O ENSINAMENTO DE BENTO XVI

Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro 25/05/2007

 

 

    Ao sobrevoar o Saara, o Papa Bento XVI assim iniciou a entrevista com os jornalistas que o acompanhavam na histórica viagem ao Brasil: “Eu vou, com grande alegria, com tantas esperanças para este encontro com a América Latina”. Começa referindo-se à reunião com a juventude e à canonização do Beato Frei Galvão, um santo de reconciliação e de paz, e acrescentou: “um sinal importante de uma personalidade que soube criar paz e também coerência social e humana”.

Comenta o objetivo da visita, no sábado de manhã, à Fazenda da Esperança, uma comunidade para recuperação de toxicômanos, como um lugar onde sobressai a força da cura que está na fé: “parece-me que esta força de curar e de dar esperança, abrindo um horizonte para o futuro, seja muito importante”.
     A abertura da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, de conteúdo especificamente religioso afirmou: “responde à missão religiosa da Igreja e abre também o olhar sobre as condições necessárias para a solução dos grandes problemas sociais e políticos da América Latina”.
     Escolhi uma pergunta, entre outras, que os jornalistas fizeram ao Santo Padre: “No Brasil, há quem não queira ouvir a mensagem da Igreja?”. Ele assim respondeu: “Esta não é uma especificidade do Brasil. Em todas as regiões da terra são numerosos aqueles que não querem escutar aquilo que a Igreja diz. Esperemos que, pelo menos, ouçam (...). Além disso, não podemos esquecer que também Nosso Senhor não conseguiu fazer-se ouvir por todos. Não pretendemos convencer num momento. Mas procuro, com a ajuda dos meus colaboradores, falar ao Brasil, na esperança de que muitos queiram ouvir e que possam convencer-se de que este é o caminho a percorrer, de resto um percurso que está aberto também a muitas opções e diversas opiniões”.
     Na cerimônia de boas vindas, na quarta-feira, 9 de maio, agradeceu ao Presidente da República a “amável acolhida que me foi dispensada”. Após referir-se ao lugar muito especial que o Brasil ocupa no coração do Papa, declarou: “A Igreja quer apenas indicar os valores morais de cada situação e formar os cidadãos para que possam decidir consciente e livremente; neste sentido, não deixará de insistir no empenho que deverá ser dado para assegurar o fortalecimento da família como célula- mãe da sociedade; da juventude, cuja formação constitui um fator decisivo para o futuro de uma Nação e, finalmente, mas não por último, defendendo e promovendo os valores subjacentes em todos os segmentos da sociedade, especialmente dos povos indígenas”.
     Após chegar ao Mosteiro de São Bento, de São Paulo, onde ficou hospedado com parte da comitiva, abençoou a multidão presente que o acolheu com grande alegria: “É uma Igreja em festa! De todos os cantos do mundo estão rezando pelos frutos desta viagem, a primeira Viagem Pastoral ao Brasil e à América Latina que a Providência me permite realizar como Sucessor de Pedro”!
     O entusiasmo e a presença de milhares de jovens do Brasil e de outros países foram sinais marcantes destes dias de bênçãos divinas.
     Destaco alguns tópicos do seu discurso aos jovens no Estádio do Pacaembu, no dia seguinte, 10 de maio: “Tende, sobretudo, um grande respeito pela instituição do Sacramento do Matrimônio. Não poderá haver verdadeira felicidade nos lares se, ao mesmo tempo, não houver fidelidade entre os esposos. O matrimônio é uma instituição de direito natural, que foi elevada por Cristo à dignidade de Sacramento; é um grande dom que Deus fez à humanidade. Respeitai-o, venerai-o. Ao mesmo tempo, Deus vos chama a respeitar-vos também no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está destinada aos casados, somente é  fonte de felicidade e de paz na medida em que souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte das vossas esperanças futuras. Repito aqui para todos vós que ‘o “Eros” quer nos conduzir para além de nós mesmos, para Deus, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos’ (Carta Encíclica ‘Deus Caritas Est’, nº 5). Em poucas palavras, faz-se mister o espírito de sacrifício e de renúncia por um bem maior, que é precisamente o amor de Deus sobre todas as coisas. Procurai resistir com fortaleza às insídias do mal existente em muitos ambientes, que vos leva a uma vida dissoluta, paradoxalmente vazia, ao fazer perder o bem precioso da vossa liberdade e da verdadeira felicidade. O amor autêntico ‘procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais com ele, doar-se-á e desejará existir para o outro’ (Ib. nº 7) e, por isso, será sempre mais fiel, indissolúvel e fecundo (...). Queridos jovens, Cristo vos chama a serem santos. Ele mesmo vos convoca e quer andar convosco, para animar com Seu Espírito os passos do Brasil neste início do terceiro milênio da era cristã. Peço à Senhora Aparecida que vos conduza, com seu auxílio materno e vos acompanhe ao longo da vida”.

