“O Cura d’Ars”
São
João Batista Maria Vianney (1786-1859)
Extratos dos Capítulos II e III, do
livro do Cônego Francis Trochu
(editado na França em 1925)
CAPITULO II
Um
pastorzinho durante o terror (1793-1794)
Os Vianney na missa do padre juramentado
– A santa indignação de
Maria Vianney - João Maria e os padres
fiéis – A missa nas granjas.
Em janeiro de
1791, época em que a Constituição Civil entrou a vigorar na comarca de Lião,
João Maria ainda não tinha completado cinco anos. O Pe Jacques Rey, cura de
Dardilly durante 39 anos, cometera a fraqueza de prestar o juramento cismático.
Mas, a dar-se crédito às tradições locais, esclarecido pelo exemplo do
coadjutor e dos colegas vizinhos, que haviam recusado o tal juramento, não
tardou muito em compreender e detestar sua falta. Permaneceu ainda por algum
tempo na paróquia celebrando a missa numa casa particular, retirando-se depois
para Lião. Mais tarde teve que exilar-se na Itália.
Se a saída do Pe
Rey não passou despercebida, Dardilly contudo não foi perturbada ao ponto que
se poderia esperar. A igreja continuou aberta, pois veio outro sacerdote,
enviado pelo novo bispo de Lião, um certo Lamourette, amigo de Mirabeau,
nomeado pela Constituição, sem mandato de Roma, em lugar do venerável Monsenhor
Marbeuf. O novo cura como também o novo bispo haviam prestado o juramento; mas
como poderia suspeitar a boa gente de Dardilly que a Constituição Civil, da
qual ignoravam, talvez, o próprio nome, pudesse conduzi-los ao cisma e à
heresia? Nenhuma mudança aparente se havia operado, quer nas cerimônias, quer
nos costumes paroquiais. Aqueles simples de coração assistiram por algum tempo
sem escrúpulos à missa do “padre juramentado”. Do mesmo modo procedeu com toda
a boa fé Mateus Vianney, a esposa e seus filhos. (A transição do culto
católico ao constitucional se fez em muitas paróquias sem violência visível).
Entretanto
abriram-se-lhes os olhos. Catarina, a mais velha das filhas, posto que naquela
época não contasse mais de uma dúzia de anos, foi a primeira a pressentir o
perigo. No púlpito, o novo pároco nem sempre tratava dos mesmos assuntos como o
Pe Rey. Os termos cidadãos, civismo, constituição, pontilhavam suas
prédicas. As vezes descambava em ataque contra seus predecessores. “Esses,
dizia, não são mais curas do que os meus sapatos” (Pe Vignon, cura de
Dardilly, Processo apostólico in genere, p. 368).
Cada vez mais a
afluência à igreja era menos homogênea e apesar disso mais minguada do que
outrora; pessoas mui piedosas não compareciam mais aos ofícios divinos. Onde,
pois, ouviam missa nos dias de festa? Pelo contrário iam outros que nunca
haviam freqüentado o templo. Catarina sentiu certos receios e os manifestou à
mãe. As coisas andavam nesse pé, quando os Vianney receberam a visita de um
parente que residia em Ecully.
“Ah ! meus
amigos, que fazeis ?” perguntou-lhes ao ver que assistiam à missa do padre
“juramentado”. “Os bons sacerdotes recusaram o juramento, por isso são caçados,
perseguidos, obrigados a fugir. Felizmente em Ecully, há alguns que ficaram
entre nós. A estes é que vos deveis dirigir. O vosso novo cura separou-se da
Igreja Católica com o seu juramento. Não é de modo algum vosso pastor e não o
podeis seguir”.
Como que fora de
si por essa revelação, a mãe de João Maria não trepidou em interpelar o infeliz
sacerdote e censurar-lhe a apostasia da verdadeira Igreja. Ao citar-lhe o
Evangelho, onde está escrito que o ramo separado da videira será lançado ao
fogo, levou-o à seguinte confissão:
- “É verdade,
senhora, a videira vale mais do que o sarmento”. . Maria Vianney deve ter
explicado aos seus a falta daquele padre, pois conta-se que o pequeno João
Maria “mostrou horror por esse pecado, começando dali por diante a esquivar-se
do cura juramentado”. Desde então a igreja paroquial, relicário de tão suaves
recordações, onde os pais se haviam casado e os filhos recebido o batismo,
deixou de ser para a família Vianney lugar predileto de oração. Não tardou
muito a ser fechada.
