorreguemos para falsas autonomias, que muito facilmente se transformam em particularismos da Igreja e podem comprometer a sua autenticidade. Com isto não queremos esquecer que o sentido de todas as funções e ministérios no fundo é que ‘cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo’, para que cresça o corpo de Cristo ‘para se construir a si próprio no amor’ (Efésios 4,13.16)”.

     Santo Irineu de Lião, no século II, expressou este vínculo entre catolicidade e unidade de maneira muito adequada. Diz: “‘A Igreja espalhada em todo o mundo conserva esta doutrina e esta fé com diligência, formando quase uma única família: a mesma fé com uma só alma e um só coração, a mesma pregação, ensinamento, tradição como se tivesse uma só boca. São diversas as línguas segundo as religiões, mas a força da tradição é única e a mesma’”.

     Nos dias de transição em que nós vivemos, no momento atual da História dos homens, a missão do Papa assume então proporções imensas. A preservação de sua autoridade, a filial devoção dos católicos ao seu Chefe visível torna-se uma imperiosa necessidade ao bem-estar da família católica. Pode ser manifestação de nefasto egoísmo uma reivindicação de direitos, quando o momento necessita de uma maior valorização de deveres diante de uma autoridade que se faz símbolo da união dos católicos e fonte de paz, indispensável a uma sadia transformação.

     O Concílio Ecumênico Vaticano II, que valorizou a Colegialidade Episcopal, ensina-nos no documento “Lumen Gentium”: “Permanece intacto o poder primacial do Papa sobre todos, quer Pastores, quer fiéis. O Romano Pontífice, em virtude de seu múnus de Vigário de Cristo e Pastor de toda a Igreja, possui na mesma Igreja poder pleno, supremo e universal” (nº 22). Embora revestidos da Autoridade vinda dos Apóstolos, os bispos não podem exercê-la “senão com o consentimento do Romano Pontífice, pois o Senhor colocou, apenas, Pedro como pedra e guarda-chaves da Igreja e o constituiu Pastor de todo o Rebanho” (“Lumen Gentium”, 52).

     Jamais em toda a História da Igreja um Papa pôde ser visto e ouvido pela família humana como os dois últimos. Os instrumentos de comunicação social e os rápidos meios de transporte facilitaram este intercâmbio entre o rebanho e o seu Pastor Supremo. A viva consciência de sua responsabilidade no atual momento da história humana tem levado esse homem, de aparência frágil e de aspecto humilde, a aproveitar desses recursos que a Providência oferece a esta nossa geração. De um lado, uma imensa capacidade de sofrer pacientemente contestações que às vezes vêm de onde não deveriam surgir. De outro, uma firmeza inabalável em preservar a pureza de nossa Fé e a disciplina hierárquica de nossa Religião. Cristo constituiu a Igreja com uma autoridade que não é outorgada pelos fiéis, mas vem do Senhor. Se for certo que a maneira de exercer o poder deve adaptar-se às circunstâncias ocasionais, isto não significa uma diminuição da própria Autoridade.

     Ouvimos hoje, com certa freqüência, pareceres e opiniões, sentenças e afirmações as mais diversas, atingindo por vezes o cerne de nossa Fé. Como adquirem fácil veiculação esses fatos ou idéias não comuns, corremos o risco de ampliar indevidamente a importância desses acontecimentos. O imenso número de sacerdotes e teólogos absoluta e rigorosamente fiéis às diretrizes do Papa e de seus Bispos pode ficar na penumbra quando escândalos – e eles existem – surgem no campo da Fé e da disciplina. Deus confiou sua Igreja aos bispos com Pedro e sob a Autoridade do Papa. Os ensinamentos de um teólogo têm a marca indelével de Cristo, enquanto permanecem em comunhão com a doutrina desta mesma hierarquia. Uma reflexão no campo de uma pesquisa, mesmo em função de um normal progresso teológico, jamais pode ser confundida com as orientações da própria Igreja. Se alguém, mesmo bispo, assume atitudes ou difunde idéias em contradição com o Colégio Apostólico e ao Seu Chefe, o Papa, não fala em nome da Igreja, e, sim, como uma pessoa particular a quem não se deve obediência a essas propostas.

     A Igreja tem uma experiência de mais de dois milênios, além da indefectível assistência do Espírito Santo. Frente a um erro ou a uma indisciplina, os homens, por terem vida tão curta, às vezes esperam uma imediata correção. Em certas circunstâncias, o Espírito de Deus guia a Igreja pelos caminhos da paciência. A caridade pode levar a esperar, na expectativa de uma emenda. Só a prudência sobrenatural indica para cada caso o caminho do Espírito. Mais forte que a pura correção ou meio castigo é a mudança pela conversão.

     Reafirmemos nossa absoluta adesão às doutrinas emanadas do Pastor Supremo, daquele que representa o próprio Jesus Cristo na terra, pedra angular da Igreja de Deus. Essa nossa indefectível fidelidade nos deve levar, mesmo com sacrifício de nossas idéias pessoais, a uma fiel obediência à disciplina hierárquica que ele representa. Essa atitude é fonte de uma imensa tranqüilidade espiritual em meio às dificuldades que hoje atravessamos. Entre as opiniões de homens, pareceres de alguns grupos, aderir ao Papa é o caminho da prudência, além de exigência de nossa Fé.

 

 

Fonte: http://www.arquidiocese.org.br/