No dia 11 de maio, no Campo de Marte, diante de uma imensa multidão, no decorrer da Santa Missa, foi canonizado o Beato Frei Galvão.

Recordemos um trecho da homilia pronunciada, nessa oportunidade, pelo Sucessor de Pedro: “Queridos amigos e amigas, que belo exemplo a seguir deixou-nos Frei Galvão! Como soam atuais para nós, que vivemos numa época tão cheia de hedonismo, as palavras que aparecem na Cédula de consagração da sua castidade: ‘tirai-me antes a vida que ofender o vosso bendito Filho, meu Senhor’. São palavras fortes, de uma alma apaixonada, que deveriam fazer parte da vida normal de cada cristão, seja ele consagrado ou não, e que despertam desejos de fidelidade a Deus dentro ou fora do matrimônio. O mundo precisa de vidas limpas, de almas claras, de inteligências simples que rejeitem ser consideradas criaturas objeto de prazer”.
     A imprensa publicou algumas reações contrárias ao Papa Bento VI. Contudo, de um pastor zeloso não se pode esperar ensinamentos contrários ao Evangelho de Jesus Cristo.

 

 O ENSINAMENTO DE BENTO XVI - 2
01/06/2007

   

    Antes da recente visita pastoral do Santo Padre Bento XVI ao Brasil, durante muitas semanas, utilizando os meios de comunicação social - televisões, rádios e jornais  - relembrei as diretrizes do Sucessor de Pedro, o Papa João Paulo II aos fiéis e pessoas de boa vontade em suas viagens ao Brasil. A obediência ao ensinamento do Magistério predispõe ao acolhimento das normas por parte da comunidade católica.

     No encontro com os Bispos a 11 de maio último, na Catedral de São Paulo, o Papa Bento XVI recordou palavras, densas de conteúdo, da Epístola aos Hebreus: “‘O Filho de Deus aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve. E, uma vez chegado ao seu termo, tornou-se autor da salvação para todos os que lhe obedecem’ (Hb 5, 8-9). Exuberante no seu significado, fala da compaixão de Deus para conosco, concretizada na paixão de seu Filho; e fala da sua obediência, da adesão livre e consciente aos desígnios do Pai, explicitada especialmente pela oração no monte das Oliveiras: ‘Não seja feita a minha vontade, mas a tua’ (Lc 22,42). Assim, é o próprio Jesus a nos ensinar que a verdadeira via de salvação consiste em conformar a nossa vontade à vontade de Deus”.

     No mundo atual há correntes de pensamento que se opõem frontalmente ao ensinamento de Jesus. Entre outras, o conceito de liberdade, que na verdade é a libertinagem com todas as suas conseqüências. Uma outra é o subjetivismo que destrói a visão objetiva da realidade. Por ele, os mandamentos da Lei de Deus são substituídos pela concepção pessoal, subjetiva.

No seu recente livro, que na Europa já está sendo declarado o “best-seller do ano”, JESUS DE NAZARÉ, o Papa Bento XVI, afirmou de antemão: “Cada um é livre para contradizer-me”. Nisto ele revela a índole e a honestidade do homem que já viveu tantos anos na busca e ao serviço da verdade. Acrescenta no final do prefácio: “Peço apenas às leitoras e aos leitores aquela benevolência antecipada, sem a qual não há nenhuma compreensão”.