* * *
Chegaram, porém,
os dias da sangrenta perseguição. Todo o sacerdote que não prestasse juramento
se expunha a ser encarcerado e executado, sem recurso possível, dentro de 24
horas. Quem os denunciasse receberia cem libras de recompensa. Quem, ao
contrário, lhes desse agasalho, seria deportado. Assim rezavam as leis de 24 de
abril, 17 de setembro e 20 de outubro de 1793.
Apesar dessas
ameaças terríveis, os sacerdotes fiéis andavam escondidos pelos arredores de
Dardilly, e a casa dos Vianney ocultou a todos, um após outro. Em algumas
ocasiões celebraram nela a santa missa. .Foi um milagre o dono da casa não ter
caído na suspeita de alguns jacobinos, pagando com a cabeça a sua santa
audácia.
Mas foi mesmo em
Lião ou nos seus arrabaldes que os confessores da fé receberam, com mais
freqüência, generoso abrigo.
Mensageiros de
confiança, enviados de Ecully, passavam em certos dias pelas casas das famílias
católicas e lhes indicavam o esconderijo, onde à noite seguinte haveriam de ser
celebrados os divinos mistérios. Os Vianney partiam, sem ruído, e marchavam,
muitas vezes, por longo tempo na escuridão da noite. João Maria, todo feliz por
ir àquela festa, valentemente meneava as perninhas. Os irmãos murmuravam de vez
em quando, achando a distância demasiada, mas a mãe lhes dizia: “Imitem a
João Maria que nunca se cansa“.
Chegados ao
lugar combinado, eram introduzidos num paiol ou quarto retirado, quase às
escuras. Ao pé de pobre mesa, rezava um desconhecido cujo semblante fatigado
esboçava suave sorriso. Depois dos cumprimentos, no canto mais escuro, detrás
duma cortina, em voz baixa, o bom padre aconselhava, tranqüilizava e absolvia
as consciências. Não raro jovens noivos pediam que lhes abençoasse o
matrimônio. Enfim, chegava a hora da missa, a missa tão desejada por grandes e
pequenos. O padre dispunha sobre a mesa a pedra d’ara que trouxera consigo, o
missal, o cálice e numerosas hóstias, pois não seria só ele a comungar naquela
noite. Revestia-se com paramentos amarrotados e desbotados. Depois, envolto por
silêncio profundo, começava as preces litúrgicas, Introibo ad altare Dei.
Que unção na voz, que recolhimento e que comoção a da assistência!
Frequentemente misturavam-se às palavras santas os contínuos soluços do
celebrante.
Dir-se-ia uma
missa nas catacumbas antes da prisão e do martírio. Como se comovia naqueles momentos inesquecíveis a
alma do pequeno Vianney! De joelhos, entre a mãe e as irmãs, orava como um anjo
e chorava por ouvir chorar. Além disso, com que atenção escutava, sem
compreender tudo, os graves ensinamentos daquele proscrito que arriscava a vida
por amor às almas. Não teria sido naquelas reuniões noturnas que ouvira, pela
primeira vez, o chamado ao sacerdócio?
* * *
1793. O Terror.
Em Lião corria o sangue. Na Praça dos Terrores, a guilhotina não descansava. O
proconsul Chalier havia inscrito 20 mil lioneses nas suas listas de proscrição.
Uma revolta popular, chefiada por De Précy, fez subir ao cadafalso o próprio
proscritor . Os católicos se limitavam a esperar, quando um exército da
Convenção, sob o comando de Couthon e Dubois-Crance pôs sítio à cidade. De 8 de
agosto a 9 de outubro, De Précy resistiu valente- mente e não se rendeu a não
ser pela fome. 0 pequeno de 7 anos não se podia dar conta exata de tais
acontecimentos. Do campo da casa paterna, ouvia-se muito bem o ruído do
combate. Dubois-Crance estava acampado nos arredores de Limonet, alguns
quilômetros ao norte de Dardilly, e os soldados da Revolução passavam de
contínuo pelo povoado. Mas os ruídos da guerra inquietavam menos ao piedoso
menino do que o obstinado silêncio dos sinos.
A igreja
continuava fechada. Pelos caminhos não havia mais do que os pedestais dos
cruzeiros: de Lião vieram homens para derrubar as cruzes. (Fouché, por
decreto de 8 de novembro de 1793, ordenou que fossem destruídos todos os sinais
religiosos que se encontrassem nas estradas, nas praças e nos edifícios de
Lião). Em casa era necessário esconder cuidadosamente os crucifixos e as
imagens religiosas. Somente nos verdadeiros fiéis, o santuário dos corações
permanecia inviolado. João Maria não se desfez da sua pequena imagem da Virgem;
guardou-a com mais precaução do que nunca, levando-a ao campo num bolsinho do
casaco. (…)
CAPITULO III
A ESCOLA, A PRIMEIRA CONFISSÃO,
A PRIMEIRA COMUNHÃO (1794- 1799)
As lições do
cidadão Dumas - Um aluno exemplar - Os padres missionários: Groboz e Balley - A
primeira confissão de João Maria Vianney - Em Ecully, na granja de
“Point-du-Jour” - A primeira comunhão de um santinho.
A julgar por
diversos acontecimentos de sua infância, João Maria chegou ao uso da razão
muito cedo. Estava longe de ser um tardio. Apesar disso, fora das coisas de
religião, com a idade de 9 anos, ignorava quase todas as disciplinas profanas.
A irmã mais velha, Catarina, ensinou-lhe o que sabia, conseguindo ele desse
modo soletrar um livro de orações. Era pois chegado o tempo de freqüentar a
escola.
Infelizmente,
porém, esta não existia em Dardilly.
A lei de 19 de
dezembro de 1793 (29 frimaire ano II) dispunha que todas as crianças de 6 a 10
anos deveriam freqüentar as escolas públicas durante três anos consecutivos,
sob pena de os pais incorrerem numa multa equivalente à quarta parte de seus
haveres. A instrução seria comum para todos e para todos obrigatória. Dessa
maneira julgavam os revolucionários que tal lei se estenderia até à última das
mais ignoradas aldeias. Sonho irrealizável, pois que a Revolução suprimiu as
fontes de ensino. “O ensino é livre”, proclamava no primeiro artigo a lei de 29
do “frimário” (3° mês do calendário republicano). Mas ninguém podia
ensinar a não ser que tivesse prestado o juramento e obtido o atestado de
civismo. Nenhum membro das congregações religiosas, nenhum sacerdote, poderia
ser escolhido como professor.
De mais a mais,
havia insuficiência de professores jacobinos. A pequena escola de Dardilly,
regida até 1791 por um bom cristão, foi fechada, não sendo mais reaberta. Até
no domínio da instrução infantil, a queda de Robespierre (27 de julho de 1794,
9 termidor ano II), provocou uma forte reação. A Convenção, abolindo o
juramento de civismo exigido dos professores, reconheceu o direito a todo o
cidadão de ensinar (17 de novembro de 1794, 27 brumário, ano II).
Graças a essa
tolerância, no começo de 1795, o “cidadão” Dumas abriu uma escola em Dardilly.
Era na estação invernosa, época em que as crianças não estavam ocupadas nos
serviços do campo; o novo professor, aliás um bom cristão, viu afluírem alunos
em número regular.
Ensinava, além
de ler e escrever, contas, história e geografia. João Maria começou a
distinguir-se pelo comportamento e aplicação. “O senhor Dumas, dizia Margarida,
estava muito satisfeito com o pequeno, dizendo muitas vezes aos outros: “Ah!
se vocês se portassem como o Vianneyzinho!”. Deveras, os progressos do
pequeno deveriam ter sido muito notáveis, pois vê-lo-emos, nos serões de
inverno, ler o catecismo, ensiná-lo à Gothon, a irmã menor, ou ainda ler em voz
alta a vida dos santos, escutada religiosamente pela família e pelos pobres.
* * *
Infelizmente a
igreja continuava fechada. Houve certo momento de esperança com a morte de
Robespierre. A perseguição perdeu muito de sua violência. 0 decreto do ventoso
(3 ventoso, ano III, 21 de fevereiro de 1795) ab-rogava o culto do “Ser
Supremo”, inaugurado pela
Convenção e
suprimia a Constituição Civil do Clero. Mas, depois destes meses ( 11 prairial,
30 de maio) , novo decreto dispunha “que ninguém poderia desempenhar o
ministério de algum culto religioso (nas igrejas que ainda poderiam ser
abertas) a não ser que antes disso fizesse ato de submissão às leis da
república“.