Esta benevolência é o mínimo que se exige em termos de honestidade e dignidade da parte do leitor. Por isso, é mister prestar atenção aos argumentos do Papa. Quem já tem idéia preconcebida, não é capaz de ouvir e julgar objetivamente. Tais pessoas não trazem argumentos verdadeiros, mas apelam para invectivas ideológicas.

O Papa tantas vezes já sublinhou que o Estado e a Igreja são entidades de duas ordens diferentes e independentes entre si. Mas esta laicidade (não laicismo hostil!) exclui a cegueira e a surdez diante dos argumentos.

Antes de mais nada, todo homem tem o direito de demonstrar diante da sociedade os valores que quer oferecer. Todos devem provar o que é apresentado, pesando os argumentos que subjazem.

Como então devemos ouvir o Papa?

O Santo Padre, em seus pronunciamentos, baseia-se em dois argumentos: de um lado, para os católicos ele é o representante de Jesus Cristo e deve, como todo apóstolo, anunciar a palavra de Deus, mesmo que desagrade. A pessoa que não tem fé, não poderá taxar isso de “fundamentalismo” ou de imposição contra a liberdade humana, desde que se considere a lei da natureza em que também se fundamenta o Papa. Estes princípios da lei natural são inscritos no íntimo de cada pessoa: “fazer o bem e evitar o mal”. Segundo esta mesma lei se deduz e se impõe por si mesma com a exigência à liberdade de cada um e o respeito à inteligência que sinceramente procura o bem maior.

Alguém pode discutir certas conclusões da lei natural, mas deve pelo menos oferecer uma “benevolência antecipada” que o Papa preconiza. Não é a força da voz nem a maioria dos votantes que criam a verdade. Esta é maior do que nós e deve ser procurada com humildade e otimismo.

Neste sentido, nenhum daqueles que proclamam a dignidade intocável de cada pessoa pode negar que há diferenças, cujo reconhecimento faz parte da dignidade. Um exemplo: nenhum cristão pode ofender, ferir, menosprezar uma pessoa que julga ser homossexual. Uma lei imutável protege a dignidade dessas pessoas. E, ao mesmo tempo, com a mesma clareza devemos dizer que somente a união entre homem e mulher é capaz de edificar o futuro da sociedade humana. Nenhuma outra união entre pessoas pode ser equiparada à dignidade da união do homem com a mulher, em vista de mútua complementação para procriar e proteger a vida humana.

É absurdo acobertar convicções contrárias com o argumento do Estado “laical”, pois ele não é nem cego nem surdo. Os seus cidadãos têm o direito de refletir sobre essas dimensões tão fundamentais da vida e da sociedade humana. Esta tem a natural necessidade de ouvir e refletir sobre tais verdades para não se tornar vítima de intolerantes defensores de ideologias.

Ao falar assim, o cristão não impõe ao Estado uma norma da Igreja, mas lembra e defende a evidência da natureza humana. Oportuno recordar aos católicos as palavras do Papa João Paulo II, em um discurso de 24 de fevereiro de 2004: “Não se pode ceder às pretensões de quem, amparando-se em uma errônea concepção do princípio de separação Igreja e Estado (...), tenta reduzir a religião à esfera meramente privada”. O cidadão, antes de ser político é pessoa humana, racional, não escravo de grupos, mas livre para caminhar com dignidade pelas vias da liberdade responsável. Só a verdade maior do que um interesse imediato faz-nos humanos, livres e dignos.

Diante de manifestações de algumas pessoas publicadas nos jornais contra o Papa Bento XVI e a Igreja, recomendo comparar essas reações com as extraordinárias manifestações de fé, o apoio às diretrizes do Sucessor de Pedro. Não nos devemos escandalizar, pois o Senhor Jesus já havia alertado os discípulos: “se eles me perseguiram, também a vós perseguirão” (Jo 15, 20).

 

Fonte: http://www.arquidiocese.org.br/