0 velho cura de
Dardilly, Pe Rey, não havia aparecido, nem outro sacerdote não juramentado para
tomar conta da paróquia.
A família
Vianney, que não simpatizava com nenhum padre sujeito ao decreto de 30 de maio,
continuava a ouvir a missa em casas particulares.
Até o fim de
1794 os padres católicos que permaneceram na comarca de Lião não chegavam a
trinta. Apesar da pena de morte, asseguravam o serviço religioso, ainda que sem
ordem nem continuidade, ora aqui, ora acolá, por não lhes ser possível fixar
residência. A França convertera-se em terra de missão e mesmo em algo pior. Não
obstante, fazia-se sentir a necessidade duma ação organizada. Se Monsenhor de
Marbeuf achou que era seu dever emigrar, o vigário geral, Pe Linsolas,
disfarçando-se, não abandonou a cidade. No começo de 1794, dividiu a paróquia
em grupos paroquiais, e, para cada grupo, designou missionários, coadjuvados
por catequistas leigos. Ecully ficou sendo um centro missionário, ao qual
pertencia Dardilly. Conservam-se os nomes dos confessores da fé que exerceram
naquela região tão heróico ministério. Foram, em primeiro lugar, dois
sacerdotes sulpicianos, Pe Royer e Chaillon, antigos dirigentes do seminário
maior; depois, um religioso, arrancado do seu convento pela tempestade
revolucionária, o Pe Carlos Balley, a quem teremos ocasião de ir conhecendo no
decurso deste livro. Enfim, o Pe Groboz, cura da paróquia de Sainte-Croix, que
tendo fugido para a Itália transpôs novamente os Alpes para substituir, de
algum modo, a tantos colegas condenados à morte. Esses quatro padres viviam
separados, dispersos em Ecully. Por motivo de precaução, adotaram um ofício que
aliás exerciam bem pouco. Sabemos que o Pe Balley trabalhava de marceneiro e o
Pe Groboz de cozinheiro. As ferramentas e utensílios que carregavam davam-lhes
certa aparência diante do povo e eram explicação suficiente de suas idas e
vindas. Não saíam quase a não ser ao cair da tarde, indo por caminhos esquivos
ao lugar combinado, onde diziam missa.
Com que respeito
João Maria contemplava no altar aqueles homens envelhecidos antes do tempo, que
traziam no semblante os sinais de tantas fadigas e de tantas privações
suportadas pelas almas! A eles mesmos chamou a atenção aquele menino de
límpidos olhares que orava com tanto recolhimento e com tanto fervor. Certo
dia, no ano de 1797, o Pe Groboz passou por Dardilly e visitou a casa dos
Vianney.
Abençoou as
crianças uma após outra. Perguntou a João Maria:
-”Quantos anos
tens?
-Onze anos.
-Desde quando
não te confessas?
-Eu nunca me
confessei, replicou todo admirado.
-Pois façamo-lo
agora mesmo”.
João Maria ficou
a sós com o padre e começou a sua primeira confissão. “Sempre me lembro dela,
dizia mais tarde; foi em casa ao pé do relógio“. De que pecados se poderia ter
acusado? É de crer que a perfeita candura daquela alma de criança maravilhou o
sacerdote que Deus enviara para receber suas confidências. Foi para o sacerdote
uma revelação. Era necessário para aquela criança instrução religiosa mais
completa. Poderia encontrá-la com as damas catequistas instaladas secretamente
em Ecully. Não custou muito ao Pe Groboz convencer os pais. João Vianney não
poderia, pois, ficar por alguns meses, em casa de Margarida Beluse, irmã de sua
mãe, casada com Francisco Humbert?
* * *
(…)
Duas religiosas
de São Carlos, as irmãs Combes e Deville, cujo convento não existia mais,
encontraram refúgio em Dardilly. Os missionários confiaram-lhes a delicada
tarefa de prepararem as crianças para a primeira comunhão.
João Maria foi
instruído por elas juntamente com outros quinze. O grande dia foi precedido por
um retiro. Durante esse tempo o jovem Vianney parecia todo abismado em Deus.
“Já naquela idade, disse mais tarde Fleury Véricel, de Dardilly, nós o
olhávamos como a um santinho. Rezava, rezava e não se comprazia em outra
coisa.” “Vede, diziam os camaradas, dando-lhe um apelido que por certo provinha
da família de Mateus Vianney, vede o pequeno “Gorducho” que faz concorrência ao
seu anjo da guarda”.
Estamos no ano
de 1799, “durante o segundo Terror” (Expressão de Madalena Scipiot, mulher
de Mandy, falando no Processo Apostólico in genere, p. 258, da primeira
Comunhão de João Maria Vianney.) no tempo em que se corta o feno. A
indecisão, que havia seguido à queda de Robespierre, não durou muito; os
católicos ainda continuavam a ser perseguidos; os padres morriam às centenas;
eram deportados para as Guianas, internados nos pontões de Rochefort, de Ré ou
de Oléron. O Papa Pio VI, ancião de 82 anos, estava prisioneiro da Revolução (Pio
VI morreu em Valença, aos 28 de outubro de 1799, pronunciando palavras de perdão).
O Calendário republicano continuava a vigorar e a década substituía o domingo.
As nossas belas festas religiosas, tão consoladoras para o povo, permaneciam
proscritas e tentava-se substituí-las por ridículas cerimônias (Celebrou-se
a Teantropofilia de Chemin-Dupontes e depois a Teofilantropia de
Larenvellière-Lepaux).
Era, pois, ainda
necessário esconder-se para orar a Deus. Em Ecully, a casa da família de
Pingon, possuía vastas dependências. Foi esse o lugar escolhido pelos padres
Groboz e Balley, para celebrarem a festa das crianças, festa celestial e
esplendorosa, radiante de luz em tempos pacíficos, mas que o povo ignorava
naquele fim de primavera. De manhãzinha os 16 meninos de Dardilly, que iam
comungar, foram conduzidos separadamente, em trajes ordinários, para uma grande
sala, cujas portas e janelas estavam bem fechadas, pois os meninos tinham cada
um sua modesta vela e não convinha que fossem vistos de fora. Para maior
precaução, puseram diante das janelas algumas carretas cheias de capim, e
durante a cerimônia, para dissimular melhor, vários homens se ocupavam em
descarregá-las. I. As mães levaram com muito cuidado, sob os chalés, os véus e
os laços brancos. Cada qual aprontava o próprio filho para a visita divina.
João Maria contava treze anos completos. Alma de um senso espiritual já mui
apurado, podia bem apreciar o dom que acabava de receber. Tinha fome de Cristo
e as tristes circunstâncias haviam tornado ainda mais distante aquele dia.
Recebeu a
Eucaristia com o coração cheio de fé, desejo e grande amor: “Eu estava
presente, contava Margarida Vianney. Meu irmão achava-se tão contente que não
queria mais sair do lugar onde teve a felicidade de comungar pela primeira vez“.
Sem dúvida, havia muito, viviam no seu interior aquelas palavras que haveriam
de sair tão ardentes de seus lábios sacerdotais: “Quando a gente comunga, sente
algo de extraordinário…um gozo…uma suavidade… um bem-estar que corre por todo o
corpo e o faz estremecer…somos obrigados a dizer como São João : Eis o Senhor!
…Oh! meu Deus, que alegria para um cristão que se levantando da mesa sagrada
vai com todo o céu no coração”.
Mais tarde, não
falava de sua primeira comunhão sem verter lágrimas de felicidade. Passados 50
anos, mostrava aos meninos de Ars o modesto rosário de neo-comungante,
exortando-os a conservarem cuidadosamente os seus como lembrança preciosa.
No mesmo dia
voltou com os pais para Dardilly. Passara o tempo da infância e o tempo dos
estudos. Ainda que crescesse lentamente, era forte para sua idade. Os trabalhos
caseiros da granja e do campo já o reclamavam. Desde então embalsamou mais do
que nunca a casa paterna com o perfume de suas virtudes. O aspecto franco, a
atenciosa afabilidade que o levava a saudar cortesmente a todo o mundo,
acabaram por ganhar-lhe os corações de todos.
Fim dos extratos dos capítulos II e III.